PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
No dia em que a guerra chegou .pdf
1. Este livro é dedicado a todas as crianças que estão perdidas e sozinhas,
e às pessoas que as ajudam.
No dia em que a guerra chegou, havia flores no peitoril da janela, e o meu pai
cantava uma canção de embalar para adormecer o meu irmãozinho.
A minha mãe fez o pequeno-almoço e acompanhou-me à escola.
2. Nessa manhã, aprendi coisas sobre vulcões, cantei uma canção sobre
girinos e sapos, e desenhei um pássaro.
A guerra chegou logo a seguir ao almoço.
No início, parecia um salpico de granizo, uma voz de trovão…
Depois, toda ela era fumo, fogo e ruído, nada que eu pudesse compreender.
3. A guerra espalhou-se pelo recreio.
Atingiu a cara da minha professora.
Fez desabar o telhado e transformou a minha cidade em escombros.
Não tenho palavras para descrever o buraco negro em que a minha casa se
transformou.
Tudo o que posso dizer é que a guerra destruiu tudo e todos.
Vi-me coberta de farrapos e de sangue, e completamente sozinha.
4. Desatei a correr.
Percorri campos, estradas e montanhas, sempre cheia de frio, e coberta de
lama e de chuva.
Viajei nas traseiras de camiões e em autocarros.
Andei num barco, cujo fundo vertia, e que quase se afundou.
E atravessei uma praia coberta de sapatos que jaziam vazios na areia…
Corri até mais não poder.
Por fim, cheguei a uma fileira de cabanas. Numa delas, cuja porta batia com
o vento, aninhei-me a um canto e cobri-me com um cobertor sujo.
5. Mas a guerra não me dava tréguas.
Estava debaixo da minha pele, por detrás dos meus olhos, e nos meus
pesadelos. Tinha até tomado conta do meu coração.
Caminhei para tentar expulsar a guerra de dentro de mim, para tentar
encontrar um lugar onde ela não tivesse chegado.
Mas a guerra estava presente nas portas que se fecharam quando eu cheguei
à rua, nas pessoas que não sorriram e me viraram costas.
Cheguei junto de uma escola e espreitei pela janela.
Os alunos aprendiam coisas sobre vulcões, cantavam e desenhavam
pássaros.
Entrei no edifício e os meus passos ecoaram no corredor da entrada.
Empurrei a porta e todos os rostos se viraram para mim. Contudo, a
professora não sorriu e disse:
6. — Aqui não há lugar para ti. Como podes ver, nem sequer há cadeira para te
sentares. Tens de te ir embora.
Compreendi, então, que a guerra também tinha chegado a esta sala de aula.
Regressei à cabana, e meti-me, de novo, debaixo do cobertor sujo.
A guerra parecia ter atingido tudo e todos.
A porta bateu. Julguei que era o vento, até que ouvi a voz de uma criança:
7. —Trouxe-te isto para poderes ir à escola.
Era uma cadeira. Uma cadeira para eu me sentar e aprender coisas sobre
vulcões, cantar e desenhar pássaros.
E para poder expulsar a guerra do meu coração.
O menino sorriu e disse:
— Os meus amigos também trouxeram cadeiras, para que todas as crianças
daqui possam ir à escola.
8. Saíram crianças de todas as cabanas e percorremos juntas uma estrada
ladeada por cadeiras.
E cada um dos nossos passos empurrava a guerra para cada vez mais
longe...
Nota da Autora
Ouvi, um dia, uma história acerca de uma criança que entrou numa escola
perto de um campo de refugiados e a quem mandaram embora, por não haver
cadeira para ela se sentar. No dia seguinte, a criança apareceu de novo na escola,
com uma cadeira partida, e pediu que a deixassem entrar.
Não me recordo de onde ouvi este relato, mas a verdade é que permaneceu
na minha memória, misturado com tudo o que tenho ouvido nos últimos meses
acerca de famílias de refugiados e de crianças sozinhas. Desejo, por isso, que
esta história possa recordar-nos a todos o poder da bondade, e nos transmita a
esperança de um futuro melhor.
Nicola Davies, Rebecca Cobb (ill.)
The day war came
Candlewick, 2018
(Tradução e adaptação)