O programa "Aqui tem Farmácia Popular" completou dez anos no Brasil, ampliando o acesso da população a medicamentos essenciais. A iniciativa criou uma parceria público-privada que beneficiou tanto o setor farmacêutico quanto o varejo. Recentemente, cortes orçamentários colocaram em risco a sustentabilidade do programa.
Como o programa Farmácia Popular revolucionou o setor farmacêutico brasileiro
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setor.
H
á dez anos, o setor
farmacêutico vivia
uma pequena revo-
lução. Impulsionado
pelo programa “Aqui
tem Farmácia Popu-
lar”, que permitiu a inclusão das
redes privadas de farmácias no for-
necimento de medicamentos com
baixo custo à população, o merca-
do farmacêutico estabeleceu uma
nova dinâmica competitiva entre
laboratórios, extensiva ao varejo e
à cadeia de suprimentos. “O pro-
grama criou uma das maiores ini-
ciativas de distribuição e subsídio
ao acesso a medicamentos essen-
ciais à população brasileira. Essa
implementação foi relativamente
rápida por ter aproveitado uma in-
fraestrutura já instalada em todo
o território nacional via parceria
público-privada”, destaca Marcelo
Meletti, gerente de novos negócios
e informações do IMS Health Bra-
sil. Esta parceria foi fundamental,
dada a complexidade logística em
adquirir e distribuir medicamen-
tos em um país de dimensões con-
tinentais como o Brasil”, explica.
Com a iniciativa, o varejo farma-
cêutico viu crescer seu potencial de
vendas e gerou uma concorrência
saudável entre os estabelecimentos
– em especial, nos quesitos qualifi-
cação e tecnologia. “Muitos varejis-
tas cadastraram-se com o objetivo
de ampliar o leque de serviços ofe-
recidos e também com a possibili-
dade de atrair novos usuários e isso
exigiu qualificação e modernização
dos processos, por exemplo, para
se obter o reembolso por parte das
farmácias”, diz Meletti.
Para a indústria, o programa re-
presentou significativo aumen-
to no volume comercializado.“O
modelo de pagamento utilizado
no programa não foi tão benéfico
para os produtos de marca, já que
a opção do paciente era, na maio-
ria das vezes, pelo reembolso me-
nor propiciado pelos genéricos”,
lembra Adriano Caldas, gerente
nacional de vendas do laborató-
rio Biolab. Ainda assim, nos cin-
co primeiros anos, as margens da
indústria e do varejo foram man-
tidas e compensadas por um sen-
sível aumento de demanda.
GRATUIDADE
A grande virada aconteceu em
2011, com a campanha “Saúde não
tem preço”, que acrescentou, em
caráter gratuito, medicamentos de
uso contínuo para diabetes e hiper-
tensão na relação de produtos dis-
ponibilizados nas drogarias e far-
mácias credenciadas no “Aqui tem
Farmácia Popular”. “O valor pago
pelo governo era muito inferior ao
praticado. Assumir esse risco dimi-
nuiria ainda mais as margens dos
laboratórios e farmácias”, afirma
Caldas. “O caminho então foi o ga-
nho em escala”, acrescenta.
No caso da Biolab, a repercussão
foi ainda mais importante porque
a molécula mais estratégica para a
empresa – a Losartana Potássica,
princípio ativo do Aradois-H®
– foi
incluída no programa a um preço
quatro vezes inferior ao praticado.
“Para que nosso produto tivesse
competitividade e pudesse fazer
parte da campanha, optamos por
reduzir a margem e alinhar nosso
preço ao valor remunerado pelo go-
verno. Hoje, sabemos que essa foi
uma decisão acertada, porque ga-
nhamos em volume e não perdemos
nem a marca do produto, nem o
hábito prescritivo por parte dos mé-
dicos”, comenta o gerente de vendas
do Biolab. O executivo afirma que a
dispensação da Losartana quintu-
plicou com a gratuidade.
Para atender esse novo modelo
de negócios, a companhia reade-
quou a política comercial e elegeu
os pontos de vendas estratégicos
para seus produtos. Atualmente, o
Biolab não está em 100% da base
de varejos credenciados pelo pro-
grama, mas tem presença nas prin-
cipais redes e farmácias indepen-
dentes com potencial estratégico
para os interesses do laboratório.
O formato diferenciado exigido
pelo “Aqui tem Farmácia Popular”
é acompanhado de perto por uma
equipe de inteligência que monito-
ra o desempenho de cada produto
disponibilizado pelo programa.
ABRANGÊNCIA
Para o Luiz Carlos Monteiro, pre-
sidente e fundador da ePharma,
empresa especializada em gestão
de benefícios farmacêuticos e ges-
tão de saúde, o programa é um dos
mais exitosos do governo federal e
um dos mais importantes, não ape-
nas para a indústria farmacêutica,
mas também para o varejo: “Apesar
do ticket médio baixo e da margem
reduzida o ‘Aqui tem Farmácia
Popular’ levou mais usuários para
dentro das lojas”.
Segundo o Ministério da Saúde,
mais de 38 milhões de pessoas aces-
saram o programa nos últimos dez
anos, o equivalente a cerca de 20%
da população brasileira. A iniciativa
está presente em 80% dos municí-
pios, contando com 35 mil farmá-
cias conveniadas – cerca de 45%
das existentes no país. Ao todo, são
disponibilizados 25 produtos, sendo
quatro deles gratuitos e os demais
com descontos que chegam a 90%. O
governo federal já investiu R$ 10,4
bilhões para ampliação do Programa
e na oferta dos medicamentos.
Em média, por mês, o Programa be-
neficia 9 milhões de pessoas, princi-
palmente, aquelas com 60 anos ou
Volume em Doses do Programa – MAT FEV/16
Dados IMS Health em parceria com o Ministério da Saúde
53%
20%
14%
8%
4%
1%
0%
0%
0%
Dislipidemia
Rinite
Doença de Parkinson
Glaucoma
Osteoporose
Anticoncepção
Hipertensão
Diabetes
Asma
3.466,38mi
1.308,04mi
922,02mi
516,88mi
293,05mi
55,20mi
31,74mi
7,49mi
1,73mi
por Kátia Carminatto / consultoria IMS Health de Marcelo Meletti
GRATUIDADE
A grande virada aconteceu em
2011, com a campanha “Saúde não
tem preço”, que acrescentou, em
caráter gratuito, medicamentos de
uso contínuo para diabetes e hiper-
tensão na relação de produtos dis-
ponibilizados nas drogarias e far-
mácias credenciadas no “Aqui tem
Farmácia Popular”. “O valor pago
pelo governo era muito inferior ao
praticado. Assumir esse risco dimi-
nuiria ainda mais as margens dos
laboratórios e farmácias”, afirma
Caldas. “O caminho então foi o ga-
nho em escala”, acrescenta.
No caso da Biolab, a repercussão
foi ainda mais importante porque
a molécula mais estratégica para a
empresa – a Losartana Potássica,
princípio ativo do Aradois-H
incluída no programa a um preço
quatro vezes inferior ao praticado.
“Para que nosso produto tivesseos rumos do
FARMÁCIAPOPULAR
setor.setor.setor.setor.
os rumos do
FARMÁCIAPOPULAR
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mais, que representam 4 milhões
do total. A maior parte dos pacien-
tes atendidos (7,5 milhões) acessa
medicamentos de forma gratuita e
os mais dispensados são para trata-
mento de hipertensão. “O ‘Aqui tem
Farmácia Popular’ conseguiu, nos
últimos anos, ampliar de forma sig-
nificativa o volume nos mercados co-
bertos, agregando em torno de 500
milhões de doses adicionais frente à
tendência do mercado em 2011. Esse
aumento foi claramente impulsiona-
do depois da gratuidade”, observa o
executivo do IMS Health.
A iniciativa, segundo Meletti, conse-
guiu impulsionar todas as moléculas
participantes, ampliando a aderência
dos pacientes e trazendo novos pa-
cientes para o tratamento efetivo. O
mercado das moléculas elegíveis ao
programa saíram de uma situação de
estabilidadeparaumimportantecres-
cimento, representando hoje, 5,6% do
mercado farmacêutico em doses.
GANHO EM ESCALA
Em um artigo sobre o programa,
Sérgio Mena Barreto, presidente
executivo da Associação Brasileira
de Redes de Farmácias e Droga-
rias (Abrafarma), destaca que entre
2007 e 2014, a média de clientes
atendidos mensalmente passou de
335 mil para 1,9 milhão nas redes
associadas, gerando um aumento
de quase 600% em unidades.
Apesar do ganho em escala, na
opinião de Edison Tamascia, pre-
sidente da Federação Brasileira
das Redes Associativistas e Inde-
pendentes de Farmácias (Febra-
far), a recomendação para suas
associadas sempre foi a de não
criar uma dependência do “Aqui
tem Farmácia Popular” em termos
financeiros em função da margem
menos expressiva dos produtos.
MUDANÇAS
Profundo conhecedor do “Aqui tem
Farmácia Popular”, Monteiro da
ePharma conta que o programa sur-
giu em um momento em que os es-
forços do governo estavam altamen-
te concentrados nas políticas sociais.
Segundo ele, o Departamento de
Informática do SUS, o DATASUS,
teve grande mérito ao reformular
seu sistema de autorização em tem-
po recorde: “Foi uma grande quebra
de paradigma ver o governo fazendo
uso do sistema privado para entregar
medicamentos e usando um modelo
avançado de conexão eletrônica”.
Entre o final de 2015 e o começo de
2016, entretanto, o cenário mudou
em função da redução no valor de
referência dos medicamentos para
indústria e varejo. “A medida tor-
nou mais difícil a manutenção do
programa pelas redes privadas. Os
valores de reajustes dos valores re-
embolsados não acompanharam a
inflação”, relata Mena Barreto em
seu artigo, referindo-se também ao
Dados do Programa Farmácia Popular MAT FEV/16
e PMB MAT FEV/16 R$ Preço Fábrica
IMS HEALTH E O
FARMÁCIA POPULAR
O IMS Health desenvolve
projetos que direcionam os
clientes estrategicamente a
aproveitar as oportunidades
oferecidas pelo programa
“Aqui tem Farmácia Popular”.
Para isso, a companhia conta
com uma importante parceria
com o Ministério da Saúde,
que permite ter acesso de
forma integral ao volume
movimentado pelo programa.
aumento da alíquota de ICMS em 13
estados, que influenciou negativa-
mente a rentabilidade do programa.
“Não há dúvida de que o ‘Aqui tem
Farmácia Popular’ tem o grande mé-
rito de ampliar ainda mais o acesso
aos medicamentos, mas se o pro-
grama continuar como está, poderá
perder atratividade para o varejo”,
concorda Tamascia da Febrafar.
Sim, o momento requer cautela. Em
nota oficial, o Ministério da Saúde
informou que a prioridade da pasta
é buscar, junto à atual equipe econô-
mica, a recomposição do orçamen-
to de 2016, para só então avaliar as
áreas que sofrerão possíveis cortes.
De acordo com o comunicado, o va-
lor do contingenciamento é de R$
5,5 bilhões. Para o Farmácia Popu-
lar – incluindo as unidades próprias
e privadas – a dotação orçamentária
deste ano é de R$ 2,98 bilhões.
SOLUÇÕES CRIATIVAS
“Na crise sempre aparecem soluções
criativas. Acredito que nesse vácuo
surgirão oportunidades na iniciativa
privadaquevãosuprirumaeventual
interrupção no programa”, aponta
Monteiro da ePharma. Ele sugere,
como exemplo, uma parceria entre
indústria, varejo e centralizadores
nos mesmos moldes do “Aqui tem
Farmácia Popular” para criar um
programa de baixo custo visando a
manutenção do acesso às pessoas
que têm condições de pagar um va-
lor mínimo pelo medicamento.
O gerente nacional de vendas do
Biolab prevê uma alternativa muito
semelhante. “Caso o programa seja
suspenso, o impacto em termos de
faturamento para indústria não vai
mudar muito porque já estamos pra-
ticando uma política de descontos ele-
vados. A resposta, mais uma vez, seria
o ganho em escala, a partir da adoção
de uma estratégia comercial que ofe-
reça preço acessível aos usuários”,
opina. “Mas essa é uma decisão que
tem que ser tomada em conjunto para
avaliar se esse seria um modelo viável
também para o varejo”, completa.
Apesar das incertezas em função do
atual cenário econômico e da tran-
sição política, Meletti acredita que
dificilmente o governo abrirá mão
de um programa tão importante
para a universalização do acesso
da população aos medicamentos
essenciais. “Ainda é prematuro fa-
lar em interrupção do programa.
Certamente, o governo está bali-
zando todas as nuances do mode-
lo de assistência farmacêutica. O
“Aqui tem Farmácia Popular” tem
um papel fundamental na redução
dos custos com a saúde pública,
até mesmo em função da diminui-
ção do número de internações e do
consequente comprometimento do
sistema de saúde. Isso com certeza
terá um grande peso nas decisões”.
De certo até o momento é que as
cenas dos próximos capítulos ainda
estão por vir.
1.400.000.000
1,06bi
548,7mi
402,7Mi
1.200.000.000
1.000.000.000
800.000.000
600.000.000
400.000.000
200.000.000
Visão de quanto o Farmácia Popular agregou em doses – MAT FEV/16
(moléculas elegíveis ao programa) Dados IMS Health em parceria com o Ministério da Saúde
Total PMB
Elegível + Farmácia Popular
Produtos que estão no Farmácia Popular
Produtos elegíveis que não estão no Farmácia Popular
setor.
Relevância do Programa para as Principais Indústrias do Mercado
Laboratório
Ranking
Farmacêutico
Ranking
Farmácia Popular
Relevância do
Programa no Portfólio
NEO QUÍMICA 2 1 8%
SANDOZ DO BRASIL 7 2 17%
EMS PHARMA 1 3 6%
MEDLEY 5 4 10%
MERCK SERONO 20 5 25%
TEUTO BRASILEIRO 8 6 11%
BIOLAB-SANUS FARMA 14 7 16%
ACHÉ 3 8 4%
LILLY 39 9 22%
EUROFARMA 4 10 3%
NOVO NORDISK 52 11 22%
GEOLAB 31 12 13%
LEGRAND 9 13 4%
BALDACCI 72 14 38%
GSK FARMA 22 15 6%
Farmácia Popular”, Monteiro da
ePharma conta que o programa sur-
giu em um momento em que os es-
forços do governo estavam altamen-
te concentrados nas políticas sociais.
Segundo ele, o Departamento deSegundo ele, o Departamento de
Informática do SUS, o DATASUS,
teve grande mérito ao reformular
seu sistema de autorização em tem-
Relevância do Programa para as Principais Indústrias do Mercado
Laboratório
Ranking
Farmacêutico
NEO QUÍMICA 2
SANDOZ DO BRASIL 7
EMS PHARMA 1
MEDLEY 5
MERCK SERONO 20