1. ABANDONO DE CARGAS E A RETENÇÃO INDEVIDA DE CONTÊINERES
(Cesar Louzada)
Fonte: http://portogente.com.br/colunistas/eliane-octaviano/abandono-de-cargas-e-a-retencao-indevida-de-conteineres-52987
Pouco se fala acerca do grande número de cargas que são abandonadas diariamente nos portos
brasileiros por seus Consignatários. Em verdade, as autoridades não dão a devida atenção a um problema que
afeta em muito a logística dos grandes transportadores marítimos, causando-lhes enormes prejuízos.
Os produtos de importação abandonados afetam os transportadores marítimos na medida em que seus
equipamentos de carga (contêineres), onde estão acondicionadas estas mercadorias ficam retidos por meses ou
até anos nos portos de descarga, aguardando o início do procedimento de desembaraço aduaneiro ou, caso isto
não ocorra, seja finalmente decretado o perdimento da mercadoria com a conseqüente ordem de destruição,
leilão, doação ou destinação final.
Estudos recentes do Centro Nacional de Navegação (Centronave) dão conta de que existem nos
portos brasileiros aproximadamente 5 (cinco) mil contêineres abandonados por seus importadores. Vários são
os fatores que levam estas mercadorias a ficarem retidas nos portos, tais como problemas burocráticos, falência
da empresa importadora, distratos comerciais, entre outros.
O presente artigo visa demonstrar os motivos do abandono de mercadorias nos portos brasileiros e
suas e conseqüências para os Terminais, Alfândega e principalmente, para os Transportadores marítimos,
principais prejudicados, na medida em que vêem seus equipamentos de trabalho serem indevidamente retidos.
1. Abandono - Definição legal
O Regulamento Aduaneiro, Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, em seus artigos 642 a 648
define o abandono de mercadorias e determina suas hipóteses de incidência.
À luz do artigo 642, considera-se abandonada a mercadoria que permanecer em recinto alfandegado
sem que o seu despacho de importação seja iniciado no decurso de 90 (noventa) dias da sua descarga [2].
Outras situações e prazos menos freqüentes também acarretam o abandono das mercadorias, contudo, a
prática demonstra que em sua maioria, o abandono deriva da simples inércia de consignatários e importadores
em iniciar ou retomar o procedimento de desembaraço aduaneiro dentro do prazo legalmente estabelecido.
2. Do regime de entrada dos contêineres no Brasil
Os contêineres entram e saem do país sob o guarda-chuva do regime aduaneiro especial de admissão
temporária automática, nos moldes da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal IN-SRF 285, de 14
de janeiro de 2003[3]:
Tal normativa ratifica o disposto no Parágrafo Único do artigo 24 da Lei 9.611/98 que considera
referido equipamento como um bem distinto das mercadorias importadas e nele contidas.
Isto significa dizer, que os contêineres entrados no país não devem, sob hipótese alguma, permanecer
parados por tempo indeterminado, devendo ser imediatamente desunitizados e reutilizados para
acondicionamento de bens na exportação.
Ao contrário das cargas de importação, os contêineres entram no país sabendo-se que irão deixá-lo em
breve, posto que estão em trânsito, sendo certo ainda que somente a carga importada será o objeto do
desembaraço aduaneiro.
O documento que comprova esta movimentação de entrada e saída do país é o conhecimento de
embarque (Bill of Lading), nos termos do artigo 5º, da Instrução Normativa SRF nº 285 e seus parágrafos,
inclusive quando se tratar da entrada de equipamentos vazios[4]:
2. É através da apresentação dos conhecimentos de embarque que a empresa estrangeira ou sua
representante subsidiária no país comprovam a propriedade dos equipamentos, bem como seu vínculo jurídico
ao transportador, de forma que sua apreensão conjunta com as mercadorias configura ilegalidade.
3. A ineficiência Alfandegária
Dentre os vários motivos que resultam no elevado número de mercadorias abandonadas está a
incapacidade da Alfândega em atender a crescente demanda de importação. O recente aumento nos volumes de
cargas de importação pós crise mundial 2008/2009 tiveram um impacto avassalador na quantidade de
mercadorias abandonadas.
A falta de uma estrutura na Receita Federal, em especial da Alfândega, para processar o grande volume
de cargas provenientes do exterior que lhes são submetidas diariamente somadas ao número insuficiente de
auditores fiscais responsáveis pelos trâmites burocráticos de destinação das cargas abandonadas tem como
conseqüência direta a morosidade deste órgão em dar um destino final a estas mercadorias.
Muitas vezes, as mercadorias ficam meses sem que o Procedimento Administrativo Fiscal que visa à
destinação das cargas seja instaurado. Ainda que os transportadores marítimos denunciem o abandono das
mercadorias através de petições de desunitização e devolução de seus contêineres, é certo que a Alfândega
permanece inerte.
A Alfândega alega em sua defesa que não tem como saber quando as mercadorias ultrapassam o
período legal para desembaraço, vez que os terminais depositários que deveriam emitir as Fichas de Mercadoria
Abandonadas (FMA), imediatamente após o decurso do prazo legal, não o fazem, ou, quando emitem, fazem
fora do prazo, sendo este o primeiro momento em que tomam conhecimento do abandono.
A falta de espaço no porto também é uma das justificativas da Alfândega, que não têm lugar
apropriado para manter as cargas abandonadas e, por este motivo as mantêm em seus respectivos cofres de
carga.
Não bastasse o quanto acima informado, existe ainda uma nítida ausência de mecanismos de
destinação final das mercadorias cujo perdimento já tenha sido decretado em favor da União. O volume de
cargas aguardando para serem leiloadas é enorme e não corresponde ao número de leilões marcados.
Segundo noticiou o jornal Estado de São Paulo[5] em 05/09/2010, há movimentos favoráveis à
transferência da realização dos leilões para a iniciativa privada, vez que a Receita Federal não poderia
concentrar todos os serviços. Ainda segundo o jornal, no entender de Elias Gedeon, presidente do Centro
Nacional de Navegação (Centronave) “a Alfândega deveria se concentrar na sua atividade-fim que é fiscalizar as
operações”.
Ao mesmo tempo, cita a opinião do diretor do comitê de assuntos jurídicos da câmara Brasil-China,
Fábio Gentil, para quem “o processo de destinação das mercadorias (leilões, doações, destruição) também deve
ser reformulado, já que hoje é considerado moroso e incompatível com a demanda. Em algumas localidades,
afirma o advogado, a Receita realiza apenas um leilão por ano”.
Não obstante, reportagem do Jornal Valor Econômico[6] datada de 17/11/2010, dá esperanças de
melhorias nos leilões realizados pela Alfândega ocorram em breve. Segundo o jornal, o entrave causado por
milhares de contêineres apreendidos e abandonados diariamente nos portos do país poderá ser reduzido com o
uso da tecnologia. A Receita Federal vai adotar o pregão eletrônico para leiloar as mercadorias que ficam retidas
por meses – às vezes, mais de um ano. Por enquanto, o uso do pregão eletrônico ficará restrito às compras
feitas por empresas utilizando certificação digital.
Quaisquer que sejam as medidas a serem adotadas para acelerar o processo serão bem-vindas. Por
certo, o sistema atualmente adotado tornou-se desatualizado e deficitário, deixando de atender as necessidades
dos portos brasileiros e não favorecendo a rápida e necessária destinação de mercadorias.
4.Da retenção ilegal dos contêineres pela Alfândega
3. Para que possamos entender o mecanismo da retenção ilegal dos contêineres dentro do contexto do
comércio exterior, primeiramente precisamos saber onde começa e termina a responsabilidade dos armadores
no que pertine as mercadorias por eles transportadas.
Segundo Eliane M. Octaviano Martins[7], “Conceitualmente, por contrato de transporte marítimo
internacional de mercadorias entende-se aquele pelo qual um empresário transportador (Carrier) se obriga,
mediante remuneração (frete), a transportar por mar, de um porto para outro, certa quantidade de mercadoria
que lhe foi entregue pelo embarcador (shipper) e a entregá-la a um destinatário”.
Neste sentido, o Decreto-lei nº 116, de 25 de janeiro de 1967, em seu artigo 3º[8] prevê ainda que a
responsabilidade do transportador começa com o recebimento da mercadoria a bordo, e cessa com a sua
entrega à entidade portuária, no porto de destino, ao costado do navio.
Encerrada a responsabilidade do transportador marítimo no que diz respeito ao transporte das
mercadorias em si, surge o dever do consignatário das mesmas em iniciar o procedimento de desembaraço
aduaneiro de suas cargas e devolver os equipamentos de transporte ao armador.
Ocorre que, quando o importador não cumpre com suas obrigações contratuais e permite que as
mercadorias ultrapassem o período de 90 dias disposto no regulamento aduaneiro para início do procedimento
de desembaraço, entrando assim em situação de abandono, nasce o DEVER da Alfândega em iniciar
imediatamente o Procedimento Administrativo Fiscal (PAF) que ao final decretará o perdimento destas
mercadorias em favor da União.
Neste momento, cumpre lembrar que todas as atividades da administração pública Federal, Estadual
ou Municipal estão diretamente vinculadas ao princípio da legalidade[9], segundo o qual o Estado deve se
submeter ao império da lei, ou seja, o princípio da legalidade é a expressão maior do Estado Democrático de
Direito, a garantia vital de que a sociedade não está presa às vontades particulares, pessoais, daquele que
governa.
Note-se que o contêiner é equipamento destinado ao transporte de mercadorias, e não ao seu
armazenamento, portanto, a manutenção das cargas no interior daqueles configura retenção indevida e atrai
para o Estado a responsabilidade de indenizar o armador, nos termos do art. 37, § 6º da CF[10], a partir do
momento em que este, através da Alfândega, mantém-se inerte quanto ao requerimento de desunitização dos
contêineres.
Ante tais circunstâncias, seria obrigação normal da Alfândega iniciar, no 91º (nonagésimo primeiro) dia
de abandono destas mercadorias no porto de destino, o correspondente PAF, mas infelizmente, não é o que se
observa na prática. Ainda que instados a dar início ao Procedimento Administrativo Fiscal, muitas vezes a
autoridade alfandegária se mantém inerte.
É fato que a inobservância destes prazos têm conseqüências diretas sobre os administrados, em
especial, aqueles armadores em cujos contêineres estão acondicionados as mercadorias abandonadas por seus
consignatários. Ou seja, a incapacidade da Alfândega de processar e dar destino àquelas mercadorias
importadas em situação de abandono tem como principal conseqüência a retenção indevida dos equipamentos
de carga dos transportadores marítimos.
Contudo, a apreensão da unidade de carga que deveria ser utilizada exclusivamente durante o
transporte marítimo para acondicionamento de bens de terceiros, considerados abandonados pelas autoridades
alfandegárias é ato ilegal e afronta o disposto no art. 24, Lei 9.611/98[11].
À luz do dispositivo legal supracitado, a unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não
constituem embalagem, sendo, portanto, equipamentos destinados única e exclusivamente ao transporte de
mercadorias, notando-se ser indevida sua utilização para armazenamento de cargas.
Ressalte-se, igualmente, que os transportadores marítimos não podem ser prejudicados pela omissão
do importador e/ou da autoridade aduaneira em dar destinação a estas cargas. Tampouco existe em nosso
ordenamento jurídico qualquer norma que imponha ao transportador marítimo a obrigação de esperar o
término do desembaraço aduaneiro, ou ainda, a conclusão do procedimento de destinação para reaver seu
equipamento.
4. Conclui-se, portanto, que a retenção dos equipamentos dos transportadores para armazenagem de
mercadorias em situação de abandono, ou cujo Procedimento Administrativo Fiscal (PAF) que decretará seu
perdimento ainda que não tenham sido iniciado ou concluído é medida a nosso ver, ilegal.
5. Da obrigação dos terminais em comunicar o abandono
Esgotados os prazos legais prescritos no Regulamento Aduaneiro sem que o consignatário tenha dado
início ao desembaraço das suas mercadorias, surge o dever dos depositários em comunicar tal fato em até 5
(cinco) dias à unidade da Alfândega local[12]. Esta comunicação se dá através da emissão de um documento
denominado Ficha de Mercadoria Abandonada (FMA).
Esta comunicação dentro do prazo é importante não somente para que a Alfândega possa dar o início
ao PAF que resultará na lavratura do auto de infração, do Termo de Guarda e Apreensão, encerrando com a
decretação do perdimento destas mercadorias em favor da União, mas, também garantem ao terminal a
possibilidade de ressarcimento ao mínimo de suas despesas com armazenagem até a data em que retirar a
mercadoria[13].
6. Da alegada falta de espaço para a armazenagem de cargas abandonadas nos terminais portuários
Via de regra, as instalações portuárias depositárias de mercadorias são alfandegadas por intermédio de
Ato Declaratório Executivo, após terem cumprido as exigências da Lei e dos atos normativos reguladores
vigentes, em especial, o artigo 13º e seus incisos I e IV, do Decreto nº 6.759/2009[14].
Neste sentido, o terminal depositário, na qualidade de administrador da instalação portuária de uso
público, devidamente alfandegado, dentre as exigências da legislação de alfandegamento, deve comprovar
possuir a infra-estrutura necessária à armazenagem de produtos/mercadorias em processo de despacho
aduaneiro, quer seja importação, exportação ou até mesmo de cargas apreendidas pelas autoridades ou em
processos de perdimento e, também, satisfazer a assunção de responsabilidade tributária das cargas sob sua
guarda, pela apresentação do competente Termo de Depositário Fiel que é parte integrante do processo de
alfandegamento.
Em que pese o acima dito, muitos terminais depositários destas mercadorias abandonadas alegam a
ausência de espaço físico ou apropriado para o depósito de mercadorias eventualmente desovadas em
decorrência de mandados de segurança impetrados pelos transportadores que visam à restituição de seus
equipamentos.
Tais alegações não encontram respaldo jurídico, haja vista que a própria Secretaria da Receita Federal
editou a Instrução Normativa nº 37, de 24/06/96, alterada pela Portaria SRF nº 969, de 22 de setembro de
2006, que disciplina o alfandegamento de portos organizados e instalações portuárias de uso público ou de uso
privativo, conforme autorizou o Decreto n° 1.912/1996, estabelecendo que os portos e instalações portuárias
devem conter depósito para armazenagem de mercadorias.
Ainda que se reconheça a eventual dificuldade dos terminais em obter espaços livres dentro de suas
áreas alfandegadas para o armazenamento de mercadorias abandonadas ou apreendidas, tal desculpa não elide
sua responsabilidade.
7. A Ordem de serviço nº 4, de 29 de setembro de 2004 – Alfândega de Santos
A Alfândega do porto de Santos sempre sofreu muito com os inúmeros casos de abandonos de carga e
as infindáveis petições de desova de contêineres protocoladas pelos transportadores marítimos que visavam o
retorno de suas unidades.
Diante de tal problemática, a Delegacia da Receita Federal de fiscalização em São Paulo achou por bem
emitir, em 29 de Setembro de 2004, a Ordem de Serviço nº 4, em que passava aos terminais a responsabilidade
pela desova das mercadorias importadas apreendidas pela Alfândega do Porto de Santos.
5. Muito embora a intenção tenha sido boa, na prática, a norma não surtiu o efeito desejado, vez que os
terminais alegavam que não poderiam diligenciar a desova das unidades de carga a não ser que esta desova seja
ordenada pela própria Receita Federal.
Também alegavam que na qualidade de fiel depositário das mercadorias era sua obrigação manter as
cargas protegidas e que a melhor forma de fazê-lo seria mantê-las protegidas dentro dos contêineres até que a
pena de perdimento seja decretada e as mercadorias leiloadas.
8. Prejuízos aos armadores
Para que se tenha uma idéia do prejuízo que os transportadores marítimos tem com a retenção de suas
unidades de carga, cada equipamento contendo cargas abandonadas por seus importadores ficam indisponíveis
para serem empregados em novas aventuras marítimas e, portanto, impossibilitados de gerarem novos fretes.
E não é só isto, como a grande maioria dos contêineres de importação é reaproveitada na exportação,
o armador se vê obrigado a modificar totalmente sua logística interna para que novos contêineres vazios sejam
enviados a determinado porto para cobrir a falta daqueles equipamentos apreendidos pela Alfândega. Por
óbvio, o espaço ocupado por estes contêineres vazios poderia ser utilizado para gerar novos fretes, razão maior
da existência dos transportadores marítimos.
E não é só, dependendo do tempo que o contêiner permanece parado aguardando que o procedimento
administrativo fiscal determine o perdimento ou destinação àquelas mercadorias, podem ocorrer avarias ou até
a perda total destes equipamentos que ficam expostos ao tempo sem a mínima conservação.
Desta forma, a retenção dos equipamentos de transporte (contêineres) vem gerando prejuízos diários
ao transportador marítimo, tendo em vista serem os contêineres elementos essenciais à atividade fim do
armador, ficando impedido de explorar livremente sua atividade econômica, prejudicada pela retenção indevida
da unidade destinada exclusivamente ao transporte de mercadorias.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto e considerando o disposto na legislação, no que diz respeito a sua natureza
jurídica, regime de entrada e saída do país, direito de propriedade concluímos facilmente que as unidades de
carga (contêineres) não podem ser apreendidas conjuntamente às mercadorias neles acondicionadas, posto que
com ela não se confundem.
A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais bem como a legislação pátria tampouco deixa
dúvidas de que sua retenção é ato ilegal e deve ser combatido com veemência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Artigo: “5 mil contêineres bloqueiam portos”. Autor: Renée Pereira. O Estado de São Paulo –
(http://www.estadao.com.br) – 05/09/2010
Artigo: “Mercadorias apreendidas pela Receita terão leilão eletrônico”. Autor: André Borges. Valor
Econômico (http://www.valoronline.com.br) – 17/11/2010
Octaviano Martins, Eliane Maria. Curso de direito marítimo, Volume II – Barueri, SP: Ed.
Manole,2008.
Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Sentença proferida nos autos do
processo nº 2008.70.08.000269-0/PR -