Dissuasão, prisões, right-to-carry e controle da criminalidade
1. Dissuasão, prisões, right-to-carry e
controle da criminalidade
Por José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Professor Associado da Universidade Federal de Campina Grande
Doutor em Ciência Política pela UFPE
Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da UFCG (NEVU)
Em meio a discussão sobre quais as melhores políticas de segurança pública que o Brasil deve
adotar para o controle da criminalidade, é de fundamental importância trazer à baila o que a
literatura especializada diz sobre os mecanismos institucionais de controle da criminalidade.
Como a literatura especializada é multifacetada e o que se escreve sobre segurança pública no
Brasil é diverso, tanto do ponto de vista teórico quanto do metodológico (NÓBREGA JR., José
Maria Pereira da (2018), “O que se escreve sobre segurança pública no Brasil? Uma revisão da
literatura recente”. Revista Brasileira de Segurança Pública. V. 2. N. 2.
http://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/945), aqui focaremos na
literatura econômica do crime e sua conexão com as políticas públicas de segurança. O que, do
ponto de vista dessa literatura, podemos traçar como estratégia para os atores institucionais da
segurança pública do estado brasileiro.
O economista e prêmio Nobel de Economia, Gary Becker (BECKER,Gary. (1968), “Crime and
Punishment: An Economic Approach”. Journal of Political Economy, Vol. 76, nº 2, pp. 169-
217: https://www.nber.org/chapters/c3625.pdf), tendo como base teórica a Rational Choice,
atrelou o ato criminoso a um cálculo estratégico do ator social buscando a maximização utilitária
de sua ação. Para o autor, o criminoso avaliava sua ação tendo em vista a perspectiva
mercadológica, na qual a decisão de praticar o ato criminoso estaria atrelada às oportunidades
advindas do mundo econômico e social. Becker motivou uma série de estudos sobre as causas da
criminalidade e da violência que culminou em várias publicações relevantes que tiveram impacto
fundamental nas políticas públicas das instituições coercitivas, principalmente as policiais.
Essa literatura advinda com os estudos de Becker (ODON,Tiago I. (2018), “Segurança pública e
análise econômica do crime. O desenho de uma estratégia para a redução da criminalidade no
Brasil”. RIL Brasília a. 55 n. 218 abr./jun. 2018 p. 33-61:
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/55/218/ril_v55_n218_p33.pdf ), resultou em algumas
importantes descobertas empíricas: 1. a oferta de crimes cairá se a probabilidade de detenção
aumentar; 2. a oferta de crimes cairá se a severidade da punição aumentar; 3. a oferta de crimes
cairá se o custo de oportunidade do crime aumentar; e 4. a oferta de crimes cairá se a detenção
for célere.Dessa forma,se os recursosemsegurança sãoescassos,a literatura econômica do crime
aponta que é preferível investir em probabilidade de detenção do que em severidade da punição.
Observando essa literatura, verificamos que o controle da criminalidade/violência está
intimamente ligado a diminuição dos espaços de oportunidade para os criminosos, seja do ponto
de vista da prevenção (dissuasão), seja do ponto de vista da incapacitação do ator criminoso
(detenção/prisão). Os criminosos, segundo a literatura econômica, estariam sempre motivados a
prática de crimes, sobretudo, em espaços de oportunidades amplas.
Dessa feita, o espaço aberto e/ou abandonado seria de custo baixo para a prática de
comportamentos desviantes e, destes, aos crimes. Assim, na década de 1980, dois cientistas
políticos de Harvard, George Kelling e James Wilson, publicaram um artigo seminal e
introduziram na literatura econômica do crime a teoria das janelas quebradas, também conhecida
3. idade, republicanas, e que vivem em áreas rurais. As taxas de criminalidade caíram ao mesmo
tempo que a posse de armas de fogo (right-to-carry) aumentou. Os estados que experimentaram
as maiores reduções no crime, também foram aqueles com as maiores percentagens de
crescimento de posse de armas.
Para Lott, a posse de armas de fogo por parte do cidadão é um elemento de dissuasão do crime
tão eficiente quanto a ocupação dos espaços da teoria das janelas quebradas. Inclusive, a posse e
porte de armas de fogo seria um elemento que impactaria positivamente na redução do custo
estatalcom a segurança,já que o cidadão privado evitaria, com a previsibilidade do uso da arma,
possíveis assaltos, roubos, estupros e furtos.
No geral, Lott chegou à conclusão de que oscrimes têm comportamento nacional. Quando o crime
se torna mais difícil de ser executadopelo criminoso potencial, menos crime será cometido. Taxas
mais altas de prisão e de condenação reduzem drasticamente o crime. Criminosos potenciais
evitam ao máximo jurisdições onde a dissuasão criminal aumenta. Os cidadãos, também, podem
tomar decisões privadas que detém o crime, como dito. Permitindo que o cidadão possua arma de
fogo, os tiroteios em massa (atentados em espaços públicos e privados) são reduzidos quando
cidadãos cumpridores da lei podem portar armas de fogo escondidas, argumenta Lott.
Lott argumenta também que os atentadosem escolas,clubes e demais espaçospúblicos e privados
são mínimos e que estes acontecem em jurisdições nas quais o right-to-carry não é permitido.
Afirma, baseado na Teoria da Escolha Racional, que os criminosos evitam ao máximo agir em
lugares nos quais poderá haver muitos cidadãos comuns armados.
A dissuasão por porte e posse de arma de fogo é discutível e,na literatura brasileira, há hegemonia
dos desarmamentistas, no qual o foco é o contrário do que Lott e Mustard apontaram, para eles,
mais armas é igual a mais crimes (CERQUEIRA,Daniel R. C.; MELLO, João M. P. de (2012).
“Menos armas, menos crimes”. Ipea. Texto para discussão. 1.721. Brasília:
http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/artigo/28/menos-armas-menos-crimes). “Neste trabalho,
em primeiro lugar, fez-se uma ampla análise da literatura sobre a relação entre armas e crimes.
Formulou-se um modelo teórico de demanda por armas para entender os canais que relacionam
estes dois elementos. Por fim, elaborou-se uma estratégia de identificação para estimar o efeito
das armas sobre os crimes violentos e contra a propriedade, nos municípios paulistas, entre 2001
e 2007. A estratégia adotada se baseou no uso de variáveis instrumentais, que permitiu explorar
a variação temporal e a variação cross-section dos crimes e da prevalência de armas nos
municípios. O instrumento foi elaborado com informações do Estatuto do Desarmamento (ED) –
lei nacional sancionada em dezembro de 2003 –,a partir de uma medida de difusão de armas nos
municípios paulistas em 2003. A hipótese identificadora é que o impacto do ED sobre a demanda
por armas seria tanto maior quanto maior a prevalência de armas antes da ocorrência da lei.
Apresentam-se (sic) evidências de que a política de desarmamento praticada no estado de São
Paulo entre 2001 e 2007 foi um dos fatores relevantes que levaram à diminuição nos crimes
violentos, em particular nos homicídios (elasticidade em torno de 2,0). Entretanto, não se
encontraram evidências de qualquer efeito sobre outros crimes com motivação econômica,
como latrocínio, roubo de veículos e tráfico de drogas ilícitas, o que sugere a irrelevância do
eventual efeito da dissuasão ao crime pela vítima potencialmente armada” (negrito nosso).
O estudo de Cerqueira e Mello destacado acima, como visto no resumo retirado do próprio
trabalho, foca alguns municípios paulistanos o que, segundo a literatura que defende o uso de
armas de fogo pelo cidadão como mecanismo de dissuasão ao crime, é um erro do ponto de vista
metodológico, pois a lei no Brasil é nacional, diferente do que ocorre nos Estados Unidos onde a
lei é reservada aos estados,ou seja,uns adotaram a proibição do porte enquanto outros não. Outra
questão, é que São Paulo apresenta reduções significativas de crime violento, com destaque aos
homicídios dolosos, antes mesmo da adoção da chamada lei de desarmamento, ou Estatuto do
4. Desarmamento, lei que entrou em exercício em fins de 2003 (Lei Federal Nº 10.826/03
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm )enquanto o crime violento decaiem
São Paulo a partir de finais da década de 1990 (NÓBREGA JR., José Maria P. da (2012),
Homicídios no Nordeste. Dinâmica, relações causais e desmistificação da violência
homicida. 1ª edição. Ed. UFCG. Campina Grande, PB).Isso por si já aponta que outras variáveis,
inclusive a adoção de retirada de circulação de armasde fogo ilegais, já que asleis que antecediam
o Estatuto do Desarmamento previam restrições ao porte de arma pelo cidadão comum antes do
edito do ED (BERLESI,J; NÓBREGAJR.,JM (2019), “A história recente da regulação de armas
no Brasil e os seus efeitos práticos”. http://port.pravda.ru/cplp/brasil/11-04-2019/47579-
armas_brasil-0/ ), poderiam ter maior impacto como fatores causais mais expressivos, como, por
exemplo, a quantidade de prisões efetuadas com o foco em homicidas seriados.
O aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão e controle, bem como o planejamento das políticas
de segurança pública em São Paulo são pontos considerados importantes pela literatura empírica
da segurança pública (ZAVERUCHA, J; NÓBREGA JR., JM (2015), “O Pacto pela Vida, os
tomadores de decisão e a redução da violência homicida em Pernambuco”. Dilemas. V. 8. N. 2.:
https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7289). Dentro desse contexto, mencionam-
se a ampliação do Departamentode Homicídios (DHPP),a criaçãoda Superintendência de Polícia
Técnica e Científica, o estabelecimento de prioridade para a prisão de homicidas seriados, a
compatibilização de áreas de atuação das políticas territoriais e o policiamento comunitário
(FERREIRA, Sinésio P.; LIMA, Renato S.; BESSA, Vagner. Criminalidade Violenta e
Homicídios em São Paulo: FatoresExplicativos e Movimentos Recentes.Ano1,n. 3, Homicídios:
Políticas de Controle e Prevenção no Brasil, 2009. ISSN 1984-7025.Coleção Segurança com
Cidadania).
De toda a forma, a política de restrição de armas de fogo ilegais aparece com certo impacto em
alguns estudos sobre São Paulo, mas todas com parciais conclusões abrindo espaço para bons
argumentos contrários a questão do uso das armas de fogo pelo cidadão comum. Para corroborar
a tese de Lott e de Lott e Mustard, figuram como campeões em população civil armada o Rio
Grande do Sul (55.452 armas com registros ativos), São Paulo (50.073) e Santa Catarina (34.366)
sendo que o primeiro possui uma taxa de homicídios de 28,6, o segundo 10,9 e o terceiro 14,2.
Por seu turno, figuram como os estados com o menor número de armas legalizadas Amapá
(1.502), Roraima (1.560) e Amazonas (2.135) tendo o primeiro uma taxa de homicídios de 48,7,
o segundo 39,7 e o terceiro 36,3 (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
noticias/2019/01/22/posse-arma-registro-pf-pessoa-fisica.htm ).
Pegando essa questão regional, apenas 5,4% dos municípios brasileiros concentra 59,3% dos
homicídios no Brasil. São 299 cidades com porte populacional de 100 mil ou mais habitantes, das
mais de 5.560 cidades do país. Segundo os dados do Sistema de Informação de Mortalidade do
DATASUS(www.datasus.gov.br ),em 2016, foram registrados 61.143 óbitos por homicídios dos
quais 36.239 foram nessas cidades.
Sob esses mesmos dados, com cálculos efetuados em suas taxas por cem mil pelos pesquisadores
do NEVU, Valinhos, cidade paulistana com população estimada em 122.163 mil habitantes, foi a
cidade menos violenta do país, em 2016. Foram dois homicídios perpetrados e uma taxa de 1,64
por cem mil. Ouseja, taxa de país europeu. Já Queimados, cidade carioca com população estimada
de 144.525 mil habitantes, teve 169 homicídios em 2016 e uma taxa de homicídios de 116,93/100
mil, sendo a mais violenta. Duas cidades com o mesmo porte populacional e com realidades tão
distintas quanto a violência, as duas no Sudeste. O Estatuto do Desarmamento foi eficaz em
Valinhos e não em Queimados? Questiono.
Reforçando o argumento em torno dos estados mais armados e, porém, menos violentos do país,
das 299 cidades dessa amostragem,49 delas, ou 16,5% do total, apresentaram taxas sob controle,
5. ou seja, com taxas de homicídios menores ou igual a 10/100 mil habitantes. Todas as cidades que
apresentaram taxas de homicídios controladas concentram-se no Sul/Sudeste, com destaque ao
Estado de São Paulo. Das 10 menos violentas do país, 9 são cidades paulistanas e 1 catarinense.
Estados nos quais suas populações são das mais armadas.
Das 10 cidades mais violentas em suas taxas de homicídios, 5 são nordestinas, 3 são nortistas, 1
do Sudeste e 1 do Centro-oeste. O destaque vai para a Bahia, com 3 cidades nesse ranking:
Eunápolis (2ª colocada, com taxa de 99,76); Porto Seguro (3ª colocada, com taxa de 96,99); e
Lauro de Freitas (5ª colocada, com taxa de 85,80).
A relação entre pobreza, desigualdade e desenvolvimento econômico com violência tem efeito
inverso quando se trata de Nordeste (NÓBREGA JR.; ZAVERUCHA, J. (2010), “Violência
homicida no nordeste brasileiro: uma refutação às explicações baseadas na desigualdade e na
pobreza” v. 35 n. 2 (2010): Anuário Antropológico:
http://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/issue/view/628). Essa região teve
decréscimo da pobreza, da desigualdade e melhoria de seudesenvolvimento econômico na década
2000-2010, mas a criminalidade só cresceu no mesmo período, não obstante alguns estados
efetuarem políticas de enfrentamento ao porte ilegal de armas de fogo, como foi o Estado do
Ceará que, no período 2000-2015, teve 226% de incremento nos homicídios absolutos e adotou a
política de maior apreensãode armasilegais dos nove estadosda região, com apreensãode 18.541
pessoas por porte ilegal de armas nos anos de 2014 e 2015, segundo os dados de sua secretaria de
segurança pública compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Só para se ter uma
ideia, o segundo lugar foi de Pernambuco, com pouco mais de 12 mil apreensões,equivalendo a
quase o ano de 2015 no Ceará. Apesar de Pernambuco ter efetuado menos apreensões por arma
de fogo ilegal, no período 2000-2010, foi o único estado da região a apresentar redução em suas
taxas de homicídios. (ZAVERUCHA, J; NÓBREGA JR., JM (2015), “O Pacto pela Vida, os
tomadores de decisão e a redução da violência homicida em Pernambuco”. Dilemas. V. 8. N. 2.:
https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7289).
Como pode se perceber, o uso da arma de fogo de mão como mecanismo de dissuasão por parte
do cidadão comum ainda é uma discussão sem consenso na academia.Por outro lado, não se pode
descartar esse uso como meio de dissuasão. Além da ocupação dos espaços conforme a teoria das
janelas quebradas,do investimento no policiamento ostensivo bem planejado, do investimento na
inteligência da informação e no policiamento comunitário, e nas prisões como mecanismos de
controle social, as primeiras buscando prevenir o crime e a última a incapacitar o criminoso,
devemos incluir, sim, a possibilidade de cidadãos comuns portarem arma de fogo de mão, o que
os americanos chamam de right-to-carry.
Como bem aponta o estudo sofisticado de Lott, citado acima, mais armas em posse de cidadãos,
pode, sim, diminuir crime, principalmente crimes como assaltos, roubos e estupros. Não é a toa
que as mulheres maduras que vivem em zonas rurais, em condados nos quais é permitido o porte
de arma de fogo de mão, são as pessoas que mais procuram o acesso a esse direito nos EUA. Lott,
demonstra que muitas das potenciais vítimas de roubos, assaltos a carros e estupros, tiveram sua
vida e bens garantidos quando do porte de arma de fogo que inibiu a abordagem do criminoso
sem que se fosse preciso disparar. Em Israel, mulheres andam armadas com armas de fogo de
grosso calibre em regiões de ataques de grupos de terroristas palestinos.
Temos que abrir mais a mente e usar a ciência para discutir quais os melhores mecanismos de
controle social. Mecanismos esses democráticos, mas sem o determinismo ideológico de certas
abordagens que, mesmo acadêmicas e científicas, procuram destruir o debate e desqualificar
aqueles que defendem o right-to-carry no Brasil. A segurança pública brasileira apresenta sérios
e graves gargalos, como o total fracasso do sistema carcerário. Mas, utilizando as teorias aqui
abordadas, seus resultados empíricos, podemos avançar muito no controle do crime violento.
6. Estratégias de dissuasão policial, prisões de criminosos perigosos, controle social de criminosos
menos perigosos e porte legal de arma de fogo por cidadãos cumpridores da lei são pontos que
devem pautar o debate sobre segurança pública democrática e responsiva no Brasil.