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Saúde
17 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Editora: Ana Paula Macedo
anapaula.df@diariosassociados.com.br
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Contaminados
pela civilização
Pesquisadores da Unifesp revelam como os índios brasileiros têm sofrido
cada vez mais com doenças normalmente associadas aos homens brancos
m estudo feito por pesquisa- perigosos à saúde. “O que antes era a indígenas do Hospital Universitário foi um dos vencedores da 1ª Mostra Indígena (Casai), que, desde
U dores da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp) com
tribos da reserva Xingu, em
Mato Grosso, mostrou que doenças
um mecanismo de defesa acabou se
tornando prejudicial”, diz o médico.
Barreiras culturais também agravam a
situação. “Há alta incidência de DSTs
de Dourados, no Mato Grosso do Sul.
Lá, um surto de desnutrição em 2005
matou, em duas semanas, mais de 15
crianças das tribos Guaraní e Kaiuwá.
Nacional de Saúde Indígena, promo-
vida pelo Ministério da Saúde.
Para ele, outro ponto importante é
respeitar as tradições do indígena. “Se
2008, recebe por mês de 80 a 100
pacientes e acompanhantes que se-
rão atendidos na rede hospitalar do DF.
Os índios atendidos pela Casai são
que normalmente não afetavam ín- entre esses pacientes. O que não se via Foi a integração entre as equipes o paciente pede que o pajé realize al- encaminhados por hospitais do Nor-
dios estão avançando assustadora- há 20 anos. Os vírus foram introduzi- médicas e as lideranças indígenas que guma cerimônia espiritual antes de te e Nordeste. Assistidos desde o mo-
mente sobre essas populações. Como dos pelo contato com o homem urba- amenizou o problema dos índios de uma cirurgia, nós aceitamos, para que mento de suas chegadas ao DF até a
a obesidade abdominal, presente em no, e agora circulam livremente, já que Dourados. “Agora, quando um pa- ele se sinta mais seguro”, conta. O re- alta médica, eles têm disponíveis na
76,4% das índias, e a pré-hipertensão, o uso de preservativos não é uma prá- ciente precisa ir ao hospital, nós o sultado foi uma queda drástica em in- casa serviços como educação para
que atinge 50% dos homens pesqui- tica comum entre eles” completa. orientamos sobre como ele deve fazer, dicadores como a mortalidade infan- saúde, assistência farmacêutica e psi-
sados. Os dados revelam um proble- e em alguns casos acompanhamos ele til. O índice chegava a 140 mortes para cológica. Além disso, a equipe da casa
ma crônico no país. Com costumes Diversidade no tratamento”, conta Silvio. Ele tam- cada mil crianças que nasciam vivas, trabalha para acelerar ao máximo a
cada vez mais modificados e sem bém serve de intérprete entre o pa- número semelhante ao de países em marcação de exames e consultas.
acesso a serviços básicos de saúde, os Desde 1999, a responsabilidade ciente e o médico. “O meu trabalho guerra, como o Afeganistão. Atual- “Muitas vezes pais de família dei-
índios brasileiros estão sendo dura- pela saúde indígena é da Fundação vai além de simplesmente traduzir. mente, o índice é de 40 mortes por mil xam de plantar as lavouras para vir
mente atingidos pelo avanço urbano. Nacional de Saúde (Funasa). De acor- Preciso explicar e convencer o índio nascidos, quase o dobro da média na- acompanhar algum doente, o que
Segundo o médico Douglas Rodri- do com o chefe do Departamento de de que o tratamento é importante.” O cional, de 22. “O número ainda é alto, e pode causar falta de alimentos no
gues, coordenador do Ambulatório Saúde Indígena do órgão, Walderley modelo é exemplo para todo o país, e mostra que ainda temos muito traba- retorno à tribo. Para minimizar si-
do Índio, do Hospital São Paulo, na Guenca, a grande dificuldade para se lho”, conclui Silvio Ortiz. tuações como essa, tentamos abre-
capital paulista, a propagação de ma- tratar esses pacientes é a sua diversi- viar ao máximo o tempo de estadia
les como a hipertensão, diabetes e dade. “Não se trata de um índio só, Distrito Federal deles aqui”, conta Elenir Coroaia,
doenças sexualmente transmissíveis são mais de 200 etnias diferentes e ca- chefe da Casai.
é muito rápida entre os índios. “Quan- da povo tem as suas especificidades, No Distrito Federal a situação é um Ana Paula Liduina, 78 anos, da tri-
do eles viviam sem contato com o ho- sua cultura, sua língua, sua religião, pouco diferente. Apesar de não possuir bo Xavante, do Mato Grosso, é uma
mem branco, a presença de alimentos ainda mais em um país com as di- Os vírus foram uma população indígena grande, Bra- das atendidas pela casa. Ela trata de
era sazonal. Assim, seus organismos mensões do Brasil”, explica. introduzidos pelo sília é um dos principais centros de tra- um caso grave de artrite reumatoide
aprenderam a absorver e armazenar o Outra dificuldade no tratamento é tamento de casos de alta complexida- no Hospital Universitário de Brasília
máximo dos nutrientes, para os pe- a falta de adaptação dos pacientes à contato com o de. Assim, diferentemente do que (HUB). Apesar de sentir saudades da
ríodos de pouca fartura. Hoje, com a cultura urbana. De acordo com Silvio homem urbano, e ocorre em Dourados, os pacientes tra- tribo, ela gosta do ambiente da casa, e
introdução de alimentos industriali- Ortiz, “era muito comum o carro da tados na capital federal vêm de luga- já faz amizades. “Só tenho filhos ho-
zados como sal, açúcar e óleos, não Funasa deixar o índio na porta do hos-
agora circulam res distantes para longas temporadas mens, por isso gostei dela”, conta em
existe mais escassez”, conta. pital, e quando voltava pra buscá-lo, livremente de cuidados médicos. A criação de um português simples, enquanto
Como seus organismos não estão ele permanecia lá, sem atendimento. um centro que hospedasse esses ín- brinca com outra paciente, a pequena
adaptados a essa nova dieta, o meta- Na cultura dele, o médico é que deve- Douglas Rodrigues, dios e desse suporte ao seu trata- Elenilda, 8 meses, portadora de pro-
bolismo dos índios acaba absorvendo ria conduzi-lo ao consultório”. Silvio coordenador do Ambulatório mento se tornou inevitável. Assim, blemas cerebrais, e com quem divide
mais do que o necessário de alimentos coordena o programa de atendimento do Índio, no Hospital São Paulo surgiu a Casa de Apoio à Saúde o quarto na Casai.
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