SlideShare uma empresa Scribd logo
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Silvana Aparecida Ferraz

LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA
SUBMISSÃO FEMININA

CURITIBA
2011
LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA SUBMISSÃO
FEMININA

CURITIBA
2011
Silvana Aparecida Ferraz

LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA SUBMISSÃO
FEMININA

Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação
em Ensino de Língua Espanhola e suas Literaturas da
Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial
para a obtenção do grau de especialista em Ensino
de Língua Espanhola e suas literaturas.
Orientadora: Prof. Ms. Maria Josele B. Coelho

CURITIBA
2011
DEDICATÓRIA

Rosario Castellanos foi uma das pioneiras a defender os direitos das
mulheres na sociedade mexicana e uma das mais influentes escritoras da literatura
hispano-americana.
Na minha vida, também tive contato com grandes mulheres, que de uma
forma e outra me deixaram exemplos e grandes ensinamentos. Dedico, então, este
trabalho a essas grandes mulheres.
Meu

grande

modelo,

minha

mãe

Hilda,

que

sempre

me

apoiou

incondicionalmente e minha irmã Lorita, por me incentivarem nas primeiras leituras, o
que me levou a optar pelo curso de Letras. Também fazem parte de minha história e
minhas tias Loi e Lurdes e a distante e próxima prima Elisa.
E as grandes amigas Andreia Bugalski, Patrícia Leite, Tatiane Padilha,
Elaine Carreira, Simone Pires, Leila Solera e Mirian Lins, que me deixaram exemplos
de força, liderança e superação.
Dedico também às professoras Nylcéa Tereza de Siqueira Pedra, Maria
Josele B. Coelho e Teresita Campos Avella, que me deixaram grandes exemplos de
como ser professor.
AGRADECIMENTOS

Em especial a minha mãe Hilda, pelo amor e apoio incondicional, e ao Marcio,
meu segundo sol, grande companheiro e incentivador, pelo seu carinho, respeito e pela
imensa paciência em me agüentar.
Meus sinceros agradecimentos à professora Josele, minha orientadora, pelo
apoio durante este período e a professora Teresita Campos Avella que sempre ajudou
todos os alunos do curso de especialização.
Aos meus amigos,

agradeço por entenderem e respeitarem

distanciamento durante o período de realização deste projeto.

meu
La literatura de las mujeres en América Latina es parte de la voz de los
oprimidos. Lo creo tan profundamente que estoy dispuesta a convertirlo en leit-motif en
un ritornello, en ideología.
Elena Poniatowska
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................................. 12
2.1

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTO……................................................... 12

2.2

CARACTERÍSTICAS DO CONTO...…...............................................................16

2.3

O CONTO HISPANO-AMERICANO…...............................................................21

2.4

A ESCRITA DE AUTORIA FEMININA………………………………....................24

2.5

A ESCRITA DE ROSARIO CASTELLANOS……………………………..............30

3 ANÁLISE……………………………………………………………………………..……33
3.1

O USO DO HUMOR NO CONTO LECCIÓN DE COCINA................................33

3.1.1

O humor no espaço doméstico e nas funções desempenhadas como dona

de casa………………………………………………………………………………..……...37
3.1.2 O humor na relação matrimonial.………………………………….......................38

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................40
REFERÊNCIAS...........................................................................................................42
RESUMO

O objetivo central deste presente trabalho é analisar o uso da ironia no conto Lección
de Cocina de Rosario de Castellanos, editado em 1971, enquanto recurso lingüístico
que possibilita a desconstrução da realidade submissa e patriarcal em que as mulheres
estavam inseridas na sociedade mexicana. Castellanos, consciente da dupla
discriminação das mulheres de sua época - ser mulher e mestiça - utilizava-se da
linguagem como forma de poder, pois pela força da enunciação de seus personagens,
exprimia sua ideologia enquanto denunciava as opressões sofridas. Ela também
buscava definir o papel da mulher na sociedade e a recuperação de sua identidade e
auto-estima, pois somente assim as mulheres conseguiriam a sua liberdade e
emancipação. Nessa perspectiva, esse trabalho considera a importância da produção
literária de autoria feminina hispano-americanas, por meio da qual se busca a liberdade
e um espaço de enunciação que permita à mulher deixar de ser um eco, uma sombra e
passar a usar sua própria voz para abandonar a dependência e a subordinação
masculina históricas.
Palavras-chave: Literatura Hispano-americana, Estudos de gênero, Autoria feminina,
conto, ironia, identidade.
RESUMEN

El objetivo central del presente trabajo es analizar el uso de la ironía en el cuento
Lección de Cocina de Rosario Castellanos, editado en 1971, en cuanto recurso
lingüístico que posibilita la desconstrucción de la realidad sumisa y patriarcal en que
las mujeres estaban insertadas en la sociedad mexicana. Castellanos, consciente de la
dupla discriminación de las mujeres de su época - ser mujer y mestiza – se utilizaba del
lenguaje como forma de poder, pues por la fuerza de la enunciación de sus
personajes, exprimía su ideología en cuanto denunciaba las opresiones sufridas. Ella
también buscaba definir el papel de la mujer en la sociedad y la recuperación de su
identidad y autoestima, pues solamente así las mujeres lograrían su libertad y
emancipación. En esta perspectiva, ese trabajo considera la importancia de la
producción literaria de autoría femenina hispanoamericana, por medio de la cual se
busca la libertad y un espacio de enunciación que permita a la mujer dejar de ser un
eco, una sombra y pasar a usar su propia voz para abandonar la dependencia y
subordinación masculina históricas.

Palabras clave: Literatura hispanoamericana, Estudio de género, Autoría femenina,
cuento, ironía, identidad.
10

INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de reflexões feitas ao transcorrer das aulas do
módulo O conto contemporâneo em língua Espanhola, ministrado pela professora
Maria Josele Bucco Coelho, do curso de especialização de Ensino de Língua
Espanhola e suas Literaturas. A partir do panorama da produção literária da narrativa
curta de escritores hispano-americanos, e também de algumas leituras prévias de
autoras como Clarice Lispector, Lya Luft e Rosario Castellanos, é que surgiu meu
interesse em investigar a produção contística mexicana de autoria feminina.
Assim, essa investigação tem como propósito estudar o uso da ironia como
recurso lingüístico que possibilita a fuga da realidade patriarcal e da submissão em que
a mulher mexicana está inserida, no conto Lección de Cocina da obra Album de
Familia (1971) da escritora mexicana Rosario Castellanos, que foi uma das pioneiras a
inserir em sua literatura uma tomada de consciência sobre a problemática de seu
espaço na sociedade e da busca de seu autoconhecimento e identidade.
Pretende-se também apresentar uma das funções da literatura de autoria
feminina que é a busca da construção de uma obra com voz própria, isto é, criar
espaços de enunciação para o outro como um meio de encontrar a liberdade e a
igualdade com os homens.
A fundamentação teórica, que orienta essa produção, considera as idéias de
teóricos como Nádia Battela Gotlib e Luzia de Maria R. Reis, Edgar Allan Poe, Julio
Cortázar, Ricardo Piglia e José Miguel Oviedo.
No que tange à produção contística de autoria feminina, será tomado como
corpus teórico as conferências e debates sobre gênero elencados por Jorgelina
Corbatta, os estudos de Maria Teresa Medeiros-Lichem sobre a voz, a ideologia e a
11

escrita de autoras hispano-americanas, assim como os debates sobre linguagem e
identidade de Rosario Castellanos de Beth Miller.
Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica que buscará, a partir do corpus
teórico selecionado, realizar a leitura, a análise e a interpretação destes selecionando
conceitos e idéias que fundamentem as marcas da dialética feminina e do uso da ironia
no conto Lección de Cocina. De Rosario Castellanos.
12

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTO

"Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa
explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito
além da pequena e às vezes miserável história que conta (...)
o tempo e o espaço do conto têm de estar como que condensados,
submetidos a uma alta pressão espiritual e formal
para provocar essa 'abertura'“.
Julio Cortázar

Segundo Gotlib (1985), a palavra conto refere-se à historieta, estória, narrativa
e conto popular, que tem origem da palavra latina computus, em português: conta. Este
termo passou a designar a história curta porque o verbo latino computare, tem também
o sentido de ordenar a narrativa em unidades e enumerar os fatos.
O ato de contar histórias é um fenômeno antropológico, presente no surgimento
e no desenvolvimento das civilizações e na criação de diferentes culturas, valores e
costumes. Trata-se de uma atividade inerente à condição humana. Pois desde os
tempos mais remotos o homem está intimamente ligado ao ato de contar histórias
Faz parte da cultura de um povo recompor a memória das épocas que se
foram e, deste modo, podemos “saber” do conto popular testemunhando sua
presença em antologias a que foi recolhido em ainda, estudado, analisado:
visto, assim, não sob o prisma do prazer, mas sob bisturis dissecadores que
servem a análises minuciosas de cada uma de suas partes, em busca de
compreensão maior. (REIS, 1984, p. 09)

Conforme Gotlib, o contar histórias, sob o signo da convivência, sempre reuniu
pessoas, as que contam e as que ouvem. Das sociedades primitivas em torno de
fogueiras, com os sacerdotes e seus discípulos na transmissão de mitos e ritos de
suas tribos, em volta da mesa as pessoas contam e ouvem histórias.
13

Essas narrativas na forma popular se consolidaram primeiramente pela
transmissão oral e só depois passaram ao registro escrito.
Conforme Reis (1984),
O conto popular cristalizava-se na tradição oral dos povos, atuando como
veículo de transmissão de ensinamentos morais, valores éticos ou concepções
de mundo, sendo fortalecido na memória de consecutivas gerações, a cada
noite, a cada serão, espécie de legado passado de pais a filhos.” (ibid, p. 08)

Assim, muitos estudiosos acreditam que os contos egípcios intitulados Os
Contos dos Mágicos (4000 a.C) sejam um dos mais antigos, e representem um dos
primeiros registros escritos desses relatos orais. No entanto, não é possível determinar
precisamente os primeiros passos dos registros escritos, menciona-se a existência, no
oriente, do Pantchatantra, (VI a.C) a mais antiga coleção de fábulas indianas, e no
século VI a.C, no oriente e na Grécia, as histórias contidas na Ilíada e a Odisséia de
Homero.
A difusão do conto como relato escrito ocorreu com a coletânea de contos das
Mil e Uma Noites, uma coleção de histórias e contos populares originárias do oriente
médio. A partir das atividades dos copistas, esses contos, foram retomados durante a
idade média e, dessa forma, passaram a ser conhecidos em toda a Europa. Essa
difusão é considerada como essencial no processo de consolidação do gênero conto.
Algumas de suas narrativas são bem conhecidas: "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa";
"Simbad, o Marujo"; e "Ali-Babá e os Quarenta Ladrões".
No século XIV se apresentam as primeiras preocupações artísticas e o conto se
afirma como uma categoria estética a partir da publicação de Decameron (1350), de
Bocaccio, que foi traduzido para diversas línguas.
Durante a Idade Média muitas modalidades deste gênero se popularizaram,
como os contos infantis e os de fadas. Vale ainda ressaltar que a estrutura e processo
de composição foram mudando, de acordo com a época e o estilo de cada narrador.
14

Neste mesmo período, quando surgiu, na Itália, o conto recebeu o nome de racconto,
de raccontare, contar de novo. O prefixo "ra" em italiano equivale ao "re" em português,
indicando repetição.
Se no século XVII, surgem grandes escritores e contistas como Miguel de
Cervantes com Las Novelas Ejemplares e Charles Perrault Histoires ou Contes du
Temps passé, conhecidos como Contos da mãe gansa, o século XVIII apresenta La
Fontaine, grande contador de fábulas, como as conhecidas: A cigarra e a formiga e A
raposa e as uvas.
Foi o Século XIX, com maior difusão dos contos a partir de publicações em
jornais e revistas devido a crescente expansão da imprensa, que permitiu a publicação
dos textos e o desenvolvimento do conto moderno, “Este é o momento de criação do
conto moderno quando, ao lado de um Grimm que registra contos e inicia o seu estudo
comparado, um Edgar Alan Poe se afirma enquanto contista e teórico do conto.”
(GOTLIB, 1985, p.7).
Dessa forma o conto, conhecido como uma narrativa popular, de intenção
satírica, ou moral, ou religiosa consagra-se como gênero literário em meados do século
XIX, despontando na França com Balzac e nos Estados Unidos com Edgar Allan Poe.
Quanto à terminologia, este novo gênero foi identificado pela primeira vez
como Short Story, em português: narrativa curta, porque este gênero tem como
característica a economia de meios, conforme Cortázar,
[…] el cuento contemporáneo se propone como una máquina infalible
destinada a cumplir su misión narrativa con la máxima economía de
medios; precisamente, la diferencia entre cuento y lo que los franceses
llaman nouvelle y lo anglosajones long short story se basa en esa
implacable carrera contra el reloj que es un cuento plenamente logrado
(CORTÁZAR, s/p)

Conforme descrito durante séculos, este gênero foi passando por
transformações, até chegar ao conto moderno, que ainda mantém muito das
15

características e da estrutura clássica, mas se diferencia pela estética do conto
clássico. Nesse, a narrativa era linear, havia um começo, meio e fim, e uma única
ação com acontecimentos pontuais, já o conto moderno acrescenta à análise
psicológica dos personagens, os aspectos cotidianos e a alinearidade da narrativa.

O que caracteriza o conto é o seu movimento enquanto uma narrativa
através dos tempos. O que houve na sua “história” foi uma mudança de
técnica, não uma mudança de estrutura: o conto permanece, pois, com a
mesma estrutura do conto antigo; o que muda é a sua técnica. Esta é a
proposta, discutível, de A.L. Bader (1945), que se baseia na evolução do
modo tradicional para o modo moderno de narrar. Segundo o modo
tradicional, a ação e o conflito passam pelo desenvolvimento até o
desfecho, com crise e resolução final. Segundo o modo moderno de narrar,
a narrativa desmonta este esquema e fragmenta-se numa estrutura
invertebrada.
De fato, a arte clássica (do período greco-latino) e a de seus imitadores (da
Renascença, no século XVI; ou do Classicismo no século XVII) tinham eixos
fixos que determinavam os valores da arte, como os do equilíbrio e
harmonia, que eram reunidos em princípios ou normas estéticas a serem
aprendidas e imitadas por outros. Uma delas era esta: a de se obedecer à
ordem de início, meio e fim na estória, ou a regra das unidades: uma só
ação, num só tempo de um dia e num só espaço. Algumas destas regras já
apareceram na Poética de Aristóteles. (GOTLIB, 1985, p. 17)

Conforme reitera Gotlib, o conceito e a estrutura do conto clássico
permanecem, mas a grande diferença do conto moderno é a mudança na técnica da
narrativa.
O teórico Ricardo Piglia defende a teoria do iceberg, segundo a qual o conto
moderno conta duas histórias como se fosse uma só.

O conto contemporâneo, reflexo na nova narrativa que se foi construindo nas
últimas décadas, substitui a estrutura clássica pela construção de um texto
curto, com o objetivo de conduzir o leitor para além do não dito, para a
descoberta de um sentido não-dito. A ação se torna ainda mais reduzida,
surgem monólogos, a exploração de um tempo interior, psicológico, a
linguagem pode, muitas vezes chocar pela rudeza, pela denúncia do que não
se quer ver. Desaparece a construção dramática tradicional que exigia um
desenvolvimento, um clímax e um desenlace. Em contrapartida, cobra a
participação do leitor, para que os aspectos constitutivos da narrativa possam
por ele ser encontrados e apreciados. Exige uma leitura que descortine não só
o que é contado, mas, principalmente, a forma como é contado, a forma como
o texto se realiza. (2001, p.24).
16

Dessa forma, pode-se considerar que para Piglia no conto moderno há o
abandono do final surpreendente e a estrutura fechada, característica do conto
clássico, e se trabalha a tensão entre as duas histórias. É uma narrativa que encerra
uma história secreta, que se conta algo enigmático onde o mais importante não se
conta, a história secreta se constrói com o não dito.

2.2 CARACTERÍSTICAS DO CONTO

Uma das características que diferenciam o conto de outros gêneros como a
novela e o romance é a sua extensão, pois é considerado uma forma narrativa em
prosa de menor extensão. De acordo com Luzia de Maria, “em princípio, o conto se
caracterizava por ser uma narrativa curta, um texto em prosa que dá o seu recado
em reduzido número de páginas ou linhas”. (1984, p. 23). Mas segundo a própria
autora, o conto não é definido apenas pelo seu tamanho, ocorre que por conta de
sua forma, os fatores como concisão e brevidade tornam-se de profunda
importância, pois para escrever levando-se em consideração o limite de escrita, o
autor deverá economizar nos meios narrativos e atentar-se para a máxima
profundidade e densidade, evitando o que for supérfluo, assim as palavras passam a
ter maior valor.
No conto, costuma haver uma única célula dramática, com temática
resumida, desenvolvendo apenas um conflito e com o número de personagens
reduzido, pois os fatos são interligados, para se manter um ritmo e uma tensão do
início ao fim. O tempo e espaço são condensados e a densidade dramática da trama
causa um efeito de atração no leitor.
Outras características do conto são:
17

 Brevidade: Levando em consideração que a estrutura do conto é
reduzida, a brevidade é fundamental para a sua construção, é
importante delimitar acontecimentos e ser conciso na narrativa.
Inicialmente a estrutura do conto era mais longa, mas foi diminuindo
de tamanho com o tempo. Como por exemplo, o contista guatemalteco
Augusto Monterroso, que é o autor do menor conto da literatura
mundial já escrito:1 "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá".
 Economia verbal: Pela sua curta extensão, os contistas precisam
atentar em utilizar linguagem simples e exata, pois cada palavra tem
uma função direta para o desfecho. Também se deve evitar o uso de
figuras de linguagem ou expressões que possam sugerir duplo sentido
e manter a precisão da narrativa.
 Concisão: Todas as ações se encaminham diretamente para o
desfecho, a narrativa envolve poucos personagens, geralmente em só
um espaço e levando em consideração apenas um conflito, para que
não surjam diversos núcleos temáticos. O passado e o futuro têm
significado menor, para um conto não é necessário dar explicações e
informações que possam ser supérfluas à história, para que não se
perca a unidade temática.
 Densidade: O conto tem os fatos são interligados, pois necessita de um
ritmo e uma tensão do início ao fim. O tempo e espaço são
condensados e a densidade dramática da trama causa um efeito de
atração no leitor.

1

È importante observar que para alguns teóricos, o texto de Monterroso inaugura um novo gênero – o
microrrelato. No entanto, este trabalho não abordará essa questão.
18

 Desfecho: Todo o conto trabalha para o grande clímax, que é o
desfecho na narrativa.

Muitos escritores e críticos fazem diversas reflexões sobre o caráter geral do
gênero conto e o esforço de apontar certos delimitadores comuns às suas diversas
manifestações. No entanto há muita discordância quando o assunto é a definição,
Machado de Assis o interpreta como um gênero difícil a despeito de sua aparente
facilidade e por causa desta facilidade acaba afastando-o dos autores e faz com que
o público não dê a atenção que se faz necessário. Já Mario de Andrade afirma que
conto é tudo aquilo que quiser se chamar de conto.
O primeiro grande teórico do conto e também contista, foi Edgar Allan Poe.
Suas ideias estão expressas no ensaio A Filosofia da Composição, onde apresenta
detalhadamente a metodologia do processo de produção de O Corvo.
Poe foi o primeiro a impor limites e criar regras a partir da teoria de Unidade e
Efeito. Neste ensaio, Poe se refere à reação que o texto pretende causar no leitor,
ou seja: aterrorizar? surpreender? encantar? o efeito causado

é um estado de

excitação ou de exaltação da alma e para este objetivo, deve ser calculado de
maneira a não se perder durante a leitura, por isso a importância da questão da
brevidade, pois se o texto for longo demais, pode-se perder esta exaltação.
Segundo Poe, uma composição é rigorosamente calculada, para se alcançar
o efeito esperado. “É meu designo tornar manifesto que nenhum ponto de sua
composição se refere ao acaso, ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a
passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema
matemático.” (POE,1999, p.12)
19

Portanto, a composição calculada de Poe inicia-se pela intenção, isto é, o
que o autor pretende com o conto. O próximo passo é a extensão do conto, pois
para ele há um limite distinto, em torno de cem versos, e que a leitura seja de uma
só sentada, pois se a leitura passar deste limite corre o risco de perder o efeito
pretendido. Assim, afirma que
Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma sentada,
devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que se
deriva da unidade de impressão, pois, se requerem duas sentadas, os
negócios do mundo interferem a tudo o que se apareça com totalidade é
imediatamente destruído. (ibid., 1999, p.12)

Poe também alerta para o fato de que o conto também não deve ser muito
breve, deve haver uma forma equilibrada. “um poema breve demais pode produzir
uma impressão vivida, mas nunca intensa e duradoura” (ibid., 1999, p.13)
Outros fatores importantes são as escolhas do tom e os efeitos artísticos
adequados, que para ele se entende como o uso de um refrão poético de tom forte,
que deve ser sonoro e dar ritmo e ênfase ao conto.
Para Poe, o autor deve ter o domínio sobre o material narrativo, para chegar à
função do efeito pretendido. Ele se baseia na relação entre a extensão e o efeito que
a leitura causa no leitor e defende que a produção de um conto deva ser um cálculo
minucioso, o autor deve elaborar um plano para obter o sucesso.
O escritor e teórico argentino Julio Cortázar também destaca a dificuldade de
definição, também segundo ele, o conto é um gênero de difícil explicação e esquivo
nos seus múltiplos e antagônicos aspectos. Para ele, o conto, que é um gênero
pouco classificável, não é regido por regras e sem por pontos de vistas de cada
autor.
(…) Nadie puede pretender que los cuentos sólo deban escribirse luego de
conocer sus leyes. En primer lugar, no hay tales leyes; a lo sumo cabe
hablar de puntos de vista, de ciertas constantes que dan una estructura a
ese género tan poco encasillable; en segundo lugar, los teóricos y los
críticos no tienen por qué ser los cuentistas mismos, y es natural que
aquéllos sólo entren en escena cuando exista ya un acervo, acopio de
20

literatura que permita indagar y esclarecer su desarrollo y sus cualidades.
(CORTÁZAR, s/p)

Cortázar, diferentemente de Poe, avalia que a produção de contos não se dá
por um processo calculado, mas por certas estruturas. Nesse sentido não há regras
e cálculos que devem ser seguidos minuciosamente, pois o fazer literário vai além
de esquemas e normas e a escritura é entendida como um exorcismo, “Como si el
autor hubiera querido desprenderse lo antes posible y de la manera absoluta de su
criatura, exorcizándola en la púnica forma en que le era dado hacerlo:
escribiéndola.” (CORTÁZAR, s/p)
Há na escritura de um conto um oficio de escritor, que consiste em buscar
algo que prenda da atenção do leitor, e a única maneira para que ocorra este
seqüestro momentâneo da atenção do leitor é ajustar o tema com a intensidade e a
tensão que o conto proporcionará e um os meios para se conseguir este efeito é
com o uso da brevidade e a economia de meios e palavras, pois o conto parte da
noção de limite.
Para explicitar esta questão do limite e da brevidade, Júlio Cortázar usa como
exemplo o cinema e a fotografia, assim o cinema está para o romance, a fotografia
está para o conto. Isso porque o romance e o cinema têm a possibilidade mais
ampla para abordar os temas devidos a estrutura mais extensa, já o conto e a
fotografia, por seu caráter físico mais reduzido, precisam em poucas páginas ou até
onde capta a lente da câmera para fazer o recorte preciso, com o ritmo e intensidade
para projetar o clímax e o efeito pretendido pelo autor.
Outra comparação citada por Cortázar é do conto com um knockout “La
novela gana siempre por puntos, mientras que el cuento debe ganar por knockout”.
Para ele, um bom contista é um boxeador astuto e seus golpes iniciais podem
21

padecer despretensiosos e poucos eficazes, mas na verdade ele está minando as
resistências do adversário.

2.3 O CONTO HISPANO-AMERICANO

Considera-se que a partir de 1920 o conto hispano-americano teve o seu
auge e sofreu transformações quanto à sua temática, linguagem e técnica. Algumas
dessas mudanças foram em relação ao deslocamento dos planos temporais, as
rupturas com o fio narrativo e o mais acentuado uso da fala popular.
Conforme estudo de José Miguel Oviedo, na obra Antología del cuento
hispanoamericano (2001), a década de 1920 foi o momento em que se produz o
primeiro grande impacto das vanguardas europeias e este fenômeno marca o início
do conto hispano-americano contemporâneo e esta renovação o leva a se converter
em um dos gêneros mais originais e de grande vitalidade até os dias de hoje. Antes,
a produção contística era marcada pela influência das correntes modernistas.
Oviedo orienta seu estudo a partir de um mapa classificatório da trajetória da
produção hispano-americano do século XX dividido em quatro grandes linhas:
1. Tradição Realista: é a representação de uma realidade objetiva e
reconhecível ao leitor, que a comparte com o autor. O relato é o
condutor da comunicação de uma realidade ou de experiências
verificáveis, os elementos testemunhais, que vem desde o séc XIX se
mantêm, mas em meados do séc. XX a tradição realista passa por uma
renovação estética. Do realismo há outras formas das quais evoluíram
para:
22

- Criolista: marca a ruptura com a colônia, começa a elucidar uma nova
tradição marcada pela reconciliação com a própria herança cultural.
- Indigenista: o índio é o tema central, mas sua imagem representada
vai transformando-se e adquirindo as características que os tempos e
as novas ideologias vão lhe oferecendo, a de enfatizando o processo
de exclusão sofrido pelo índio na sociedade.
- Neorrealista: rompe com o passado, há uma busca pelo objetivismo e
os fatos se apresentam de forma real.
Alguns representantes desta tradição foram: César Vallejo, Arguedas
e Mario Benedetti.
2. A Inovação: Contos fantásticos, as vanguardas, contos especulativo e
humorístico: há elementos de estranheza e nova matéria narrativos. A
fantasia abre espaço para os jogos de experimentação e alegorias, a
trama passa a ser elemento tão fundamental quanto os personagens. É
marcado pels contos de horror, de fantasia e ficção. Grandes nomes:
Adolfo Bioy Casares, Horacio Quiroga e Macedonio Fernández.
3. Grande Síntese: Chamado como o “Boom’ literário dos anos sessenta,
representa uma nova forma de escrever que contribuiu para uma
mudança de foco e de perspectivas da tradição literária hispanoamericana. Este evento se deu com a soma de fatos como a difusão
editorial da Espanha e a presença de um público mais crítico e
interessado na literatura hispano-americana. Segundo Oviedo em
relação a este acontecimento:
… el “boom” contribuyó a un cambio de foco y perspectiva en una
nueva propia tradición literaria. Pasado y presente, realidad e imaginación,
historia y mito, origen y utopía: en estas novelas se consolidaba una potente
visión integradora de un continente dividido y contradictorio. En un
determinado momento, la ficción hispanoamericana culmina una gran
23

síntesis de formas, ideas y propuestas gestadas con anterioridad: eso es lo
que el “boom” realmente significa. (OVIEDO, 2001, p. 24)

4. Otras direcciones: Esta linha tem definição menos precisa que as
outras apresentadas, devido ao pouco distanciamento temporal das
obras em estudo. A impossibilidade de estabelecer características
concretas ocorre devido as fato de que entre o pós-boom e a aparição
do espírito pós-moderno na narrativa. Oviedo faz uma apresentação de
diversos contistas com atitudes e propostas estéticas diferentes, sem
seguir um padrão definido. É neste período que a participação das
mulheres na literatura hispano-americana se apresenta como uma
importância considerável, como Rosario Ferré e Elena Poniatowska.

Segundo Oviedo a literatura mexicana tem importante lugar na literatura
mundial e sua produção contística contemporânea recupera as tradições literárias de
gerações anteriores, com antecedentes diretos da década de 1950. Exemplos disso
são os autores Juan Rulfo, Juan José Arreola e Carlos Fuentes.
Nas décadas de 1960 e 1670 são publicadas as primeiras obras onde o
humor e a ironia começam a abordar as questões sociais e culturais da sociedade
mexicana. Neste período são publicadas, entre outras, as obras La Oveja negra y
demás fábulas (1969) de Augusto Monterroso, Cuál es la Onda de José Agustín e
Álbum de família (1971) de Rosario Castellanos, que foi pioneira no uso da autoironia na escrita feminina.
Castellanos foi uma das mais importantes vozes literárias Mexicanas. Nasceu
na Cidade do México em 1925 e passou grande parte de sua vida como professora
universitária e escritora, mas também se dedicou a carreira política trabalhando
24

como promotora cultural e embaixadora do México em Tel-Avivi, onde faleceu em 07
de agosto de 1984.
Sua obra é marcada por temas com enfoque político, sexista e crítica da
sociedade patriarcal mexicana. Rosario Castellanos tem uma vasta bibliografia, ela
escreveu romances, teatros, contos, poesias e ensaios. Seus mais importantes
trabalhos com contos é o livro Álbum de Família (1971) que apresenta como ponto
alto temas referentes à identidade feminina, e também outro referencial é a sua
dissertação de mestrado Sobre Cultura Femenina, (1950) pela Universidade
Nacional Autônoma do México, onde ela questiona se existe uma cultura feminina e
a que se deve a subordinação da mulher. Com a defesa desta pesquisa, ela obteve
com unanimidade o grau de mestre em filosofia.
O ingresso das mulheres nas universidades nas décadas de 1940 e 1950 no
México significou um processo de modernização social e de abertura para as
próximas gerações de um espaço antes privilegiadamente masculino.

2.4 A ESCRITA DE AUTORIA FEMININA

"Yo nací mujer, pero aún debo devenir esta mujer que soy por naturaleza”
Helene Cixous

Assim como sua história na sociedade, a participação da mulher na literatura
também percorreu um longo caminho para que seu discurso chegasse a ser
identificado e ouvido, deixando de ser a representação de um eco do discurso
ficcional masculino, um títere manipulado pela voz do outro e passasse a dar forma
a sua própria voz, ao discurso feminino:
25

“a figura feminina é fina voz retirada de um registro masculino, que se
constrói de forma similar ao ventríloquo e seu boneco: confusão de vozes,
perversa construção enganosa, enquanto fantasma consciente ou
inconsciente, nestes tortuosos caminhos do desejo, que se mimetizam ou
reduplicam nas linhas do texto.” (CASTELLO BRANCO,1989, p.22)

Desde o fim do séc. XIX e no séc. XX ocorreram as maiores transformações
em relação à literatura de autoria feminina e da conscientização de sua autonomia
social e cultural, já que por muito tempo as mulheres foram marginalizadas com o
analfabetismo e a submissão patriarcal. Isso se deu graças ao desejo das mulheres
em conseguir, através de sua própria linguagem, obter expressão, conhecimento,
mudança de sua situação na sociedade e de fugir do modelo 2falocêntrico, do qual
elas não fazem parte.
Conforme reflexão de Medeiros-Lichem (2006, p. 18), o uso da linguagem age
como um desestabilizador do sistema patriarcal, para as mulheres não é somente
uma questão política, de gênero e afirmação social, mas sim a urgência em usar seu
discurso como forma de registrar o silenciado e o oprimido e de superar a
autocensura que as impede de ver além da construção social da realidade.
Os últimos anos vêm sendo testemunha da revolução ideológica e estética
da produção literária feminina hispano-americana, com o crescente interesse como
objeto de estudo e também de produção crítica e teórica, desde a óptica feminina do
seu papel referente à política, sociedade, família, costumes, sexualidade e cultura.
Isso leva a
[…] la acuñación de nuevas categorias literárias y socio-culturales para
abordar el fenômeno feminista-femenino latino-americano como una
realidad inédita que debe ser nominada, analizada y traída a la luz de los
estudios literarios contemporáneos. (CORBATTA, 2002, p.13)

2

Conforme Lacan o falo é um conceito lingüístico. Quem tem o discurso falocêntrico está no centro e
tem o domínio da linguagem.
26

Na narrativa feminina, encontram-se marcas da crítica do feminismo francês e
anglo-saxão e apresentam caráter biográfico e de testemunho, com características
de escrita de exílio, re-escritura de figuras históricas (como os mitos mexicanos de
La Llorona e Malinche); de resistência (ato de escrever como caráter político, de
recuperação da memória escrita de historias de vida) e fantástica, em um contexto
familiar e de atitude crítica e reflexiva.
A temática do corpo, erotismo e a sensualidade freqüentemente também
aparecem no corpus dos textos, pois sempre foram motivo de opressão por parte da
sociedade e principalmente da igreja que reprimiam a sexualidade e condenavam a
libido, para manter o ideal de pureza herdado da Espanha.
Sobre a teorização da escrita feminina latino-americana, este é um caminho
que ainda carece de um lugar central ideológico e social na historia intelectual
hispano-americano, pois “debería ser reconocido como central en el proceso de
auto-creacíon y de auto-comprensión de la sociedad”. (ibid, p.14). Também como as
relações entre gênero e identidade e a importância da teoria feminista na análise
literária e cultural da América latina.
Nas décadas de 1970 e 1980 houve tentativas de aprofundamento de uma
teorização feminista hispano-americana, que começou a se constituir em 1985 com
a publicação La Sartén por el mango de Patricia Elena Gonzáles e Eliana Ortega,
onde aparecem os estudos pioneiros de Sara Castro Klares e Josefina Ludmer.
Sara Castro Klares, analisa o feminismo e a escrita feminina com a situação
de colonialismo entre América latina e Europa. Após revisar a crítica feminina norteamericana e francesa, ela a relaciona com a América latina, em uma posição
marginal em relação a Europa, enquanto a língua, discurso e identidade, com a
situação da mulher em relação de opressão ao homem. Assim, “la lucha de la mujer
27

latinoamericana sigue cifrada en una doble negatividad: porque es mujer y porque es
mestiza” (ibid, p. 16)
Como a América latina, a mulher segue em uma posição de opressão e
marginalidade, neste caso, considerada juntamente como os negros e os índios, e
somando com a opressão da igreja e da herança católica que a vinculava a imagem
de mãe, que era uma ameaça a sua atividade literária.
A representação da mulher na literatura, segundo de Josefina Ludmer
também parte da subordinação e marginalidade, em seu artigo Las tetas del débil,
(1985) ela aborda a situação da escrita feminina sem rótulos e simulacros
universais, mas sobre a crítica sobre a posição que ocupa a mulher no campo do
saber e as transformações ocorridas nos modos de leitura em relação ao social a
produção de idéias e de textos.
Ludmer afirma que essas transformações são jogos entre as mulheres e a
sua posição de subordinação e marginalidade, como visto nos textos de Sor Juana
Inés de la Cruz, que,
[…]combina aceptación de su lugar subalterno (como hija/como mujer/como
monja asignado por la madre, el obispo, la Iglesia) con antagonismo y
enfrentamiento. Esto determina la resemantización del lugar asignado al
convertirlo en una zona de subversión intelectual y de ejercicio de la
libertad. (ibid, p. 18)

Soror Juana é o primeiro nome na produção literária feminina hispanoamericana de que se tem registros. Iniciou no século XVII a escrita feminina
mexicana, questionando as regras da igreja da época e lutando pelos direitos da
mulher a educação, trabalho, liberdade de expressão e ao amor. Como freira,
estudou teologia e como escritora, foi grande poetisa e pode ser considerada como
a primeira feminista da Américas.
28

Outra estudiosa do feminismo, Silvia Molloy, analisando uma antologia feita
ao Women’s Writting in Latin America, em referência as formas de representação
das mulheres, estabelece que este é um problema de auto-representação textual e
que primeiro deve-se verificar a relação da mulher com a literatura na América latina,
uma vez que é vedada pela autoridade literária masculina. Para ela, ser uma mulher
escritora: “(…) ser privado y carente de autoridad (en cuanto mujer), aparece
investida de poder intelectual en la esfera pública (en cuanto escritora)” (ibid, p. 19)
Beatriz Sarlo em seu artigo Women, History, and Ideology (1985), se refere às
mulheres que exerceram papel político e social e que mudaram a historia e a
ideologia da América Latina, seja como políticas, educadoras, sindicalistas e
escritoras, e que apesar da sua escrita autobiográfica seus textos apresentavam
debates ideológicos, políticos e antropológicos.
Nas últimas décadas do séc. XX a produção ficcional feminina na América
latina está atingindo maturação estética e social e gerando grandes mudanças na
sua construção da sociedade, desafiando a desigualdade e os moldes de domínio
instituídos. Apresentando, de maneira singular, uma narrativa que deslegitimiza os
renomados relatos e articulando uma voz que se origina da margem e está
estreitamente relacionada com o contexto social, esta noção de voz feminina é
“como um espejo de las circuntancias culturales, sociales y políticas que las rodean”
(MEDEIROS-LICHEM, 2006, p. 19)
Tomando como base as idéias de Bakhtin em relação ao conceito de
linguagem. Nessa perspectiva, a voz literária feminina na América-latina está
carregada de fatores sociais, políticos, identitários e ideológicos, e procura assumirse como sujeito dono de seu próprio discurso, e esta busca acarreta em emancipar-
29

se e superar as barreiras da censura e da subordinação, rompendo com o cânone e
transformando-se em um compromisso político.
O discurso feminino se apresenta com um tom multivocal, que se emprega
como um modelo que textualiza a pluralidade das vozes sociais. Neste sentido,
conforme Medeiros-Lichem (2006), na literatura feminina, a escrita é usada
frequentemente como um meio para articular as vozes da periferia – dos excluídos
por gênero, classe o raça –, e em particular das mulheres como sujeitos próprios de
seu discurso.
A produção do discurso feminino tem como finalidade a 3desconstrução e a
inversão da voz monológica patriarcal, criar um discurso de resistência e posicionarse por meio de sua linguagem
La causa primordial de la voz de la mujer en la literatura latinoamericana ha
sido ampliar y redefinir la comprensión del desarrollo social y de rol de la
mujer en el acercamiento cultural de la Otredad. Al incorporar las voces
múltiples del Otro, la narrativa femenina está entretejiendo una imagen pluriidentitaria de la mujer, de la sociedad y de la realidad. (ibid,p.15)

No México, escritoras como Rosario Castellanos e Elena Poniatowska, em
diferentes formas e posição, cultivaram uma criação e teoria feminista, Poniatowska
com as obras Hasta no Verte Jesús Mío (1969) e La noche de Tlalelolco (1971) e
Castellanos com Mujer que sabe Latín (1995) e Album de Familia.(1971)
Rosário Castellanos, fez parte de uma geração que influenciou a literatura,
os estudos culturais, de gênero e a arte mexicana do séc. XX. Ela foi precursora do
movimento feminista e uma das primeiras intelectuais a reivindicar os direitos de
igualdade dos povos indígenas e, sobretudo, das mulheres. Em suas obras é latente

3

Termo proposta pelo filósofo francês Jacques Derrida. Éuma crítica aos pressupostos dos conceitos
tradicionais estruturalistas e ao logocentrismo, a desconstrução aponta para a possibilidade de
repensar o texto e a descoberta da pluralidades de outros sentidos.
30

a temática da denuncia das injustiças em relação aos índios e a opressão feminina
na sociedade patriarcal mexicana.

2.5 A ESCRITA DE ROSARIO CASTELLANOS

Castellanos, uma das mais influentes escritoras hispano-americanas, tem
como característica em sua obra a análise de dupla negatividade apresentada por
Sara Castro Klarén, que baseada na tradição de marginalização da mulher hispanoamericana, ela sofre por ser mulher e ser mestiça.
Na América latina, a história da mulher foi de dependência, submissão e
repressão por parte da sociedade machista. Vista por este prisma, a literatura de
Rosario Castellanos apresenta uma escrita de resistência e arraigada na busca da
libertação e identidade feminina, incluindo temas de raça, classe e gênero.

Rosario Castellanos estaba consciente de la doble discriminación de la
mujer en la sociedad mexicana y de la importancia de buscar nueva vías de
expresión como medio de acceder al poder. Las mujeres y los indígenas
son oprimidos, la sociedad exige sus servicios y su sacrificio bajo el aura del
“hada de hogar” y otras expectativas limitantes. Las mujeres necesitan de
educación e independencia para esbozar su propio retrato, para construir la
imagen propia. (MEDEIROS-LICHEM, p 49)

A crítica feminista e o valor testemunhal estão latentes no discurso de
Castellanos, ela que desde muito cedo vivenciou as situações retratadas em sua
obra. Em sua infância ela viveu na fazenda da família e conviveu com os problemas
enfrentados pelos índios e passou a incluir a questão cultural e de denúncia em sua
escrita.
31

Também desde cedo descobriu o peso de sua condição de mulher. Ela teve
um irmão homem e a partir das diferenças sofridas ela mesma confessa com tom
irônico:
Tive um irmão menor do que eu. Nasceu dono de um privilégio que ninguém
lhe disputaria: ser homem. Mas para manter um certo equilíbrio em nossas
relações, nossos pais lembravam que a primogenitura havia caído sobre
mim. E que se ele agradava pela sua simpatia, pelo seu desembaraço, sua
inteligência e docilidade de caráter, eu, em troca, possuía a pele mais
branca.(CASTELLANOS apud MILLER, 1987, p. 24)

Ao fazer a situação da mulher e de mexicana o ponto central de sua obra, ela
descobriu que essa condição oprimida e impotente era igual ao de todas as
mulheres: “Ao dizer-se, definiu muitas mulheres de destino idêntico.” (MILLER, 1987,
p. 8).
A busca pela identidade feminina, a levou a usar a linguagem como meio de
denúncia social e de emancipação. Em sua escrita ela inclui as vozes da periferia,
retratando o universo da mulher seus conflitos, transgredindo barreiras culturais,
falocêntricas e rompendo com normas dogmáticas e sexistas ditadas ao eu gênero,
desmascarando estruturas de poder com relação a homem x mulher e escrava x
amo.
Conforme estudo de Beth Miller sobre Rosario Castellanos (1987, p. 37) “Em
suas obras explora, descreve e trabalha apontando contra os padrões culturais de
dominação-submissão entre homens e mulheres, brancos e índios, mexicanos e
europeus ou norte-americanos, classe baixa e aristocrata, pais e filhos.”
Outra forte característica da escrita de Rosario Castellanos é o uso da sátira e
a ironia, assim mais uma vez ela mostra-se ousada em usar uma linguagem que
está fora da esfera feminina, pois para sua sociedade uma dama casada e
respeitável não é bem vista usando dos artifícios do humor, que é uma prerrogativa
32

masculina. Segundo ela “(…) la risa, ya lo sabemos, es el primer testimonio de la
libertad” (CASTELLANOS, apud MILLER, 1987, p. 18)
Conforme Miller esta declaração é de profunda importância, ela analisa que o
humor usado por Castellanos foi a ferramenta utilizada em sua vitória contra a
solidão, de acordo com esta afirmação de Miller, o humor a libertou.
O humor tem como capacidade a de desafiar os discursos tradicionais e de
representar contradições e absurdos de forma irônica ou a de expô-la ao ridículo.
Este recurso também serve como fonte de defesa frente a obstáculos e problemas e
de apresentar críticas ao poder dominante.
No caso de Castellanos, a ironia mostra-se como uma ferramenta de fuga e
de desconstrução do papel submisso da mulher, de sua realidade sufocante e
tediosa. Ela reverte as tragédias femininas, utilizando-se de situações da vida, como
infância, maternidade e divorcio, em discursos reflexivos, ideológicos e com
finalidade de protesto social.
O protesto social é visto em sua obra como uma subversão ao anticonformismo, as estruturas convencionais, a aceitação da tradição histórica, as
normas dogmáticas da sociedade, a busca de sua identidade e a desmistificação
dos tabus.
33

3 ANÁLISE

3.1 O USO DO HUMOR NO CONTO LECCIÓN DE COCINA.

“Yo soy una señora: tratamiento
arduo de conseguir, en mi caso, y más útil
para alternar con los demás que un título
extendido a mi nombre en cualquier academia.”
Rosario Castellanos

4

Lección de Cocina é um dos contos integrantes do livro Album de Familia

editado em 1971. A temática desta obra é a busca da identidade feminina e uma
discussão sobre a função da mulher na sociedade. Castellanos descreve as aflições
de uma jovem mexicana recém-casada que se depara com as dificuldades de
escolher um cardápio e cozinhar para seu marido.
Simples ato que se transforma em um turbilhão de divagações e ideias. Na
cozinha, onde a trama ocorre, lugar imaculado e limpo, a narradora se questiona se
aquele é realmente o seu lugar e cita provérbios em alemão em que mulher é
sinônimo de küche, kinder e kirche, que em espanhol se traduz, respectivamente,
como cocina, niños e iglesia, e em português: cozinha, crianças e igreja. Com o uso
desses provérbios ela remete a cozinha a um templo feminino, ao local
historicamente estabelecido como o habitat natural das mulheres desde o início dos
tempos, “Mi lugar está aqui. Desde el principio de los tiempos he estado aquí”
(CASTELLANOS, 1989, p.7 )
Para Castellanos a cozinha se converte em um espaço de reflexão e conflitos
sobre a condição de mulher - o matrimônio, maternidade, dona de casa, resignação e tudo o que isso implica. Também entre as relações homem x mulher e amo x
4

Para fins de citação, se usará nesse trabalho a sigla LC para referir-se ao conto.
34

servo, e um padrão que requere que a mulher seja submissa, conivente e que aceite
sua posição desigual na sociedade. Inclusive na sexualidade, quando na lua de mel
ela descreve o seu desconforto causado pelas queimaduras nas costas.

Del mismo color teníamos la espalda, mi marido y yo después de las
orgiásticas asoleadas en las playas de Acapulco. Él podía darse el lujo de
“portarse como quien es” y tenderse boca abajo para que no le rozara la piel
dolorida. Pero yo, abnegada mujercita mexicana que nació como la paloma
para el nido, sonreía a semejanza de Cuauhtémoc en el suplicio cuando dijo
“mi lecho no es de rosas y se volvió a callar”. Boca arriba soportaba no solo
mi propio peso sino el de él encima del mío. La postura clásica para hacer el
amor. Y gemía, de desgarramiento, de placer. El gemido clásico. Mitos,
mitos. (LC, p.9)

Segundo Gilda Luongo Morales, a posição sexual clássica - do homem em
cima da mulher – é a postura imposta pelos missioneiros durante a colônia para
manter a supremacia do homem. Esta experiência sexual da narradora se converteu
em uma situação traumática, em que ela a compara com as torturas sofridas por
Cuauhtémoc, último governante asteca, pelos conquistadores espanhóis.
A personagem, apesar de suas condições, busca seu verdadeiro eu. Pero es
mentira. Yo no soy el sueño que sueña, que sueña,que sueña; yo no soy el reflejo ...
Yo continúo viviendo conuna vida densa (...). Yo también soy una conciencia que
puede clausurarse. Yo ... (LC, p. 10)
O conto se desenvolve em um discurso em primeira pessoa, por meio de um
diálogo interior, a protagonista está todo o tempo divagando sobre as dificuldades de
ser mulher, ao mesmo tempo em que prepara um pedaço de carne para servir a
refeição ao seu marido.
O discurso é coloquial e conversacional, há uma cumplicidade com o leitor, a
protagonista conversa de forma íntima com o interlocutor com quem expõe suas
dúvidas e frustrações. Mas este também se mostra um diálogo de tristeza, solidão e
abandono. “Unos párpados que se cierran y he aquí, de nuevo, el exilio. Una enorme
35

extensión arenosa, sin otro desenlace que el mar cuyo movimiento propone la
parálisis; sin otra invitación que la del acantilado al suicidio. “(LC, p.10). No conto há
palavras e expressões que definem essa ideia de tristeza: exílio, parálisis, suicídio e
inmóvil, pois a personagem vive o ostracismo de uma vida resignada e sem os
mesmos direitos de seu marido: a liberdade, ao prazer e ao conhecimento. “Yo
ruminaré, mi silencio, mi rencor. “(LC, p.15).
O processo de preparação da carne se desenvolve como uma metáfora de
sua vida e de sua relação conjugal onde há uma alternância entre os problemas
culinários e os amorosos e de identidade, que começa com um pedaço grande com
uma cor vermelha bem viva, que a remete aos primeiros encontros, ao casamento e
a lua de mel em Acapulco, o sexo e à vermelhidão de suas costas, queimada do sol.
Mas com o tempo a carne vai passando por uma metamorfose, assim como sua
relação, suas expectativas e frustração sexual. De vermelho vivo, começa a
encolher, a escurecer e a ter uma consistência dura. “Y el trozo de carne que daba
la impresión de ser algo tan sólido, tan real, ya no existe.” (ibid,p.20).
Essa familiaridade e estranheza com a carne a reporta a conflitos existenciais,
pois ao questionar e reexaminar sua função na sociedade, a personagem demonstra
ser uma mulher culta, pelo uso de palavras em outras línguas e da escolha de
termos eruditos como prolegómenos e propedéutica. Também pelos conhecimentos
literários, como a referencias que fez a Dom Quixote: Abro un libro al azar y leo: “La
cena de don Quijote.” Muy literario pero muy insatisfactorio. Porque don Quijote no
tenía fama de gourmet sino de despistado. Aunque un análisis más a fondo del texto
nos revela, etc., etc., etc. (LC, p.07), e de alguém que conviveu em outros espaços
fora o da cozinha e que demonstra cultura e conhecimento para questionar a vida
submissa.
36

Esses questionamentos ficam evidentes quando, ao queimar a carne, ela se
coloca na dúvida em optar pelo silencio e jogar a carne fora ou assumir o erro frente
ao marido. Nesta metáfora, ela tem a opção de enfrentar a realidade e pedir o
divorcio ou de aceitar sua condição e suas possíveis frustrações.
Esta angustia por definir essa situação e manifestar o seu sofrimento é
apontado pela narradora com o tom irônico, que se apresenta como forma de
desmistificar a submissão e a imagem estereotipada da mulher.
Ela usa o humor como ferramenta para demonstrar seus questionamentos e
reflexões sobre o papel da mulher na sociedade, a busca de sua identidade, da
aceitação e resignação às arbitrariedades da sociedade mexicana e de sua dupla
negação, de ser mulher e mexicana “Abnegada mujercita mexicana” (LC, p.9), e a
apresentação do anti-conformismo e transgressão dos padrões patriarcais e
religiosos de sua época, mas esta busca apresenta muitas dificuldades, pois
segundo Beth Miller (1987) ”uma mulher anticonformista é uma estrangeira que tem
poucas possibilidades de sobreviver numa cidade mexicana de província, inclusive
se está disposta a pagar o preço do sacrifício de sua integridade e liberdade” (p. 74).
Mas ela sabia, desde o início, que assim seria o casamento e aceitou os sacrifícios
que seriam impostos para manter a harmonia de sua relação conjugal.
O jogo lingüístico constituído pelo uso da ironia se materializa com a
utilização dos sinais de interrogação, que remete aos diálogos internos dela, em que
ela conversa usa o modo formal usted, referindo-se à distinta senhora dona de casa.
¿Qué me aconseja usted para la comida de hoy, experimentada ama de casa,
inspiración de las madres ausentes y presentes, voz de la tradición, secreto a voces
de los supermercados? (LC, p. 07)
37

Neste conto o humor também se faz presente nas relações entre o espaço
doméstico e as funções desempenhadas pela narradora como dona de casa e de
sua relação conjugal.

3.1.1 O Humor no espaço doméstico e nas funções desempenhadas como dona de
casa.

A protagonista, recém casada, se depara com a dificuldade de preparar uma
refeição e para seu auxilio ela começa a ler um livro de receitas, e satiriza a
dificuldade de compreender os temos culinários:

Si yo supiera lo que es estragón y ananá no estaría consultando este libro
porque sabría muchas otras cosas. Si tuviera usted el mínimo sentido de la
realidad debería, usted misma o cualquiera de sus colegas, tomarse el
trabajo de escribir un diccionario de términos técnicos, redactar unos
prolegómenos, idear una propedéutica para hacer accesible al profano el
difícil arte culinario. Pero parten del supuesto de que todas estamos en el
ajo y se limitan a enunciar. Yo, por lo menos, declaro solemnemente que no
estoy, que no he estado nunca ni en este ajo que ustedes comparten ni en
ningún otro. Jamás he entendido nada de nada. Pueden ustedes observar
los síntomas: me planto, hecha una imbécil, dentro de una cocina impecable
y neutra, con el delantal que usurpo para hacer un simulacro de eficiencia y
del que seré despojada vergonzosa pero justicieramente. (LC, p. 08)

Ela também faz referência à falta de direitos trabalhistas e de valorização de
seu trabalho como dona de casa:
Pero no se me paga ningún sueldo, no se me concede un día libre a la
semana, no puedo cambiar de amo. Debo, por otra parte, contribuir al
sostenimiento del hogar y he de desempeñar con eficacia un trabajo en el
que el jefe exige y los compañeros conspiran y los subordinados odian. (LC,
p. 15)

Ela mesma se satiriza quando relata que já sabia de todas as mudanças,
renuncias e dificuldades que passaria com a nova vida de mulher casada, mas
espera que todos os seus questionamentos surgiriam em momentos importantes de
sua vida e não em uma situação tão simples como a de preparar uma refeição.
38

“Yo lo acepté al casarme y estaba dispuesta a llegar hasta el sacrificio en
aras de la armonía conyugal. Pero yo contaba con que el sacrificio, el
renunciamiento completo a lo que soy, no se me demandaría más que en la
Ocasión Sublime, en la Hora de las Grandes Resoluciones, en el Momento
de la Decisión Definitiva. No con lo que me he topado hoy que es algo muy
insignificante, muy ridículo. Y sin embargo . . .“ (LC, p. 22)

3.1.2 O humor na relação matrimonial.

A narradora utiliza um discurso irônico quando se trata de sua nova realidade
de mulher casada, quando ela agradece seu marido pela falta de liberdade e a jaula
em que está submetida pelo matrimônio:

Gracias, murmuro, mientras me limpio los labios con la punta de la
servilleta. Gracias por la copa transparente, por la aceituna sumergida.
Gracias haberme abiertola jaula de una rutina estéril para cerrarme la jaula
de otra rutina que, según todos los propósitos y las posibilidades, ha de ser
fecunda. Gracias por darme la oportunidad de lucir un traje largo y
caudaloso, por ayudarme a avanzar el interior del templo, exaltada por la
música del órgano. Gracias por... (LC, p.12)

E quando compara sua relação com a de Romeu e Julieta, mas sem
romantismo, o apego da paixão e a tragédia em nome do amor.
¿Es la alondra? ¿Es el ruiseñor? No, nuestro horario no va a regirse por tan
aladas criaturas como las que avisaban el advenimiento de la aurora a
Romeo y Julieta sino por un estentóreo e inequívoco despertador. Y tú no
bajarás al día por la escala de mis trenzas sino por los pasos de una
querella minuciosa: se te ha desprendido un botón del saco, el pan está
quemado, el café frío. ” (ibid, p.15)

Sobre este uso de intertextualidade com Romeu e Julieta, Morales afirma que
“Este primer rasgo que detecto de intertextualidad, se vincula con la
multiplicidad de instancias discursivas presentes en el texto. Ello lo
transforma en una muestra de la polifonía discursiva que subyace en un
texto elaborado a partir de una "sujeto en proceso" o del "devenir sujeto
mujer". Los textos que surgen en este diálogo entre discursos son, entre
otros: cuentos infantiles, obras dramáticas con temática amorosa, filmes
románticos con final feliz, ensoñaciones o invenciones de historias que son
el contradiscurso de la historia narrada. Quienes participan de la escucha y
del diálogo instaurado en esta escritura son, por una parte, la misma sujeto
que narra en primera persona, pero que hace las veces del doble de sí; por
otra parte el marido, supuestamente un otro que(no) escucha, y finalmente
nosotros/as, los lectores /as que intervenimos activando posibles respuestas
en este diálogo.” (2001)
39

A narradora também imagina, irónicamente, o seu final feliz como em um
filme, nas telas do cinema: Y un día tú y yo seremos una pareja de amantes
perfectos y entonces, en la mitad de un abrazo, nos desvaneceremos y aparecerá
en la pantalla la palabra “fin”. (LC, p.17)
Castellanos utilizou-se desses recursos para satirizar e demonstrar as
relações amorosas, sociais e cotidianas dentro do universo tradicional feminino,
desde as suas reflexões sobre a função da mulher na sociedade até as mais simples
situações domésticas.

.
40

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas transformações ocorreram em relação à literatura de autoria feminina,
sobretudo na conscientização de sua autonomia social e cultural. A busca pela
própria voz e identidade fez com que as mulheres assumissem discursos que
marcassem sua afirmação social e que os registrassem como forma de protesto pela
opressão sofrida pela sociedade machista e falocêntrica.
A voz narrativa feminina passou a exercer um papel ideológico e social e a
apresentar um discurso que textualizada a pluralidades das vozes á margem da
sociedade, assim assumindo um caráter emancipatório e rompendo com o cânome e
com os conceitos patriarcais da sociedade.
Rosario Castellanos, uma das mais importantes vozes femininas hispanoamericanas, foi uma das precursoras dos movimentos feministas e a criticar e refletir
sobre a função da mulher. Sua escrita tem marcas de resistência e de busca da
identidade feminina.
Um dos recursos usados por Sastellanos no conto Lección de Cocina é o
humor, ela o utiliza como meio de desmistificar a imagem tradicional da mulher, um
simulacro da mulher submissa, agradecida e passiva, mas que reflete sobre sua
vida, seus direitos e seu papel na sociedade.
A ironia aparece como um meio de ridicularização dos absurdos sofridos
pelas mulheres e o incorpora como um veículo literário de ataque social, e através
do humor desafiar a ordem patricarcal e desconstruir a imagem submissa feminina.
Assim, pode-se considerar que a cozinha é um símbolo cultural da atividade da
mulher e da alimentação da família, mas no conto Lección de Cocina presenta outras
lições de vida, de comportamento e sugere a emancipação e também a transgressão
41

do o espaço sagrado para buscar sua autenticidade, uma mulher que vai além de
escolher um menu.
42

REFERÊNCIAS

CASTELO BRANCO, Lucia. Escrita Feminina. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

CASTELO BRANCO, Lucia; BRANDÃO, Ruth Silviano. A mulher Escrita. Rio de
Janeiro: LCT/Casa-Maria, 1989.

CASTELLANOS, Rosario. El eterno femenino. México: Fondo de Cultura Económica,
2006.

CASTELLANOS, Rosario. Lección de Familia [on line]. Disponible en
http://www.materialdelectura.unam.mx/index.php?option=com_content&task=view&id
=42&Itemid=30&limit=1&limitstart=3. Acesso em: 08 jul. 2010.

CORBATTA, Jorgelina. Balance de la escritura feminista/feminina en (y sobre)
Latinoamérica. In: Feminismo y Escritura en Latinoamérica. Buenos Aires:
Corregidor, 2002.

CORTÁZAR, Julio. Del cuento y sus arrededores. In: Valise de Cronópio. São Paulo:
Editora Perspectiva, 1993.

GAC-ARTIGAS, Priscilla. La cocina: de cerrado espacio de servindubre a abierto
espacio de creación. México: Destiempos, v. 19, p. 512-522, 2009.
43

GIARDINELLI, Mempo. El cuento como género literario en América Latina.
Conferencia

pronunciada

en

la

Ceremonia

de

Premiación

del

Premio

Centroamericano de Literatura “Rogelio Sinán” 1997-9 [on line]. Disponible en
http://www.ciudadseva.com/textos/teoria/hist/giardine.htm.

GOTLIB, NÁDIA BATTELA. Teoria do Conto. São Paulo: Editora Ática, 1985.

MEDEIROS-LICHEM, María Teresa. La voz femenina en la narrativa latinoamericana:
una relectura crítica. Santiago: Cuarto Propio, 2006.

MILLER, Beth. Uma Consciência Feminista: Rosario Castellanos. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1987.

MORALES, Gilda Luongo, "Lección de cocina de Rosario Castellanos: lo crudo y lo
cocido en el ejercicio familiar/extraño del devenir sujeto femenino" en Revista
Electrónica Cyber Humanitatis de la Facultad de Filosofía y Humanidades de la
Universidad de Chile, julio del año 2001.

OVIEDO, José Miguel. Antología del cuento hispanoamericano del siglo XX.
Barcelona: Alianza Editorial, 1992

POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios. São Paulo: Globo, 1999.3.ed.revista.

QUIROGA, Horacio. Cuentos de amor, de locura y de muerte. México: Fernández
Editores, 1990
44

REIS, Luzia de Maria R. O que é Conto. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessentaEntre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessentaSilvana Oliveira
 
Contação de Histórias e a Identidade Feminina
Contação de Histórias e a Identidade FemininaContação de Histórias e a Identidade Feminina
Contação de Histórias e a Identidade Feminina
Mônica Santana
 
Apostila literatura brasileira-libre
Apostila literatura brasileira-libreApostila literatura brasileira-libre
Apostila literatura brasileira-libre
Maria Teresa Fortes
 
Literatura Brasileira
Literatura BrasileiraLiteratura Brasileira
Literatura Brasileira
Professor
 
Literatura de autoria feminina
Literatura de autoria feminina Literatura de autoria feminina
Literatura de autoria feminina
Jean Daiane Chiumento
 
RESUMO - Literatura de autoria feminina - Lúcia Osana Zolin
RESUMO - Literatura de autoria feminina - Lúcia Osana ZolinRESUMO - Literatura de autoria feminina - Lúcia Osana Zolin
RESUMO - Literatura de autoria feminina - Lúcia Osana Zolin
Thaynã Guedes
 
ARTIGO – COMO A ARTE LITERÁRIA PODE AUXILIAR NO ENSINO DE HISTÓRIA?.
ARTIGO – COMO A ARTE LITERÁRIA PODE AUXILIAR NO ENSINO DE HISTÓRIA?.ARTIGO – COMO A ARTE LITERÁRIA PODE AUXILIAR NO ENSINO DE HISTÓRIA?.
ARTIGO – COMO A ARTE LITERÁRIA PODE AUXILIAR NO ENSINO DE HISTÓRIA?.
Tissiane Gomes
 
O erotismo com representação da transgressão a afirmação da mulher contemporâ...
O erotismo com representação da transgressão a afirmação da mulher contemporâ...O erotismo com representação da transgressão a afirmação da mulher contemporâ...
O erotismo com representação da transgressão a afirmação da mulher contemporâ...UNEB
 
Recontarhistoriasereinventarmemorias
 Recontarhistoriasereinventarmemorias Recontarhistoriasereinventarmemorias
RecontarhistoriasereinventarmemoriasNegrafrancis Francis
 
2ª série - LP 21.pptx
2ª série - LP 21.pptx2ª série - LP 21.pptx
2ª série - LP 21.pptx
GoisTec
 
Literatura Popular Regional - Alessandra Favero
Literatura Popular Regional  - Alessandra FaveroLiteratura Popular Regional  - Alessandra Favero
Literatura Popular Regional - Alessandra Favero
Lisvaldo Azevedo
 
Literatura, história e memória nas crônicas de A. Tito Filho
Literatura, história e memória nas crônicas de A. Tito  FilhoLiteratura, história e memória nas crônicas de A. Tito  Filho
Literatura, história e memória nas crônicas de A. Tito Filho
Jordan Bruno
 
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
GIOVANE LIMA
 
Sarcasmo na Obra de Eça de Queirós
Sarcasmo na Obra de Eça de QueirósSarcasmo na Obra de Eça de Queirós
Sarcasmo na Obra de Eça de Queirós
AlunasEseimu
 
Introdução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriaIntrodução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriamkobelinski
 
Literatura e Estudos Culturais
Literatura e Estudos CulturaisLiteratura e Estudos Culturais
Literatura e Estudos CulturaisAngela Ritt
 
Negritude, nação e retratos da mãe África em poemas de Noémia de Sousa e Agos...
Negritude, nação e retratos da mãe África em poemas de Noémia de Sousa e Agos...Negritude, nação e retratos da mãe África em poemas de Noémia de Sousa e Agos...
Negritude, nação e retratos da mãe África em poemas de Noémia de Sousa e Agos...
REVISTANJINGAESEPE
 
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidadePolicarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidadeUNEB
 
Cultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaCultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessária
HENRIQUE GOMES DE LIMA
 

Semelhante a Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina (20)

Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessentaEntre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
 
Contação de Histórias e a Identidade Feminina
Contação de Histórias e a Identidade FemininaContação de Histórias e a Identidade Feminina
Contação de Histórias e a Identidade Feminina
 
Apostila literatura brasileira-libre
Apostila literatura brasileira-libreApostila literatura brasileira-libre
Apostila literatura brasileira-libre
 
Literatura Brasileira
Literatura BrasileiraLiteratura Brasileira
Literatura Brasileira
 
Literatura de autoria feminina
Literatura de autoria feminina Literatura de autoria feminina
Literatura de autoria feminina
 
RESUMO - Literatura de autoria feminina - Lúcia Osana Zolin
RESUMO - Literatura de autoria feminina - Lúcia Osana ZolinRESUMO - Literatura de autoria feminina - Lúcia Osana Zolin
RESUMO - Literatura de autoria feminina - Lúcia Osana Zolin
 
ARTIGO – COMO A ARTE LITERÁRIA PODE AUXILIAR NO ENSINO DE HISTÓRIA?.
ARTIGO – COMO A ARTE LITERÁRIA PODE AUXILIAR NO ENSINO DE HISTÓRIA?.ARTIGO – COMO A ARTE LITERÁRIA PODE AUXILIAR NO ENSINO DE HISTÓRIA?.
ARTIGO – COMO A ARTE LITERÁRIA PODE AUXILIAR NO ENSINO DE HISTÓRIA?.
 
O erotismo com representação da transgressão a afirmação da mulher contemporâ...
O erotismo com representação da transgressão a afirmação da mulher contemporâ...O erotismo com representação da transgressão a afirmação da mulher contemporâ...
O erotismo com representação da transgressão a afirmação da mulher contemporâ...
 
Recontarhistoriasereinventarmemorias
 Recontarhistoriasereinventarmemorias Recontarhistoriasereinventarmemorias
Recontarhistoriasereinventarmemorias
 
2ª série - LP 21.pptx
2ª série - LP 21.pptx2ª série - LP 21.pptx
2ª série - LP 21.pptx
 
Literatura Popular Regional - Alessandra Favero
Literatura Popular Regional  - Alessandra FaveroLiteratura Popular Regional  - Alessandra Favero
Literatura Popular Regional - Alessandra Favero
 
Literatura, história e memória nas crônicas de A. Tito Filho
Literatura, história e memória nas crônicas de A. Tito  FilhoLiteratura, história e memória nas crônicas de A. Tito  Filho
Literatura, história e memória nas crônicas de A. Tito Filho
 
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
Trabalho de lusã³fonas_do_giovane[1]
 
Sarcasmo na Obra de Eça de Queirós
Sarcasmo na Obra de Eça de QueirósSarcasmo na Obra de Eça de Queirós
Sarcasmo na Obra de Eça de Queirós
 
Introdução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriaIntrodução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre história
 
Literatura e Estudos Culturais
Literatura e Estudos CulturaisLiteratura e Estudos Culturais
Literatura e Estudos Culturais
 
Negritude, nação e retratos da mãe África em poemas de Noémia de Sousa e Agos...
Negritude, nação e retratos da mãe África em poemas de Noémia de Sousa e Agos...Negritude, nação e retratos da mãe África em poemas de Noémia de Sousa e Agos...
Negritude, nação e retratos da mãe África em poemas de Noémia de Sousa e Agos...
 
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidadePolicarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
 
Tarefa 11 2 Em
Tarefa 11   2 EmTarefa 11   2 Em
Tarefa 11 2 Em
 
Cultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaCultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessária
 

Mais de Cassia Barbosa

SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS
SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOSSEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS
SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS
Cassia Barbosa
 
inscrição engenero
inscrição engeneroinscrição engenero
inscrição engenero
Cassia Barbosa
 
1346326699 arquivo umaquestaodegenero_moisese_nataliafinal
1346326699 arquivo umaquestaodegenero_moisese_nataliafinal1346326699 arquivo umaquestaodegenero_moisese_nataliafinal
1346326699 arquivo umaquestaodegenero_moisese_nataliafinalCassia Barbosa
 
A (des)construção das identidades femininas
A (des)construção das identidades femininasA (des)construção das identidades femininas
A (des)construção das identidades femininas
Cassia Barbosa
 
A ausência de categorias que incomoda uma vivência trans representada na no...
A ausência de categorias que incomoda   uma vivência trans representada na no...A ausência de categorias que incomoda   uma vivência trans representada na no...
A ausência de categorias que incomoda uma vivência trans representada na no...
Cassia Barbosa
 
A figura feminina como argumento de venda na linguagem publicitária
A figura feminina como argumento de venda na linguagem publicitáriaA figura feminina como argumento de venda na linguagem publicitária
A figura feminina como argumento de venda na linguagem publicitária
Cassia Barbosa
 
A conjugalidade nas antenas da tv
A conjugalidade nas antenas da tvA conjugalidade nas antenas da tv
A conjugalidade nas antenas da tv
Cassia Barbosa
 
Comunicacao e genero
Comunicacao e generoComunicacao e genero
Comunicacao e genero
Cassia Barbosa
 
Conjugalidades, parentalidades e
Conjugalidades, parentalidades eConjugalidades, parentalidades e
Conjugalidades, parentalidades e
Cassia Barbosa
 
Consumidoras e heroinas genero na telenovela
Consumidoras e heroinas genero na telenovelaConsumidoras e heroinas genero na telenovela
Consumidoras e heroinas genero na telenovela
Cassia Barbosa
 
Dualismo de papéis da mulher moderna
Dualismo de papéis da mulher modernaDualismo de papéis da mulher moderna
Dualismo de papéis da mulher moderna
Cassia Barbosa
 
Revista Faeba Educação e contemporaneidade
Revista Faeba Educação e contemporaneidadeRevista Faeba Educação e contemporaneidade
Revista Faeba Educação e contemporaneidade
Cassia Barbosa
 
Elementos para a conformação da identidade feminina
Elementos para a conformação da identidade femininaElementos para a conformação da identidade feminina
Elementos para a conformação da identidade feminina
Cassia Barbosa
 
Entre a emancipa ca o e a dependencia as mulheres na revisa o Cruzeiro
Entre a emancipa ca o e a dependencia as mulheres na revisa o Cruzeiro Entre a emancipa ca o e a dependencia as mulheres na revisa o Cruzeiro
Entre a emancipa ca o e a dependencia as mulheres na revisa o Cruzeiro
Cassia Barbosa
 
De gabriela a juma – imagens eróticas femininas nas telenovelas brasileiras
De gabriela a juma – imagens eróticas femininas nas telenovelas brasileirasDe gabriela a juma – imagens eróticas femininas nas telenovelas brasileiras
De gabriela a juma – imagens eróticas femininas nas telenovelas brasileiras
Cassia Barbosa
 
Estereótipos femininos fomentados pelos meios de comunicação
Estereótipos femininos fomentados pelos meios de comunicaçãoEstereótipos femininos fomentados pelos meios de comunicação
Estereótipos femininos fomentados pelos meios de comunicação
Cassia Barbosa
 
Eu compro essa mulher
Eu compro essa mulherEu compro essa mulher
Eu compro essa mulher
Cassia Barbosa
 
Feminino & masculino programa infantil
Feminino & masculino   programa infantilFeminino & masculino   programa infantil
Feminino & masculino programa infantil
Cassia Barbosa
 
Feminino na beira uma análise do conto “barba de arame“, de
Feminino na beira uma análise do conto “barba de arame“, deFeminino na beira uma análise do conto “barba de arame“, de
Feminino na beira uma análise do conto “barba de arame“, de
Cassia Barbosa
 
Feminino velado recepção da telenovela por mãe e filhas das classes populares
Feminino velado recepção da telenovela por mãe e filhas das classes popularesFeminino velado recepção da telenovela por mãe e filhas das classes populares
Feminino velado recepção da telenovela por mãe e filhas das classes populares
Cassia Barbosa
 

Mais de Cassia Barbosa (20)

SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS
SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOSSEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS
SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS
 
inscrição engenero
inscrição engeneroinscrição engenero
inscrição engenero
 
1346326699 arquivo umaquestaodegenero_moisese_nataliafinal
1346326699 arquivo umaquestaodegenero_moisese_nataliafinal1346326699 arquivo umaquestaodegenero_moisese_nataliafinal
1346326699 arquivo umaquestaodegenero_moisese_nataliafinal
 
A (des)construção das identidades femininas
A (des)construção das identidades femininasA (des)construção das identidades femininas
A (des)construção das identidades femininas
 
A ausência de categorias que incomoda uma vivência trans representada na no...
A ausência de categorias que incomoda   uma vivência trans representada na no...A ausência de categorias que incomoda   uma vivência trans representada na no...
A ausência de categorias que incomoda uma vivência trans representada na no...
 
A figura feminina como argumento de venda na linguagem publicitária
A figura feminina como argumento de venda na linguagem publicitáriaA figura feminina como argumento de venda na linguagem publicitária
A figura feminina como argumento de venda na linguagem publicitária
 
A conjugalidade nas antenas da tv
A conjugalidade nas antenas da tvA conjugalidade nas antenas da tv
A conjugalidade nas antenas da tv
 
Comunicacao e genero
Comunicacao e generoComunicacao e genero
Comunicacao e genero
 
Conjugalidades, parentalidades e
Conjugalidades, parentalidades eConjugalidades, parentalidades e
Conjugalidades, parentalidades e
 
Consumidoras e heroinas genero na telenovela
Consumidoras e heroinas genero na telenovelaConsumidoras e heroinas genero na telenovela
Consumidoras e heroinas genero na telenovela
 
Dualismo de papéis da mulher moderna
Dualismo de papéis da mulher modernaDualismo de papéis da mulher moderna
Dualismo de papéis da mulher moderna
 
Revista Faeba Educação e contemporaneidade
Revista Faeba Educação e contemporaneidadeRevista Faeba Educação e contemporaneidade
Revista Faeba Educação e contemporaneidade
 
Elementos para a conformação da identidade feminina
Elementos para a conformação da identidade femininaElementos para a conformação da identidade feminina
Elementos para a conformação da identidade feminina
 
Entre a emancipa ca o e a dependencia as mulheres na revisa o Cruzeiro
Entre a emancipa ca o e a dependencia as mulheres na revisa o Cruzeiro Entre a emancipa ca o e a dependencia as mulheres na revisa o Cruzeiro
Entre a emancipa ca o e a dependencia as mulheres na revisa o Cruzeiro
 
De gabriela a juma – imagens eróticas femininas nas telenovelas brasileiras
De gabriela a juma – imagens eróticas femininas nas telenovelas brasileirasDe gabriela a juma – imagens eróticas femininas nas telenovelas brasileiras
De gabriela a juma – imagens eróticas femininas nas telenovelas brasileiras
 
Estereótipos femininos fomentados pelos meios de comunicação
Estereótipos femininos fomentados pelos meios de comunicaçãoEstereótipos femininos fomentados pelos meios de comunicação
Estereótipos femininos fomentados pelos meios de comunicação
 
Eu compro essa mulher
Eu compro essa mulherEu compro essa mulher
Eu compro essa mulher
 
Feminino & masculino programa infantil
Feminino & masculino   programa infantilFeminino & masculino   programa infantil
Feminino & masculino programa infantil
 
Feminino na beira uma análise do conto “barba de arame“, de
Feminino na beira uma análise do conto “barba de arame“, deFeminino na beira uma análise do conto “barba de arame“, de
Feminino na beira uma análise do conto “barba de arame“, de
 
Feminino velado recepção da telenovela por mãe e filhas das classes populares
Feminino velado recepção da telenovela por mãe e filhas das classes popularesFeminino velado recepção da telenovela por mãe e filhas das classes populares
Feminino velado recepção da telenovela por mãe e filhas das classes populares
 

Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

  • 1. UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Silvana Aparecida Ferraz LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA SUBMISSÃO FEMININA CURITIBA 2011
  • 2. LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA SUBMISSÃO FEMININA CURITIBA 2011
  • 3. Silvana Aparecida Ferraz LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA SUBMISSÃO FEMININA Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação em Ensino de Língua Espanhola e suas Literaturas da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista em Ensino de Língua Espanhola e suas literaturas. Orientadora: Prof. Ms. Maria Josele B. Coelho CURITIBA 2011
  • 4. DEDICATÓRIA Rosario Castellanos foi uma das pioneiras a defender os direitos das mulheres na sociedade mexicana e uma das mais influentes escritoras da literatura hispano-americana. Na minha vida, também tive contato com grandes mulheres, que de uma forma e outra me deixaram exemplos e grandes ensinamentos. Dedico, então, este trabalho a essas grandes mulheres. Meu grande modelo, minha mãe Hilda, que sempre me apoiou incondicionalmente e minha irmã Lorita, por me incentivarem nas primeiras leituras, o que me levou a optar pelo curso de Letras. Também fazem parte de minha história e minhas tias Loi e Lurdes e a distante e próxima prima Elisa. E as grandes amigas Andreia Bugalski, Patrícia Leite, Tatiane Padilha, Elaine Carreira, Simone Pires, Leila Solera e Mirian Lins, que me deixaram exemplos de força, liderança e superação. Dedico também às professoras Nylcéa Tereza de Siqueira Pedra, Maria Josele B. Coelho e Teresita Campos Avella, que me deixaram grandes exemplos de como ser professor.
  • 5. AGRADECIMENTOS Em especial a minha mãe Hilda, pelo amor e apoio incondicional, e ao Marcio, meu segundo sol, grande companheiro e incentivador, pelo seu carinho, respeito e pela imensa paciência em me agüentar. Meus sinceros agradecimentos à professora Josele, minha orientadora, pelo apoio durante este período e a professora Teresita Campos Avella que sempre ajudou todos os alunos do curso de especialização. Aos meus amigos, agradeço por entenderem e respeitarem distanciamento durante o período de realização deste projeto. meu
  • 6. La literatura de las mujeres en América Latina es parte de la voz de los oprimidos. Lo creo tan profundamente que estoy dispuesta a convertirlo en leit-motif en un ritornello, en ideología. Elena Poniatowska
  • 7. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................................. 12 2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTO……................................................... 12 2.2 CARACTERÍSTICAS DO CONTO...…...............................................................16 2.3 O CONTO HISPANO-AMERICANO…...............................................................21 2.4 A ESCRITA DE AUTORIA FEMININA………………………………....................24 2.5 A ESCRITA DE ROSARIO CASTELLANOS……………………………..............30 3 ANÁLISE……………………………………………………………………………..……33 3.1 O USO DO HUMOR NO CONTO LECCIÓN DE COCINA................................33 3.1.1 O humor no espaço doméstico e nas funções desempenhadas como dona de casa………………………………………………………………………………..……...37 3.1.2 O humor na relação matrimonial.………………………………….......................38 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................40 REFERÊNCIAS...........................................................................................................42
  • 8. RESUMO O objetivo central deste presente trabalho é analisar o uso da ironia no conto Lección de Cocina de Rosario de Castellanos, editado em 1971, enquanto recurso lingüístico que possibilita a desconstrução da realidade submissa e patriarcal em que as mulheres estavam inseridas na sociedade mexicana. Castellanos, consciente da dupla discriminação das mulheres de sua época - ser mulher e mestiça - utilizava-se da linguagem como forma de poder, pois pela força da enunciação de seus personagens, exprimia sua ideologia enquanto denunciava as opressões sofridas. Ela também buscava definir o papel da mulher na sociedade e a recuperação de sua identidade e auto-estima, pois somente assim as mulheres conseguiriam a sua liberdade e emancipação. Nessa perspectiva, esse trabalho considera a importância da produção literária de autoria feminina hispano-americanas, por meio da qual se busca a liberdade e um espaço de enunciação que permita à mulher deixar de ser um eco, uma sombra e passar a usar sua própria voz para abandonar a dependência e a subordinação masculina históricas. Palavras-chave: Literatura Hispano-americana, Estudos de gênero, Autoria feminina, conto, ironia, identidade.
  • 9. RESUMEN El objetivo central del presente trabajo es analizar el uso de la ironía en el cuento Lección de Cocina de Rosario Castellanos, editado en 1971, en cuanto recurso lingüístico que posibilita la desconstrucción de la realidad sumisa y patriarcal en que las mujeres estaban insertadas en la sociedad mexicana. Castellanos, consciente de la dupla discriminación de las mujeres de su época - ser mujer y mestiza – se utilizaba del lenguaje como forma de poder, pues por la fuerza de la enunciación de sus personajes, exprimía su ideología en cuanto denunciaba las opresiones sufridas. Ella también buscaba definir el papel de la mujer en la sociedad y la recuperación de su identidad y autoestima, pues solamente así las mujeres lograrían su libertad y emancipación. En esta perspectiva, ese trabajo considera la importancia de la producción literaria de autoría femenina hispanoamericana, por medio de la cual se busca la libertad y un espacio de enunciación que permita a la mujer dejar de ser un eco, una sombra y pasar a usar su propia voz para abandonar la dependencia y subordinación masculina históricas. Palabras clave: Literatura hispanoamericana, Estudio de género, Autoría femenina, cuento, ironía, identidad.
  • 10. 10 INTRODUÇÃO Este trabalho é resultado de reflexões feitas ao transcorrer das aulas do módulo O conto contemporâneo em língua Espanhola, ministrado pela professora Maria Josele Bucco Coelho, do curso de especialização de Ensino de Língua Espanhola e suas Literaturas. A partir do panorama da produção literária da narrativa curta de escritores hispano-americanos, e também de algumas leituras prévias de autoras como Clarice Lispector, Lya Luft e Rosario Castellanos, é que surgiu meu interesse em investigar a produção contística mexicana de autoria feminina. Assim, essa investigação tem como propósito estudar o uso da ironia como recurso lingüístico que possibilita a fuga da realidade patriarcal e da submissão em que a mulher mexicana está inserida, no conto Lección de Cocina da obra Album de Familia (1971) da escritora mexicana Rosario Castellanos, que foi uma das pioneiras a inserir em sua literatura uma tomada de consciência sobre a problemática de seu espaço na sociedade e da busca de seu autoconhecimento e identidade. Pretende-se também apresentar uma das funções da literatura de autoria feminina que é a busca da construção de uma obra com voz própria, isto é, criar espaços de enunciação para o outro como um meio de encontrar a liberdade e a igualdade com os homens. A fundamentação teórica, que orienta essa produção, considera as idéias de teóricos como Nádia Battela Gotlib e Luzia de Maria R. Reis, Edgar Allan Poe, Julio Cortázar, Ricardo Piglia e José Miguel Oviedo. No que tange à produção contística de autoria feminina, será tomado como corpus teórico as conferências e debates sobre gênero elencados por Jorgelina Corbatta, os estudos de Maria Teresa Medeiros-Lichem sobre a voz, a ideologia e a
  • 11. 11 escrita de autoras hispano-americanas, assim como os debates sobre linguagem e identidade de Rosario Castellanos de Beth Miller. Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica que buscará, a partir do corpus teórico selecionado, realizar a leitura, a análise e a interpretação destes selecionando conceitos e idéias que fundamentem as marcas da dialética feminina e do uso da ironia no conto Lección de Cocina. De Rosario Castellanos.
  • 12. 12 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTO "Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e às vezes miserável história que conta (...) o tempo e o espaço do conto têm de estar como que condensados, submetidos a uma alta pressão espiritual e formal para provocar essa 'abertura'“. Julio Cortázar Segundo Gotlib (1985), a palavra conto refere-se à historieta, estória, narrativa e conto popular, que tem origem da palavra latina computus, em português: conta. Este termo passou a designar a história curta porque o verbo latino computare, tem também o sentido de ordenar a narrativa em unidades e enumerar os fatos. O ato de contar histórias é um fenômeno antropológico, presente no surgimento e no desenvolvimento das civilizações e na criação de diferentes culturas, valores e costumes. Trata-se de uma atividade inerente à condição humana. Pois desde os tempos mais remotos o homem está intimamente ligado ao ato de contar histórias Faz parte da cultura de um povo recompor a memória das épocas que se foram e, deste modo, podemos “saber” do conto popular testemunhando sua presença em antologias a que foi recolhido em ainda, estudado, analisado: visto, assim, não sob o prisma do prazer, mas sob bisturis dissecadores que servem a análises minuciosas de cada uma de suas partes, em busca de compreensão maior. (REIS, 1984, p. 09) Conforme Gotlib, o contar histórias, sob o signo da convivência, sempre reuniu pessoas, as que contam e as que ouvem. Das sociedades primitivas em torno de fogueiras, com os sacerdotes e seus discípulos na transmissão de mitos e ritos de suas tribos, em volta da mesa as pessoas contam e ouvem histórias.
  • 13. 13 Essas narrativas na forma popular se consolidaram primeiramente pela transmissão oral e só depois passaram ao registro escrito. Conforme Reis (1984), O conto popular cristalizava-se na tradição oral dos povos, atuando como veículo de transmissão de ensinamentos morais, valores éticos ou concepções de mundo, sendo fortalecido na memória de consecutivas gerações, a cada noite, a cada serão, espécie de legado passado de pais a filhos.” (ibid, p. 08) Assim, muitos estudiosos acreditam que os contos egípcios intitulados Os Contos dos Mágicos (4000 a.C) sejam um dos mais antigos, e representem um dos primeiros registros escritos desses relatos orais. No entanto, não é possível determinar precisamente os primeiros passos dos registros escritos, menciona-se a existência, no oriente, do Pantchatantra, (VI a.C) a mais antiga coleção de fábulas indianas, e no século VI a.C, no oriente e na Grécia, as histórias contidas na Ilíada e a Odisséia de Homero. A difusão do conto como relato escrito ocorreu com a coletânea de contos das Mil e Uma Noites, uma coleção de histórias e contos populares originárias do oriente médio. A partir das atividades dos copistas, esses contos, foram retomados durante a idade média e, dessa forma, passaram a ser conhecidos em toda a Europa. Essa difusão é considerada como essencial no processo de consolidação do gênero conto. Algumas de suas narrativas são bem conhecidas: "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa"; "Simbad, o Marujo"; e "Ali-Babá e os Quarenta Ladrões". No século XIV se apresentam as primeiras preocupações artísticas e o conto se afirma como uma categoria estética a partir da publicação de Decameron (1350), de Bocaccio, que foi traduzido para diversas línguas. Durante a Idade Média muitas modalidades deste gênero se popularizaram, como os contos infantis e os de fadas. Vale ainda ressaltar que a estrutura e processo de composição foram mudando, de acordo com a época e o estilo de cada narrador.
  • 14. 14 Neste mesmo período, quando surgiu, na Itália, o conto recebeu o nome de racconto, de raccontare, contar de novo. O prefixo "ra" em italiano equivale ao "re" em português, indicando repetição. Se no século XVII, surgem grandes escritores e contistas como Miguel de Cervantes com Las Novelas Ejemplares e Charles Perrault Histoires ou Contes du Temps passé, conhecidos como Contos da mãe gansa, o século XVIII apresenta La Fontaine, grande contador de fábulas, como as conhecidas: A cigarra e a formiga e A raposa e as uvas. Foi o Século XIX, com maior difusão dos contos a partir de publicações em jornais e revistas devido a crescente expansão da imprensa, que permitiu a publicação dos textos e o desenvolvimento do conto moderno, “Este é o momento de criação do conto moderno quando, ao lado de um Grimm que registra contos e inicia o seu estudo comparado, um Edgar Alan Poe se afirma enquanto contista e teórico do conto.” (GOTLIB, 1985, p.7). Dessa forma o conto, conhecido como uma narrativa popular, de intenção satírica, ou moral, ou religiosa consagra-se como gênero literário em meados do século XIX, despontando na França com Balzac e nos Estados Unidos com Edgar Allan Poe. Quanto à terminologia, este novo gênero foi identificado pela primeira vez como Short Story, em português: narrativa curta, porque este gênero tem como característica a economia de meios, conforme Cortázar, […] el cuento contemporáneo se propone como una máquina infalible destinada a cumplir su misión narrativa con la máxima economía de medios; precisamente, la diferencia entre cuento y lo que los franceses llaman nouvelle y lo anglosajones long short story se basa en esa implacable carrera contra el reloj que es un cuento plenamente logrado (CORTÁZAR, s/p) Conforme descrito durante séculos, este gênero foi passando por transformações, até chegar ao conto moderno, que ainda mantém muito das
  • 15. 15 características e da estrutura clássica, mas se diferencia pela estética do conto clássico. Nesse, a narrativa era linear, havia um começo, meio e fim, e uma única ação com acontecimentos pontuais, já o conto moderno acrescenta à análise psicológica dos personagens, os aspectos cotidianos e a alinearidade da narrativa. O que caracteriza o conto é o seu movimento enquanto uma narrativa através dos tempos. O que houve na sua “história” foi uma mudança de técnica, não uma mudança de estrutura: o conto permanece, pois, com a mesma estrutura do conto antigo; o que muda é a sua técnica. Esta é a proposta, discutível, de A.L. Bader (1945), que se baseia na evolução do modo tradicional para o modo moderno de narrar. Segundo o modo tradicional, a ação e o conflito passam pelo desenvolvimento até o desfecho, com crise e resolução final. Segundo o modo moderno de narrar, a narrativa desmonta este esquema e fragmenta-se numa estrutura invertebrada. De fato, a arte clássica (do período greco-latino) e a de seus imitadores (da Renascença, no século XVI; ou do Classicismo no século XVII) tinham eixos fixos que determinavam os valores da arte, como os do equilíbrio e harmonia, que eram reunidos em princípios ou normas estéticas a serem aprendidas e imitadas por outros. Uma delas era esta: a de se obedecer à ordem de início, meio e fim na estória, ou a regra das unidades: uma só ação, num só tempo de um dia e num só espaço. Algumas destas regras já apareceram na Poética de Aristóteles. (GOTLIB, 1985, p. 17) Conforme reitera Gotlib, o conceito e a estrutura do conto clássico permanecem, mas a grande diferença do conto moderno é a mudança na técnica da narrativa. O teórico Ricardo Piglia defende a teoria do iceberg, segundo a qual o conto moderno conta duas histórias como se fosse uma só. O conto contemporâneo, reflexo na nova narrativa que se foi construindo nas últimas décadas, substitui a estrutura clássica pela construção de um texto curto, com o objetivo de conduzir o leitor para além do não dito, para a descoberta de um sentido não-dito. A ação se torna ainda mais reduzida, surgem monólogos, a exploração de um tempo interior, psicológico, a linguagem pode, muitas vezes chocar pela rudeza, pela denúncia do que não se quer ver. Desaparece a construção dramática tradicional que exigia um desenvolvimento, um clímax e um desenlace. Em contrapartida, cobra a participação do leitor, para que os aspectos constitutivos da narrativa possam por ele ser encontrados e apreciados. Exige uma leitura que descortine não só o que é contado, mas, principalmente, a forma como é contado, a forma como o texto se realiza. (2001, p.24).
  • 16. 16 Dessa forma, pode-se considerar que para Piglia no conto moderno há o abandono do final surpreendente e a estrutura fechada, característica do conto clássico, e se trabalha a tensão entre as duas histórias. É uma narrativa que encerra uma história secreta, que se conta algo enigmático onde o mais importante não se conta, a história secreta se constrói com o não dito. 2.2 CARACTERÍSTICAS DO CONTO Uma das características que diferenciam o conto de outros gêneros como a novela e o romance é a sua extensão, pois é considerado uma forma narrativa em prosa de menor extensão. De acordo com Luzia de Maria, “em princípio, o conto se caracterizava por ser uma narrativa curta, um texto em prosa que dá o seu recado em reduzido número de páginas ou linhas”. (1984, p. 23). Mas segundo a própria autora, o conto não é definido apenas pelo seu tamanho, ocorre que por conta de sua forma, os fatores como concisão e brevidade tornam-se de profunda importância, pois para escrever levando-se em consideração o limite de escrita, o autor deverá economizar nos meios narrativos e atentar-se para a máxima profundidade e densidade, evitando o que for supérfluo, assim as palavras passam a ter maior valor. No conto, costuma haver uma única célula dramática, com temática resumida, desenvolvendo apenas um conflito e com o número de personagens reduzido, pois os fatos são interligados, para se manter um ritmo e uma tensão do início ao fim. O tempo e espaço são condensados e a densidade dramática da trama causa um efeito de atração no leitor. Outras características do conto são:
  • 17. 17  Brevidade: Levando em consideração que a estrutura do conto é reduzida, a brevidade é fundamental para a sua construção, é importante delimitar acontecimentos e ser conciso na narrativa. Inicialmente a estrutura do conto era mais longa, mas foi diminuindo de tamanho com o tempo. Como por exemplo, o contista guatemalteco Augusto Monterroso, que é o autor do menor conto da literatura mundial já escrito:1 "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá".  Economia verbal: Pela sua curta extensão, os contistas precisam atentar em utilizar linguagem simples e exata, pois cada palavra tem uma função direta para o desfecho. Também se deve evitar o uso de figuras de linguagem ou expressões que possam sugerir duplo sentido e manter a precisão da narrativa.  Concisão: Todas as ações se encaminham diretamente para o desfecho, a narrativa envolve poucos personagens, geralmente em só um espaço e levando em consideração apenas um conflito, para que não surjam diversos núcleos temáticos. O passado e o futuro têm significado menor, para um conto não é necessário dar explicações e informações que possam ser supérfluas à história, para que não se perca a unidade temática.  Densidade: O conto tem os fatos são interligados, pois necessita de um ritmo e uma tensão do início ao fim. O tempo e espaço são condensados e a densidade dramática da trama causa um efeito de atração no leitor. 1 È importante observar que para alguns teóricos, o texto de Monterroso inaugura um novo gênero – o microrrelato. No entanto, este trabalho não abordará essa questão.
  • 18. 18  Desfecho: Todo o conto trabalha para o grande clímax, que é o desfecho na narrativa. Muitos escritores e críticos fazem diversas reflexões sobre o caráter geral do gênero conto e o esforço de apontar certos delimitadores comuns às suas diversas manifestações. No entanto há muita discordância quando o assunto é a definição, Machado de Assis o interpreta como um gênero difícil a despeito de sua aparente facilidade e por causa desta facilidade acaba afastando-o dos autores e faz com que o público não dê a atenção que se faz necessário. Já Mario de Andrade afirma que conto é tudo aquilo que quiser se chamar de conto. O primeiro grande teórico do conto e também contista, foi Edgar Allan Poe. Suas ideias estão expressas no ensaio A Filosofia da Composição, onde apresenta detalhadamente a metodologia do processo de produção de O Corvo. Poe foi o primeiro a impor limites e criar regras a partir da teoria de Unidade e Efeito. Neste ensaio, Poe se refere à reação que o texto pretende causar no leitor, ou seja: aterrorizar? surpreender? encantar? o efeito causado é um estado de excitação ou de exaltação da alma e para este objetivo, deve ser calculado de maneira a não se perder durante a leitura, por isso a importância da questão da brevidade, pois se o texto for longo demais, pode-se perder esta exaltação. Segundo Poe, uma composição é rigorosamente calculada, para se alcançar o efeito esperado. “É meu designo tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso, ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema matemático.” (POE,1999, p.12)
  • 19. 19 Portanto, a composição calculada de Poe inicia-se pela intenção, isto é, o que o autor pretende com o conto. O próximo passo é a extensão do conto, pois para ele há um limite distinto, em torno de cem versos, e que a leitura seja de uma só sentada, pois se a leitura passar deste limite corre o risco de perder o efeito pretendido. Assim, afirma que Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma sentada, devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que se deriva da unidade de impressão, pois, se requerem duas sentadas, os negócios do mundo interferem a tudo o que se apareça com totalidade é imediatamente destruído. (ibid., 1999, p.12) Poe também alerta para o fato de que o conto também não deve ser muito breve, deve haver uma forma equilibrada. “um poema breve demais pode produzir uma impressão vivida, mas nunca intensa e duradoura” (ibid., 1999, p.13) Outros fatores importantes são as escolhas do tom e os efeitos artísticos adequados, que para ele se entende como o uso de um refrão poético de tom forte, que deve ser sonoro e dar ritmo e ênfase ao conto. Para Poe, o autor deve ter o domínio sobre o material narrativo, para chegar à função do efeito pretendido. Ele se baseia na relação entre a extensão e o efeito que a leitura causa no leitor e defende que a produção de um conto deva ser um cálculo minucioso, o autor deve elaborar um plano para obter o sucesso. O escritor e teórico argentino Julio Cortázar também destaca a dificuldade de definição, também segundo ele, o conto é um gênero de difícil explicação e esquivo nos seus múltiplos e antagônicos aspectos. Para ele, o conto, que é um gênero pouco classificável, não é regido por regras e sem por pontos de vistas de cada autor. (…) Nadie puede pretender que los cuentos sólo deban escribirse luego de conocer sus leyes. En primer lugar, no hay tales leyes; a lo sumo cabe hablar de puntos de vista, de ciertas constantes que dan una estructura a ese género tan poco encasillable; en segundo lugar, los teóricos y los críticos no tienen por qué ser los cuentistas mismos, y es natural que aquéllos sólo entren en escena cuando exista ya un acervo, acopio de
  • 20. 20 literatura que permita indagar y esclarecer su desarrollo y sus cualidades. (CORTÁZAR, s/p) Cortázar, diferentemente de Poe, avalia que a produção de contos não se dá por um processo calculado, mas por certas estruturas. Nesse sentido não há regras e cálculos que devem ser seguidos minuciosamente, pois o fazer literário vai além de esquemas e normas e a escritura é entendida como um exorcismo, “Como si el autor hubiera querido desprenderse lo antes posible y de la manera absoluta de su criatura, exorcizándola en la púnica forma en que le era dado hacerlo: escribiéndola.” (CORTÁZAR, s/p) Há na escritura de um conto um oficio de escritor, que consiste em buscar algo que prenda da atenção do leitor, e a única maneira para que ocorra este seqüestro momentâneo da atenção do leitor é ajustar o tema com a intensidade e a tensão que o conto proporcionará e um os meios para se conseguir este efeito é com o uso da brevidade e a economia de meios e palavras, pois o conto parte da noção de limite. Para explicitar esta questão do limite e da brevidade, Júlio Cortázar usa como exemplo o cinema e a fotografia, assim o cinema está para o romance, a fotografia está para o conto. Isso porque o romance e o cinema têm a possibilidade mais ampla para abordar os temas devidos a estrutura mais extensa, já o conto e a fotografia, por seu caráter físico mais reduzido, precisam em poucas páginas ou até onde capta a lente da câmera para fazer o recorte preciso, com o ritmo e intensidade para projetar o clímax e o efeito pretendido pelo autor. Outra comparação citada por Cortázar é do conto com um knockout “La novela gana siempre por puntos, mientras que el cuento debe ganar por knockout”. Para ele, um bom contista é um boxeador astuto e seus golpes iniciais podem
  • 21. 21 padecer despretensiosos e poucos eficazes, mas na verdade ele está minando as resistências do adversário. 2.3 O CONTO HISPANO-AMERICANO Considera-se que a partir de 1920 o conto hispano-americano teve o seu auge e sofreu transformações quanto à sua temática, linguagem e técnica. Algumas dessas mudanças foram em relação ao deslocamento dos planos temporais, as rupturas com o fio narrativo e o mais acentuado uso da fala popular. Conforme estudo de José Miguel Oviedo, na obra Antología del cuento hispanoamericano (2001), a década de 1920 foi o momento em que se produz o primeiro grande impacto das vanguardas europeias e este fenômeno marca o início do conto hispano-americano contemporâneo e esta renovação o leva a se converter em um dos gêneros mais originais e de grande vitalidade até os dias de hoje. Antes, a produção contística era marcada pela influência das correntes modernistas. Oviedo orienta seu estudo a partir de um mapa classificatório da trajetória da produção hispano-americano do século XX dividido em quatro grandes linhas: 1. Tradição Realista: é a representação de uma realidade objetiva e reconhecível ao leitor, que a comparte com o autor. O relato é o condutor da comunicação de uma realidade ou de experiências verificáveis, os elementos testemunhais, que vem desde o séc XIX se mantêm, mas em meados do séc. XX a tradição realista passa por uma renovação estética. Do realismo há outras formas das quais evoluíram para:
  • 22. 22 - Criolista: marca a ruptura com a colônia, começa a elucidar uma nova tradição marcada pela reconciliação com a própria herança cultural. - Indigenista: o índio é o tema central, mas sua imagem representada vai transformando-se e adquirindo as características que os tempos e as novas ideologias vão lhe oferecendo, a de enfatizando o processo de exclusão sofrido pelo índio na sociedade. - Neorrealista: rompe com o passado, há uma busca pelo objetivismo e os fatos se apresentam de forma real. Alguns representantes desta tradição foram: César Vallejo, Arguedas e Mario Benedetti. 2. A Inovação: Contos fantásticos, as vanguardas, contos especulativo e humorístico: há elementos de estranheza e nova matéria narrativos. A fantasia abre espaço para os jogos de experimentação e alegorias, a trama passa a ser elemento tão fundamental quanto os personagens. É marcado pels contos de horror, de fantasia e ficção. Grandes nomes: Adolfo Bioy Casares, Horacio Quiroga e Macedonio Fernández. 3. Grande Síntese: Chamado como o “Boom’ literário dos anos sessenta, representa uma nova forma de escrever que contribuiu para uma mudança de foco e de perspectivas da tradição literária hispanoamericana. Este evento se deu com a soma de fatos como a difusão editorial da Espanha e a presença de um público mais crítico e interessado na literatura hispano-americana. Segundo Oviedo em relação a este acontecimento: … el “boom” contribuyó a un cambio de foco y perspectiva en una nueva propia tradición literaria. Pasado y presente, realidad e imaginación, historia y mito, origen y utopía: en estas novelas se consolidaba una potente visión integradora de un continente dividido y contradictorio. En un determinado momento, la ficción hispanoamericana culmina una gran
  • 23. 23 síntesis de formas, ideas y propuestas gestadas con anterioridad: eso es lo que el “boom” realmente significa. (OVIEDO, 2001, p. 24) 4. Otras direcciones: Esta linha tem definição menos precisa que as outras apresentadas, devido ao pouco distanciamento temporal das obras em estudo. A impossibilidade de estabelecer características concretas ocorre devido as fato de que entre o pós-boom e a aparição do espírito pós-moderno na narrativa. Oviedo faz uma apresentação de diversos contistas com atitudes e propostas estéticas diferentes, sem seguir um padrão definido. É neste período que a participação das mulheres na literatura hispano-americana se apresenta como uma importância considerável, como Rosario Ferré e Elena Poniatowska. Segundo Oviedo a literatura mexicana tem importante lugar na literatura mundial e sua produção contística contemporânea recupera as tradições literárias de gerações anteriores, com antecedentes diretos da década de 1950. Exemplos disso são os autores Juan Rulfo, Juan José Arreola e Carlos Fuentes. Nas décadas de 1960 e 1670 são publicadas as primeiras obras onde o humor e a ironia começam a abordar as questões sociais e culturais da sociedade mexicana. Neste período são publicadas, entre outras, as obras La Oveja negra y demás fábulas (1969) de Augusto Monterroso, Cuál es la Onda de José Agustín e Álbum de família (1971) de Rosario Castellanos, que foi pioneira no uso da autoironia na escrita feminina. Castellanos foi uma das mais importantes vozes literárias Mexicanas. Nasceu na Cidade do México em 1925 e passou grande parte de sua vida como professora universitária e escritora, mas também se dedicou a carreira política trabalhando
  • 24. 24 como promotora cultural e embaixadora do México em Tel-Avivi, onde faleceu em 07 de agosto de 1984. Sua obra é marcada por temas com enfoque político, sexista e crítica da sociedade patriarcal mexicana. Rosario Castellanos tem uma vasta bibliografia, ela escreveu romances, teatros, contos, poesias e ensaios. Seus mais importantes trabalhos com contos é o livro Álbum de Família (1971) que apresenta como ponto alto temas referentes à identidade feminina, e também outro referencial é a sua dissertação de mestrado Sobre Cultura Femenina, (1950) pela Universidade Nacional Autônoma do México, onde ela questiona se existe uma cultura feminina e a que se deve a subordinação da mulher. Com a defesa desta pesquisa, ela obteve com unanimidade o grau de mestre em filosofia. O ingresso das mulheres nas universidades nas décadas de 1940 e 1950 no México significou um processo de modernização social e de abertura para as próximas gerações de um espaço antes privilegiadamente masculino. 2.4 A ESCRITA DE AUTORIA FEMININA "Yo nací mujer, pero aún debo devenir esta mujer que soy por naturaleza” Helene Cixous Assim como sua história na sociedade, a participação da mulher na literatura também percorreu um longo caminho para que seu discurso chegasse a ser identificado e ouvido, deixando de ser a representação de um eco do discurso ficcional masculino, um títere manipulado pela voz do outro e passasse a dar forma a sua própria voz, ao discurso feminino:
  • 25. 25 “a figura feminina é fina voz retirada de um registro masculino, que se constrói de forma similar ao ventríloquo e seu boneco: confusão de vozes, perversa construção enganosa, enquanto fantasma consciente ou inconsciente, nestes tortuosos caminhos do desejo, que se mimetizam ou reduplicam nas linhas do texto.” (CASTELLO BRANCO,1989, p.22) Desde o fim do séc. XIX e no séc. XX ocorreram as maiores transformações em relação à literatura de autoria feminina e da conscientização de sua autonomia social e cultural, já que por muito tempo as mulheres foram marginalizadas com o analfabetismo e a submissão patriarcal. Isso se deu graças ao desejo das mulheres em conseguir, através de sua própria linguagem, obter expressão, conhecimento, mudança de sua situação na sociedade e de fugir do modelo 2falocêntrico, do qual elas não fazem parte. Conforme reflexão de Medeiros-Lichem (2006, p. 18), o uso da linguagem age como um desestabilizador do sistema patriarcal, para as mulheres não é somente uma questão política, de gênero e afirmação social, mas sim a urgência em usar seu discurso como forma de registrar o silenciado e o oprimido e de superar a autocensura que as impede de ver além da construção social da realidade. Os últimos anos vêm sendo testemunha da revolução ideológica e estética da produção literária feminina hispano-americana, com o crescente interesse como objeto de estudo e também de produção crítica e teórica, desde a óptica feminina do seu papel referente à política, sociedade, família, costumes, sexualidade e cultura. Isso leva a […] la acuñación de nuevas categorias literárias y socio-culturales para abordar el fenômeno feminista-femenino latino-americano como una realidad inédita que debe ser nominada, analizada y traída a la luz de los estudios literarios contemporáneos. (CORBATTA, 2002, p.13) 2 Conforme Lacan o falo é um conceito lingüístico. Quem tem o discurso falocêntrico está no centro e tem o domínio da linguagem.
  • 26. 26 Na narrativa feminina, encontram-se marcas da crítica do feminismo francês e anglo-saxão e apresentam caráter biográfico e de testemunho, com características de escrita de exílio, re-escritura de figuras históricas (como os mitos mexicanos de La Llorona e Malinche); de resistência (ato de escrever como caráter político, de recuperação da memória escrita de historias de vida) e fantástica, em um contexto familiar e de atitude crítica e reflexiva. A temática do corpo, erotismo e a sensualidade freqüentemente também aparecem no corpus dos textos, pois sempre foram motivo de opressão por parte da sociedade e principalmente da igreja que reprimiam a sexualidade e condenavam a libido, para manter o ideal de pureza herdado da Espanha. Sobre a teorização da escrita feminina latino-americana, este é um caminho que ainda carece de um lugar central ideológico e social na historia intelectual hispano-americano, pois “debería ser reconocido como central en el proceso de auto-creacíon y de auto-comprensión de la sociedad”. (ibid, p.14). Também como as relações entre gênero e identidade e a importância da teoria feminista na análise literária e cultural da América latina. Nas décadas de 1970 e 1980 houve tentativas de aprofundamento de uma teorização feminista hispano-americana, que começou a se constituir em 1985 com a publicação La Sartén por el mango de Patricia Elena Gonzáles e Eliana Ortega, onde aparecem os estudos pioneiros de Sara Castro Klares e Josefina Ludmer. Sara Castro Klares, analisa o feminismo e a escrita feminina com a situação de colonialismo entre América latina e Europa. Após revisar a crítica feminina norteamericana e francesa, ela a relaciona com a América latina, em uma posição marginal em relação a Europa, enquanto a língua, discurso e identidade, com a situação da mulher em relação de opressão ao homem. Assim, “la lucha de la mujer
  • 27. 27 latinoamericana sigue cifrada en una doble negatividad: porque es mujer y porque es mestiza” (ibid, p. 16) Como a América latina, a mulher segue em uma posição de opressão e marginalidade, neste caso, considerada juntamente como os negros e os índios, e somando com a opressão da igreja e da herança católica que a vinculava a imagem de mãe, que era uma ameaça a sua atividade literária. A representação da mulher na literatura, segundo de Josefina Ludmer também parte da subordinação e marginalidade, em seu artigo Las tetas del débil, (1985) ela aborda a situação da escrita feminina sem rótulos e simulacros universais, mas sobre a crítica sobre a posição que ocupa a mulher no campo do saber e as transformações ocorridas nos modos de leitura em relação ao social a produção de idéias e de textos. Ludmer afirma que essas transformações são jogos entre as mulheres e a sua posição de subordinação e marginalidade, como visto nos textos de Sor Juana Inés de la Cruz, que, […]combina aceptación de su lugar subalterno (como hija/como mujer/como monja asignado por la madre, el obispo, la Iglesia) con antagonismo y enfrentamiento. Esto determina la resemantización del lugar asignado al convertirlo en una zona de subversión intelectual y de ejercicio de la libertad. (ibid, p. 18) Soror Juana é o primeiro nome na produção literária feminina hispanoamericana de que se tem registros. Iniciou no século XVII a escrita feminina mexicana, questionando as regras da igreja da época e lutando pelos direitos da mulher a educação, trabalho, liberdade de expressão e ao amor. Como freira, estudou teologia e como escritora, foi grande poetisa e pode ser considerada como a primeira feminista da Américas.
  • 28. 28 Outra estudiosa do feminismo, Silvia Molloy, analisando uma antologia feita ao Women’s Writting in Latin America, em referência as formas de representação das mulheres, estabelece que este é um problema de auto-representação textual e que primeiro deve-se verificar a relação da mulher com a literatura na América latina, uma vez que é vedada pela autoridade literária masculina. Para ela, ser uma mulher escritora: “(…) ser privado y carente de autoridad (en cuanto mujer), aparece investida de poder intelectual en la esfera pública (en cuanto escritora)” (ibid, p. 19) Beatriz Sarlo em seu artigo Women, History, and Ideology (1985), se refere às mulheres que exerceram papel político e social e que mudaram a historia e a ideologia da América Latina, seja como políticas, educadoras, sindicalistas e escritoras, e que apesar da sua escrita autobiográfica seus textos apresentavam debates ideológicos, políticos e antropológicos. Nas últimas décadas do séc. XX a produção ficcional feminina na América latina está atingindo maturação estética e social e gerando grandes mudanças na sua construção da sociedade, desafiando a desigualdade e os moldes de domínio instituídos. Apresentando, de maneira singular, uma narrativa que deslegitimiza os renomados relatos e articulando uma voz que se origina da margem e está estreitamente relacionada com o contexto social, esta noção de voz feminina é “como um espejo de las circuntancias culturales, sociales y políticas que las rodean” (MEDEIROS-LICHEM, 2006, p. 19) Tomando como base as idéias de Bakhtin em relação ao conceito de linguagem. Nessa perspectiva, a voz literária feminina na América-latina está carregada de fatores sociais, políticos, identitários e ideológicos, e procura assumirse como sujeito dono de seu próprio discurso, e esta busca acarreta em emancipar-
  • 29. 29 se e superar as barreiras da censura e da subordinação, rompendo com o cânone e transformando-se em um compromisso político. O discurso feminino se apresenta com um tom multivocal, que se emprega como um modelo que textualiza a pluralidade das vozes sociais. Neste sentido, conforme Medeiros-Lichem (2006), na literatura feminina, a escrita é usada frequentemente como um meio para articular as vozes da periferia – dos excluídos por gênero, classe o raça –, e em particular das mulheres como sujeitos próprios de seu discurso. A produção do discurso feminino tem como finalidade a 3desconstrução e a inversão da voz monológica patriarcal, criar um discurso de resistência e posicionarse por meio de sua linguagem La causa primordial de la voz de la mujer en la literatura latinoamericana ha sido ampliar y redefinir la comprensión del desarrollo social y de rol de la mujer en el acercamiento cultural de la Otredad. Al incorporar las voces múltiples del Otro, la narrativa femenina está entretejiendo una imagen pluriidentitaria de la mujer, de la sociedad y de la realidad. (ibid,p.15) No México, escritoras como Rosario Castellanos e Elena Poniatowska, em diferentes formas e posição, cultivaram uma criação e teoria feminista, Poniatowska com as obras Hasta no Verte Jesús Mío (1969) e La noche de Tlalelolco (1971) e Castellanos com Mujer que sabe Latín (1995) e Album de Familia.(1971) Rosário Castellanos, fez parte de uma geração que influenciou a literatura, os estudos culturais, de gênero e a arte mexicana do séc. XX. Ela foi precursora do movimento feminista e uma das primeiras intelectuais a reivindicar os direitos de igualdade dos povos indígenas e, sobretudo, das mulheres. Em suas obras é latente 3 Termo proposta pelo filósofo francês Jacques Derrida. Éuma crítica aos pressupostos dos conceitos tradicionais estruturalistas e ao logocentrismo, a desconstrução aponta para a possibilidade de repensar o texto e a descoberta da pluralidades de outros sentidos.
  • 30. 30 a temática da denuncia das injustiças em relação aos índios e a opressão feminina na sociedade patriarcal mexicana. 2.5 A ESCRITA DE ROSARIO CASTELLANOS Castellanos, uma das mais influentes escritoras hispano-americanas, tem como característica em sua obra a análise de dupla negatividade apresentada por Sara Castro Klarén, que baseada na tradição de marginalização da mulher hispanoamericana, ela sofre por ser mulher e ser mestiça. Na América latina, a história da mulher foi de dependência, submissão e repressão por parte da sociedade machista. Vista por este prisma, a literatura de Rosario Castellanos apresenta uma escrita de resistência e arraigada na busca da libertação e identidade feminina, incluindo temas de raça, classe e gênero. Rosario Castellanos estaba consciente de la doble discriminación de la mujer en la sociedad mexicana y de la importancia de buscar nueva vías de expresión como medio de acceder al poder. Las mujeres y los indígenas son oprimidos, la sociedad exige sus servicios y su sacrificio bajo el aura del “hada de hogar” y otras expectativas limitantes. Las mujeres necesitan de educación e independencia para esbozar su propio retrato, para construir la imagen propia. (MEDEIROS-LICHEM, p 49) A crítica feminista e o valor testemunhal estão latentes no discurso de Castellanos, ela que desde muito cedo vivenciou as situações retratadas em sua obra. Em sua infância ela viveu na fazenda da família e conviveu com os problemas enfrentados pelos índios e passou a incluir a questão cultural e de denúncia em sua escrita.
  • 31. 31 Também desde cedo descobriu o peso de sua condição de mulher. Ela teve um irmão homem e a partir das diferenças sofridas ela mesma confessa com tom irônico: Tive um irmão menor do que eu. Nasceu dono de um privilégio que ninguém lhe disputaria: ser homem. Mas para manter um certo equilíbrio em nossas relações, nossos pais lembravam que a primogenitura havia caído sobre mim. E que se ele agradava pela sua simpatia, pelo seu desembaraço, sua inteligência e docilidade de caráter, eu, em troca, possuía a pele mais branca.(CASTELLANOS apud MILLER, 1987, p. 24) Ao fazer a situação da mulher e de mexicana o ponto central de sua obra, ela descobriu que essa condição oprimida e impotente era igual ao de todas as mulheres: “Ao dizer-se, definiu muitas mulheres de destino idêntico.” (MILLER, 1987, p. 8). A busca pela identidade feminina, a levou a usar a linguagem como meio de denúncia social e de emancipação. Em sua escrita ela inclui as vozes da periferia, retratando o universo da mulher seus conflitos, transgredindo barreiras culturais, falocêntricas e rompendo com normas dogmáticas e sexistas ditadas ao eu gênero, desmascarando estruturas de poder com relação a homem x mulher e escrava x amo. Conforme estudo de Beth Miller sobre Rosario Castellanos (1987, p. 37) “Em suas obras explora, descreve e trabalha apontando contra os padrões culturais de dominação-submissão entre homens e mulheres, brancos e índios, mexicanos e europeus ou norte-americanos, classe baixa e aristocrata, pais e filhos.” Outra forte característica da escrita de Rosario Castellanos é o uso da sátira e a ironia, assim mais uma vez ela mostra-se ousada em usar uma linguagem que está fora da esfera feminina, pois para sua sociedade uma dama casada e respeitável não é bem vista usando dos artifícios do humor, que é uma prerrogativa
  • 32. 32 masculina. Segundo ela “(…) la risa, ya lo sabemos, es el primer testimonio de la libertad” (CASTELLANOS, apud MILLER, 1987, p. 18) Conforme Miller esta declaração é de profunda importância, ela analisa que o humor usado por Castellanos foi a ferramenta utilizada em sua vitória contra a solidão, de acordo com esta afirmação de Miller, o humor a libertou. O humor tem como capacidade a de desafiar os discursos tradicionais e de representar contradições e absurdos de forma irônica ou a de expô-la ao ridículo. Este recurso também serve como fonte de defesa frente a obstáculos e problemas e de apresentar críticas ao poder dominante. No caso de Castellanos, a ironia mostra-se como uma ferramenta de fuga e de desconstrução do papel submisso da mulher, de sua realidade sufocante e tediosa. Ela reverte as tragédias femininas, utilizando-se de situações da vida, como infância, maternidade e divorcio, em discursos reflexivos, ideológicos e com finalidade de protesto social. O protesto social é visto em sua obra como uma subversão ao anticonformismo, as estruturas convencionais, a aceitação da tradição histórica, as normas dogmáticas da sociedade, a busca de sua identidade e a desmistificação dos tabus.
  • 33. 33 3 ANÁLISE 3.1 O USO DO HUMOR NO CONTO LECCIÓN DE COCINA. “Yo soy una señora: tratamiento arduo de conseguir, en mi caso, y más útil para alternar con los demás que un título extendido a mi nombre en cualquier academia.” Rosario Castellanos 4 Lección de Cocina é um dos contos integrantes do livro Album de Familia editado em 1971. A temática desta obra é a busca da identidade feminina e uma discussão sobre a função da mulher na sociedade. Castellanos descreve as aflições de uma jovem mexicana recém-casada que se depara com as dificuldades de escolher um cardápio e cozinhar para seu marido. Simples ato que se transforma em um turbilhão de divagações e ideias. Na cozinha, onde a trama ocorre, lugar imaculado e limpo, a narradora se questiona se aquele é realmente o seu lugar e cita provérbios em alemão em que mulher é sinônimo de küche, kinder e kirche, que em espanhol se traduz, respectivamente, como cocina, niños e iglesia, e em português: cozinha, crianças e igreja. Com o uso desses provérbios ela remete a cozinha a um templo feminino, ao local historicamente estabelecido como o habitat natural das mulheres desde o início dos tempos, “Mi lugar está aqui. Desde el principio de los tiempos he estado aquí” (CASTELLANOS, 1989, p.7 ) Para Castellanos a cozinha se converte em um espaço de reflexão e conflitos sobre a condição de mulher - o matrimônio, maternidade, dona de casa, resignação e tudo o que isso implica. Também entre as relações homem x mulher e amo x 4 Para fins de citação, se usará nesse trabalho a sigla LC para referir-se ao conto.
  • 34. 34 servo, e um padrão que requere que a mulher seja submissa, conivente e que aceite sua posição desigual na sociedade. Inclusive na sexualidade, quando na lua de mel ela descreve o seu desconforto causado pelas queimaduras nas costas. Del mismo color teníamos la espalda, mi marido y yo después de las orgiásticas asoleadas en las playas de Acapulco. Él podía darse el lujo de “portarse como quien es” y tenderse boca abajo para que no le rozara la piel dolorida. Pero yo, abnegada mujercita mexicana que nació como la paloma para el nido, sonreía a semejanza de Cuauhtémoc en el suplicio cuando dijo “mi lecho no es de rosas y se volvió a callar”. Boca arriba soportaba no solo mi propio peso sino el de él encima del mío. La postura clásica para hacer el amor. Y gemía, de desgarramiento, de placer. El gemido clásico. Mitos, mitos. (LC, p.9) Segundo Gilda Luongo Morales, a posição sexual clássica - do homem em cima da mulher – é a postura imposta pelos missioneiros durante a colônia para manter a supremacia do homem. Esta experiência sexual da narradora se converteu em uma situação traumática, em que ela a compara com as torturas sofridas por Cuauhtémoc, último governante asteca, pelos conquistadores espanhóis. A personagem, apesar de suas condições, busca seu verdadeiro eu. Pero es mentira. Yo no soy el sueño que sueña, que sueña,que sueña; yo no soy el reflejo ... Yo continúo viviendo conuna vida densa (...). Yo también soy una conciencia que puede clausurarse. Yo ... (LC, p. 10) O conto se desenvolve em um discurso em primeira pessoa, por meio de um diálogo interior, a protagonista está todo o tempo divagando sobre as dificuldades de ser mulher, ao mesmo tempo em que prepara um pedaço de carne para servir a refeição ao seu marido. O discurso é coloquial e conversacional, há uma cumplicidade com o leitor, a protagonista conversa de forma íntima com o interlocutor com quem expõe suas dúvidas e frustrações. Mas este também se mostra um diálogo de tristeza, solidão e abandono. “Unos párpados que se cierran y he aquí, de nuevo, el exilio. Una enorme
  • 35. 35 extensión arenosa, sin otro desenlace que el mar cuyo movimiento propone la parálisis; sin otra invitación que la del acantilado al suicidio. “(LC, p.10). No conto há palavras e expressões que definem essa ideia de tristeza: exílio, parálisis, suicídio e inmóvil, pois a personagem vive o ostracismo de uma vida resignada e sem os mesmos direitos de seu marido: a liberdade, ao prazer e ao conhecimento. “Yo ruminaré, mi silencio, mi rencor. “(LC, p.15). O processo de preparação da carne se desenvolve como uma metáfora de sua vida e de sua relação conjugal onde há uma alternância entre os problemas culinários e os amorosos e de identidade, que começa com um pedaço grande com uma cor vermelha bem viva, que a remete aos primeiros encontros, ao casamento e a lua de mel em Acapulco, o sexo e à vermelhidão de suas costas, queimada do sol. Mas com o tempo a carne vai passando por uma metamorfose, assim como sua relação, suas expectativas e frustração sexual. De vermelho vivo, começa a encolher, a escurecer e a ter uma consistência dura. “Y el trozo de carne que daba la impresión de ser algo tan sólido, tan real, ya no existe.” (ibid,p.20). Essa familiaridade e estranheza com a carne a reporta a conflitos existenciais, pois ao questionar e reexaminar sua função na sociedade, a personagem demonstra ser uma mulher culta, pelo uso de palavras em outras línguas e da escolha de termos eruditos como prolegómenos e propedéutica. Também pelos conhecimentos literários, como a referencias que fez a Dom Quixote: Abro un libro al azar y leo: “La cena de don Quijote.” Muy literario pero muy insatisfactorio. Porque don Quijote no tenía fama de gourmet sino de despistado. Aunque un análisis más a fondo del texto nos revela, etc., etc., etc. (LC, p.07), e de alguém que conviveu em outros espaços fora o da cozinha e que demonstra cultura e conhecimento para questionar a vida submissa.
  • 36. 36 Esses questionamentos ficam evidentes quando, ao queimar a carne, ela se coloca na dúvida em optar pelo silencio e jogar a carne fora ou assumir o erro frente ao marido. Nesta metáfora, ela tem a opção de enfrentar a realidade e pedir o divorcio ou de aceitar sua condição e suas possíveis frustrações. Esta angustia por definir essa situação e manifestar o seu sofrimento é apontado pela narradora com o tom irônico, que se apresenta como forma de desmistificar a submissão e a imagem estereotipada da mulher. Ela usa o humor como ferramenta para demonstrar seus questionamentos e reflexões sobre o papel da mulher na sociedade, a busca de sua identidade, da aceitação e resignação às arbitrariedades da sociedade mexicana e de sua dupla negação, de ser mulher e mexicana “Abnegada mujercita mexicana” (LC, p.9), e a apresentação do anti-conformismo e transgressão dos padrões patriarcais e religiosos de sua época, mas esta busca apresenta muitas dificuldades, pois segundo Beth Miller (1987) ”uma mulher anticonformista é uma estrangeira que tem poucas possibilidades de sobreviver numa cidade mexicana de província, inclusive se está disposta a pagar o preço do sacrifício de sua integridade e liberdade” (p. 74). Mas ela sabia, desde o início, que assim seria o casamento e aceitou os sacrifícios que seriam impostos para manter a harmonia de sua relação conjugal. O jogo lingüístico constituído pelo uso da ironia se materializa com a utilização dos sinais de interrogação, que remete aos diálogos internos dela, em que ela conversa usa o modo formal usted, referindo-se à distinta senhora dona de casa. ¿Qué me aconseja usted para la comida de hoy, experimentada ama de casa, inspiración de las madres ausentes y presentes, voz de la tradición, secreto a voces de los supermercados? (LC, p. 07)
  • 37. 37 Neste conto o humor também se faz presente nas relações entre o espaço doméstico e as funções desempenhadas pela narradora como dona de casa e de sua relação conjugal. 3.1.1 O Humor no espaço doméstico e nas funções desempenhadas como dona de casa. A protagonista, recém casada, se depara com a dificuldade de preparar uma refeição e para seu auxilio ela começa a ler um livro de receitas, e satiriza a dificuldade de compreender os temos culinários: Si yo supiera lo que es estragón y ananá no estaría consultando este libro porque sabría muchas otras cosas. Si tuviera usted el mínimo sentido de la realidad debería, usted misma o cualquiera de sus colegas, tomarse el trabajo de escribir un diccionario de términos técnicos, redactar unos prolegómenos, idear una propedéutica para hacer accesible al profano el difícil arte culinario. Pero parten del supuesto de que todas estamos en el ajo y se limitan a enunciar. Yo, por lo menos, declaro solemnemente que no estoy, que no he estado nunca ni en este ajo que ustedes comparten ni en ningún otro. Jamás he entendido nada de nada. Pueden ustedes observar los síntomas: me planto, hecha una imbécil, dentro de una cocina impecable y neutra, con el delantal que usurpo para hacer un simulacro de eficiencia y del que seré despojada vergonzosa pero justicieramente. (LC, p. 08) Ela também faz referência à falta de direitos trabalhistas e de valorização de seu trabalho como dona de casa: Pero no se me paga ningún sueldo, no se me concede un día libre a la semana, no puedo cambiar de amo. Debo, por otra parte, contribuir al sostenimiento del hogar y he de desempeñar con eficacia un trabajo en el que el jefe exige y los compañeros conspiran y los subordinados odian. (LC, p. 15) Ela mesma se satiriza quando relata que já sabia de todas as mudanças, renuncias e dificuldades que passaria com a nova vida de mulher casada, mas espera que todos os seus questionamentos surgiriam em momentos importantes de sua vida e não em uma situação tão simples como a de preparar uma refeição.
  • 38. 38 “Yo lo acepté al casarme y estaba dispuesta a llegar hasta el sacrificio en aras de la armonía conyugal. Pero yo contaba con que el sacrificio, el renunciamiento completo a lo que soy, no se me demandaría más que en la Ocasión Sublime, en la Hora de las Grandes Resoluciones, en el Momento de la Decisión Definitiva. No con lo que me he topado hoy que es algo muy insignificante, muy ridículo. Y sin embargo . . .“ (LC, p. 22) 3.1.2 O humor na relação matrimonial. A narradora utiliza um discurso irônico quando se trata de sua nova realidade de mulher casada, quando ela agradece seu marido pela falta de liberdade e a jaula em que está submetida pelo matrimônio: Gracias, murmuro, mientras me limpio los labios con la punta de la servilleta. Gracias por la copa transparente, por la aceituna sumergida. Gracias haberme abiertola jaula de una rutina estéril para cerrarme la jaula de otra rutina que, según todos los propósitos y las posibilidades, ha de ser fecunda. Gracias por darme la oportunidad de lucir un traje largo y caudaloso, por ayudarme a avanzar el interior del templo, exaltada por la música del órgano. Gracias por... (LC, p.12) E quando compara sua relação com a de Romeu e Julieta, mas sem romantismo, o apego da paixão e a tragédia em nome do amor. ¿Es la alondra? ¿Es el ruiseñor? No, nuestro horario no va a regirse por tan aladas criaturas como las que avisaban el advenimiento de la aurora a Romeo y Julieta sino por un estentóreo e inequívoco despertador. Y tú no bajarás al día por la escala de mis trenzas sino por los pasos de una querella minuciosa: se te ha desprendido un botón del saco, el pan está quemado, el café frío. ” (ibid, p.15) Sobre este uso de intertextualidade com Romeu e Julieta, Morales afirma que “Este primer rasgo que detecto de intertextualidad, se vincula con la multiplicidad de instancias discursivas presentes en el texto. Ello lo transforma en una muestra de la polifonía discursiva que subyace en un texto elaborado a partir de una "sujeto en proceso" o del "devenir sujeto mujer". Los textos que surgen en este diálogo entre discursos son, entre otros: cuentos infantiles, obras dramáticas con temática amorosa, filmes románticos con final feliz, ensoñaciones o invenciones de historias que son el contradiscurso de la historia narrada. Quienes participan de la escucha y del diálogo instaurado en esta escritura son, por una parte, la misma sujeto que narra en primera persona, pero que hace las veces del doble de sí; por otra parte el marido, supuestamente un otro que(no) escucha, y finalmente nosotros/as, los lectores /as que intervenimos activando posibles respuestas en este diálogo.” (2001)
  • 39. 39 A narradora também imagina, irónicamente, o seu final feliz como em um filme, nas telas do cinema: Y un día tú y yo seremos una pareja de amantes perfectos y entonces, en la mitad de un abrazo, nos desvaneceremos y aparecerá en la pantalla la palabra “fin”. (LC, p.17) Castellanos utilizou-se desses recursos para satirizar e demonstrar as relações amorosas, sociais e cotidianas dentro do universo tradicional feminino, desde as suas reflexões sobre a função da mulher na sociedade até as mais simples situações domésticas. .
  • 40. 40 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Muitas transformações ocorreram em relação à literatura de autoria feminina, sobretudo na conscientização de sua autonomia social e cultural. A busca pela própria voz e identidade fez com que as mulheres assumissem discursos que marcassem sua afirmação social e que os registrassem como forma de protesto pela opressão sofrida pela sociedade machista e falocêntrica. A voz narrativa feminina passou a exercer um papel ideológico e social e a apresentar um discurso que textualizada a pluralidades das vozes á margem da sociedade, assim assumindo um caráter emancipatório e rompendo com o cânome e com os conceitos patriarcais da sociedade. Rosario Castellanos, uma das mais importantes vozes femininas hispanoamericanas, foi uma das precursoras dos movimentos feministas e a criticar e refletir sobre a função da mulher. Sua escrita tem marcas de resistência e de busca da identidade feminina. Um dos recursos usados por Sastellanos no conto Lección de Cocina é o humor, ela o utiliza como meio de desmistificar a imagem tradicional da mulher, um simulacro da mulher submissa, agradecida e passiva, mas que reflete sobre sua vida, seus direitos e seu papel na sociedade. A ironia aparece como um meio de ridicularização dos absurdos sofridos pelas mulheres e o incorpora como um veículo literário de ataque social, e através do humor desafiar a ordem patricarcal e desconstruir a imagem submissa feminina. Assim, pode-se considerar que a cozinha é um símbolo cultural da atividade da mulher e da alimentação da família, mas no conto Lección de Cocina presenta outras lições de vida, de comportamento e sugere a emancipação e também a transgressão
  • 41. 41 do o espaço sagrado para buscar sua autenticidade, uma mulher que vai além de escolher um menu.
  • 42. 42 REFERÊNCIAS CASTELO BRANCO, Lucia. Escrita Feminina. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991. CASTELO BRANCO, Lucia; BRANDÃO, Ruth Silviano. A mulher Escrita. Rio de Janeiro: LCT/Casa-Maria, 1989. CASTELLANOS, Rosario. El eterno femenino. México: Fondo de Cultura Económica, 2006. CASTELLANOS, Rosario. Lección de Familia [on line]. Disponible en http://www.materialdelectura.unam.mx/index.php?option=com_content&task=view&id =42&Itemid=30&limit=1&limitstart=3. Acesso em: 08 jul. 2010. CORBATTA, Jorgelina. Balance de la escritura feminista/feminina en (y sobre) Latinoamérica. In: Feminismo y Escritura en Latinoamérica. Buenos Aires: Corregidor, 2002. CORTÁZAR, Julio. Del cuento y sus arrededores. In: Valise de Cronópio. São Paulo: Editora Perspectiva, 1993. GAC-ARTIGAS, Priscilla. La cocina: de cerrado espacio de servindubre a abierto espacio de creación. México: Destiempos, v. 19, p. 512-522, 2009.
  • 43. 43 GIARDINELLI, Mempo. El cuento como género literario en América Latina. Conferencia pronunciada en la Ceremonia de Premiación del Premio Centroamericano de Literatura “Rogelio Sinán” 1997-9 [on line]. Disponible en http://www.ciudadseva.com/textos/teoria/hist/giardine.htm. GOTLIB, NÁDIA BATTELA. Teoria do Conto. São Paulo: Editora Ática, 1985. MEDEIROS-LICHEM, María Teresa. La voz femenina en la narrativa latinoamericana: una relectura crítica. Santiago: Cuarto Propio, 2006. MILLER, Beth. Uma Consciência Feminista: Rosario Castellanos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. MORALES, Gilda Luongo, "Lección de cocina de Rosario Castellanos: lo crudo y lo cocido en el ejercicio familiar/extraño del devenir sujeto femenino" en Revista Electrónica Cyber Humanitatis de la Facultad de Filosofía y Humanidades de la Universidad de Chile, julio del año 2001. OVIEDO, José Miguel. Antología del cuento hispanoamericano del siglo XX. Barcelona: Alianza Editorial, 1992 POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios. São Paulo: Globo, 1999.3.ed.revista. QUIROGA, Horacio. Cuentos de amor, de locura y de muerte. México: Fernández Editores, 1990
  • 44. 44 REIS, Luzia de Maria R. O que é Conto. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.