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A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
29Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
A descoberta da psicanálise é a des-
coberta do inconsciente e Freud a apre-
senta em três grandes livros inaugurais:
A Interpretação dos Sonhos (1900), A Psi-
copatologia da Vida Cotidiana (1901) e
Chistes e sua Relação com o Inconsciente
(1905). Esses três livros – segundo La-
can, três obras canônicas em matéria de
inconsciente – expõem a estrutura do in-
consciente tal como ela é: articulada com
a linguagem. É o inconsciente que apa-
rece na descoberta da psicanálise.
Em 1905, ano da escrita do livro
dos chistes, Freud escreve um outro li-
vro fundamental: Três Ensaios sobre a
Teoria da Sexualidade. Octave Manno-
ni chama a atenção para o fato de que
Freud tinha duas mesas de trabalho di-
ferentes, uma para cada obra, e descan-
sava de uma escrevendo a outra. Essa
é uma observação interessante, porque
os Três Ensaios é a obra na qual Freud
introduz, pela primeira vez, o conceito
de pulsão, ou seja, é um livro que trata
da questão da sexualidade e do gozo.
É como se Freud descansasse desse li-
vro, escrevendo outro, mais prazeroso,
que é o livro dos chistes, livro que apre-
senta especialmente a estrutura do sim-
bólico, ou seja, da linguagem. Incons-
ciente e pulsão, então, são os dois con-
ceitos fundamentais da psicanálise que
são trazidos nos primeiros anos da des-
coberta freudiana.
A Travessia da Fantasia na Neurose
e na Perversão1
Marco Antonio Coutinho Jorge
Psiquiatra. Psicanalista. Diretor do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise Seção Rio de Janeiro. Doutor em
Comunicação pela UFRJ. Professor-adjunto do Instituto de Psicologia da UERJ. Membro correspondente da
Association Insistance (Paris/Bruxelles).
1
Trabalho apresentado no XIII Fórum Internacional de Psicanálise - As Múltiplas Faces da Perversão, realizado
em Belo Horizonte, de 24 a 28 de Agosto de 2004. Texto estabelecido, a partir da exposição oral, por
Alexandre Louzada.
Palavra-Chave: Fantasia – Inconsciente – Pulsão – Neurose
Resumo: Parte-se de uma nova conceituação da fantasia: a articulação do inconsciente com a
pulsão ou, em outras palavras, da linguagem com a sexualidade. Dois pólos distintos são situa-
dos no matema lacaniano da fantasia. Aquele do inconsciente ( ) e o da pulsão (a). Neurose e
perversão são abordadas em posições fundamentais: na neurose, a fantasia de completude amo-
rosa. Ela é prevalente e corresponde à fixação do sujeito no seu pólo inconsciente. Na perver-
são, a fantasia de completude gozosa é dominante e corresponde à fixação do sujeito no seu
pólo pulsional. Posições de fixação da fantasia são igualmente indicadas na cultura, tomadas
em sua continuidade moebiana com a estrutura de linguagem do sujeito.
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
30 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
O Ciclo da Fantasia
Logo em seguida, de 1907 a 1911,
podemos isolar um período, na obra de
Freud, que parece ser dedicado à fanta-
sia. Chamemo-lo de ciclo da fantasia.
Delírios e Sonhos na Gradiva, de Jensen
(1907) inicia uma série de artigos de-
dicados à questão da fantasia sob inú-
meros aspectos e prismas diferentes: a
fantasia na sua relação com o sintoma,
a fantasia na sua relação com a criação
literária, a fantasia na sua relação com
o romance familiar, as teorias sexuais in-
fantis etc. São vários artigos que cons-
tituem uma espécie de núcleo do de-
senvolvimento da fantasia em Freud,
que, durante esses anos, parece ter se
debruçado, exclusivamente, sobre o
tema.
Esse ciclo se encerra em 1911, com
a escrita de Formulações sobre os Dois
Princípios do Funcionamento Mental,
que, embora não se encontre no grupo
de artigos metapsicológicos, é um arti-
go que traz a metapsicologia da fanta-
sia.
É importante notar que Freud ca-
minha do inconsciente, chega até a pul-
são e, muito rapidamente, trabalhará
a fantasia. Essa percepção traz algo
bastante novo que desenvolvo a seguir:
a concepção da fantasia como sendo a
articulação entre o inconsciente e a
pulsão. Essa parece ser uma nova for-
ma de definir a fantasia, que nos faz ver
fatos novos. A fantasia é a articulação
entre inconsciente e pulsão, ou, nos
termos de Lacan, a fantasia é a articu-
lação entre o simbólico e o real.
É preciso chamar a atenção para o
fato de que, em 1911, Freud não escre-
ve somente o artigo das Formulações, a
metapsicologia da fantasia, mas, tam-
bém, outro ensaio magistral, o Caso
Schreber, ambos publicados no mesmo
número da revista Imago. É nesse caso
que Freud, pela primeira vez, consegue
trazer à luz a lógica do delírio paranói-
co. Depois de um longo período de ela-
boração sobre a questão a fantasia na
neurose é que ele pôde, então, se de-
bruçar sobre aquela do delírio na psi-
cose e extrair a sua lógica inerente.
Essa diferença entre fantasia e de-
lírio parece denunciar, em Freud, uma
nítida distinção estrutural-clínica en-
tre neurose e psicose. Essa distinção,
que nesse momento aparece de forma
conceitual, ligada aos conceitos funda-
mentais, após o advento da segunda
tópica, na década de 20, será trabalha-
da diretamente ligada à clínica, nos
dois importantíssimos artigos Neurose e
Psicose e A Perda da Realidade na Neu-
rose e na Psicose, ambos de 1924.
No primeiro artigo, Neurose e Psi-
cose, Freud conclui que a diferença en-
tre neurose e psicose é que na segunda
haveria uma perda da realidade. Dois
ou três meses depois, porém, ele escre-
ve o segundo artigo e o inicia corrigin-
do sua afirmação:
Recentemente indiquei como uma das
características que diferenciam uma
neurose de uma psicose o fato de em
uma neurose o eu, em sua dependên-
cia da realidade, suprimir um frag-
mento do isso (da vida pulsional), ao
passo que, em uma psicose, esse mes-
mo eu, a serviço do isso, se afasta de
um fragmento da realidade. Assim,
para uma neurose o fator decisivo se-
ria a predominância da influência da
realidade, enquanto para uma psico-
se, esse fator seria a predominância
do isso. Na psicose a perda de reali-
dade estaria necessariamente presen-
te, ao passo que na neurose, segundo
pareceria, essa perda seria evitada.
Isso, porém, não concorda em abso-
luto com a observação que todos nós
podemos fazer, de que toda neurose
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
31Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
perturba de algum modo a relação do
paciente com a realidade servindo-lhe
de um meio de se afastar da realida-
de, e que, em suas formas graves, sig-
nifica concretamente uma fuga da
vida real.2
O desenvolvimento desses dois ar-
tigos, que parecem ser um único, apre-
senta embutido nele um raciocínio que
implica a distinção entre fantasia e de-
lírio. Não é à toa que o segundo artigo
desemboca exatamente nessa distinção.
Nos últimos parágrafos, Freud marca
explicitamente que a perda da realida-
de na neurose é diferente daquela na
psicose. Na primeira há ainda certa
manutenção de um vínculo com a rea-
lidade, ao passo que na segunda há uma
perda radical dele.
Trabalhando esses artigos, ocorreu-
me uma coisa engraçada: a idéia de que,
ao escrevê-los, foi Freud quem perdeu
a realidade. Isso aparece nitidamente
nesses escritos. Quando digo que Freud
a perdeu, é porque ele acaba concluin-
do que a realidade é sempre perdida. A
noção de realidade é problematizável,
a partir da noção de real de Lacan, e
Freud, nesses textos, antecipa avant la
lettre essa categoria.
É interessante notar também que,
três anos depois dessa distinção estru-
tural entre neurose e psicose, a partir
da fantasia e do delírio, Freud, pela pri-
meira vez, escreverá um artigo que traz
uma teoria consistente do fetichismo,
talvez, para ele, o paradigma da perver-
são.
Ele havia, em 1909, elaborado a
questão do fetichismo num texto apre-
sentado na Sociedade das Quartas-Fei-
ras, conferência publicada na Revista
Internacional da História da Psicanálise,3
mas, naquele momento, ele não tinha
alguns elementos que só desenvolverá
depois.
Há certo fio inconsciente no tra-
balho de Freud. Ele, como todos nós,
também estava mergulhado no incons-
ciente. Quando escrevia sobre algo,
não poderia saber da articulação do seu
próprio inconsciente e aonde ela o le-
varia. Isso ocorre conosco e não seria
diferente com ele. Acredito que, hoje,
diante da obra de Freud e com a leitura
de Lacan, podemos detectar, ou pelo
menos tentar detectar esses diferentes
fios invisíveis que sustentaram as arti-
culações maiores ao longo da obra freu-
diana.
Quando, em 1911, Freud extrai a
lógica do delírio psicótico, ele afirma
algo espantoso, que foi polêmica na
época e é polêmica psiquiátrica até
hoje: o delírio não é a psicose, o delírio
é a tentativa de cura dela. Lacan refe-
re-se a esse problema em várias passa-
gens, por exemplo, no Seminário 3
(1956-1957), quando afirma que, em
todo delírio, vemos a mesma força es-
truturante, ou seja, a tentativa que o
psicótico faz de se estruturar pela lin-
guagem, pelo simbólico.
Fantasia e delírio, então, corres-
pondem a dois elementos muito pare-
cidos e, ao mesmo tempo, muito dife-
rentes. Freud, no ensaio sobre a Gra-
diva, utiliza a expressão fantasia delirante
para se referir ao delírio. Expressão que
associa neurose com psicose. A conse-
qüência direta disso é a dificuldade em
distinguir com precisão os dois termos.
Há, portanto, uma necessidade de dar
2
FREUD, “A perda da realidade na neurose e na psicose”, in Obras completas, v.XIX. Rio de Janeiro: Imago,
1976, p. 229.
3
FREUD, S., “Sobre a gênese do fetichismo”, in Revista Internacional da História da Psicanálise, n.2, Rio de
Janeiro, Imago, 1992, p.371-387.
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
32 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
à fantasia o lugar que ela tem no psi-
quismo.
Não é sem motivo que Lacan conce-
berá o fim da análise como ligado à ques-
tão da fantasia, mencionando a sua tra-
vessia. A fantasia é uma espécie de matriz
psíquica que funciona mediatizando o
encontro do sujeito com o real. Ela é uma
matriz simbólico-imaginária que permite
ao sujeito fazer face ao real do gozo.
Se tomarmos a noção de pulsão de
morte na obra de Freud – que foi, na
verdade, valorizada por Lacan –, vere-
mos que o que ele chama de morte é o
que Lacan chama de o gozo.
Há um vetor que rege nosso psi-
quismo. Para Freud, esse vetor único,
fundamental, se chama pulsão de mor-
te. Na leitura que faz de Mais Além do
Príncipio do Prazer (1920), Lacan afir-
ma que toda pulsão é pulsão de morte.
Freud disse exatamente a mesma coisa
com outras palavras.
Felizmente, muitos de nós não vi-
vemos submetidos a esse vetor, que, por
definição, é mortífero. Alguma coisa
acontece que nos permite lidar de uma
forma diferente com esse alvo da pul-
são de morte: o gozo. Essa alguma coi-
sa se chama fantasia.
Ela surge a partir de uma operação
chamada recalque originário, operação
agenciada por um significante, o signi-
ficante Nome-do-Pai. O recalque ori-
ginário resulta sobre o psiquismo da cri-
ança a imediata instauração dessa ma-
triz psíquica: a fantasia. Esta, por sua
vez, fará com que aquilo que era em-
puxo-ao-gozo, como diz Lacan – pul-
são de morte, empuxo na direção da
morte –, seja freado e passe a ser uma
região na qual a pulsão de morte é se-
xualizada. Nessa região, a fantasia pas-
sa a dominar pelo menos um trajeto
dessa pulsão de morte. É o que Freud
chama de pulsão de vida e que, para
nós, é a pulsão sexual.
Do lado desta temos o princípio de
prazer, dominado pela fantasia, e do
lado da pulsão de morte, o mais além
do princípio de prazer.
Tudo isso ocorre nas neuroses e nas
perversões. Em ambas, há ação do
Nome-do-Pai, há recalque originário e,
por conseguinte, a instauração da ma-
triz psíquica chamada fantasia incons-
ciente fundamental.
No caso da psicose, essa constelação
não ocorre, porque a foraclusão do signi-
ficante Nome-do-Pai produz uma falha
no recalque originário de tal modo que
essa fantasia não se instaura e, por que
ela não se instaura, o psicótico tenderá
a, no melhor dos casos, a produzir um
delírio que preencherá essa lacuna, esse
vazio. Esse vazio é a própria psicose.
Neurose e Perversão
Tomemos, agora, a fórmula da fan-
tasia para tentar ler nela a diferença que
há entre neurose e perversão: .
Podemos ver nela dois pólos: se a
fantasia é a articulação entre o incons-
ciente e a pulsão, podemos situar, no
lado do , o pólo inconsciente, e no lado
do objeto a, o pólo pulsional. No pri-
meiro temos o sujeito, que é barrado
pela linguagem, pelo significante, en-
tre S1
e S2
, e no segundo, o elemento
que é aquilo que se inscreve na fanta-
sia como mais-gozar, como a inscrição
do gozo que era absoluto, mortífero e
que, na fantasia, se transforma num
gozo limitado: o gozo fálico. Este é o
gozo submetido à linguagem, ao falo.
Podemos, também, dizer que o pólo
inconsciente é o pólo simbólico, e o
pólo pulsional é o pólo real da fanta-
sia. Do lado do primeiro – do , do
inconsciente, do simbólico – podemos
situar o amor e do outro lado – do ob-
jeto a, da pulsão, do real – podemos si-
tuar o gozo.
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
33Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
Uma história de observação coti-
diana, que me foi contada, muitos anos
atrás, por um analista, é clarificadora
em relação à questão do gozo, um con-
ceito difícil em Lacan. Um menino de
5 anos observava o seu irmãozinho de
leite mamando. Ao observar essa cena,
ele virou pra mãe e disse: “Mamãe, eu
também quero mamar”. E a mãe res-
pondeu: “Mas você já mamou”. E ele
disse: “Mas eu não sabia!”.
Assim, um menino de 5 anos nos
ensinou, com quatro palavras, o que é
o gozo para Lacan. O gozo é a perda
que se inscreve na medida em que hou-
ve a entrada no mundo simbólico. O
menino, olhando o irmãozinho, ma-
mando, quis ter acesso àquele gozo que
já foi perdido. Mas, ele não tem mais
como achá-lo. Como sujeito falante,
ele não tem mais acesso a esse gozo. Este
está perdido. O que o menino queria
era gozar sabendo e o que Lacan asse-
gura é que há um corte radical entre
saber e gozo. Quando há gozo, não há
saber, quando há saber, não há gozo.
Por isso que a análise, que dá acesso ao
saber inconsciente, implica numa per-
da de gozo.
Se a fantasia é um elemento que se
instaura para a criança como uma ver-
dadeira contrapartida ao gozo que ela
perdeu, a fantasia se dá, essencialmen-
te, como uma fantasia de completude. A
fantasia é fantasia de completude. Ela é
a elisão da falta inerente à estrutura do
falante. Houve perda de gozo. A fan-
tasia, instaurada, é uma tentativa de re-
cuperação daquilo que foi perdido.
Minha hipótese é a de que, se, na
neurose, temos fantasia de completu-
de, ela é uma fantasia de completude
amorosa. O neurótico quer resgatar a
completude perdida pelo viés do amor.
Ele se fixa no amor. Ele se fixa no pólo
inconsciente da fantasia e elide o pólo
do gozo da fantasia.
Um jovem analisando, com uma
tendência predominantemente obses-
siva, certa vez, chegou numa sessão di-
zendo que concluíra que terminaria o
seu namoro, porque sacou uma coisa
muito importante. Se ele continuava
sentindo atração física por outras me-
ninas, era porque sua namorada não era
a mulher da vida dele. A expressão
“mulher da vida dele”, como outras tão
comuns na cultura, mostra que, na neu-
rose, existe a tentativa de, através do
amor, preencher completamente o va-
zio e resgatar a completude perdida,
elidindo totalmente esse aspecto do
gozo.
Se a clínica analítica é uma clínica
sob transferência, então, ela é na es-
sência uma clínica da neurose.
Na perversão, houve a mesma en-
trada da fantasia, mas, por motivos his-
tóricos absolutamente singulares, a en-
trada do sujeito perverso no mundo do
simbólico se deu através da fixação no
outro pólo da fantasia, no pólo pulsio-
nal, no pólo de gozo. O perverso tem
uma fantasia de completude de gozo. Ele
almeja resgatar a completude perdida
pelo viés do gozo.
Poderíamos, então, pensar que para
o neurótico o fim da análise, enquanto
uma travessia da fantasia, é uma traves-
sia da fantasia amorosa; e de fantasia
de gozo, para o perverso. O fim da aná-
lise implicaria em dar acesso ao neuró-
tico ao pólo do gozo do qual ele tanto
se defende, e, no caso do perverso, im-
plicaria no acesso à dimensão do amor,
da qual ele também se defende.
Mas, o que mais importa nessa tra-
vessia não é ter acesso ao outro pólo da
fantasia, mas que, ao fazê-lo, o sujeito
tenha acesso à dimensão que está es-
crita, no matema da fantasia, entre o e
o a, que é a dimensão do desejo, inscri-
ta no signo da punção: . O desejo,
aqui, está escrito enquanto falta e é a
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
34 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
presentificação daquela perda de gozo
que esteve na origem da entrada do
sujeito no mundo humano, no mundo
do simbólico.
Ao ter acesso ao pulsional e ao
gozo, e deixando de se fixar no pólo do
amor, o neurótico terá acesso ao dese-
jo. No perverso é o contrário. Porque,
quando se tem acesso ao amor e ao gozo,
tem-se perda de amor e perda de gozo.
Essa é a definição que eu proporia de
desejo: desejo é duplamente uma per-
da de amor e de gozo, ou seja, a dimen-
são da falta de amor e da falta de gozo.
A frase de Lacan “só o amor pode
fazer o gozo ceder ao desejo” resume
essa elaboração, na medida em que há
uma espécie de báscula entre amor e
gozo.
Percebe-se, porém, que essa báscu-
la ocorre não só nas estruturas clínicas
como tais, mas também em um mesmo
sujeito. É possível ver na clínica mui-
to mais perversão do que comumente
se presume.
Se tomarmos o fetichismo como o
paradigma da perversão, teremos algo
muito definido, mas não podemos nos
contentar com isso. A perversão é um
campo amplo demais e é necessário es-
tender a percepção que temos dele.
Diz-se que o perverso não busca
análise, mas Freud não assegura isso e
descreve casos de análise de perversão.
O que ele afirma é que o perverso não
procura análise pela perversão. Os ca-
sos de fetichismo de Freud são aqueles
nos quais o paciente procurou trata-
mento por motivo diverso do fetichis-
mo, que só foi descoberto durante o tra-
tamento.
Mas que questões levariam um per-
verso à análise? Provavelmente algum
tipo de sofrimento, que suponho estar
ligado ao que chamo de pólo amoroso
da fantasia. Na perversão, escutamos
o sujeito queixar-se da solidão na qual
é jogado por certas posições perversas
que adota. Ele chega a questionar isso.
Ele chega a se sentir só.
Cito um exemplo dessa ordem. Um
sujeito diz: “Eu não me ligo a ninguém,
não tenho nenhuma relação com nin-
guém, porque sei que não vou conse-
guir. Depois de algum tempo começo a
transar com outras pessoas”. Ao con-
trário do obsessivo a que me referi an-
teriormente, neste caso, o gozo fica
como uma defesa em relação ao víncu-
lo amoroso.
O vínculo amoroso implica a alte-
ridade, implica a diferença, implica cer-
ta castração do gozo. A definição que
gosto da perversão é: ela é a abolição
da diferença, a abolição do desejo do
Outro. Ou seja, a perversão é a aboli-
ção daquilo que entra com toda força
na intersubjetividade amorosa.
Mas vejam que, apesar de toda pro-
blemática em jogo nessa posição perver-
sa, assim como na neurótica, ela é uma
saída daquele vazio que chamamos de
psicose. O que a inscrição do signifi-
cante Nome-do-Pai provoca é a instau-
ração de uma fantasia que recobrirá o
vazio da psicose. E esta é uma assertiva
importante porque coloca a psicose
como a base do humano e, clinicamen-
te, como uma falha na saída dessa base.
Lacan, numa daquelas passagens
que só se comentam entre analistas,
chegou a dizer que uma psicanálise le-
vada muito longe conduziria à psicose.
Isso se explica pela capacidade que a
análise tem de desconstituir essa ma-
triz psíquica simbólico-imaginária que
é a fantasia e lançar o sujeito no vetor
da pulsão de morte, a base da nossa es-
trutura psíquica.
Tanto a neurose como a perversão
são defesas, cada uma a sua maneira,
contra a psicose. Acredito que a per-
versão é a primeira saída de fato, o pri-
meiro corte, mas ainda com a manu-
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
35Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
tenção de um traço que é forte na psi-
cose: o gozo. Isso se inscreve na per-
versão, mas não como na psicose. Ins-
creve-se de outra maneira, pela presen-
tificação do objeto a, do objeto mais-
gozar.
Na neurose, há também essa saída,
há um corte em relação à psicose. A
dimensão que dominará, porém, é a
do simbólico e, portanto, a dimensão
do amor ao Pai, que vem, como radical
alteridade, frear o empuxo ao gozo. E
a criança neurótica se atém a esse ele-
mento que a salvou. A fantasia amo-
rosa é uma salvação.
Freud desenvolve essa idéia prin-
cipalmente num artigo do ciclo da fan-
tasia, chamado Fantasias Histéricas e sua
Relação com a Bissexualidade (1908).
Trata-se de um texto sobre a relação
entre pulsão e fantasia. É muito curio-
so que ele seja do primeiro dualismo
pulsional e ainda não tenha a articula-
ção entre pulsão de vida e aquela de
morte. É possível, porém, encontrar
todos os elementos sustentando que a
fantasia freia o empuxo ao gozo da pul-
são de morte.
O problema é que, como tudo no
nosso psiquismo, a fantasia tem dois la-
dos: ela é uma salvação, mas também é
uma patogenia. Pelo próprio fato de
que ela nos salvou da derrelição abso-
luta na qual estamos fadados pela pul-
são de morte, vamos nos agarrar a ela
com unhas e dentes. Isso é o que Freud
chama de “fixação”. Agarramo-nos à
fantasia com tanta intensidade, que ela
passa a ser um núcleo da nossa vida, e
passamos a produzir uma série de coi-
sas chamadas “sintomas”, que são a per-
petuação constante da nossa relação
com a fantasia. Ela tem, então, uma
dupla face: uma face de salvação e uma
face de produção patológica.
E assim como há uma báscula en-
tre amor e gozo nas estruturas clínicas
e num mesmo sujeito, ela também apa-
rece na cultura. A cultura traduz essas
fixações. A história da música popular
recente é um bom exemplo disso.
Em 1966, em Liverpool, nasceram
dois grandes grupos de rock: os Beatles
e os Rolling Stones. Os Beatles tive-
ram uma existência efêmera, foram um
cometa que atravessou a existência da
música e deixou rastros em todos nós.
Os Rolling Stones existem até hoje,
dando shows no mundo inteiro, gra-
vando discos etc. O que me chama a
atenção é que os Beatles foram um gru-
po que cantou essencialmente o amor.
Por exemplo, “All you need is love”,
para tomar uma canção deles que é pa-
radigmática dessa posição. Já a canção
paradigmática dos Rolling Stones é “Sa-
tisfaction”: “I can´t get no satisfaction,
But I’ll try, but I’ll try, but I’ll try”. É a
própria pulsão falando...
Talvez esses grupos – e a presença
deles em nossa vida e em nossa cultura
– signifiquem que o amor é mais frágil
que o gozo, que o gozo é a busca da
satisfação absoluta que se repete com
uma intensidade impressionante, na
medida em que há esse vetor insistente
em nós. Tudo indica que Mick Jagger
cantará e dançará até os 80 anos. E
nós com ele, o que é interessante.
Mas vamos também cantar com
os Beatles. Poucos de nós sabem de cor
a letra de uma música dos Rolling Sto-
nes, mas muitos aprenderam inglês com
os versos de John Lennon e a música
dos Beatles.
Mas a música não é o único exem-
plo cultural que temos das fixações nos
pólos da fantasia. O pólo do amor se
traduz também pela religião no qual há
uma fixação nele por meio dela. E o
pólo do gozo se traduz pela pujança do
capitalismo.
É possível perceber certa rivalida-
de entre religião e capitalismo, que se
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
36 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
expressa até pela arquitetura das cida-
des. Em Salvador, Belo Horizonte, no
Rio de Janeiro, é possível ver templos
religiosos de novas seitas evangélicas
construídos em frente aos grandes sho-
pping centers. Um espelha o outro, bri-
gando por primazia. Passamos, ali, no
meio desses desfiladeiros de fixações de
amor, na religião – porque a religião é
uma fixação no amor: “Amai-vos uns
aos outros” –, e de gozo, no capitalis-
mo, com aqueles objetos todos que nos
são oferecidos e vendidos de uma ma-
neira tão excessiva.
Mas não é só a neurose e a perver-
são que se traduzem na nossa cultura, a
psicose também o faz. E parece que ela
o faz pela ciência. É preciso que nós,
analistas, possamos dizer, com todas as
letras, que a ciência está louca. A ci-
ência enlouqueceu, perdeu os limites.
Hoje, ela mistura espécies, clona os ani-
mais a bel-prazer e quer fazer isso com
o ser humano. O ápice dessa loucura,
desconfio, é seu intento de transformar
a reprodução sexuada em reprodução
assexuada. Isso é loucura. Não é à toa
que, na cultura, existe a figura do cien-
tista maluco. O cientista maluco é um
traço da linguagem no inconsciente que
denuncia que a ciência tem uma forte
tendência à loucura, patente hoje em
dia.
Evidentemente que fomos adverti-
dos quanto a isso desde a época em que
o homem foi a Lua. Ali, começava uma
grande loucura, porque ir à Lua, é cla-
ro, é coisa de lunático.
A psicanálise propõe um quarto
lugar da fantasia, diferente daqueles tra-
duzidos pela religião, pelo capitalismo
e pela ciência. Nem a fixação no amor,
nem a fixação no gozo fálico, nem a
fixação no gozo absoluto. Ela propõe
um lugar do desejo, que é aquele lugar,
no matema da fantasia, entre e a pe-
queno. Porque aquilo ali é um lugar, é
um lugar da fantasia. E acredito que,
na cultura, há, hoje, dois discursos que
sustentam esse lugar: a psicanálise e a
arte. A arte é também um discurso
poderoso que tenta sustentar esse lugar
do vazio e da falta.
Keywords
Fantasy – Unconscious – Drive – Neu-
rosis
Abstract
The author starts from a new concept of
fantasy: the articulation of the unconscious
with the drive or, in other words, from the
language to the sexuality. Two different
points are in the lacanian matema of fan-
tasy: the one of the unconscious ( ) and
the one of the drive (a). Neurosis and per-
versions are broached in its fundamental
positions: in neurosis, the fantasy of love
fulfillness. This one is much valued and
corresponds to the fixation of the subject
in the first unconscious point. In perver-
sion, the fantasy of the pleased fulfillness
is dominated and corresponds to the fixa-
tion of the subject in the pulsional point.
Positions of fantasy’s fixation are equally
indicated in culture, taken in moebian
continuance of the structure of language
of the subject
Bibliografia
FREUD, S. “O delírio e os sonhos na ‘Gradiva’
de W. Jensen”, in Obras completas, v. IX. Bue-
nos Aires: Amorrortu, 1996.
FREUD, S. “As fantasias histéricas e sua relação
com a bissexualidade”, in Obras completas, v.IX.
Buenos Aires: Amorrortu, 1996.
FREUD, S. “Pontuações psicanalíticas sobre
um caso de paranóia (Dementia paranoides)
descrito autobiograficamente”, in Obras
completas, v.XII. Buenos Aires: Amorrortu,
1996.
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
37Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006
FREUD, S. “Formulações sobre os dois princípi-
os do acontecer psíquico”, in Obras completas,
v.XII. Buenos Aires: Amorrortu, 1996.
FREUD, S. “Neurose e psicose”, in Obras com-
pletas, v.XIX. Buenos Aires: Amorrortu, 1996.
FREUD, S. “A perda da realidade na neurose e
na psicose”, in Obras completas, v.XIX. Buenos
Aires: Amorrortu, 1996.
FREUD, S., “Mais-além do princípio de prazer”,
in Obras completas, v.XVIII. Buenos Aires:
Amorrortu, 1996.
FREUD, S. “Sobre a gênese do fetichismo”, in
Revista Internacional da História da Psicanálise,
Rio de Janeiro: Imago, 1992.
LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. 2.ed.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
Endereço para Correspondência:
Rua Teresina, 19
20240–310 – Rio de Janeiro – RJ
E-mail: macjorge@vetor.com.br
macjorge@corpofreudiano.com.br
Convite feito em 10/01/2006
A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão
38 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006

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A Travessia da Fantasia na Neurose e Perversão

  • 1. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 29Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 A descoberta da psicanálise é a des- coberta do inconsciente e Freud a apre- senta em três grandes livros inaugurais: A Interpretação dos Sonhos (1900), A Psi- copatologia da Vida Cotidiana (1901) e Chistes e sua Relação com o Inconsciente (1905). Esses três livros – segundo La- can, três obras canônicas em matéria de inconsciente – expõem a estrutura do in- consciente tal como ela é: articulada com a linguagem. É o inconsciente que apa- rece na descoberta da psicanálise. Em 1905, ano da escrita do livro dos chistes, Freud escreve um outro li- vro fundamental: Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Octave Manno- ni chama a atenção para o fato de que Freud tinha duas mesas de trabalho di- ferentes, uma para cada obra, e descan- sava de uma escrevendo a outra. Essa é uma observação interessante, porque os Três Ensaios é a obra na qual Freud introduz, pela primeira vez, o conceito de pulsão, ou seja, é um livro que trata da questão da sexualidade e do gozo. É como se Freud descansasse desse li- vro, escrevendo outro, mais prazeroso, que é o livro dos chistes, livro que apre- senta especialmente a estrutura do sim- bólico, ou seja, da linguagem. Incons- ciente e pulsão, então, são os dois con- ceitos fundamentais da psicanálise que são trazidos nos primeiros anos da des- coberta freudiana. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão1 Marco Antonio Coutinho Jorge Psiquiatra. Psicanalista. Diretor do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise Seção Rio de Janeiro. Doutor em Comunicação pela UFRJ. Professor-adjunto do Instituto de Psicologia da UERJ. Membro correspondente da Association Insistance (Paris/Bruxelles). 1 Trabalho apresentado no XIII Fórum Internacional de Psicanálise - As Múltiplas Faces da Perversão, realizado em Belo Horizonte, de 24 a 28 de Agosto de 2004. Texto estabelecido, a partir da exposição oral, por Alexandre Louzada. Palavra-Chave: Fantasia – Inconsciente – Pulsão – Neurose Resumo: Parte-se de uma nova conceituação da fantasia: a articulação do inconsciente com a pulsão ou, em outras palavras, da linguagem com a sexualidade. Dois pólos distintos são situa- dos no matema lacaniano da fantasia. Aquele do inconsciente ( ) e o da pulsão (a). Neurose e perversão são abordadas em posições fundamentais: na neurose, a fantasia de completude amo- rosa. Ela é prevalente e corresponde à fixação do sujeito no seu pólo inconsciente. Na perver- são, a fantasia de completude gozosa é dominante e corresponde à fixação do sujeito no seu pólo pulsional. Posições de fixação da fantasia são igualmente indicadas na cultura, tomadas em sua continuidade moebiana com a estrutura de linguagem do sujeito.
  • 2. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 30 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 O Ciclo da Fantasia Logo em seguida, de 1907 a 1911, podemos isolar um período, na obra de Freud, que parece ser dedicado à fanta- sia. Chamemo-lo de ciclo da fantasia. Delírios e Sonhos na Gradiva, de Jensen (1907) inicia uma série de artigos de- dicados à questão da fantasia sob inú- meros aspectos e prismas diferentes: a fantasia na sua relação com o sintoma, a fantasia na sua relação com a criação literária, a fantasia na sua relação com o romance familiar, as teorias sexuais in- fantis etc. São vários artigos que cons- tituem uma espécie de núcleo do de- senvolvimento da fantasia em Freud, que, durante esses anos, parece ter se debruçado, exclusivamente, sobre o tema. Esse ciclo se encerra em 1911, com a escrita de Formulações sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental, que, embora não se encontre no grupo de artigos metapsicológicos, é um arti- go que traz a metapsicologia da fanta- sia. É importante notar que Freud ca- minha do inconsciente, chega até a pul- são e, muito rapidamente, trabalhará a fantasia. Essa percepção traz algo bastante novo que desenvolvo a seguir: a concepção da fantasia como sendo a articulação entre o inconsciente e a pulsão. Essa parece ser uma nova for- ma de definir a fantasia, que nos faz ver fatos novos. A fantasia é a articulação entre inconsciente e pulsão, ou, nos termos de Lacan, a fantasia é a articu- lação entre o simbólico e o real. É preciso chamar a atenção para o fato de que, em 1911, Freud não escre- ve somente o artigo das Formulações, a metapsicologia da fantasia, mas, tam- bém, outro ensaio magistral, o Caso Schreber, ambos publicados no mesmo número da revista Imago. É nesse caso que Freud, pela primeira vez, consegue trazer à luz a lógica do delírio paranói- co. Depois de um longo período de ela- boração sobre a questão a fantasia na neurose é que ele pôde, então, se de- bruçar sobre aquela do delírio na psi- cose e extrair a sua lógica inerente. Essa diferença entre fantasia e de- lírio parece denunciar, em Freud, uma nítida distinção estrutural-clínica en- tre neurose e psicose. Essa distinção, que nesse momento aparece de forma conceitual, ligada aos conceitos funda- mentais, após o advento da segunda tópica, na década de 20, será trabalha- da diretamente ligada à clínica, nos dois importantíssimos artigos Neurose e Psicose e A Perda da Realidade na Neu- rose e na Psicose, ambos de 1924. No primeiro artigo, Neurose e Psi- cose, Freud conclui que a diferença en- tre neurose e psicose é que na segunda haveria uma perda da realidade. Dois ou três meses depois, porém, ele escre- ve o segundo artigo e o inicia corrigin- do sua afirmação: Recentemente indiquei como uma das características que diferenciam uma neurose de uma psicose o fato de em uma neurose o eu, em sua dependên- cia da realidade, suprimir um frag- mento do isso (da vida pulsional), ao passo que, em uma psicose, esse mes- mo eu, a serviço do isso, se afasta de um fragmento da realidade. Assim, para uma neurose o fator decisivo se- ria a predominância da influência da realidade, enquanto para uma psico- se, esse fator seria a predominância do isso. Na psicose a perda de reali- dade estaria necessariamente presen- te, ao passo que na neurose, segundo pareceria, essa perda seria evitada. Isso, porém, não concorda em abso- luto com a observação que todos nós podemos fazer, de que toda neurose
  • 3. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 31Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 perturba de algum modo a relação do paciente com a realidade servindo-lhe de um meio de se afastar da realida- de, e que, em suas formas graves, sig- nifica concretamente uma fuga da vida real.2 O desenvolvimento desses dois ar- tigos, que parecem ser um único, apre- senta embutido nele um raciocínio que implica a distinção entre fantasia e de- lírio. Não é à toa que o segundo artigo desemboca exatamente nessa distinção. Nos últimos parágrafos, Freud marca explicitamente que a perda da realida- de na neurose é diferente daquela na psicose. Na primeira há ainda certa manutenção de um vínculo com a rea- lidade, ao passo que na segunda há uma perda radical dele. Trabalhando esses artigos, ocorreu- me uma coisa engraçada: a idéia de que, ao escrevê-los, foi Freud quem perdeu a realidade. Isso aparece nitidamente nesses escritos. Quando digo que Freud a perdeu, é porque ele acaba concluin- do que a realidade é sempre perdida. A noção de realidade é problematizável, a partir da noção de real de Lacan, e Freud, nesses textos, antecipa avant la lettre essa categoria. É interessante notar também que, três anos depois dessa distinção estru- tural entre neurose e psicose, a partir da fantasia e do delírio, Freud, pela pri- meira vez, escreverá um artigo que traz uma teoria consistente do fetichismo, talvez, para ele, o paradigma da perver- são. Ele havia, em 1909, elaborado a questão do fetichismo num texto apre- sentado na Sociedade das Quartas-Fei- ras, conferência publicada na Revista Internacional da História da Psicanálise,3 mas, naquele momento, ele não tinha alguns elementos que só desenvolverá depois. Há certo fio inconsciente no tra- balho de Freud. Ele, como todos nós, também estava mergulhado no incons- ciente. Quando escrevia sobre algo, não poderia saber da articulação do seu próprio inconsciente e aonde ela o le- varia. Isso ocorre conosco e não seria diferente com ele. Acredito que, hoje, diante da obra de Freud e com a leitura de Lacan, podemos detectar, ou pelo menos tentar detectar esses diferentes fios invisíveis que sustentaram as arti- culações maiores ao longo da obra freu- diana. Quando, em 1911, Freud extrai a lógica do delírio psicótico, ele afirma algo espantoso, que foi polêmica na época e é polêmica psiquiátrica até hoje: o delírio não é a psicose, o delírio é a tentativa de cura dela. Lacan refe- re-se a esse problema em várias passa- gens, por exemplo, no Seminário 3 (1956-1957), quando afirma que, em todo delírio, vemos a mesma força es- truturante, ou seja, a tentativa que o psicótico faz de se estruturar pela lin- guagem, pelo simbólico. Fantasia e delírio, então, corres- pondem a dois elementos muito pare- cidos e, ao mesmo tempo, muito dife- rentes. Freud, no ensaio sobre a Gra- diva, utiliza a expressão fantasia delirante para se referir ao delírio. Expressão que associa neurose com psicose. A conse- qüência direta disso é a dificuldade em distinguir com precisão os dois termos. Há, portanto, uma necessidade de dar 2 FREUD, “A perda da realidade na neurose e na psicose”, in Obras completas, v.XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 229. 3 FREUD, S., “Sobre a gênese do fetichismo”, in Revista Internacional da História da Psicanálise, n.2, Rio de Janeiro, Imago, 1992, p.371-387.
  • 4. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 32 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 à fantasia o lugar que ela tem no psi- quismo. Não é sem motivo que Lacan conce- berá o fim da análise como ligado à ques- tão da fantasia, mencionando a sua tra- vessia. A fantasia é uma espécie de matriz psíquica que funciona mediatizando o encontro do sujeito com o real. Ela é uma matriz simbólico-imaginária que permite ao sujeito fazer face ao real do gozo. Se tomarmos a noção de pulsão de morte na obra de Freud – que foi, na verdade, valorizada por Lacan –, vere- mos que o que ele chama de morte é o que Lacan chama de o gozo. Há um vetor que rege nosso psi- quismo. Para Freud, esse vetor único, fundamental, se chama pulsão de mor- te. Na leitura que faz de Mais Além do Príncipio do Prazer (1920), Lacan afir- ma que toda pulsão é pulsão de morte. Freud disse exatamente a mesma coisa com outras palavras. Felizmente, muitos de nós não vi- vemos submetidos a esse vetor, que, por definição, é mortífero. Alguma coisa acontece que nos permite lidar de uma forma diferente com esse alvo da pul- são de morte: o gozo. Essa alguma coi- sa se chama fantasia. Ela surge a partir de uma operação chamada recalque originário, operação agenciada por um significante, o signi- ficante Nome-do-Pai. O recalque ori- ginário resulta sobre o psiquismo da cri- ança a imediata instauração dessa ma- triz psíquica: a fantasia. Esta, por sua vez, fará com que aquilo que era em- puxo-ao-gozo, como diz Lacan – pul- são de morte, empuxo na direção da morte –, seja freado e passe a ser uma região na qual a pulsão de morte é se- xualizada. Nessa região, a fantasia pas- sa a dominar pelo menos um trajeto dessa pulsão de morte. É o que Freud chama de pulsão de vida e que, para nós, é a pulsão sexual. Do lado desta temos o princípio de prazer, dominado pela fantasia, e do lado da pulsão de morte, o mais além do princípio de prazer. Tudo isso ocorre nas neuroses e nas perversões. Em ambas, há ação do Nome-do-Pai, há recalque originário e, por conseguinte, a instauração da ma- triz psíquica chamada fantasia incons- ciente fundamental. No caso da psicose, essa constelação não ocorre, porque a foraclusão do signi- ficante Nome-do-Pai produz uma falha no recalque originário de tal modo que essa fantasia não se instaura e, por que ela não se instaura, o psicótico tenderá a, no melhor dos casos, a produzir um delírio que preencherá essa lacuna, esse vazio. Esse vazio é a própria psicose. Neurose e Perversão Tomemos, agora, a fórmula da fan- tasia para tentar ler nela a diferença que há entre neurose e perversão: . Podemos ver nela dois pólos: se a fantasia é a articulação entre o incons- ciente e a pulsão, podemos situar, no lado do , o pólo inconsciente, e no lado do objeto a, o pólo pulsional. No pri- meiro temos o sujeito, que é barrado pela linguagem, pelo significante, en- tre S1 e S2 , e no segundo, o elemento que é aquilo que se inscreve na fanta- sia como mais-gozar, como a inscrição do gozo que era absoluto, mortífero e que, na fantasia, se transforma num gozo limitado: o gozo fálico. Este é o gozo submetido à linguagem, ao falo. Podemos, também, dizer que o pólo inconsciente é o pólo simbólico, e o pólo pulsional é o pólo real da fanta- sia. Do lado do primeiro – do , do inconsciente, do simbólico – podemos situar o amor e do outro lado – do ob- jeto a, da pulsão, do real – podemos si- tuar o gozo.
  • 5. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 33Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 Uma história de observação coti- diana, que me foi contada, muitos anos atrás, por um analista, é clarificadora em relação à questão do gozo, um con- ceito difícil em Lacan. Um menino de 5 anos observava o seu irmãozinho de leite mamando. Ao observar essa cena, ele virou pra mãe e disse: “Mamãe, eu também quero mamar”. E a mãe res- pondeu: “Mas você já mamou”. E ele disse: “Mas eu não sabia!”. Assim, um menino de 5 anos nos ensinou, com quatro palavras, o que é o gozo para Lacan. O gozo é a perda que se inscreve na medida em que hou- ve a entrada no mundo simbólico. O menino, olhando o irmãozinho, ma- mando, quis ter acesso àquele gozo que já foi perdido. Mas, ele não tem mais como achá-lo. Como sujeito falante, ele não tem mais acesso a esse gozo. Este está perdido. O que o menino queria era gozar sabendo e o que Lacan asse- gura é que há um corte radical entre saber e gozo. Quando há gozo, não há saber, quando há saber, não há gozo. Por isso que a análise, que dá acesso ao saber inconsciente, implica numa per- da de gozo. Se a fantasia é um elemento que se instaura para a criança como uma ver- dadeira contrapartida ao gozo que ela perdeu, a fantasia se dá, essencialmen- te, como uma fantasia de completude. A fantasia é fantasia de completude. Ela é a elisão da falta inerente à estrutura do falante. Houve perda de gozo. A fan- tasia, instaurada, é uma tentativa de re- cuperação daquilo que foi perdido. Minha hipótese é a de que, se, na neurose, temos fantasia de completu- de, ela é uma fantasia de completude amorosa. O neurótico quer resgatar a completude perdida pelo viés do amor. Ele se fixa no amor. Ele se fixa no pólo inconsciente da fantasia e elide o pólo do gozo da fantasia. Um jovem analisando, com uma tendência predominantemente obses- siva, certa vez, chegou numa sessão di- zendo que concluíra que terminaria o seu namoro, porque sacou uma coisa muito importante. Se ele continuava sentindo atração física por outras me- ninas, era porque sua namorada não era a mulher da vida dele. A expressão “mulher da vida dele”, como outras tão comuns na cultura, mostra que, na neu- rose, existe a tentativa de, através do amor, preencher completamente o va- zio e resgatar a completude perdida, elidindo totalmente esse aspecto do gozo. Se a clínica analítica é uma clínica sob transferência, então, ela é na es- sência uma clínica da neurose. Na perversão, houve a mesma en- trada da fantasia, mas, por motivos his- tóricos absolutamente singulares, a en- trada do sujeito perverso no mundo do simbólico se deu através da fixação no outro pólo da fantasia, no pólo pulsio- nal, no pólo de gozo. O perverso tem uma fantasia de completude de gozo. Ele almeja resgatar a completude perdida pelo viés do gozo. Poderíamos, então, pensar que para o neurótico o fim da análise, enquanto uma travessia da fantasia, é uma traves- sia da fantasia amorosa; e de fantasia de gozo, para o perverso. O fim da aná- lise implicaria em dar acesso ao neuró- tico ao pólo do gozo do qual ele tanto se defende, e, no caso do perverso, im- plicaria no acesso à dimensão do amor, da qual ele também se defende. Mas, o que mais importa nessa tra- vessia não é ter acesso ao outro pólo da fantasia, mas que, ao fazê-lo, o sujeito tenha acesso à dimensão que está es- crita, no matema da fantasia, entre o e o a, que é a dimensão do desejo, inscri- ta no signo da punção: . O desejo, aqui, está escrito enquanto falta e é a
  • 6. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 34 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 presentificação daquela perda de gozo que esteve na origem da entrada do sujeito no mundo humano, no mundo do simbólico. Ao ter acesso ao pulsional e ao gozo, e deixando de se fixar no pólo do amor, o neurótico terá acesso ao dese- jo. No perverso é o contrário. Porque, quando se tem acesso ao amor e ao gozo, tem-se perda de amor e perda de gozo. Essa é a definição que eu proporia de desejo: desejo é duplamente uma per- da de amor e de gozo, ou seja, a dimen- são da falta de amor e da falta de gozo. A frase de Lacan “só o amor pode fazer o gozo ceder ao desejo” resume essa elaboração, na medida em que há uma espécie de báscula entre amor e gozo. Percebe-se, porém, que essa báscu- la ocorre não só nas estruturas clínicas como tais, mas também em um mesmo sujeito. É possível ver na clínica mui- to mais perversão do que comumente se presume. Se tomarmos o fetichismo como o paradigma da perversão, teremos algo muito definido, mas não podemos nos contentar com isso. A perversão é um campo amplo demais e é necessário es- tender a percepção que temos dele. Diz-se que o perverso não busca análise, mas Freud não assegura isso e descreve casos de análise de perversão. O que ele afirma é que o perverso não procura análise pela perversão. Os ca- sos de fetichismo de Freud são aqueles nos quais o paciente procurou trata- mento por motivo diverso do fetichis- mo, que só foi descoberto durante o tra- tamento. Mas que questões levariam um per- verso à análise? Provavelmente algum tipo de sofrimento, que suponho estar ligado ao que chamo de pólo amoroso da fantasia. Na perversão, escutamos o sujeito queixar-se da solidão na qual é jogado por certas posições perversas que adota. Ele chega a questionar isso. Ele chega a se sentir só. Cito um exemplo dessa ordem. Um sujeito diz: “Eu não me ligo a ninguém, não tenho nenhuma relação com nin- guém, porque sei que não vou conse- guir. Depois de algum tempo começo a transar com outras pessoas”. Ao con- trário do obsessivo a que me referi an- teriormente, neste caso, o gozo fica como uma defesa em relação ao víncu- lo amoroso. O vínculo amoroso implica a alte- ridade, implica a diferença, implica cer- ta castração do gozo. A definição que gosto da perversão é: ela é a abolição da diferença, a abolição do desejo do Outro. Ou seja, a perversão é a aboli- ção daquilo que entra com toda força na intersubjetividade amorosa. Mas vejam que, apesar de toda pro- blemática em jogo nessa posição perver- sa, assim como na neurótica, ela é uma saída daquele vazio que chamamos de psicose. O que a inscrição do signifi- cante Nome-do-Pai provoca é a instau- ração de uma fantasia que recobrirá o vazio da psicose. E esta é uma assertiva importante porque coloca a psicose como a base do humano e, clinicamen- te, como uma falha na saída dessa base. Lacan, numa daquelas passagens que só se comentam entre analistas, chegou a dizer que uma psicanálise le- vada muito longe conduziria à psicose. Isso se explica pela capacidade que a análise tem de desconstituir essa ma- triz psíquica simbólico-imaginária que é a fantasia e lançar o sujeito no vetor da pulsão de morte, a base da nossa es- trutura psíquica. Tanto a neurose como a perversão são defesas, cada uma a sua maneira, contra a psicose. Acredito que a per- versão é a primeira saída de fato, o pri- meiro corte, mas ainda com a manu-
  • 7. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 35Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 tenção de um traço que é forte na psi- cose: o gozo. Isso se inscreve na per- versão, mas não como na psicose. Ins- creve-se de outra maneira, pela presen- tificação do objeto a, do objeto mais- gozar. Na neurose, há também essa saída, há um corte em relação à psicose. A dimensão que dominará, porém, é a do simbólico e, portanto, a dimensão do amor ao Pai, que vem, como radical alteridade, frear o empuxo ao gozo. E a criança neurótica se atém a esse ele- mento que a salvou. A fantasia amo- rosa é uma salvação. Freud desenvolve essa idéia prin- cipalmente num artigo do ciclo da fan- tasia, chamado Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade (1908). Trata-se de um texto sobre a relação entre pulsão e fantasia. É muito curio- so que ele seja do primeiro dualismo pulsional e ainda não tenha a articula- ção entre pulsão de vida e aquela de morte. É possível, porém, encontrar todos os elementos sustentando que a fantasia freia o empuxo ao gozo da pul- são de morte. O problema é que, como tudo no nosso psiquismo, a fantasia tem dois la- dos: ela é uma salvação, mas também é uma patogenia. Pelo próprio fato de que ela nos salvou da derrelição abso- luta na qual estamos fadados pela pul- são de morte, vamos nos agarrar a ela com unhas e dentes. Isso é o que Freud chama de “fixação”. Agarramo-nos à fantasia com tanta intensidade, que ela passa a ser um núcleo da nossa vida, e passamos a produzir uma série de coi- sas chamadas “sintomas”, que são a per- petuação constante da nossa relação com a fantasia. Ela tem, então, uma dupla face: uma face de salvação e uma face de produção patológica. E assim como há uma báscula en- tre amor e gozo nas estruturas clínicas e num mesmo sujeito, ela também apa- rece na cultura. A cultura traduz essas fixações. A história da música popular recente é um bom exemplo disso. Em 1966, em Liverpool, nasceram dois grandes grupos de rock: os Beatles e os Rolling Stones. Os Beatles tive- ram uma existência efêmera, foram um cometa que atravessou a existência da música e deixou rastros em todos nós. Os Rolling Stones existem até hoje, dando shows no mundo inteiro, gra- vando discos etc. O que me chama a atenção é que os Beatles foram um gru- po que cantou essencialmente o amor. Por exemplo, “All you need is love”, para tomar uma canção deles que é pa- radigmática dessa posição. Já a canção paradigmática dos Rolling Stones é “Sa- tisfaction”: “I can´t get no satisfaction, But I’ll try, but I’ll try, but I’ll try”. É a própria pulsão falando... Talvez esses grupos – e a presença deles em nossa vida e em nossa cultura – signifiquem que o amor é mais frágil que o gozo, que o gozo é a busca da satisfação absoluta que se repete com uma intensidade impressionante, na medida em que há esse vetor insistente em nós. Tudo indica que Mick Jagger cantará e dançará até os 80 anos. E nós com ele, o que é interessante. Mas vamos também cantar com os Beatles. Poucos de nós sabem de cor a letra de uma música dos Rolling Sto- nes, mas muitos aprenderam inglês com os versos de John Lennon e a música dos Beatles. Mas a música não é o único exem- plo cultural que temos das fixações nos pólos da fantasia. O pólo do amor se traduz também pela religião no qual há uma fixação nele por meio dela. E o pólo do gozo se traduz pela pujança do capitalismo. É possível perceber certa rivalida- de entre religião e capitalismo, que se
  • 8. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 36 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 expressa até pela arquitetura das cida- des. Em Salvador, Belo Horizonte, no Rio de Janeiro, é possível ver templos religiosos de novas seitas evangélicas construídos em frente aos grandes sho- pping centers. Um espelha o outro, bri- gando por primazia. Passamos, ali, no meio desses desfiladeiros de fixações de amor, na religião – porque a religião é uma fixação no amor: “Amai-vos uns aos outros” –, e de gozo, no capitalis- mo, com aqueles objetos todos que nos são oferecidos e vendidos de uma ma- neira tão excessiva. Mas não é só a neurose e a perver- são que se traduzem na nossa cultura, a psicose também o faz. E parece que ela o faz pela ciência. É preciso que nós, analistas, possamos dizer, com todas as letras, que a ciência está louca. A ci- ência enlouqueceu, perdeu os limites. Hoje, ela mistura espécies, clona os ani- mais a bel-prazer e quer fazer isso com o ser humano. O ápice dessa loucura, desconfio, é seu intento de transformar a reprodução sexuada em reprodução assexuada. Isso é loucura. Não é à toa que, na cultura, existe a figura do cien- tista maluco. O cientista maluco é um traço da linguagem no inconsciente que denuncia que a ciência tem uma forte tendência à loucura, patente hoje em dia. Evidentemente que fomos adverti- dos quanto a isso desde a época em que o homem foi a Lua. Ali, começava uma grande loucura, porque ir à Lua, é cla- ro, é coisa de lunático. A psicanálise propõe um quarto lugar da fantasia, diferente daqueles tra- duzidos pela religião, pelo capitalismo e pela ciência. Nem a fixação no amor, nem a fixação no gozo fálico, nem a fixação no gozo absoluto. Ela propõe um lugar do desejo, que é aquele lugar, no matema da fantasia, entre e a pe- queno. Porque aquilo ali é um lugar, é um lugar da fantasia. E acredito que, na cultura, há, hoje, dois discursos que sustentam esse lugar: a psicanálise e a arte. A arte é também um discurso poderoso que tenta sustentar esse lugar do vazio e da falta. Keywords Fantasy – Unconscious – Drive – Neu- rosis Abstract The author starts from a new concept of fantasy: the articulation of the unconscious with the drive or, in other words, from the language to the sexuality. Two different points are in the lacanian matema of fan- tasy: the one of the unconscious ( ) and the one of the drive (a). Neurosis and per- versions are broached in its fundamental positions: in neurosis, the fantasy of love fulfillness. This one is much valued and corresponds to the fixation of the subject in the first unconscious point. In perver- sion, the fantasy of the pleased fulfillness is dominated and corresponds to the fixa- tion of the subject in the pulsional point. Positions of fantasy’s fixation are equally indicated in culture, taken in moebian continuance of the structure of language of the subject Bibliografia FREUD, S. “O delírio e os sonhos na ‘Gradiva’ de W. Jensen”, in Obras completas, v. IX. Bue- nos Aires: Amorrortu, 1996. FREUD, S. “As fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade”, in Obras completas, v.IX. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. FREUD, S. “Pontuações psicanalíticas sobre um caso de paranóia (Dementia paranoides) descrito autobiograficamente”, in Obras completas, v.XII. Buenos Aires: Amorrortu, 1996.
  • 9. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 37Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006 FREUD, S. “Formulações sobre os dois princípi- os do acontecer psíquico”, in Obras completas, v.XII. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. FREUD, S. “Neurose e psicose”, in Obras com- pletas, v.XIX. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. FREUD, S. “A perda da realidade na neurose e na psicose”, in Obras completas, v.XIX. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. FREUD, S., “Mais-além do princípio de prazer”, in Obras completas, v.XVIII. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. FREUD, S. “Sobre a gênese do fetichismo”, in Revista Internacional da História da Psicanálise, Rio de Janeiro: Imago, 1992. LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Endereço para Correspondência: Rua Teresina, 19 20240–310 – Rio de Janeiro – RJ E-mail: macjorge@vetor.com.br macjorge@corpofreudiano.com.br Convite feito em 10/01/2006
  • 10. A Travessia da Fantasia na Neurose e na Perversão 38 Estudos de Psicanálise • Rio de Janeiro • n. 29 • p. 29 - 38 • Setembro. 2006