A entrevista descreve as ações clandestinas de grupos de policiais que agem por "conta própria" para combater o crime. O entrevistado confirma táticas como limpeza de armas para despistar balísticas e uso de disfarces para não serem identificados. Ele acredita que aqueles mortos nas ações não eram inocentes e defende a atuação dos grupos como forma de combater a impunidade e ineficiência do sistema.
EFEITOS DOS CUSTOS TRANSACIONAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE GOVERNO
Entrevista com justiceiro revela métodos de execução clandestina
1. Entrevista
RENATOSANTANA
DAREDAÇÃO
Onomefazjus.OLenda.Sempreteveapetite,espírito
policial.Éotípicojusticeiro.Agesozinho,nomáximo
com mais um. Já apagou muitos. Com farda e sem
farda.Nuncasepodedizer quantos.Fosseporprazer,
cada um seria lembrado. Mas não há prazer. Tam-
poucoculpa. Trata-se de uma cruzada: “A pessoaque
pega no machado para arrancar a erva daninha da
raiz, um fruto venenoso, não vai ter má consciência
determatadoumaervadaninha”.
Nãoconcordamuitoemchamardegruposdeextermí-
nio a ação clandestina de policiais, cuja existência
confirma. Encapuzados e sem farda, são os matado-
res nas madrugadas das periferias, inclusive da
região. Para o Lenda “são pessoas que diante da
ineficácia do sistema acabam agindo por meios pró-
prios”. Mesmo fora da Polícia Militar, continua sen-
do um camisa dez, um bilão, no jargão do submundo
policial. Mata com a permissão de Deus. Depois que
se aposentou, ficava injuriado ao ver ex-companhei-
ros dizendo, na televisão, que escondiam a farda e
saíamdecasacomelaembaixodotapetedocarro.
O sangue subia. Não queria continuar jogado no
sofá. O dedo coçou. Para ele, é bem nítido que hoje em
diaospoliciaisfazemopapeldeespantalhonahorta.
Faltam os bilões, os camisas 10. Ele era um. Ele é um.
Seufogo,diz,écontraosatanás,contraa“ferramenta
do diabo para causar mal ao semelhante”. É devoto.
InstrumentodoDeusqueacredita.
Napolíciaseaprendetudoissoquandosequerserum
camisa 10. Virou professor para os policiais mais
novoseosalvadordosdescuidados.
Certa vez, um colega PM executou um rapaz. O
comando pediu a arma para balística. Lenda entrou
em ação. Com vinagre, limpou o corpo da arma e o
cano. Depois, pegou uma bala, untou-a na graxa e
passou-a na areia, à milanesa. Um disparo já é o
suficiente para provocar ranhuras dentro do cano e
despistar o exame balístico. É assim que se faz nas
ações clandestinas da polícia. Há os que preferem
armas frias, carros roubados e capuz para fazer
trabalhos. Lenda usa o próprio carro, arma registra-
da e prefere pintar o rosto de graxa, usar disfarces e
até mesmo peruca, óculos. Se for pego no caminho,
estácompletamentedentrodalegalidade.
-Aíladrão!Pam!Pam!Pam!
Vaiseesgueirandopelassombrasdalei,talqualcada
PMquedecidesercamisadez.Sorrateiramente,volta
para o carro. Dispara: “O policial veste o papel do
bandido para repreender o crime”. Leia a seguir os
principaistrechosdaentrevista:
O sr. participou de incursões na periferia para
mataremmaiode2006?
Estava trabalhando na PM em uma cidade da
região. Houve incursões, sim. Policiais linhas de
frente foram enérgicos na periferia. Todas as mor-
tes foram ilegais e colocamos tudo na conta do
crime organizado. As ações eram em represália aos
ataques do PCC. Também existem pessoas que são
simpatizantes da polícia e, inconformadas com a
falta de ação, a inércia, vão lá e fazem. Seguranças
privados, por exemplo, são vítimas do crime. Com a
ajudadepoliciais,agem.
O caso mais recente é o do Dino Marreta. Foi
sequestradodobairrodeleeexecutado.Eraliderança
do PCC na Vila Sônia. Era o chefe operacional do
crime organizado. Não dá para dizer que eram só
policiais, mas vamos dizer que era o lado de direita
combatendoodeextremaesquerda.
O sr. confirma o uso de carros roubados e armas
frias?
Tem policial que faz isso mesmo. Eu, particularmen-
te, nunca participei nem recomendo porque está
muito próximo da conduta do bandido. Corre o risco
de, no caminho, você ser surpreendido (pela própria
polícia) e não ter como escapar. Então, teria que usar
dos meios mais normais e mais lícitos possíveis.
Sobres as armas, há situações e situações. Fica muito
mais viável usar a própria arma do Estado porque
estánalegalidade.Depois,ésódescaracterizá-la.
Como é que o sr. faz para descaracterizar uma
arma?
Na alma do cano (parte interna do cano) se você
pegar uma bala, passar graxa, ou qualquer material
adesivo, areia, e der um tiro, no exame técnico vai ser
constatada outra arma. Vai mudar a sua característi-
ca interior. Vai criar ranhuras que anteriormente a
arma não tinha. Um projétil coletado antes vai ter
características diferentes desse coletado depois, para
confronto,ouseja,balística.
Ecomosveículos?
Se numa determinada área o policial está utilizando
um veículo autorizado, não está no ato ilegal. Para
ninguém pegar a placa, a gente não vai com o carro
até o local da ação. Estaciona nas proximidades, fica
um lá esperando. Quem vai fazer o trabalho vai a pé,
descaracterizado e coma pele camuflada. Encapuzar
é burrice porque se você for visto com capuz é ruim
(caracteriza grupo de extermínio). Enquanto uma
barbapostiça,umaperucaémelhor.
Essas ações não são mais tão explícitas como eram
antes,certo?
Oqueocorre:qualquerdomicílio,inclusivenaperife-
ria, tem uma câmera registrando tudo ali. Hoje um
garotodefavelatemumcelularcomcapacidadepara
gravar. Então, o policial ou o justiceiro que queira
agir tem que contar com tudo isso. Tem que ser
extremamente ninja. Tem que se camuflar, não ser
visto, pois há o risco de perder a vida. As ações dessa
natureza são uma reação ao que os bandidos fazem.
Alguns policiais levantam a bandeira da represália e
fazemoqueoEstadonãofaz.
Foioqueaconteceuem2006...
Deláparacá.Éumaguerrafria,silenciosa.Ninguém
declara raiva de ninguém, mas, na hora que um vira
as costas, vem a faca. Hoje o crime organizado e os
policiais estão nesse pé. Os grupos de ação fazem
parte dessa guerra. O Estado não assume que existe
esse confronto, mas policiais militares vão para o
combate. Está acontecendo há muito tempo e tem se
intensificado.O políticoquandoentra na favelapede
autorização para o traficante. Reconhece que existe
uma autoridade local. Oficialmente, político ne-
nhumadmiteisso,mas,naprática,édiferente.
Estão matando os policiais no bico, na folga e na
porta de casa. Para a administração pública fica
sendo um caso isolado, como se o policial tivesse
contraídoparasiumproblemacomobandido.
(SegundolevantamentofeitopelaSecretariadeSegu-
rança doEstado, em 2009,66 policiais morreram no
período de folga e 16 em serviço. Em 2008, foram 55
policiaismortossemafardae19trabalhando).
Mas nos ataques de 2006 muitos inocentes, gente
semsequerterpassagem,entrounaconta.
Discordo totalmente. O suposto inocente, ou citado
como inocente pela mídia, que está às duas horas,
três horas da madrugada num boteco que fica numa
biqueira (ponto de tráfico) da periferia não é inocen-
te. Ele está ali e tem uma função no crime. Às vezes,
não é pegar uma arma para assaltar. Ele exerce uma
atividade no crime, ou está de olheiro. Leva e traz a
drogaparaalguém.Oinocentenãoexiste.
Comofuncionaissonocomando?
Ocomandoéfechadoemrelaçãoaosníveisoperacio-
nais.Cabos,soldadosesargentos,quesãoosprofissio-
nais linha de frente, de rua, também são. Os grupos
são compostos por um número restrito de pessoas,
queconfiamumnooutroeestãoaliparaagir.
Easocorrênciasdeperseguiçãoseguidademorte?
Vamos ilustrar: ocorrência de confronto real. Quan-
do se apresenta a arma do bandido na delegacia e se
constata que tem seis cápsulas deflagradas no tam-
bordorevólver,sabe-sequeéumálibiparaoMinisté-
rio Público, uma vez que o bandido não tinha mais
poder de resistência. Por conta disso, o policial tira
uma das cápsulas estouradas e coloca uma intacta
para provar que o bandido tinha como resistir. Isso
chama-searredondara ocorrência. Origor dajustiça
edasociedadeexigeessahabilidade.
O Caso da Cavalaria (crime ocorrido em fevereiro de
1999 em São Vicente, quando três jovens foram
assassinados por policiais em serviço), por exemplo.
Acredito eu que eram policiais inocentes, sem inten-
ção e foram vítimas de um ato de desespero. Os
jovens foram para cima dos policiais, um dos meni-
nos bateu com a cabeça na guia, ficou desacordado e
os policiais, num ato de desespero, chegaram aos
extremos. Havia várias maneiras de maquiar a ocor-
rência e tornar tudo legal e não fazer o que fizeram.
Hoje em dia existem menos policiais capacitados
paratornarlegalumatoilegal.
Naaçãodosgruposdeexecuçãoem2006...
Queria tomar uma outra linha aqui. Muito se fala
dos bandidos mortos e pouco dos policiais mortos.
A mídia vem mostrando muito a ação violenta da
polícia que, na verdade, é como um mulher que
mata o marido quando está sendo agredida. Ela era
agredidahá muito mais tempoe ninguém se impor-
tou. Isso fazcom que ela mate o marido quando está
dormindo.Equandoospoliciaissaemhojeestudan-
do as possibilidades de executar um bandido na
área é esse comportamento da mulher. A polícia
está dessa forma. Acuada, amarrada. Um jovem
para entrar na polícia pede autorização para o
traficante.Essepolicialsetornaumrefémecompro-
metidocomocrime.
Opolicialtambémseenvolvenocrime?
No ano passado morreram vários policiais na região.
Vou contar um caso: em Praia Grande, houve uma
denúncia de que em um barraco havia grande
número de armas do crime organizado. Policiais
fizeram o cerco. O trabalho certo seria abordar,
prender os elementos e apreender as armas. Porém,
ao contrário, os policiais negociaram a liberdade
doscriminosos ealiberação dasarmas. Fizeramum
boletim de ocorrência com armas mais fajutas e
pegaram uns bandidos envolvidos só para fazer
cena. Já na hora de fechar o negócio, não foram fiéis
ao combinado. Haviam acertado não prender nin-
guém e prenderam três. Ficaram com a grana dos
bandidos. A primeira retaliação foi uma rajada de
tiros de fuzil contra um policial quando saía de casa
para o trabalho. O santo estava de plantão e ele não
morreu. Depois disso, começaram os homicídios. O
policial que age pelo crime acaba perdendo respeito
eacoisavirapessoal.
Quantoaosdireitoshumanos,oquevocêpensa?
Hoje o Estado estuda um monte de possibilidades
sobre o que fazer para melhorar o ser humano. Você
consertando o homem, conserta o mundo. A causa
dissotudoéafaltadeDeusnavidadohomem.Temer
aDeuseamaroseupróximo.
Hoje fala-se muito em direitos humanos. Uma
teoriaqueme trouxebastanteconforto na época,que
me dá liberdade para exterminar um bandido como
se extermina um verme, e que uma característica
peculiar do ser humano é o amor ao próximo. Quan-
do é o caso de um cidadão pôr uma arma na cintura e
sair paralevantar umdinheiro, disposto atirara vida
do seu semelhante, ele já abriu mão da condição
humana.Saiucomooprópriosatanás,ferramentado
diaboparacausarmalaoseusemelhante.Umsujeito
bandido age como bicho e tem de ser tratado como
tal.Éjaulaouburaco.
Juca fala em tom de desabafo. Policial Militar não
pode falar, fazer greve ou criticar a corporação.
Durante os dez anos em que esteve na PM, atuando
na Capital e Interior (incluindo a Baixada Santis-
ta), participou dos grupos de extermínio. Na sua
época, final dos anos 80 e decorrer dos 90, prevale-
cia esse tipo de ação. Era a época dos esquadrões da
morte. Juca ainda respira o meio policial. E sabe
quemagenocapuz.
Deixou a corporação porque “trabalhava” muito.
Na gíria, policial que trabalha muito é o que mata
muito, prende acima da média e tem apetite para
açõesencapuzadas.Écamisa10,umbilão.
Policial assim é uma via de duas mãos para o
comando. Na guerra urbana, pacificam áreas mes-
mo sem conquistá-las e sempre com ações encapuza-
das ou em ocorrências de resistência seguida de
morte. Por outro lado, trazem dor de cabeça, cobran-
ças hierárquicas e se a bomba estoura, por mais que
assumamseusatos,ocomandoficamarcado.
No submundo ninguém sabe de nada, não vê
nada.Na verdade,é precisofingir. Jucadiz quetodo
batalhão tem seu grupo de camisas 10. O comando
sabe. Como também há os “dedos cansados”. No
modo de dizer dos que gostam de “trabalhar”, poli-
ciaisqueficam longeda turmaapetitosa.E também
daaçãodireta.
Juca é o tipo de policial que segura um batalhão.
Com amigos na ativa, afirma que as ações da polícia
nos dias seguintes aos primeiros atentados do PCC,
fardada ou não, foram “por conta da revolta com o
que estava acontecendo e por ver o comando escon-
der”.Leiaaseguirosprincipaistrechosdaentrevista.
Osgruposdeextermíniosãointegradosporpoliciais?
Sim, vou explicar o que acontece. Você presta um
serviço fardado, legal. E o grupo é formado porque
algumas coisas que você tem vontade de fazer é
contidopelo regulamento.Nocaso,umregulamento
interno.Paramim,esseéomotivomaiordeopolicial
ficardemãosatadas.
Se conseguimos reunir três, quatro policiais, fala-
mosna nossa linguagem,com poucomais de apetite,
atitude. O pensamento bate, é igual e acaba se for-
mando o grupo que atua no caso... para a gente não é
ilegal,masatuamosmaisnohoráriodefolga.
É um grupo fechado que atua descaracterizado,
com a chamada touca. O pessoal aconselha: age na
touca.Agentefazaquiloquetemvontadedefazerem
serviço.Sóqueoregulamentonosimpededefazer.
Comoéaorganizaçãodosataques?
Geralmente, tem a área que o policial trabalha.
Então, ali existem marginais que são mais destaca-
dos: assaltantes, homicidas, traficantes. No nosso
caso,agimosassim:Háumbandidoqueestámatan-
do policial, dando trabalho na região. Então, o
grupo se reúne e traça um plano. Quem é o cara?
Fulano de tal é o chefe, tá mandando assassinar
policial,fazerroubo.Esseéaboladavez.
O grupo define um dia, levanta os modos do
bandido: por onde ele sai, onde ele fica, onde mora,
horaquesai.Marcaodiaesaiàcaçadocara.
E se o marginal estiver com pessoas inocentes na
horadoataque,numbar,porexemplo?
Existe uma coisa no meio policial chamado tirocínio.
Essa aí é uma experiência que se adquire com tempo
de serviço. Um policial olha para você e faz uma
análise rápida. Às vezes, acontece de errar. Olhar e
achar que o cara é bandido e não é, pelo modo de o
cara se vestir e de agir. Você faz aquela análise rápida
evê.Seacharqueocaraébandidotambém,vaijunto.
Ocomandodapolíciasabedestetipodeação?
Eu trabalhei no Tático Móvel, hoje Força Tática. O
meu comandante sabia. Ele dizia: “Quer fazer faz,
masfazdireito. Sesujar eunãosei denada”. Apartir
da hora que você sai para matar bandido, para o
comando é melhor. A criminalidade na região dele
vai abaixar. O comando quer é isso. Quem ganha os
elogios é ele. A região que ele comanda vai ter
índicesdecriminalidademaisbaixos.
Tudo isso por conta dos grupos de extermínio.
Porque nem sempre em serviço dá para você fazer o
quefaznessetipodeoperação.
Como vocês conseguem os carros, as motos, as
armas?Edepois,comovocêsdespachamavítima?
O policial sai trabalhando e existem esses carros
roubados por bandidos, que os abandonam e tal.
Então, a gente localizava dois, três carros roubados.
Umpolicialpegavaelevavaparaatoca,comoagente
chama. Ficava guardado para o dia da ação. Fazia a
operaçãoedepoisabandonava.Oveículoeralocaliza-
doposteriormentecomoumcarroroubadonormal.
Armas frias, com numeração raspada. Armas que
eram apreendidas no dia a dia. Às vezes a gente
parava na rua um indivíduo armado. Pegava aquela
armaemandavaapessoaembora.
Dequantasincursõesosr.participou?
Participei de várias. A PM sempre foi rigorosa, mas
no meu tempo não era tanto. Eu não me adaptaria
para trabalhar na PM de hoje. Trabalhei em parte
dadécadade80eprevaleciamosgruposdeextermí-
nio. No finalzinho dessa época. Não só eu, mas
vários outros policiais.Participeide várias ações. Às
vezes, de folga e até de serviço mesmo. Fazia a
chamadamontagemdeocorrência.
Os grupos de extermínio que atuaram em maio de
2006tambémeramdepoliciais?
Sim. A gente sabe como acontece pelos amigos. As
ações que ocorreram depois dos ataques do PCC
foram mais por conta da revolta com o que estava
acontecendo e por ver o comando esconder. O
serviço de inteligência sabia que iam acontecer os
ataques.massubestimavaocrimeorganizado.
Depoistambémcomeçaramasaçõesdosgrupos.
Os policiais mais antigos se reuniram com os mais
jovens de apetite e começaram a matar. Como
funcionava essa matança? O pessoal se reunia,
descaracterizado, com o carro comum e ia aos
bairros da periferia onde a situação era mais carre-
gada. Quem estivesse no local já conhecido pelos
policiais como ponto de droga, a chamada boca de
fumo, morria. Foi pego na rua de madrugada: tem
passagem?Tem!Nãoeranemlevado paraadelega-
cia. Era executado e jogado na primeira viela que
encontrassepelafrente.
Dá para dizer que os comandos da Policia Civil e da
PMnãosabiam?
Sabem também que se forem a fundo o final mesmo
acabaempoliciais. Se forinvestigado como tem que
ser, vai chegar em algum policial. Tá claro que é a
resposta: o bandido matou o policial, o policial
matouobandido. Aíopolicial vaiese envolvenuma
ocorrência com resistência seguida de morte. Se
você se envolve numa ocorrência assim, é afastado
das ruas, mudado de horário, obrigado a passar por
um curso de reciclagem por 15 dias. Então, arruma
o bico de acordo com o horário de trabalho. O
comando também sabe disso, mesmo sendo proibi-
do.Aprimeiracoisaqueelefazémudaropolicialde
horário.Écastigo.
Isso no caso de ocorrências de resistência seguida
demorte?
Vou te falar a verdade: 90% das ocorrências de
resistência seguida de morte são montadas. A
polícia pega o bandido, vamos supor, dentro de
sua casa. Só está o policial e o bandido, que não
vai encarar 20 policiais. Só que você sabe que ali é
uma guerra. Se o bandido te pegar numa situação
que não tem como fugir ou reagir ele vai te matar.
Principalmente o ladrão 157, que mata para
roubar. Esse não tem perdão. A gente já andava
com o chamado kit. Era uma mochila contendo
várias armas frias. Porque se o alvo não tivesse
armado, mas tivesse uma situação que a gente
podia matar, a gente matava e colocava uma arma
fria na mão dele.
Oqueacontececomasarmasusadasnoscrimes?
São escondidas porque acabam sendo usadas
novamente. O policial vai matar o cara, mas ele
não atirou em você. A perícia vem para dizer se o
cara atirou ou não. Aí o policial faz a montagem
do local da ocorrência. Se matou o cara, o policial
não vai dizer o número de tiros. Dá dois ou três
tiros em locais fatais e sabe que o cara vai morrer.
Mas como vai saber se o cara é destro ou canhoto?
A gente “faz a mão” do indivíduo. Coloca a arma
fria na mão esquerda e efetua o disparo. Na mão
direita, outro disparo. Pode fazer o residuográfi-
co que consta pólvora nas duas mãos.
Temacoisaderecolherprovas,tipocápsulas?
Exatamente. Ângulo de tiro. Ir e dar um tiro na
viatura. Já cheguei a ver um policial dar um tiro no
outro, de raspão, para simular troca de tiros. No
colete também. Tudo para deixar a ocorrência mais
redondacomasimulaçãodetrocadetiros.
Existe a prática de mexer no corpo da vítima de um
ataquedessetipoparaatrapalharaperícia?
Para o policial não deixar provas para a perícia,
no local dos fatos, você sempre socorre. Uma para
você não entrar na omissão de socorro. Depois
porque também quando você efetua o disparo no
indivíduo ele não morre na hora. Aí a gente diz
que está vivo. Agora, não chega vivo no pronto-so-
corro. Damos longas voltas, a viatura vai a 20 km
por hora. Às vezes, até asfixia o cara dentro da
viatura.
Oquemotivaestetipodeatitude?
A situação não vai mudar. É questão de baixos
salários, problemas psicológicos. Muitos poli-
ciais são alcoólatras, viciados em drogas. Co-
nheço vários. Tudo tem relação com a vida
particular da pessoa. O cara mora de aluguel,
mora na favela. Tem três, quatro filhos. O
salário que ele tem não dá para sustentar e o
cara vai fazer bico.
Agora no caso de um policial que não trabalha
muito,ésossegado?
O sem apetite escolhe um serviço mais ameno.
Agora se entrar tem que participar. Já vi casos de
policiaisquenãoquiseramparticipareforamexecu-
tados. A equipe fica com medo de ser caguetada.
Mas um policial mata outro policial? Numa troca
de tiros, com uma arma fria, o cara está de costas e
outro policial o acerta com uma arma fria. Depois
falaquefoiobandidoquematou.
OLENDA
“Sereúneum
grupocomapetite”
“Asaçõessãofeitas
porpessoascom
consciênciae
formação.Umato
deextermínioéum
atodedesespero
parasepreservar”
OLenda
„Emtodasasocorrências,omes-
momododeagir.Asaçõesdosgru-
posdeextermíniosãosempreà
noite.Usamcarrosescurosefilma-
dos,alémdeumamoto.Nogeral,
seisencapuzados.Osassassina-
tos,emsuamaioria,ocorremna
periferiaeprovassãorecolhidas.
“Nosprimeiros
ataquespegaram
váriospoliciais.
Depoisfoi
diminuindo,os
policiaisnãoeram
maispegos
marcando”
Juca
„„„AhistóriadoLenda
naPMduroutrêsdéca-
das.Duasdelasnare-
gião.Aprendeuamon-
tarocorrências“redon-
das”,organizarações
semfardasenãodeixar
provasnos10anosem
quepassoupelaRota,
naCapital.OLendaé
devoto.Executasuas
sentençasnasentreli-
nhasdapalavrado
Senhor.
JUCA
“Em2006
euacredito
quehouve
umacordo
dogoverno
como
crime.Um
dosacordos
eraparanão
terataques
aospoliciais
que
estivessem
fardados.
Podever
isso.Por
quê?Para
nãoficarem
evidência
queo
sistemaé
vulnerável”
OLenda
“Quando
baixaordem
doPCCpara
matar
policial,os
primeiros
quecaem
sãoos
policiaisque
trabalham
demaiseos
corruptos.
Matamna
portade
casa,no
bico”
Juca
Comoagem
osgrupos
deextermínio
„„„Jucaatuounoses-
quadrõesdamorte,nos
anos1980,esaiuda
políciaporquenãoque-
riadeixardetrabalhar
bastante.Nagíria,este
éopolicialquematae
prendemuito.
Suaexperiêncianare-
gião,fardadoounão,
mostraarealidadedos
crimesoriundosdos
gruposdeextermínio.
66
esteéonúmerode
policiaisque
morreramem2009
“Opolicialquetrabalha
demais,dácanaematanão
vaisobreviver.Outros
porquesãocorruptos.Éo
chamadocarteirinha:aquele
policialquetodomêsvai
receberagranadele”(Juca).
Quando o camisa
dezentraemcampo
Entrevista
Ospoliciaisque
agemnatouca
A entrevista com os dois ex-policiais foi negociada durante duas semanas e
realizada de maneira separada. Eles explicam como esses grupos funcionam, de
queformaseorganizam,oplanejamentodasações,oqueocomandodaPMsabee
a verdade dos casos de resistência seguida de morte. As revelações desmascaram
os bastidores de uma guerra travada na escuridão. Os policiais terão suas
identidadespreservadaspornomesfictícios.
Crimesdemaio 4ªparte
Uma viatura da polícia, de
acordo com relatos,
sempre passa antes no local
de ação dos encapuzados
Motos e carros são usados
para fazer a ação. Param de
modo a não permitir possibilida-
de de fulga das vítimas
Atiram sempre na região da cabeça e
tronco. Os membros inferiores são
atingidos também para evitar fuga
Recolhem
cápsulas defla-
gradas, para não
deixar provas. Há
relatos de que
atiram nas vítimas
ainda vivas
Fogem. Logo na sequên-
cia a viatura da PM
retorna ao local para
atender a ocorrência.
OcomandodaPolíciaMilitar(PM)podenegar,oseccionaldaPolícia
CivilafirmarserpreconceitoeoPoderJudiciárioeoMinistério
Públiconãoterprovasparachegaraoscriminosos.Ofatoéqueos
gruposdeextermínio,denominadosassimpelaOuvidoriada
PolíciaeDefensoriaPública,responsáveisporpartedoshomicídios
dosCrimesdeMaio,atuamesãocompostosporpoliciais.
INFOGRÁFICOBRUNOARENA.EDITORIADEARTE/AT
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