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CEFID - DMT
Centro de Formação Internacional em Dançaterapia - DMT
1
Dançaterapia: “Como?”
Por Elena Cerruto
Que dançar seja uma faculdade que pertence ao homem e que lhe
permite se expressar e viver profundamente sua corporeidade hoje é coisa óbvia;
que a dança possa sair dos esquemas e das estruturas que mobilizaram talvez uma
grande energia de impulso nos faz intuir algo mais; que a dança pode se tornar um
meio de cura é uma idéia fascinante, mas certamente ainda não assimilada. Mesmo
assim eles tentaram. Nós também tentamos. Faz alguns anos talvez 10-20-30, mas
pensando nas primeiras experiências podemos nos remeter há 60-70 anos atrás. E
se quisermos ampliar um pouco a visão poderíamos dizer que se curar dançando é
uma prática muito antiga que aprofunda suas raízes nas dimensões do sagrado. O
Xamã dança, o ritual cura, os instrumentos musicais evocam as batidas cardíacas....
É a visão de um mundo antigo, “primitivo” que fascina e evoca verdades profundas.
Quando dançamos nós celebramos a nossa existência e quando dançamos com
consciência damos espaço e ritmo às sensações, emoções, experiências pessoais
diversas.
A Dançaterapia nos permite trazer à tona, através dos movimentos
mesmo pequenos e simples, aquilo que às vezes fica escondido dentro de nós, não
expressado, reprimido. “A dançaterapêutica é a dança na sua forma mais simples e
a linguagem das emoções profundas”. Quase duas décadas de trabalho reafirmam
esta definição que coloquei em meu livro “A ritmo di cuore, la Danzaterapeutica”. A
confirmação vem também dos olhos maravilhados de quem utiliza e daqueles que a
têm experimentado, se beneficiado. Portanto nós tentamos. Com quem? Com todos!
Crianças, adolescentes, pessoas com deficiências graves, cegos, surdos,
mudos, pacientes com problemas psiquiátricos, presos, mas também pessoas
“normalmente neutóticas”. Enfim, todos podem dançar e sentir-se melhor. Mas qual
tipo de dança? Mas sentir-se melhor como? Perguntas, perguntas e cabeças cheias
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2
de pensamentos, dúvidas, perplexidade, pânico, obsessões, raiva. “Cabeças
pensativas” e tanto sofrimento que nem sempre se manifesta verbalmente mas o
canal pode ser a dança. “Se existem idéias, palavras, pontes de ligação entre as
formas sensíveis, estas estão dentro de cada pessoa. O importante é encontrar tal
ponte”. Assim diz María Fux, uma veterana neste campo.
A Dançaterapia de María Fux nasceu diretamente nos lugares de
sofrimento e tudo o que agora conhecemos como “unidades didáticas”, consolidadas
pelo seu método, eram originalmente “pontes” nascidas para auxiliar o outro.
Mas “como?” “Como” é um delicioso advérbio interrogativo que se torna
um tanto ocioso (sem utilidade) se não o fizermos “descer”, ou seja, trazer para a
prática. Devemos fazer a experiência do “como” até que desça e se una
profundamente com a respiração. “Como”, perguntaram a si mesmos María Fux,
Trudy Shoop, I. Bartenieff, Anne Halprin, M. Whitehouse, M. Chace e outras
precursoras que, antes mesmo de elaborarem (criarem) seus métodos, fizeram
“descer” o “como” dentro deles pesquisando o próprio sofrimento e a própria vida a
fim de acharem uma “ponte” para encontrar os outros.
Trudy Shoop escreveu: “Com a dança procurei dar corpo as minhas
fantasias para poder dominá-las, exteriorizando-as. Assim não somos possuídos
pelos fantasmas mas sim os possuímos (dominamos)! Não era mais prisioneira da
angústia. Tinha medo somente se fosse necessário. Foi assim, creio eu, graças a
dança que eu encontrei a saúde e hoje eu sei que esta experiência pessoal me
levou mais tarde a dançar com psicóticos”. E eis que estamos aqui em nosso tempo
que não são tão distantes do pioneirismo se pensarmos que María Fux e Anne
Halprin ainda estão profissionalmente ativas e continuam dançando com a
maravilhosa idade de mais de 80 anos. Pessoas que sofrem com tumores, AIDS que
vivem e se curam na comunidade de Halprin na Califórnia. Trudy Shoop passou uma
vida inteira como dançaterapeuta num hospital psiquiátrico.
Cada uma delas soube utilizar seu próprio caminho pessoal na dança, no
sofrimento e na pesquisa sobre o sofrimento humano, o quanto pudesse ser útil na
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3
criação de contatos para encontrar o outro. Contato este que na Dançaterapia não é
uma invasão mas “presença”. Também contato como “atenção” e auscultação
profunda de sim próprio e do outro. Mas então...”qual dança”? As metodologias
apresentam referências diversas. Pode-se falar de “expressões primitivas” mais do
que de “movimento criativo” ou “ritual”; de “authentic movement” etc. Por isso, tudo o
que venho pesquisando vem da “modern dance”, da grande instituição criativa que
se difundiu na época entre as duas guerras em particular nos USA e na Alemanha
mas que deve muito às instituições de Isadora Duncan que procurava uma dança
que fosse “expressão divina do ser humano”. Uma dança que fosse educação,
ligada a nossa experiência interior e à natureza.
Agora façamos um rápido vôo para contar algo de Ruth St. Denis, que se
definia como dançarina sagrada (“eu quero dançar Deus”), e que soube atingir a
essência através de uma pesquisa de qualidade energética excepcional. Também
sobre Martha Graham e sua dança de impulsos e que na yoga encontrou a
sensação profunda da energia primordial. Já Doris Humphrey, contemporânea de
Martha e também inicialmente bailarina da Companhia de Ruth St. Denis, foi a
primeira a escrever um texto sobre “como” estruturar a dança. Doris e sua teoria do
“fall and recovery”, queda e recuperação.
E com todo intusiasmo, levei para meu trabalho na penitenciária o fall and
recovery. As detentas depositaram em mim sua confiança e me deram em troca o
seu sorriso. Levei-o para os pacientes de psiquiatria e descobrimos que “quando
uma pessoa cai e não consegue mais se levantar sozinha ela pode estender a mão
para pedir auxílio aos outros”. Também levei-o às crianças nas escolas, àqueles que
não falam e também àqueles que vivem grandes dificuldades em suas vidas. Em
todos eu vi sorrisos, eu os vi rolarem pelo chão e se reerguerem. Estas foram para
mim as bases para construir uma metodologia de dançaterapia que se tornasse
“ponte” entre o oriente e o ocidente e que englobasse em si as qualidades de uma
medicina profundamente psicossomática, como a MTChinesa e a criatividade
profunda do método de María Fux; passando pelo trabalho com as emoções e os
elementos na progressão do Chorten tibetano.
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Os cinco elementos da MTChinesa se tornam na minha metodologia uma
dança que permite às pessoas se reconhecerem nas diferentes qualidades de
movimento correlacionadas às vivências do homem e entre o Céu e a Terra. O
percurso (caminho) com os cinco elementos do Chorten tibetano faz com que nas
dinâmicas de Terra, Água, Fogo, Ar e Vazio (vácuo) as pessoas possam expressar
as qualidades dos elementos que estão dentro de cada um de nós. Dentro de todos
porque ninguém é excluído de uma dança que é muito mais simples que sua
explicação. Talvez porque quando crescemos nos tornamos complicados e
refletimos as coisas simples como complicadas. Certa vez um bailarino, durante uma
de minhas aulas de dança contemporânea, não conseguindo fazer certos
movimentos simples mas ritualísticos me perguntou: “Você não vai pedir também as
crianças que façam estas coisas, não é?”. “Mas certamente que sim”, respondi.
“Mas como?”, questionou ele. “Foram elas que me ensinaram!”, revelei.
E assim é a dança dentro e fora de nós. Sempre à procura de um centro...
mas esta é uma outra história que teremos que contar uma outra vez!
Fonte:
Site oficial de Elena Cerruto: http://www.associazionesarabanda.it/pdf/articolo4.pdf
Bibliografia:
E. Cerruto, A ritmo di cuore. La danza terapeutica, Xenia Ed.
M. Fux, Frammenti di vita, Dal Cerro Ed.
M. Muret, Arteterapia, Red Ed.
T. Shoop, Won’t you join the dance
======================================================================
© Elena Cerruto, 2005
Artigo protegido pela lei de direito autoral Nº. 9.610/98.
© 2007 Centro de Formação Internacional de dançaterapia - DMT. Todos os Direitos
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  • 2. CEFID - DMT Centro de Formação Internacional em Dançaterapia - DMT 2 de pensamentos, dúvidas, perplexidade, pânico, obsessões, raiva. “Cabeças pensativas” e tanto sofrimento que nem sempre se manifesta verbalmente mas o canal pode ser a dança. “Se existem idéias, palavras, pontes de ligação entre as formas sensíveis, estas estão dentro de cada pessoa. O importante é encontrar tal ponte”. Assim diz María Fux, uma veterana neste campo. A Dançaterapia de María Fux nasceu diretamente nos lugares de sofrimento e tudo o que agora conhecemos como “unidades didáticas”, consolidadas pelo seu método, eram originalmente “pontes” nascidas para auxiliar o outro. Mas “como?” “Como” é um delicioso advérbio interrogativo que se torna um tanto ocioso (sem utilidade) se não o fizermos “descer”, ou seja, trazer para a prática. Devemos fazer a experiência do “como” até que desça e se una profundamente com a respiração. “Como”, perguntaram a si mesmos María Fux, Trudy Shoop, I. Bartenieff, Anne Halprin, M. Whitehouse, M. Chace e outras precursoras que, antes mesmo de elaborarem (criarem) seus métodos, fizeram “descer” o “como” dentro deles pesquisando o próprio sofrimento e a própria vida a fim de acharem uma “ponte” para encontrar os outros. Trudy Shoop escreveu: “Com a dança procurei dar corpo as minhas fantasias para poder dominá-las, exteriorizando-as. Assim não somos possuídos pelos fantasmas mas sim os possuímos (dominamos)! Não era mais prisioneira da angústia. Tinha medo somente se fosse necessário. Foi assim, creio eu, graças a dança que eu encontrei a saúde e hoje eu sei que esta experiência pessoal me levou mais tarde a dançar com psicóticos”. E eis que estamos aqui em nosso tempo que não são tão distantes do pioneirismo se pensarmos que María Fux e Anne Halprin ainda estão profissionalmente ativas e continuam dançando com a maravilhosa idade de mais de 80 anos. Pessoas que sofrem com tumores, AIDS que vivem e se curam na comunidade de Halprin na Califórnia. Trudy Shoop passou uma vida inteira como dançaterapeuta num hospital psiquiátrico. Cada uma delas soube utilizar seu próprio caminho pessoal na dança, no sofrimento e na pesquisa sobre o sofrimento humano, o quanto pudesse ser útil na
  • 3. CEFID - DMT Centro de Formação Internacional em Dançaterapia - DMT 3 criação de contatos para encontrar o outro. Contato este que na Dançaterapia não é uma invasão mas “presença”. Também contato como “atenção” e auscultação profunda de sim próprio e do outro. Mas então...”qual dança”? As metodologias apresentam referências diversas. Pode-se falar de “expressões primitivas” mais do que de “movimento criativo” ou “ritual”; de “authentic movement” etc. Por isso, tudo o que venho pesquisando vem da “modern dance”, da grande instituição criativa que se difundiu na época entre as duas guerras em particular nos USA e na Alemanha mas que deve muito às instituições de Isadora Duncan que procurava uma dança que fosse “expressão divina do ser humano”. Uma dança que fosse educação, ligada a nossa experiência interior e à natureza. Agora façamos um rápido vôo para contar algo de Ruth St. Denis, que se definia como dançarina sagrada (“eu quero dançar Deus”), e que soube atingir a essência através de uma pesquisa de qualidade energética excepcional. Também sobre Martha Graham e sua dança de impulsos e que na yoga encontrou a sensação profunda da energia primordial. Já Doris Humphrey, contemporânea de Martha e também inicialmente bailarina da Companhia de Ruth St. Denis, foi a primeira a escrever um texto sobre “como” estruturar a dança. Doris e sua teoria do “fall and recovery”, queda e recuperação. E com todo intusiasmo, levei para meu trabalho na penitenciária o fall and recovery. As detentas depositaram em mim sua confiança e me deram em troca o seu sorriso. Levei-o para os pacientes de psiquiatria e descobrimos que “quando uma pessoa cai e não consegue mais se levantar sozinha ela pode estender a mão para pedir auxílio aos outros”. Também levei-o às crianças nas escolas, àqueles que não falam e também àqueles que vivem grandes dificuldades em suas vidas. Em todos eu vi sorrisos, eu os vi rolarem pelo chão e se reerguerem. Estas foram para mim as bases para construir uma metodologia de dançaterapia que se tornasse “ponte” entre o oriente e o ocidente e que englobasse em si as qualidades de uma medicina profundamente psicossomática, como a MTChinesa e a criatividade profunda do método de María Fux; passando pelo trabalho com as emoções e os elementos na progressão do Chorten tibetano.
  • 4. CEFID - DMT Centro de Formação Internacional em Dançaterapia - DMT 4 Os cinco elementos da MTChinesa se tornam na minha metodologia uma dança que permite às pessoas se reconhecerem nas diferentes qualidades de movimento correlacionadas às vivências do homem e entre o Céu e a Terra. O percurso (caminho) com os cinco elementos do Chorten tibetano faz com que nas dinâmicas de Terra, Água, Fogo, Ar e Vazio (vácuo) as pessoas possam expressar as qualidades dos elementos que estão dentro de cada um de nós. Dentro de todos porque ninguém é excluído de uma dança que é muito mais simples que sua explicação. Talvez porque quando crescemos nos tornamos complicados e refletimos as coisas simples como complicadas. Certa vez um bailarino, durante uma de minhas aulas de dança contemporânea, não conseguindo fazer certos movimentos simples mas ritualísticos me perguntou: “Você não vai pedir também as crianças que façam estas coisas, não é?”. “Mas certamente que sim”, respondi. “Mas como?”, questionou ele. “Foram elas que me ensinaram!”, revelei. E assim é a dança dentro e fora de nós. Sempre à procura de um centro... mas esta é uma outra história que teremos que contar uma outra vez! Fonte: Site oficial de Elena Cerruto: http://www.associazionesarabanda.it/pdf/articolo4.pdf Bibliografia: E. Cerruto, A ritmo di cuore. La danza terapeutica, Xenia Ed. M. Fux, Frammenti di vita, Dal Cerro Ed. M. Muret, Arteterapia, Red Ed. T. Shoop, Won’t you join the dance ====================================================================== © Elena Cerruto, 2005 Artigo protegido pela lei de direito autoral Nº. 9.610/98. © 2007 Centro de Formação Internacional de dançaterapia - DMT. Todos os Direitos Reservados - São Paulo - SP - Tel.: 11-3361-2329 Não está permitida a reprodução parcial ou total deste artigo, sem a licença previa e por escrito dos titulares do copyright.