O incêndio na boate Kiss em Santa Maria matou 238 pessoas e feriu outras 124. Foi causado pelo acendimento de um sinalizador por uma banda em apresentação. As más condições de segurança da boate, como falta de saídas de emergência e uso de material inflamável no teto, contribuíram para a tragédia. Uma investigação foi iniciada para apurar responsabilidades dos donos da boate e autoridades.
1. Incêndio na Boate Kiss
O incêndio na boate Kiss foi um incêndio não intencional que vitimou pelo
menos 238 pessoas e feriu pelo menos 124 outras em uma casa
noturna de Santa Maria, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. O incêndio
ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de2013 e foi causado pelo
acendimento de um sinalizador por um integrante de uma banda que se
apresentava na casa noturna. As más condições de segurança da casa
contribuíram para que diversas pessoas morressem.
É considerada a segunda maior tragédia no Brasil em número de vítimas em
um incêndio, sendo superada apenas pela tragédia do Gran Circus Norte-
Americano, ocorrida em 1961, em Niterói, que vitimou 503 pessoas, e teve
características semelhantes ao incêndio ocorrido na Argentina, em 2004, na
discoteca República Cromañón. É também a quinta maior tragédia da história
do Brasil, a maior do Rio Grande do Sul, a de maior número de mortos nos
últimos cinquenta anos no Brasil e o terceiro maior desastre em casas noturnas
no mundo.
Foi iniciada uma investigação para a apuração das responsabilidades dos
envolvidos, dentre eles os integrantes da banda, dos donos da casa noturna e
do poder público. O incêndio iniciou um debate no Brasil sobre a segurança e o
uso de efeitos pirotécnicos em ambientes fechados com grande quantidade de
pessoas. A responsabilidade da fiscalização dos locais também foi debatida na
mídia. Houve manifestações em toda a imprensa nacional e mundial, que
variaram de mensagens de solidariedade a críticas sobre as condições das
boates no país e a omissão das autoridades.
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2. O incêndio
A festa denominada “Aglomerada” iniciou-se às 23 horas (UTC-2) de 26 de
janeiro de 2013, sábado, na boate Kiss, localizada na Rua dos Andradas, 1925,
no centro da cidade de Santa Maria. A festa foi organizada por estudantes de
seis cursos universitários e técnicos da Universidade Federal de Santa Maria.
Duas bandas estavam programadas para se apresentarem à noite.
Estimava-se que entre 500 a 1000 pessoas estavam na boate. A maioria era de
estudantes uma vez que ocorria uma festa da UFSM, dos cursos de
Pedagogia, Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia.
Por volta das 2h30min de 27 de janeiro, durante a apresentação da Banda
Gurizada Fandangueira, a segunda banda a se apresentar na noite, um
sinalizador de uso externo foi utilizado pelo vocalista da banda. O sinalizador
soltou faíscas que atingiram o teto da boate, incendiando a espuma de
isolamento acústico, que não tinha proteção contra fogo. Os integrantes da
banda e um segurança tentaram apagar as chamas com água e extintores,
mas não obtiveram sucesso. Em cerca de três minutos, a fumaça espessa se
espalhou por toda a boate.
No início do incêndio, não houve comunicação entre os seguranças que
estavam no palco e os seguranças que estavam na saída da boate. Estes,
então, não permitiram inicialmente que as pessoas saíssem pela única porta do
local, por acreditarem tratar-se de uma briga.
A casa funcionava através do pagamento das comandas de consumo na saída,
o que levou os seguranças a pensarem que as pessoas estavam tentando sair
sem pagar. Muitas vítimas forçaram a entrada pelas portas dos banheiros,
confundindo-as com portas de emergência que dessem para a rua, que de fato
não existiam na boate. Em consequência disso, noventa por cento dos corpos
estariam nos banheiros.
Durante o incêndio, de dentro da boate, uma das vítimas fatais conseguiu
enviar uma mensagem através da rede social Facebook, informando do
incêndio e pedindo ajuda. A mensagem foi registrada pelo Facebook como
recebida às 3h20min. Ainda sem saber das dimensões da situação, amigos
pediram mais informações, mas não obtiveram resposta.
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3. Eventos pós-incêndio
O incêndio teve ao todo 238 vítimas fatais. Destas, 235 morreram no dia do
incêndio, a maioria asfixiada pela fumaça que tomou conta do ambiente
interno, e três nos dias seguintes, após atendimento hospitalar. Diversas
vítimas fatais, dentre elas oito militares, participaram do resgate de vítimas
inconscientes da boate. Bombeiros relataram que, ao retirarem os corpos,
ouviram os celulares das vítimas tocarem "ininterruptamente", significando que
seus parentes e amigos tentavam se comunicar. Devido à grande quantidade
de vítimas, os bombeiros tiveram que recorrer a caminhões frigoríficos para
transportarem os corpos até o Centro Desportivo Municipal Miguel Sevi Viero
(CDM), onde profissionais de diversas áreas reuniram-se como voluntários
para prestar assistência às autoridades e aos parentes das vítimas. Humberto
Trezzi, repórter da Agência RBS, relatou a situação do CDM:
“O ginásio parece um formigueiro, tomado por centenas de voluntários
que acorreram ao chamado de ajuda feito por meio das rádios. Além de
médicos e psicólogos, compareceram assistentes sociais, enfermeiros,
soldados e policiais. Muitos em chinelos de dedo e bermuda, que
emergência não combina com etiqueta”.
O ginásio serviu, inicialmente, para as famílias realizarem o reconhecimento
dos corpos, pois o Instituto Médico Legal da cidade só tinha capacidade para
dez corpos. O governo estadual divulgou uma lista com os nomes das vítimas;
dentre elas, Danilo Jaques, sanfoneiro da banda Gurizada Fandangueira, que
se apresentava quando ocorreu o incêndio, e dois integrantes da banda
Pimenta e seus Comparsas, que também se apresentou, o baterista Marcos
Rigoli e o baixista Robson Van Der Ham.
Em 3 de fevereiro, o médico Marcelo Cypel, que mora no Canadá e é diretor do
programa de suporte pulmonar extracorpóreo da Universidade de Toronto, veio
ao Brasil para prestar tratamento especializado aos pacientes internados por
pneumonite, que naquele momento ainda totalizavam 113, dos quais 72 em
estado grave. A técnica de ventilação extracorpórea proposta pelo médico
permite uma regeneração do pulmão a partir do próprio sangue do paciente e
seria viabilizada por um equipamento doado por uma empresa alemã.
O chefe da unidade de endoscopia respiratória do Hospital de Clínicas de Porto
Alegre, Hugo Goulart de Oliveira, acreditava que os pacientes logo não
precisariam mais de respiradores artificiais. O mais difícil foi lidar com a
complexidade da intoxicação por cianeto, de manejo pouco solucionado entre
os médicos. Como se suspeitava, a hidroxicobalamina, medicamento trazido
dos Estados Unidos, não foi eficaz nos pacientes devido ao início tardio. O
tratamento se dividiu em três fases, a primeira foi dar suporte de respiração ao
organismo por causa do monóxido de carbono e do cianeto, que causam
parada respiratória. A segunda fase consistiu em introduzir um endoscópio nas
vias aéreas para remover a fuligem dos pulmões, que causaria grandes
complicações, e a terceira fase foi lidar com as sequelas, como infecções
e fibrose pulmonar.
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4. Em 5 de fevereiro, o Ministério da Saúde criou uma rede de serviços de
assistência aos pacientes vítimas do incêndio depois que recebessem alta
hospitalar, com o objetivo de continuar a assisti-los do ponto de vista médico e
psicológico. O Núcleo de Atenção Psicossocial contava com 164 profissionais
divididos em equipes de médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas etc.
Segundo o secretário estadual da saúde, Ciro Simoni, 81 pacientes permanecia
hospitalizado, sendo 23 com ventilação mecânica.
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5. Impactos na mídia e pessoais
O caso ganhou repercussão mundial, veículos internacionais
como CNN, BBC, RTP, Al Jazeera, Washington Post, The Guardian, Le
Figaro, El País, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Público, Le
Monde, Corriere della Sera, The Independent, The New York Times, Clarín,
dentre outros, destacaram notas em suas manchetes principais. A rede de
televisão CNN relatou o incidente tanto na televisão como na Internet e afirmou
que o mundo não aprendeu com os erros do passado. O jornal
argentino Clarín comparou o incidente à tragédia com características
semelhantes ocorrida em Buenos Aires, no ano de 2004, quando uma
discoteca pegou fogo, matando 194 pessoas e deixando centenas de feridos. O
espanholEl País identificou a tragédia como uma das piores do país.
Gerou também grande comoção pública não só no Rio Grande do Sul, mas
também nos outros estados brasileiros. Diversos países, bem como
celebridades e autoridades religiosas do Brasil e do mundo, enviaram
mensagens de solidariedade. O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer,
decretou luto oficial por 30 dias, foi à primeira vez que luto tão extenso foi
decretado no município. O governador do estado do Rio Grande do Sul, Tarso
Genro, lamentou a tragédia e anunciou em sua conta no Twitter que viajaria a
Santa Maria ainda pela manhã. A presidente Dilma Rousseff, que se
encontrava em Santiago, no Chile, para participar da cúpula dos países da
América Latina com a União Europeia, cancelou sua agenda no evento para
viajar a Santa Maria, a fim de acompanhar o resgate das vítimas do incêndio.
Dilma proferiu um breve comunicado à imprensa e, emocionada, ofereceu
ajuda federal à prefeitura e ao estado. Após isso, a presidente decretou luto
oficial de três dias no país.
A cobertura da tragédia alterou a programação das principais emissoras do
Brasil e aumentou a audiência das grandes redes abertas em quinze por cento
na Grande São Paulo. A Universidade Federal de Santa Maria, onde
estudavam muitas das vítimas, suspendeu todas as suas atividades
acadêmicas até o dia 1º de fevereiro. Até 31 de janeiro, havia 143 pessoas
internadas por pneumonite química em Santa Maria, das quais 75 estavam em
estado crítico. A patologia é causada por inalação de vapores tóxicos e produz
falta de ar, podendo levar à morte. O número de internados aumentou
progressivamente porque os sintomas levam várias horas para se
manifestarem. Outra consequência tardia do incêndio é o estresse pós-
traumático dos sobreviventes.
O empresário Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, tentou cometer
suicídio por enforcamento com uma mangueira, em um hospital na cidade
de Cruz Alta, onde estava preso e vigiado por policiais. Ele procurou
atendimento médico devido a sintomas de pneumonite e foi algemado à cama
para evitar novas tentativas contra a própria vida. O médico que o atendeu, no
entanto, negou essa versão apresentada pela polícia e disse que seu paciente
teve apenas uma crise nervosa. Ainda segundo o médico, Spohr era mantido
sob sedação permanente e oscilava entre crises de choro e depressão. Em 31
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6. Apuração de responsabilidades e prisão dos acusados
Autoridades afirmaram inicialmente que a maioria das vítimas não morreu em
decorrência de queimaduras, mas sim de asfixia pelo monóxido de
carbono presente na fumaça que tomou conta do ambiente interno; outras
foram pisoteadas. A reconstituição do evento foi feita na tarde de 30 de janeiro.
Sobreviventes relataram que o incêndio começou com o sinalizador, que
atingiu o teto e causou uma fumaça negra que obscureceu o ambiente em
poucos minutos, impedindo o público de enxergar a saída.
Muitos viram a luz verde do banheiro e pensaram que fosse a saída, por isso
tantos morreram nesse local. Além disso, confirmou-se que o teto da boate foi
rebaixado para instalar a espuma acústica, inflamável e vedada por lei
municipal, depois de reclamações dos vizinhos contra o barulho da boate.
O alvará emitido pelo Corpo de Bombeiros para o funcionamento da casa
estava vencido desde agosto de 2012. Já na tarde de domingo, o Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Sul estava analisando a possibilidade de
pedir prisão dos donos da boate e dos integrantes do conjunto musical
Gurizada Fandangueira, dentre outras pessoas. Na noite de domingo, o grupo
de advogados associados Kümmel & Kümmel, representante da casa noturna,
divulgou nota à imprensa rechaçando os boatos levantados através de redes
sociais, declarando que a casa atendia às especificações legais e que se
colocava à disposição das autoridades para auxiliar no processo investigatório.
Na manhã de segunda-feira, 28 de janeiro, um dos proprietários da boate Kiss
e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira foram presos. O pedido de
prisão temporária foi concedido pelo juiz ainda na madrugada. O segundo sócio
da boate se entregou à polícia à tarde, quando houve também a decretação do
bloqueio dos bens dos proprietários.
A boate Kiss já havia sofrido uma ação judicial em 2012 por tentar impedir a
saída de uma pessoa que ainda não havia pagado a conta. Na ocasião, um
funcionário afirmou que a orientação da empresa era não liberar clientes antes
de encontrarem a comanda. A Justiça considerou a prática como cárcere
privado e condenou a boate a pagar dez mil reais de indenização à jovem que
foi barrada na saída. Além disso, depois do incêndio, um segurança que
trabalhou por mais de um ano na boate relatou que nunca recebeu treinamento
contra incêndio e que não havia portas de saída de emergência.
Em 29 de janeiro, o delegado Marcelo Arigony apontou pelo menos quatro
irregularidades na boate:
1. Saída única - uma só porta e pouco espaçosa;
2. Sinalizador em local fechado - causou faíscas que iniciaram o incêndio;
3. Excesso de pessoas - 1.300 para capacidade de 691;
4. Material de revestimento inadequado.
O computador com a gravação das câmeras de segurança da boate
desapareceu do local, segundo o delegado responsável pelas investigações,
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7. de janeiro, a Justiça negou o pedido de relaxamento da prisão temporária de
Spohr e de seu sócio, Mauro Hoffman, que terminaria em primeiro de fevereiro.
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8. Impactos na mídia e pessoais
O caso ganhou repercussão mundial, veículos internacionais
como CNN, BBC, RTP, Al Jazeera, Washington Post, The Guardian, Le
Figaro, El País, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Público, Le
Monde, Corriere della Sera, The Independent, The New York Times, Clarín,
dentre outros, destacaram notas em suas manchetes principais. A rede de
televisão CNN relatou o incidente tanto na televisão como na Internet e afirmou
que o mundo não aprendeu com os erros do passado. O jornal
argentino Clarín comparou o incidente à tragédia com características
semelhantes ocorrida em Buenos Aires, no ano de 2004, quando uma
discoteca pegou fogo, matando 194 pessoas e deixando centenas de feridos. O
espanholEl País identificou a tragédia como uma das piores do país.
Gerou também grande comoção pública não só no Rio Grande do Sul, mas
também nos outros estados brasileiros. Diversos países, bem como
celebridades e autoridades religiosas do Brasil e do mundo, enviaram
mensagens de solidariedade. O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer,
decretou luto oficial por 30 dias, foi à primeira vez que luto tão extenso foi
decretado no município. O governador do estado do Rio Grande do Sul, Tarso
Genro, lamentou a tragédia e anunciou em sua conta no Twitter que viajaria a
Santa Maria ainda pela manhã. A presidente Dilma Rousseff, que se
encontrava em Santiago, no Chile, para participar da cúpula dos países da
América Latina com a União Europeia, cancelou sua agenda no evento para
viajar a Santa Maria, a fim de acompanhar o resgate das vítimas do incêndio.
Dilma proferiu um breve comunicado à imprensa e, emocionada, ofereceu
ajuda federal à prefeitura e ao estado. Após isso, a presidente decretou luto
oficial de três dias no país.
A cobertura da tragédia alterou a programação das principais emissoras do
Brasil e aumentou a audiência das grandes redes abertas em quinze por cento
na Grande São Paulo. A Universidade Federal de Santa Maria, onde
estudavam muitas das vítimas, suspendeu todas as suas atividades
acadêmicas até o dia 1º de fevereiro. Até 31 de janeiro, havia 143 pessoas
internadas por pneumonite química em Santa Maria, das quais 75 estavam em
estado crítico. A patologia é causada por inalação de vapores tóxicos e produz
falta de ar, podendo levar à morte. O número de internados aumentou
progressivamente porque os sintomas levam várias horas para se
manifestarem. Outra consequência tardia do incêndio é o estresse pós-
traumático dos sobreviventes.
O empresário Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, tentou cometer
suicídio por enforcamento com uma mangueira, em um hospital na cidade
de Cruz Alta, onde estava preso e vigiado por policiais. Ele procurou
atendimento médico devido a sintomas de pneumonite e foi algemado à cama
para evitar novas tentativas contra a própria vida. O médico que o atendeu, no
entanto, negou essa versão apresentada pela polícia e disse que seu paciente
teve apenas uma crise nervosa. Ainda segundo o médico, Spohr era mantido
sob sedação permanente e oscilava entre crises de choro e depressão. Em 31
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