1) O documento descreve a volta de Jake Wilde para sua casa no rancho da família no Texas após quatro anos servindo no exército.
2) Jake está relutante em voltar para casa devido às lembranças dolorosas e às cicatrizes físicas e emocionais da guerra.
3) Seus irmãos Caleb e Travis o convencem a fazer uma visita, esperando que o rancho ainda se sinta como seu lar.
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arnamentais das quais quase ninguém ousava falar. Para Jake, fora o exército e um
cobiçado posto, voando em helicópteros Blackhawk em missões perigosas.
E então, na velocidade de uma batida de coração, tudo mudou.
Seu mundo. Sua vida. Os princípios essenciais que sempre o definiram.T
E ainda assim...
Ainda assim, algumas coisas não mudaram.
Jake não havia se dado conta disso até uma noite de início de primavera, enquanto
dirigia por uma estrada de asfalto no Texas, a caminho de casa.
Ele franziu a testa, na escuridão.
Correção.
Estava se dirigindo a caminho do lugar onde crescera.
Não o considerava mais como um lar, não conseguia pensar em nenhum lugar
como sendo sua casa.
Estivera fora durante quatro longos anos. Para ser mais preciso, quatro anos, um
mês e quatorze dias.
Ainda assim, a estrada lhe parecia tão familiar quanto a palma da sua mão.
Assim como o trajeto do aeroporto Dallas-Fort Worth.
Seguir por 80km de estrada, depois virar para a Country Road 227. A extensão
interminável ladeada por cercas. O gado parado como sentinelas na calada da noite.
Quase uma hora depois, surgiu a seção de cerca arrebentada que parecia sempre ter
arcado a junção onde uma estrada de terra sem nome angulava para a extensão de terras
do velho Chambers.
E Jake havia parado apenas uma vez para verificar se não havia dispositivos
explosivos.
Um recorde.
Mesmo depois de todos aqueles anos, fez a curva para a estrada, manobrando o
Thunderbird 63 para contornar o buraco na estrada à margem da cerca arrebentada
que demarcava a fronteira da propriedade Chambers. Ficava na propriedade do idoso, o
que explicava ninguém ter tapado o buraco.
— Não quero ninguém bagunçando minha propriedade — resmungava Elijah
Chambers se alguém fosse tolo suficiente para lhe fazer tal sugestão.
O pai de Jake menosprezava o senhor idoso, mas o general desprezava qualquer
um que não primasse pela aparência e pela ordem.
Mesmo entre seus próprios filhos.
Quando se crescia com um pai quatro estrelas, tinha-se a obrigação de levar uma
vida quatro estrelas. Era o que Caleb costumava dizer quando eram crianças. Ou talvez
4. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
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tivesse sido Travis.
Ou até mesmo ele, pensou Jake, chegando o mais próximo de um sorriso do que
estivera em muitos anos, mas que logo foi repelido.
Um homem aprendia a evitar sorrir, quando o resultado final poderia matar uma
criança de susto.
Jake tamborilou os dedos sobre o volante. Talvez a atitude mais inteligente fosse
dar meia-volta com o carro e se dirigir a...
Aonde?
Não a Washington D.C. Não ao hospital. Teria sorte se nunca mais voltasse a
colocar os pés em um hospital em sua vida. Não para a base ou para sua casa em
Georgetown. Lá havia muitas lembranças e, além disso, vendera a casa na cidade;
acabara de assinar os papéis no dia anterior.
A verdade era que ele não pertencia a lugar nenhum, nem mesmo ao Texas e
absolutamente não ao meio milhão de acres de colinas e gramado que compunha o El
Sueno. E, por isso, não tinha intenção de permanecer ali por muito tempo.
Os irmãos sabiam disso e estavam se esforçando para convencê-lo a ficar.
— Você pertence a este lugar, homem — dissera Travis.
— Esta é sua casa — acrescentara Caleb. — Estabeleça-se aqui, descanse por um
tempo e se oriente enquanto pensa o que quer fazer da vida.
Jake mudou de posição e esticou as pernas o máximo que pôde. O Thunderbird era
um pouco apertado para um homem que media 1,82m, descalço, mas valia a pena fazer
alguns sacrifícios por um carro que havia remontado durante o verão, quando tinha 16
anos.
Caleb fizera aquilo parecer fácil.
Mas não era.
Jake não tinha a menor ideia do que queria fazer da vida, a não ser que isso
envolvesse voltar no tempo e retornar para o lugar onde havia parado, em uma estreita
passagem ladeada por montanhas que se alfinetavam na direção de um céu cinza e
carregado...
— Pare — disse ele, a voz cortante no silêncio.
Nada daquilo.
Passaria alguns dias no rancho. Veria as irmãs, os irmãos, o pai. E, então, partiria.
Rever as irmãs seria agradável, a não ser que elas fizessem algo estúpido como cair
em prantos. O general? Também seria bom Provavelmente, o pai faria um discurso para
lhe levantar o ânimo e, conquanto não se estendesse por uma eternidade, sobreviveria a
isso.
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Quanto aos irmãos...
Para o inferno com aquilo! Não havia ninguém ali para ver o que se assemelhou a um
sorriso em seu rosto repleto de cicatrizes. Mas a verdade era que pensar em Caleb e
Travis sempre o fazia sorrir.
Os irmãos Wilde sempre foram unidos. Brincavam juntos quando crianças e se
envolviam em brigas na adolescência. Pelo que cada um deles podia se lembrar, sempre
amaram as mesmas coisas. Carros velozes. Belas mulheres. Confusão, com “C" maiúscul o.
Farinha do mesmo saco, diziam as irmãs, provocando-os. Meias-irmãs. O general se
casara duas vezes e os meninos eram frutos de um casamento, enquanto as meninas
eram de outro. Mas elas estavam com a razão. Eram farinha do mesmo saco, com
certeza.
Ainda eram muito unidos, até mesmo agora. Do contrário, não teriam sido capazes
de convencê-lo a lhes fazer aquela visita. Porém, Jake a fizera em suas próprias
condições.
Bem, mais ou menos.
Queriam enviar um jato para buscá-lo.
— Temos duas dessas malditas coisas em El Sueno — dissera Travis. — Ora, sabe
disso melhor que nós. Foi você quem os comprou, supervisionou todo o projeto interior
deles e tudo mais. Por que vir em um voo comercial se não é necessário?
Sim, por quê?
A parte que Travis não mencionara fora que Jake não apenas comprara os jatos
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dos Wilde, mas também os pilotara.
Não mais.
Um piloto com visão monocular não era mais um piloto. O pensamento de retornar
para casa como passageiro, em um jato que um dia pilotara, era mais do que Jake pensava
ser capaz de suportar.
Portanto, dissera aos irmãos que não sabia quando poderia partir, blá-blá-blá, e,
por fim, eles não insistiram mais.
— Será mais simples se eu chegar na noite de sexta-feira e alugar um carro.
Como se fosse verdade, pensou, com outro sorriso.
Seu nome fora anunciado no sistema de alto-falante tão logo pisara no aeroporto
Dallas-Fort Worth. Considerara ignorar o chamado, mas, por fim, trincara os dentes e
marchara até o balcão de desembarque.
— Capitão Jacob Wilde — disse ele, em tom de voz brusco. — Chamaram-me no
alto-falante.
A atendente do outro lado do balcão girou com um sorriso profissional estampado
no rosto... e empalideceu.
6. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— Oh... — gaguejara ela. — Oh...
Foi necessária toda a determinação de Jake para não lhe dizer que, sim, apesar do
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tapa-olho, ela estava vendo um rosto digno de um baile de Halloween.
Tinha de lhe dar crédito por ela ter se recomposto rapidamente, estampando outra
vez seu sorriso artificial no rosto.
— Temos algo para o senhor — dissera ela.
Algo para ele? O quê? Esperava que não fosse aquilo de que os rapazes lhe falaram
no hospital, um comitê de boas- vindas composto por civis de semblante sério, todos
ávidos por cumprimentá-lo.
Não.
Graças a Deus, não fora nada disso.
Mas sim um envelope pardo.
Dentro, Jake encontrara um molho de chaves e instruções para chegar a um
determinado local, no estacionamento.
E um bilhete, com o nome dos irmãos rabiscado na parte de baixo.
Achou mesmo que poderia nos enganar?
Haviam deixado seu velho Thunderbird para que ele o dirigisse no trajeto até em
casa. Aquilo fora uma loucura da parte dos irmãos.
Uma maldita loucura, pensou Jake, engolindo um repentino nó na garganta.
O carro tornara mais fácil a travessia pela vasta extensão que era o norte do
Texas.
E, de repente, lá estava o amplo portão que marcava o limite do extremo norte de
El Sueno.
Jake diminuiu a velocidade até parar.
Esquecera-se de como era a sensação de ver o enorme portão de madeira e a placa
de cedro desgastada pelo tempo que ostentava o nome El Sueno, O Sonho, em letras de
bronze colossais.
Tinha a mesma aparência de sempre, exceto pelo fato de que o portão se
encontrava aberto.
Ideia das irmãs, tinha certeza. A doce maneira que Lissa, Em e Jaimie encontraram
de lhe dar as boas-vindas e lembrar-lhe de que aquela era sua casa. Ficariam magoadas
quando percebessem que a casa era o último lugar em que ele queria estar, mas não via
como evitar.
Tinha de seguir em frente.
Pisou fundo no acelerador e transpôs o portão, uma nuvem de poeira do Texas se
erguendo atrás do veículo.
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Não teria vindo nem mesmo naquele fim de semana se não tivessem se esgotado
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suas justificativas.
— Sim Bem, verei o que posso fazer — respondera Jake.
E Caleb dissera em tom muito calmo que, se ele decidisse que não poderia vir para
casa, fazer-lhes uma visita, ele e Travis não teriam outra opção senão voar para
Washington D.C., amarrá-lo e o arrastar até El Sueno.
E, pelo que conhecia dos irmãos, seria isso que fariam.
Jake pensara bastante e decidira que estava na hora de mostrar o rosto... e aquela
era uma péssima expressão para usar, pensou, soturno.
Não seria uma surpresa para a família. Todos estavam no hospital, esperando,
quando o avião que o transportara o trouxera de volta aos Estados Unidos. Todos os
irmãos estavam presentes. Até mesmo o general, lembrando a todos que era o John
Hamilton Wilde e exigia um quarto particular para seu filho, bem como os melhores
cirurgiões de Walter Reed.
Na ocasião, Jake se encontrava inconsciente para protestar, mas, à medida que os
dias e as semanas se arrastavam, quando se livrou do efeito dos analgésicos e a mente
voltou a funcionar, deixara claro que não queria mais nenhum tratamento especial.
E nem visitas de seus familiares.
Não havia razão ou propósito de querer ver Em, Lissa e Jaimie tentando ser fortes,
os irmãos fingindo que ele voltaria a ser o mesmo dentro de pouco tempo, o pai sendo...
bem.. seu pai.
Aquela fora uma das razões pelas quais adiara tanto a volta para casa, mesmo que
apenas para uma visita.
— Você é um idiota — rosnara Travis.
Talvez.
Mas não queria ser paparicado, acariciado, acalmado. Recusava-se a ouvir os outros
lhe dizerem que nada mudara, porque tudo estava diferente. Seu rosto. Sua identidade.
Seria ele um homem ainda?
Aquela era uma boa pergunta.
Uma melhor ainda era: Como se podia plainar entre a realidade de que tudo estava
normal e a brutal consciência de que não estava?
Esqueça isso por ora.
Naquela noite, sua função era representar que estava bem. Sorrir, desde que não
aterrorizasse ninguém. Conversar, embora não tivesse nada a dizer que os civis
pudessem se interessar. Comportar-se como se o tempo não tivesse passado.
Imaginara que voltar ao rancho sozinho lhe daria a chance de se aclimatar. Imergir
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em coisas que lhe eram familiares. Inspirar o ar puro do Texas, escutar a musicalidade
dos coiotes à noite.
Tudo isso sem a indesejada onda de emoção que o engolfava em um lugar como o
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aeroporto.
Todo o soldado que Jake conhecia dizia a mesma coisa.
A volta para casa era difícil.
Quando se ia para a guerra, era normal se envolver no excitamento dela,
principalmente quando se era criado com histórias sobre bravuras, batalhas e
guerreiros.
E, com certeza, aquele fora o caso de Jake.
A mãe morrera quando Travis estava com 6 anos, Caleb, 4, e Jake, 2. Empregadas,
babás e uma madrasta, que permanecera apenas o tempo suficiente para gerar três
filhas, foram quem os criaram.
O general, nos raros momentos em que estava em casa, os regalava com histórias
sobre seus ancestrais, uma variedade de homens que marcharam ao lado de Caesar, em
Gália, invadiram as ilhas britânicas a bordo de escaleres, cruzaram o Atlântico em navios
e conquistaram um vasto e novo continente desde as planícies de Dakota até a fronteira
do México.
As histórias os deixavam eletrizados.
Agora, sabia que não passavam de bobagens.
Não a parte que se referia aos guerreiros. Ele também fora um nos últimos anos,
lutando ao lado de homens corajosos e honrados, servindo a nação que amava.
Porém, o pai omitira algumas coisas. Os políticos. As mentiras. Os disfarces.
Jake pisou bruscamente no freio. O Thunderbird derrapou, rodopiou para os lados
na estrada de terra e estacou com um solavanco. Ele cruzou as mãos sobre o volante, na
altura dos punhos.
Podia ouvir o som das batidas do próprio coração.
Estava mergulhando de cabeça de volta ao lugar obscuro que jurara nunca mais
visitar.
Jake esperou, permitindo que os batimentos cardíacos desacelerassem Em
seguida, abriu a porta e saiu do carro.
Algo lhe roçou o rosto. Uma mariposa. Ótimo. Mariposas eram reais. Coisas que um
homem podia entender.
Empurrou uma boa quantidade do ar frio da noite para os pulmões. Enfiou as mãos
nos bolsos da calça, ergueu o olhar às nuvens que subtraíam o cintilar das estrelas, tão
frias e distantes quanto as geleiras polares.
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Minutos se passaram. As estrelas conseguiram penetrar as densas nuvens, assim
como a lua. Jake entrou mais uma vez no Thunderbird e continuou a dirigir. Por fim,
conseguiu avistar o contorno da casa, suspensa em uma elevação, talvez a 200m de
distância.
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Luzes incidiam das janelas.
O pânico lhe contorceu as entranhas.
P
Jake estacionou sobre a grama e saiu mais uma vez do carro.
À esquerda, havia uma fileira de velhos carvalhos e uma trilha que se insinuava
entre as árvores antigas.
Jake a seguiu. A brisa trazia o som gorgolejante do Coyote Creek, sinuoso, oculto,
acompanhando-o ao longo do caminho. Folhas secas estalavam sob as botas de caubói
das quais ele nunca abria mão.
Houve um tempo em que Jake amava noites como aquela. O ar cristalino. O cintilar
distante das estrelas. Naquela época, erguia o olhar ao céu, como acabara de fazer, e
imaginava a impossibilidade de estar parado em um planeta que girava pelo espaço.
Levou a mão ao tapa-olho e à pele retesada logo abaixo.
Agora, a única coisa que uma noite como aquela significava para Jake era que o frio
lhe fazia doer os ossos, a mandíbula e o espaço vazio onde um dia houvera um olho.
Por que o olho doía, se não mais existia?
Jake fizera aquela pergunta aos médicos e aos fisioterapeutas meia dúzia de vezes
e sempre obtivera a mesma resposta.
O cérebro pensava que o olho ainda estava lá.
Sim, certo.
Os lábios de Jake se retorceram.
Aquilo apenas provava o quanto o cérebro de um homem podia ser inútil.
A questão principal era que estava frio, ele sentia dor e não sabia o motivo que o
levara a sair do Thunderbird e seguir por aquela esquecida faixa de terra e folhas
mofadas que se estendia adiante. Mas o fizera, e seria maldito se virasse as costas
agora.
A trilha lhe era tão familiar quanto o portão, a estrada e o velho Thunderbird.
O caminho fora aberto no solo por gerações de raposas, coiotes, cachorros, peões
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que trabalhavam no rancho e crianças que iam e vinham das águas frias e agitadas do
córrego.
Jake perfizera aquele caminho por vezes intermináveis, embora nunca em uma
noite fria, com a cabeça latejando como se lá dentro tivesse alguém a martelando para
escapar.
Deveria ter tomado alguma coisa. Uma aspirina. Porém, não queria mais tomar
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aqueles malditos comprimidos, nem mesmo a aspirina.
No momento em que emergiu do matagal, estava decidido a dar meia-volta, entrar
no carro e se dirigir diretamente ao aeroporto.
Tarde demais.
Lá estava.
A casa, o coração de El Sueno, um farol iluminado. Uma extensão de cascalho
branco. Aninhada em uma curva protetora da fileira de freixos e carvalhos gigantescos.
Com um vista ampla e relvado aveludado.
Em algum lugar no bosque escuro atrás dele, o arrulhar melancólico de uma coruja
se fez ouvir. Jake estremeceu. Esfregou os olhos. A pele parecia quente ao toque.
Mais um grito da coruja cortou o silêncio. Um som mais fraco o acompanhou. Era o
jantar da coruja. A morte para criatura presa em suas garras. Aquele era o curso da
natureza.
Alguns viviam.
Outros morriam.
E, droga, ele estava partindo dali agora...
Não pode fugir para sempre, capitão.
A voz ecoou clara e áspera em sua mente.
Alguém lhe dissera aquilo. Um cirurgião? Um psiquiatra?
Talvez tivesse dito aquilo a si mesmo. Não era verdade. Podia sair correndo e nunca
mais parar...
A ampla porta da frente da casa se escancarou.
Jake recuou rapidamente um passo, para se abrigar na escuridão das árvores.
Havia pessoas na soleira da porta. Silhuetas. Sombras. Não conseguia lhes
distinguir os rostos. A música flutuou pela atmosfera noturna.
E vozes.
Muitas vozes.
Jake deixara claro que não queria ver ninguém, exceto a família.
Um pedido inútil.
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As irmãs seriam capazes de convidar metade da cidade. Afinal, aquela era Wilde’s
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Crossing.
Está bem.
Podia fazer isso. Faria isso.
Apenas por aquela noite, porque a verdade era que, no fundo do seu coração, Jake
ainda amava aquele lugar mais do que qualquer outro na terra. El Sueno era parte dele.
Estava em seu DNA tanto quanto o azul-gelo céltico de seus olhos, a negritude Apache
que lhe coloria o cabelo. O sangue centenário dos Wilde lhe pulsava nas veias a cada
batida do coração.
— Droga! — disse ele, em um rosnado suave.
Não podia negar aquele fato... mas não conseguia entender por que aquilo deveria
ter alguma importância. Passado era passado. O que tinha a ver com o futuro?
Dois psiquiatras do exército haviam lhe dado a mesma resposta. O passado era a
base do presente, e o presente, a base do futuro.
Jake não mais retornara àquele esquema de deite-no-sofá-e-vomite-seus-segredos.
Para começar, nunca tinha revelado seus segredos. Qual era o objetivo de ter
um segredo se tinha de compartilhá-lo?
Além disso, os psiquiatras estavam errados.
A dor atrás do olho, da vista inexistente, latejava tanto que mais parecia o toque
de um tambor. Jake esfregou o osso em torno do tapa-olho com a mão calosa.
Mais uma vez pensou nas histórias que ele e os irmãos cresceram ouvindo.
— Nunca se esqueçam — dizia o general. — Tudo que somos, tudo que temos,
devemos à coragem e às convicções daqueles bravos homens que nos antecederam
Os três irmãos cresceram almejando a chance de carregar tal tradição. Primeiro
a faculdade, porque a mãe fazia questão disso. Administração de empresas para Jake,
direito para Caleb e finanças para Travis.
Mas Jake fora o único que decidira se tornar um soldado. Alistara-se no exército
e conseguira rapidamente treinar pilotando helicópteros Blackhawks, quase sempre em
missões secretas.
Jake as amava.
Sobrepujando o inimigo. Salvando vidas quando nada, nem ninguém mais, poderia.
De repente, com uma velocidade nauseante, Jake não mais se encontrava em uma
paisagem escura do Texas, mas sim em um lugar repleto de sangue e fogo. Chamas por
todos os lados...
— Não — disse ele, com a voz áspera.
Em seguida, deixou escapar um suspiro trêmulo, aprumou a estrutura longa e
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musculosa e se mostrou tão alto quanto a cabeça latejante permitia.
Não faria tal jornada mental naquela noite. Seria o filho que o pai desejava, o
homem que os irmãos conheceram e o cara que as irmãs adoravam.
A coruja arrulhou mais uma vez. Aquela ave era uma caçadora. Uma sobrevivente.
Muito bem, ele também o era.
Marchou pelo gramado úmido de orvalho, em direção à casa, onde a família o
aguardava. A lua estava se erguendo às alturas. Jake sentiu o reflexo frio e prateado
no rosto.
As figuras à soleira da porta se tornaram mais nítidas.
— Jake? — gritaram Jaimie e Lissa.
— Jake? — berraram Caleb e Traves.
— Jake — guinchou Emma.
Quando ele alcançou a casa, todos se precipitaram pelos degraus da escada da
varanda e o engolfaram, rindo e chorando. Jake sentia a umidade naqueles rostos
queridos.
As lágrimas dos irmãos e das irmãs.
CAPÍTULO DOIS
Promessa feita era promessa cumprida.
Aquela era a filosofia de Addison McDowell.
E a única razão por estar naquela maldita festa naquela noite. Prometera ao seu
consultor financeiro e ao seu advogado, ambos do Texas, que iria comparecer. E assim
o fez.
Cumprir o que prometeu era “a coisa certa”. E fazer “a coisa certa” era importante.
Arraigara-se a tal conceito desde que decidira que era Addison, e não Adoré.
Meninas que haviam crescido em estacionamentos de trailers precários corriam o
risco de ser batizadas com esse nome horrível, mas ela deixara aqueles dias para trás.
Transformara-se em tudo que o nome Addison implicava. Uma mulher de sucesso.
Sofisticada. Possuía um apartamento em Manhattan. Bem, ao menos pagava a pesada
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hipoteca do imóvel. Era formada em direito pela Universidade Colúmbia. Vestia-se bem.
Havia apenas uma mosca em sua sopa nos últimos meses.
Sua reputação estava mais para uma Adoré do que para uma Addison. Aquilo não
era um inferno, depois de todos os seus esforços em escapar daquele trailer miserável
e da tristonha descendência de mulheres tolas e de moral duvidosa?
Addison ergueu a taça aos lábios e tomou um gole do vinho merlot.
Se ao menos Charlie não tivesse lhe deixado aquele maldito rancho!
Se ao menos não tivesse morrido!
Charlie fora o melhor amigo que ela tivera. O único que possuíra. Não a valorizara
por seu corpo, mas sim por sua inteligência, e para o inferno com o que as pessoas
pensassem!
Charles Hilton, o advogado multimilionário, gostara dela. E a respeitara.
Haviam começado como colegas de trabalho, embora Addison fosse apenas um
membro júnior da equipe de advogados de Charlie. Porém, quando passaram a se
conhecer, ele conseguira enxergar através do óbvio: dos cabelos negros brilhantes, que
Addison mantinha afastados do rosto em um penteado formal; dos olhos cinza-prateados;
da figura curvilínea que ela tanto se esforçava em ocultar sob os terninhos
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recatados.
Charlie conseguira lhe captar a verdadeira essência, a mulher inteligente e
determinada a obter sucesso. E se tornara seu mentor.
A princípio, Addison não acreditara no interesse que ele demonstrara. Mas, à
medida que o foi conhecendo, percebeu que Charlie a amava como a filha que nunca
tivera. Em contrapartida, ela também o amara como o pai que perdera.
Quando ele se tornara fraco e doente, o amor de Addison se aprofundara porque
Charlie precisava dela, e ser útil era uma sensação maravilhosa.
Nunca houvera a mais remota intimidade física entre eles, a não ser que levasse
em conta ter esfregado os ombros doloridos de Charlie quando o fim se aproximava.
Era algo obsceno até mesmo para se considerar.
Porém, os blogs e colunas de fofocas não se importavam com a verdade. Não quando
a ficção era muito mais suculenta, não em Manhattan ou, como acabara acontecendo,
não em Wilde’s Crossing, Texas.
Addison mantivera a discrição desde que chegara àquela cidade, mas aquilo nada
significara.
As pessoas a observavam sempre que aparecia em público e sabia que aquela noite
não seria diferente, não importava o que tivessem lhe dito os irmãos Wilde.
As pessoas a observariam abertamente ou de modo discreto.
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— Errado — dissera Travis Wilde.
Addison tomou outro gole do vinho.
Mas fora Travis que se enganara.
Muitos olhares se fixavam nela. E, diabos, talvez os merecesse.
A princípio, se decidira por um de seus terninhos de trabalho. Porém, achou que
estavam muito parecidos com Nova York e acabou optando por jeans, uma blusa de seda
e botas.
Um rápido olhar ao espelho quebrado do banheiro do Chambers revelou uma nova-iorquina
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trajada para uma festa à fantasia country...
E não era engraçado o fato de ela chamar o rancho de Charlie, seu rancho, pelo
nome do antigo dono, do jeito como todo mundo fazia?
Por fim, encarou o espelho e disse:
— Para o inferno com isso!
O som da voz de Addison fizera um rato correr pelas paredes.
Era uma vantagem não ter medo de ratos ou de insetos, pensou ela, nem mesmo da
grande cobra que varrera para fora da varanda da pilha de telhas que ela agora possuía.
Addison não tinha medo de nada.
Fora a coragem que a tirara do acampamento de trailers e a levara à Park Avenue,
em Nova York.
Por fim, optara por um vestido traspassado de seda preta de uma estilista famosa.
O traje era bastante clássico se não se levasse em conta o decote profundo e o modo
como a seda se aderia ao corpo com os movimentos. Como toque final, escolhera sapatos
de salto agulha também de uma marca espanhola sofisticada.
As histórias sobre Addison a haviam precedido em Wilde’s Crossing.
Quando questionara os dois irmãos, ambos haviam corado. A visão do rubor no rosto
daqueles homens adultos tivera algum charme, mas Addison não estava interessada em
charme. Estava apenas cansada das pessoas fazendo fofoca a seu respeito.
Naquela noite, não importava o que vestisse, todos iriam reparar nela. Então, por
que não lhes dar um motivo para olhar?
Addison suspeitara que a maioria das mulheres estaria trajando jeans ou o que ela
costumava chamar de vestidos camponeses: com babados, de estampas floridas, que
ficariam perfeitos em crianças de 6 anos.
Estava certa em todos os sentidos, pensou Addison quando trocou a taça de vinho
vazia por uma cheia de uma bandeja que um servente carregava.
Certa sobre a roupa das mulheres e sobre a atitude das pessoas daquela cidade.
As mulheres eram enfadonhas, não só por serem judiciosas, mas pelo fato de
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primarem pela hipocrisia.
Como aquela que a observava atentamente naquele instante.
Vestido de babados? Conferido. Excesso de batom? Mais que conferido. E cabelo
longo. Não saberiam as esposas do Texas que cabelo longo ficava bem para Dolly Parton
e ninguém mais?
Addison exibiu o sorriso que um gato ofertaria a um rato.
A mulher corou e desviou o olhar.
Prazer em conhecê-la, também, pensou Addison, irritada. E acrescentou em
silêncio: Por que vim aqui esta noite?
Porque Travis e Caleb Wilde lhe pediram.
De volta ao ponto de partida.
Os dois irmãos a convidaram e, em um momento de fraqueza incomum, dissera-lhes
que compareceria à festa de boas-vindas ao irmão, o que, segundo eles, supostamente
não seria uma festa.
— Apenas uma reunião com a família e um ou dois velhos amigos — dissera Caleb.
— Bem, talvez mais do que um ou dois — acrescentara Travis.
Certo, pensou Addison, revirando os olhos mentalmente.
Apenas a família e velhos amigos. Deveria ter sabido que não se tratava apenas
disso. Quando Travis adotava aquele sotaque arrastado de sulista, tudo era possível.
Ao que parecia, zilhões de “velhos amigos” haviam se reunido no enorme salão em
El Sueno.
El Sueno. O sonho.
Addison suprimiu um sorriso oblíquo contra a borda da taça de vinho, enquanto a
erguia aos lábios.
Tanto em espanhol quanto em inglês, aquele era um nome bastante fantasioso para
meio milhão de acres de matagal, gramados ondulados, jardins de flores e vegetais,
estradas de terra, cavalos valiosos e poços de petróleo borbotoantes. Mas uma das
coisas que descobrira durante o tempo em que estava ali fora que os texanos podiam
ser poéticos com relação às suas terras com a mesma facilidade com que suavam
trabalhando nelas.
Até mesmo Charlie, que não era um texano, mas, assim como ela, nascera e se criara
no leste, embora com histórias de vida completamente diferentes, dera asas àquele lado
poético.
Embora não à parte do suor.
Era impossível imaginar Charlie suando com o trabalho braçal.
Addison suspirou.
16. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
Talvez, se tivesse voado até ali e visto de perto o que parecia ser uma infinidade
de acres empoeirados do rancho Chambers, em vez de confiar em uma foto retocada no
sofisticado catálogo de um corretor de imóveis, não tivesse comprado a propriedade
falida.
Mas Charlie a comprara sem ver e morrera uma semana depois.
Perdê-lo lhe despedaçara o coração, e depois viera a revelação chocante que ele
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lhe deixara o rancho em testamento.
Durante algum tempo, Addison não fizera nada com relação à propriedade. Mas
depois, pelo fato de aquele rancho ter sido obviamente importante para Charlie, fizera
o que ele não havia feito.
Juntou todos os meses de férias que não tirara em dois anos, acrescentou a do ano
corrente e voou até ali para conhecer o rancho.
Porém, o que encontrou não foi um rancho, não quando se costumava ver os filmes
de John Wayne de madrugada.
A propriedade Chambers era composta de vários milhares de acres de arbustos,
construções anexas que pareciam ter sido arruinadas pelo vento, uma casa principal com
sua cota de animais selvagens, meia dúzia de cavalos de aparência deprimente e pouco
além disso.
Por essa razão, tinha os Wilde como conselheiros e...
— Ora, mocinha, por que está bebendo vinho tinto quando há um mar de champanhe
nesta festa?
Um homem grande, usando um chapéu Stetson ainda maior, com uma taça de
champanhe em sua mão enorme, lhe dirigiu um gigantesco sorriso.
Oh, Deus, pensou Addison enfadada, não outra vez.
— Jimbo Fawcett — disse o homem — Do Rancho Fawcett.
Como era possível alguém conseguir encaixar um completo pedigree em apenas
cinco palavras? Outro sósia de Jimbo Fawcett havia feito isso, com a clara expectativa
de que ela quisesse passar o resto da noite o ouvindo explicar, sem muita modéstia,
afinal era um texano, como era sortuda por ele a ter escolhido em meio a todos os
convidados.
Com exceção dos Stetsons, os grandes advogados de Nova York e os magnatas de
Wall Street pareciam-se todos iguais, portanto estava acostumada.
— Que bom para você — respondeu Addison, simpática.
— E você deve ser Addie McDowell.
— Addison McDowell. Sim.
Fawcett soltou uma risada estrondosa.
17. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— Não somos muito formais por aqui, mocinha.
Que diabos, pensou Addison, aquilo era suficiente.
— Senhor Fawcett...
— Jimbo.
— Senhor Fawcett. — Addison lhe dirigiu um sorriso luminoso. — Nos próximos
minutos, o senhor me perguntará se estou há tempo em Wilde’s Crossing e como é
lamentável que não tenhamos nos conhecido antes. — Fawcett pestanejou várias vezes.
— E eu responderei: sim, que estou aqui há pouco tempo e não nos conhecemos porque
não estou interessada em conhecer ninguém. Em seguida, lhe direi que prefiro vinho
tinto e que tenho certeza de que o senhor é um homem agradável, mas não estou
interessada em champanhe ou qualquer outra coisa, entendeu? — Fawcett estava
boquiaberto.
Addison se apiedou do homem e deu uma palmada leve em seu braço. — De qualquer
forma, obrigada — disse, antes de virar as costas para ele e abrir caminho pela multidão.
Logo avistou um pedaço de parede vazio, próximo a um piano de cauda, e se acomodou
lá.
Droga, pensou, relanceando o olhar ao relógio, quanto tempo levaria para o herói
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local aparecer? Mais cinco minutos e depois...
— Por que tenho a impressão de que você não está se divertindo muito?
Addison girou, pronta para dar uma resposta atravessada, quando se deparou com
o belo homem alto que surgira ao seu lado. E fixou um olhar estreitado e furioso nele.
— Travis Wilde — disse ela. — Está me devendo uma.
— Bem, isso responde sua pergunta. — Caleb Wilde interveio, aproximando-se dos
dois. — Você suspeita que ela não estivesse se divertindo porque essa é a verdade.
Certo, Addison?
— Considerando que passei os últimos meses recusando convites do country club,
da associação dos rancheiros, da liga das costureiras...
— Não da liga das costureiras — retrucou Travis, em um tom de voz chocado.
— Da liga das costureiras — afirmou Addison e, quando os lábios dos irmãos se
retorcerem, abrandou um pouco. — Disse-me que ele estaria aqui às 20 horas.
— Jacob. — Caleb limpou a garganta. — Era o que imaginávamos.
— São quase 20h30. E nenhum sinal do homem misterioso.
— Jake não é um homem misterioso. — Travis se apressou em dizer. — E ele deve
estar chegando. Seja paciente.
Addison fez uma careta. Nos últimos meses, sua paciência vinha se esgotando
rapidamente.
18. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— Precisa que um perito avalie detalhadamente a propriedade Chambers e lhe diga
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se vale a pena reformá-la antes de colocá-la à venda. No cenário econômico atual...
Addison ergueu uma das mãos.
— Já ouvi esse discurso antes.
— Mas ainda é válido. As recomendações de Jake poderiam fazer centenas de
dólares de diferença para você.
Addison não poderia resfolegar diante daquela afirmativa. Aquelas prestações da
hipoteca, as mensalidades do empréstimo estudantil...
Além disso, aquele rancho significara algo para Charlie, que o deixara de herança
para ela. Aquilo era uma espécie de obrigação. Tinha de fazer a coisa certa com aquela
propriedade, ao menos por respeito à memória de Charlie.
— Mais dez minutos e Jake estará aqui — garantiu Caleb. — Está bem?
— Será melhor que ele esteja — retrucou Addison, embora suavizasse as palavras
com um sorriso.
Podia dispor de mais dez minutos, em parte porque gostava e respeitava Caleb, seu
advogado, e Travis, seu consultor financeiro...
E, em parte, por estar curiosa.
A cada minuto tinha mais certeza de que os Wilde não estavam lhe dizendo tudo
que havia para dizer sobre o misterioso Jacob.
Sabia que ele estava ou estivera no exército, que fora ferido, que era uma espécie
de herói. Os irmãos não disseram aquilo, mas ela ouvira rumores do único caubói que
trabalhava meio expediente em seu rancho.
Caleb e Travis se referiam apenas à habilidade do irmão em avaliar sua
propriedade.
— Se vender o rancho sem que Jake a aconselhe — disseram eles —, acabará se
arrependendo.
— Não há outra pessoa que possa fazer isso? — perguntara Addison.
Os irmãos haviam trocado um olhar tão rápido que ela não teria sido capaz de notar
se não os estivesse observando atentamente do outro lado de sua mesa... da mesa do
velho Chambers... no cômodo que servia como escritório do rancho.
— Não — respondera Caleb.
— Nenhuma — acrescentara Travis.
— Bobagem — dissera Addison, com a voz calma. — Estão tramando alguma coisa e
quero saber do que se trata.
Outra troca rápida de olhares. Em seguida, Travis limpou a garganta.
— Jake é o homem que está querendo.
19. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
Addison ficara tentada a deixar claro que não estava “querendo” homem algum
Tinha uma carreira sólida, que trabalhara duro para conseguir. Mas sabia que aquele não
fora o sentido das palavras de Travis.
— Ele é o melhor.
— Mas?
Travis deu de ombros.
— Mas Jake não está planejando ficar aqui.
— Lá vamos nós. A fala arrastada. O sorriso. O famoso charme Wilde... e vocês
sabem muito bem o quanto isso lhes é vantajoso. — Addison dissera aquilo em tom leve
o suficiente para que os dois irmãos rissem.
— Droga! — dissera Travis. — Funciona muito bem com todas as outras mulheres
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nesta parte do Texas.
— Aposto que sim — retrucara Addison, em tom de voz suave. — Mas não sou desta
parte do Texas. De nenhuma parte do Texas. — Fizera uma pausa para dar ênfase ao
que diria. — E não sou como as outras mulheres. Sou a contratante.
— Nossa cliente — corrigira Travis, com a voz tão arrastada e preguiçosa quanto
a de Caleb. Os irmãos sorriram, assim com Addison. Aquela era uma rotina conhecida,
mas ainda a surpreendia o fato de se sentir confortável o suficiente com aqueles dois
para se permitir gracejar. — E, por ser nossa cliente — prosseguira ele — e termos a
melhor das intenções...
— Desembuche tudo logo de uma vez. Ou colocarei aquele rancho à venda amanhã.
Os irmãos trocaram um demorado olhar. Em seguida, Caleb suspirou.
— Jake era do exército.
— E daí?
— E daí que ele foi, ah, ferido. E ele, ah, não sabe se quer ficar em El Sueno ou
talvez se mudar para um lugar diferente. E...
— E precisa de uma razão consistente para ficar — completara Travis em tom de
voz firme, sem nenhum charme ou sotaque arrastado. Apenas o tom objetivo do
consultor financeiro que Addison aprendera a respeitar. — Ele conhece suas terras
quase tanto quanto as nossas. É inteligente, pragmático e nasceu entendendo de cavalos
e de ranchos.
— Nós lhe prometemos — interviera Caleb — que não se arrependerá de trabalhar
com ele. E, antes que Addison pudesse dizer qualquer coisa, acrescentara: — Tem algum
arrependimento de trabalhar conosco?
Recordando aquela conversa, Addison suspirou, levou a taça aos lábios e bebeu
outro gole do vinho.
Não. Definitivamente não tinha nenhum arrependimento. Aprendera não só a
20. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
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gostar dos Wilde, mas também a confiar neles.
Travis era seu consultor financeiro desde que ela chegara a Wilde’s Crossing. Caleb
era seu advogado desde a mesma época. Recorrer a um advogado e um guru financeiro
de Nova York não faria muito sentido.
A questão era que recebia conselhos jurídicos de um Wilde e financeiros de outro.
Talvez fizesse sentido receber conselhos sobre o rancho de um terceiro.
E aquele era o motivo de sua presença ali, naquela noite.
Travis a recebera e a apresentara às três irmãs.
Ao que parecia, ninguém lhes dissera que o relacionamento dela com os irmãos era
estritamente profissional.
Não que não fosse prazeroso, até mesmo divertido, mas uma mulher sempre sabia
quando outras a estavam avaliando.
Ouçam, Addison quase dissera, podem parar de se preocupar. Eu não, repito, não
pretendo dormir com nenhum de seus irmãos. Eles são lindos, têm razão, e gosto deles,
mas não estou interessada em me envolver com nenhum homem, não importa quão belo,
sexy, rico ou charmoso seja, nem que o inferno congele.
Também não estava interessada em esperar nem mais um minuto pelo grande herói.
O herói ferido, lembrou a si mesma, mas talvez os ferimentos não fossem tão graves.
Jacob Wilde era filho de um homem famoso. Crescera rico e mimado. As meninas
do acampamento de trailers conheciam aquele tipo. Então, por que diabos ainda estava
parada ali, esperando por um homem de quem, sem dúvida, não gostaria...?
— Jake?
— Oh, meu Deus, Jake!
Alguém abrira a porta da frente há dez ou quinze minutos atrás. Agora, toda a
família Wilde tentava transpô-la ao mesmo tempo.
As irmãs guinchavam e se agitavam. Caleb e Travis estavam rindo. Todos eles se
precipitaram para a varanda e a multidão os acompanhara para presenciar o show.
Addison deixou escapar um suspiro resignado. Tarde demais. Agora estava presa
ali, ao menos até apertar a mão do herói. Ou talvez pudesse escapar sem ser notada,
enquanto ele estivesse engolfado pela multidão.
E, então, Jacob Wilde entrou na sala.
O ar ficou preso na garganta de Addison.
Estava esperando um homem bonito.
Mas ele não era.
Jacob era alto. Tinha ombros largos. Um corpo longo, com músculos definidos,
forte e elegante em um uniforme que se excedia em medalhas.
21. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
Os cabelos tinham a cor da meia- noite.
O rosto parecia cinzelado por um escultor... com uma ironia cruel.
Porque o rosto de Jacob Wilde era perfeito... exceto pelo tapa-olho preto e a pele
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encrespada da bochecha do rosto logo abaixo.
CAPÍTULO TRÊS
Jake congelou à soleira da porta.
A euforia momentânea em rever todos os irmãos secara como a água do Coyote
Creek no seco verão do Texas.
Não queria uma festa, dissera ele. Nada de aglomerados de gente. E, sim, imaginara
que haveria pessoas lá de qualquer forma...
Sentiu as entranhas se revirarem.
De onde estava, parecia-lhe que toda a população do município comparecera.
Jake recuou rapidamente um passo, ou tentou fazê-lo, mas as irmãs se atiraram
sobre ele.
— Você está aqui — disse Em, radiante.
— Sim, está — acrescentara Jaimie.
— Está em casa — completara Lissa.
O que mais ele poderia fazer, a não ser retribuir o abraço das três?
Caleb lhe deu uma palmada nas costas.
Travis lhe apertou o ombro.
Apesar de tudo, Jake começou a sorrir.
— Isso significa um comitê de boas- vindas? — perguntou ele. — Ou um complô
para me matar?
Todos riram com ele. As irmãs, choramingando; os irmãos, com um sorriso de orelha
a orelha.
Por alguns segundos, era como se nada tivesse mudado, como se ainda fossem
crianças e o mundo fosse uma terra encantada com infinitas possibilidades.
22. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
E, então, Caleb limpou a garganta.
— O general lhe mandou lembranças.
Jake olhou ao redor do salão.
— Ele não está aqui?
— Não — respondeu Travis, incomodado. — Disse para lhe pedir desculpas, mas
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ficou em Londres, preso em uma daquelas reuniões em que só se fala e não se age.
A realidade retornou como um banho de água fria.
— Claro — respondeu Jake, de modo educado. — Entendo.
Seguiu-se um momento de silêncio e, então, Jaimie lhe tocou o braço.
— Todos estão esperando para falar com você — disse a irmã, em tom de voz suave.
Jake forçou um sorriso.
— Estou vendo.
Caleb se inclinou mais para perto.
— Desculpe por toda essa multidão — murmurou.
— Sim — reforçou Travis. — Acredite- me, irmão, não planejamos nada disso.
— É que a notícia se espalhou — justificou Lissa. — E as pessoas estavam tão
ansiosas por lhe dar as boas- vindas...
— Não se importa, certo? — perguntou Em.
— Não — respondeu Jake. — Claro que não.
Os dois irmãos perceberam a verdade por trás da resposta educada e trocaram
um olhar significativo.
— Meninas, vocês podem monopolizá-lo mais tarde — disse Caleb. — O que Jake
precisa agora é de uma cerveja gelada. Certo, meu garoto?
O que ele precisava no momento era sair correndo dali, principalmente por saber o
que aconteceria no instante em que adentrasse o salão, onde as luzes eram fortes e
todos iriam vê-lo pela primeira vez após o acidente. Mas por que acrescentar a covardia
a seus outros pecados?
— A não ser que- Travis se apressou em dizer — meu irmão caçula prefira
champanhe. Ou vinho.
Jake alternou o olhar entre os dois irmãos. Eles estavam lhe oferecendo uma tábua
de salvação. Uma forma de se agarrar ao passado, voltando à antiga rotina.
— Champanhe é para as moças — respondeu ele, a resposta lhe vindo à mente de
forma tão automática quanto a respiração. — Vinho é para os fracotes.
— Mas cerveja... — disse Travis, em tom solene.
23. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
E Caleb completou o tolo poema.
— É para os homens de verdade.
Jake conseguia quase sentir a tensão se dissipando. Haviam inventado aquele verso
tolo anos atrás. Fora válido quando eram adolescentes, mas não mais. Agora, todos eram
adultos, haviam viajado pelo mundo e, no processo, os gostos de cada um se tornaram
mais sofisticados. Travis possuía até mesmo uma adega, algo que lhe rendera muita
provocação por parte dos irmãos.
Ainda assim, apetecia-lhe uma cerveja gelada, quase tão boa quanto a estrofe tola
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que havia desencavado da memória.
— Uma cerveja gelada. — Jake optou, melancólico. — Uma long-neck?
— E a verdadeira cerveja é vendida em outro recipiente que não esse?
Os três Wilde sorriram, deixando a varanda para entrar na sala.
— Diabos! — murmurou Jake.
Havia esquecido a multidão. E as luzes.
A reação.
As pessoas ofegaram. Levaram as mãos à boca. Cochicharam umas com as outras.
Jake podia jurar que toda a atmosfera no amplo salão fora aspirada em uma
profunda e comunal inspiração.
— Droga — murmurou Caleb. Travis refletiu o mesmo sentimento, embora em um
xingamento.
— Tudo bem — disse Jake, porque, se havia um momento em que mentir era a
melhor coisa a fazer, era o presente.
Um grupo de convidados o cercou.
Jake reconheceu os rostos. Rancheiros e suas esposas. O casal dono da loja de
ferragens. O dentista. Professoras que o conheciam desde o ensino fundamental .
Treinadores. Homens com quem ele jogara futebol.
Os homens haviam recuperado o equilíbrio e estendiam as mãos para cumprimentá-lo.
As mulheres ofereciam os rostos para serem beijadas.
As frases variavam, mas tinham sempre o mesmo sentido.
Jake, é maravilhoso tê-lo de volta.
— É maravilhoso estar de volta — mentia ele. Mas o que mais poderia dizer? Não.
Não é maravilhoso? Não vejo a hora de sair daqui? Não pertenço mais a este lugar? Não
pertenço a lugar nenhum?
— Continue andando — murmurou Travis.
Jake assentiu com a cabeça. Um pé diante do outro.
24. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
Quem era aquela?
Uma mulher. Parada ao fundo do salão, próximo ao piano de Em.
Nunca a vira antes.
Se tivesse visto, teria lembrado.
Alta. Elegante. Cabelo preto, penteado para trás. Um rosto oval que expressava um
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discreto divertimento.
Em um mar de brim e algodão em tons pastéis, ela usava seda preta. Uma sensual
seda preta...
A multidão se aglomerou, mudou de posição e ele a perdeu de vista.
— Pronto para isso?
— Pronto para...?
— A próxima multidão — esclareceu Travis, gesticulando com o queixo na direção
da horda de pessoas adiante.
— A saudação de seu milhão de fãs — acrescentou Caleb, esforçando-se para
conseguir um tom leve.
Jake forçou uma risada, como esperavam que ele fizesse.
— Claro.
Duas mentiras em dois minutos. Aquilo devia ser um recorde, até mesmo para ele.
— Então, vamos em frente — disse Caleb. — Quanto mais depressa acabarmos com
isso, mas rápido chegaremos às cervejas.
Uma segunda risada seria demais para Jake. Portanto, ele se limitou a sorrir,
inspirar profundamente e permitir que os irmãos o guiassem adiante.
A multidão o engolfou.
Jake apertou mais mãos, retribuiu sorrisos e se esforçou para ignorar as lágrimas
que banhavam os rostos de algumas mulheres, enquanto dizia: “sim, é bom estar de volta”
e “claro, faz muito tempo”. Por fim, ele, Travis e Caleb conseguiram alcançar a longa
mesa de armação, onde estavam os pratos com churrasco de costeletas, asas de galinha,
minúsculos sanduíches e tigelas com vegetais grelhados.
— Comida de verdade e comida de meninas — disse Caleb, e, dessa vez, a risada de
Jake foi genuína.
— E o cálice sagrado — acrescentou Travis, retirando três garrafas geladas de
uma tina repleta de gelo.
Jake pegou uma, agradeceu com um gesto de cabeça e levou o gargalo aos lábios.
— Espere! — Caleb tocou a garrafa que tinha nas mãos, primeiro contra a de Travis
e, em seguida, contra a de Jake.
25. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— A sua volta à casa, irmão — disse, com a voz suave.
Seria aquele o momento de dizer que o brinde era algo um tanto prematuro? Não,
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pensou Jake. Os três tocaram as garrafas umas às outras e beberam
A cerveja estava gelada e amarga, talvez o que ele precisasse para dissipar a dor
latejante que sentia atrás dos olhos.
Tensão, disseram os médicos, enquanto recomendavam insistentemente que ele
evitasse o estresse.
Certo, pensou Jake, enquanto tomava outro gole da cerveja.
— Sentimos sua falta.
Jake desviou o olhar para Travis.
— Sim, eu também
— Diabos! — exclamou Caleb. — Não era a mesma coisa sem você aqui. Este é o seu
lugar.
Muito bem Jake percebia onde aquela conversa iria parar.
— Quanto a isso — começou, mas Travis fez um movimento negativo com a cabeça.
— Nós sabemos. Não vai ficar. Mas está aqui esta noite. Vamos nos limitar a
comemorar, certo?
A sugestão era inofensiva. Não mudaria em nada os fatos. A verdade era que,
naquele momento, Jake se sentia bem em meio à família.
— Está bem — concordou, sorrindo e brindando mais uma vez com os irmãos.
— Um brinde aos Garotos Wilde.
O velho apelido fez os irmãos sorrirem E, quando Bill Sullivan, da loja de rações,
aproximou-se, deu-lhe uma palmada no ombro e disse:
— Olá, Jake. É bom revê-lo.
Jake trocou um aperto de mão com o homem e disse as palavras adequadas...
Até avistar a mulher outra vez em meio à multidão.
Agora tinha uma visão mais acurada da interessante figura e mais tempo para
admirá-la.
Os cabelos possuíam a tonalidade do café encorpado, espessos e brilhosos. Ela os
prendera para trás com algo que Jake não conseguia discernir. Talvez presilhas ou um
prendedor em forma de pente.
O estilo era simples... assim como a imagem que veio à mente de Jake. Podia vê-la
escovando aquelas mechas.
Os braços da mulher estavam erguidos, os seios projetados para cima de modo que
os mamilos estivessem elevados... e prontos para o roçar da língua de um homem, para o
26. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
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calor de sua boca...
— Jake?
Sentiu uma tensão na virilha.
E aquele rosto.
Ossos esculpidos sob a pele cor creme. Olhos cinza. Não. Eram mais prateados do
que cinza. Um nariz reto sobre lábios feitos para coisas com as quais se devia sonhar
apenas na escuridão da noite...
— Jake?
Uma onda quente de desejo carnal lhe fez contrair o abdome com uma rapidez e
uma intensidade que o surpreenderam. Há muito tempo não sentia algo parecido.
— Ei, homem, onde você está?
Jake pestanejou várias vezes, voltando à realidade. Dirigindo o olhar a Travis, viu
o prato de comida que o irmão segurava. Mas comida era a última coisa que ele queria no
momento. Ainda assim, pegou o prato e se forçou a sorrir.
— Exatamente do que eu precisava — disse, em tom de voz brusco. — Obrigado.
Travis e Caleb começaram a comer. Jake os acompanhou, embora nada que
colocasse na boca tivesse sabor.
Queria virar as costas e observar a mulher dos olhos prateados.
Aquilo era ridículo.
De que adiantaria? Era melhor esquecer aquele momento de lascívia, desejo ou o
que quer que tivesse sido.
A inacreditável verdade era que ele não estava mais fazendo sexo, desejando fazer
ou mesmo pensando sobre o assunto. Sua libido havia desaparecido.
Assim como um de seus olhos, não mais existia.
Além disso, tinha plena noção da própria aparência. Um homem com uma máscara
de Halloween no lugar do rosto.
— E não é que Lissa disse: churrasco? Churrasco? Daquele jeito dela, que o faz
parecer o maluco, e não ela?
Travis soltou uma risada e Jake se viu obrigado a acompanhá-lo, mas seus
pensamentos retornaram à mulher desconhecida.
E à repentina certeza de que ela o estava observando.
Lentamente, com o que esperava ser uma elaborada demonstração de desinteresse,
Jake olhou por sobre o ombro.
E sentiu a pulsação acelerar.
Sim, tinha razão. Ela o estava observando. Não com curiosidade. Tampouco com
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aversão.
Mas com interesse.
E estava sozinha.
Não no sentido de estar ali desacompanhada, embora Jake tivesse certeza de que
esse era o caso. Que homem traria uma mulher com aquela aparência para uma festa e
se afastaria dela? O que achava era que ela estava sozinha no sentido amplo da palavra.
Separada e afastada de tudo e de todos...
Exceto dele.
Jake sentiu o sangue lhe correr, apressado, nas veias. E, mais uma vez, aquele
intenso afluxo de desejo.
O que era uma loucura.
Agora?, pensou ele. Em uma sala repleta de pessoas? A libido há muito adormecida
iria voltar à vida e... diabos!... Acrescentar uma ereção à máscara pavorosa que o
ressaltava na multidão?
Deus sabia que ele tentara se testar com as mulheres depois que os ferimentos
sararam.
E, com ou sem a máscara assustadora, muitas deixaram claro que estavam
lisonjeadas com sua atenção. Enfermeiras. Terapeutas. Algumas graciosas médicas.
Jake não sabia dizer se por pena, curiosidade, ou, como lhe dissera uma das mulheres,
pelo fato de o tapa-olho o tornar sexy.
A questão era que as mulheres se mostraram interessadas.
E qual fora sua reação?
Nenhuma.
Parecia um verdadeiro monge. Nenhuma ereção, nenhum pensamento ousado, nem
mesmo um sonho erótico.
Poucas semanas atrás, um de seus médicos, o psiquiatra do mês, como Jake
costumava se referir a eles, chegara à conclusão de que ele não havia voltado à terra
dos vivos.
— E então? Como é o sexo? — perguntara o psiquiatra de repente.
Jake dera o tipo de resposta com a qual esperava pôr fim ao assunto.
— Ora, doutor — dissera, em um tom de voz forçosamente leve —, o senhor já
passou dos 21 anos. Descubra por si mesmo.
Porém, sua patética tentativa de humor não funcionou.
— Leva algum tempo para que tudo volte a funcionar normalmente — dissera o
médico. — Não apenas no plano físico, mas no emocional também O trauma causa danos,
mas você é jovem, saudável. Dê algum tempo a si mesmo e verá que a libido retornará.
28. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— Claro — respondera Jake.
Mas aquilo não aconteceu.
Talvez porque tivesse muitas outras coisas em que pensar. O que fazer de seu
futuro... e do passado. Como sobreviver aos longos dias e às noites ainda mais
arrastadas.
Por alguma razão, o sexo, para um homem que sempre tivera sua coleção de belas
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mulheres, de repente perdera a importância.
Desejo, lascívia, qualquer que fosse o nome, não retornara. Não estivera com uma
mulher desde o acidente que sofrera. Não quisera estar com uma...
Até aquele momento.
Jake inspirou profundamente, dizendo a si mesmo para desviar o olhar da morena
de olhos prateados, mas não conseguiu.
Não enquanto ela o estivesse observando.
Procurou atentamente aquela expressão de piedade que muitas mulheres no salão
demonstraram naquela noite, mas não a encontrou.
A morena simplesmente o observava com uma firmeza inquietante.
Jake contraiu a mandíbula.
Agora ela estava sorrindo. Os lábios se curvando de uma forma que lhe fazia o
peito contrair.
Olá, disse ela por mímica.
E, em seguida, ergueu a taça de vinho no que poderia ser um... convite?
— O nome dela é Addison McDowell — A voz de Caleb soou baixa e Jake o encarou.
— O quê?
— A mulher para a qual estava olhando.
— Não estava olhando para ninguém.
Caleb ergueu uma das sobrancelhas.
— Sim, bem, mas caso estivesse olhando...
— Já lhe disse que não estava.
— Tudo bem, me enganei — retrucou Caleb, em tom de voz calmo. — Quis apenas
dizer...
— O que ela está fazendo em Wilde’s Crossing?
Os irmãos trocaram um rápido olhar entre si.
— Ela é proprietária do rancho Chambers — explicou Travis.
Jake inclinou a cabeça para o lado.
29. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— Quer dizer que o rancho Chambers pertence a ela? O velho sempre disse que
nunca iria vendê-lo. O general tentou comprá-lo uma dúzia de vezes, lembram-se? E...
— E recebeu um “não” como resposta. Bem, o velho morreu. Do modo que todos
esperavam, ainda trabalhando como uma mula e se recusando a aceitar ajuda de quem
quer que fosse. O temperamento irascível como sempre. Porém, ele havia hipotecado
toda a propriedade. O general descobriu e mandou seu advogado comprá-la, mas já havia
sido vendida.
— Para ela?
— Para um senhor idoso e rico de Nova York.
Um músculo se contraiu na mandíbula de Jake.
— E ela é esposa do idoso rico.
— Ele morreu logo após ter comprado a propriedade. — Travis virou a cabeça na
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direção da mulher. — Ela a herdou.
— Então, ela é a viúva.
— Não.
— Filha?
— Era amiga dele.
Jake dirigiu o olhar mais uma vez à mulher. Ela ainda o observava, o olhar firme.
— Devia ser muito amiga — disse Jake com frieza.
— Ouça, homem...
— Ela não me parece uma rancheira.
Travis soltou uma risada.
— A conclusão do ano.
— E o fato da propriedade Chambers estar em ruínas não a ajuda em nada — Caleb
acrescentou.
— Quase sempre esteve.
— Lembra-se de quando éramos crianças e você trabalhou lá durante alguns
verões? Teve várias ideias de como melhorar as coisas.
— Sim, mas o velho Chambers não queria escutar nenhuma ideia que não fosse a
dele.
— Addison escutaria.
Jake dirigiu o olhar a Caleb.
— Addison?
— Ela é minha amiga.
30. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
Jake levou o gargalo da cerveja aos lábios e tomou um grande gole. Por que o gosto
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estava mais amargo do que antes?
— Aquela mulher parece ter um bocado de amigos.
— Ela é... — repetiu Caleb, o tom de voz tão frio quanto o de Jake — uma amiga.
— Como quiser.
— Droga, Jacob...
— A questão é a seguinte — Travis se apressou em interferir —, pensamos que
talvez você pudesse ajudá-la.
Jake quase gargalhou. Não estava tendo muito êxito em ajudar a si mesmo, o que
diria a mais alguém.
— Sabe como é, dar uma olhada na terra, nas casas...
— O negócio é o seguinte, Trav. Estou partindo amanhã.
— Esperávamos algo assim Bem, é muito simples. Avalie as terras para ela e parta
na semana que vem. Uma transação comercial.
— É assim que chama seu relacionamento com ela? Uma transação comercial?
Por que diabos dissera aquilo? Por que o relacionamento dos irmãos com uma mulher
que ele nunca vira antes e nunca mais veria tinha alguma importância?
Jake percebeu os olhos de Travis se estreitarem Esticou o braço e lhe apertou o
ombro.
— Desculpe. — Conseguiu conjurar um breve sorriso. — Acho que não estou
acostumado a falar com pessoas que usam camisolas de seda que lhes deixam o traseiro
de fora.
— Na verdade, a resposta é sim Ela é minha cliente. E de Caleb também. É uma
mulher inteligente, embora difícil. Uma advogada, assim como Caleb, porém de Nova
York. Se eu fosse você, não a subestimaria.
Não. Um homem não seria tolo o suficiente para subestimar uma mulher capaz de
hipnotizá-lo com apenas um olhar.
— Não corro esse risco — disse Jake. — Como lhe disse, não ficarei, portanto seria
melhor não me recomendar.
— Nós já o fizemos. Bem, diabos, por que não faríamos? Dissemos a Addison que
você era o homem que ela precisava. E ela está, ah, quase convencida disso.
Jake não os estava escutando. Observava a mulher mais uma vez. Ela erguia a taça
aos lábios, tomava um gole do líquido rubi e, em seguida, passava a ponta da língua pelos
lábios.
Um som suave e rouco se formou no fundo da garganta de Jake.
— Você está bem?
31. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— Sim — respondeu ele, sem desviar o olhar da mulher.
— Ouviu o que eu disse? Ela está convencida disso.
— De quê?
— De que você é o homem certo para ela.
— Que eu...
Caleb revirou os olhos.
— Que você é o homem que ela deveria contratar. Veja como ela está olhando para
você. Provavelmente, deduzindo que estamos lhe contando sua história. — Soltou uma
risada rápida e divertida. — Dissemos a Addison que teria de lançar mão do charme e
imaginar algo especial para convencê-lo...
— Caleb — interrompeu Travis em um tom de voz áspero e baixo, observando o
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rosto de Jake.
— Algo especial — repetiu Jake devagar.
— E ela o fará. Addison é uma mulher despachada. Se decidir que quer prender sua
atenção...
— Droga, Caleb — rosnou Travis. — Pode calar a boca?
— Espere um minuto, está bem? Estou explicando as coisas. Jake precisa saber
tudo sobre esse negócio, que Addison é extremamente profissional... — A voz de Caleb
morreu. — Jake?
— Jake! — chamou Travis, mas ele acotovelava a multidão para abrir caminho. A
raiva lhe fazendo ferver as entranhas, onde, momentos antes, havia apenas desejo.
CAPÍTULO QUATRO
Aos 9 anos, Addison fugira de casa.
Fizera isso antes.
Por nenhuma razão especial, apenas pela esperança infantil de que em algum lugar
lá fora havia um mundo onde pessoas liam livros em vez de assistir a novelas, onde uma
mãe não passava horas colocando bobes nos cabelos e pintando as unhas para, depois,
embora a filha odiasse, fazer a mesma coisa com ela.
32. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
Porém, daquela vez não se dirigiu à estrada como costumava fazer. Addison
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atravessara a floresta que levava às montanhas.
Por fim, acabara emergindo em uma clareira e se encontrara face a face com um
puma.
O enorme felino colocara as orelhas para trás e rosnara. O coração de Addison
batera na garganta. Sabia que aquele tipo de animal era rápido e imprevisível... e
incrivelmente perigoso.
Embora todos os seus instintos a instigassem a correr, ela sabia que, se mostrasse
fraqueza, receberia o beijo da morte.
Portanto, embora aterrorizada, havia continuado parada e o tempo parecera
congelar.
Agora, quase duas décadas depois, aquela lembrança lhe veio à mente. Addison não
fugira e, após uma eternidade que se estendera por apenas alguns segundos, o felino
virara as costas e se afastara.
Jacob Wilde estava caminhando em sua direção e parecia tão perigoso quanto
aquele puma.
Minutos atrás, ele a estava observando com uma intensidade... qual seria a palavra
certa? Desconcertante.
Os irmãos conversavam com ele e, pelo modo como os três irmãos lhe dirigiam
olhares, Addison presumira que era o assunto.
Aguardara para ver o que aconteceria, esperando que Travis e Caleb o trouxessem
até ela. Ou que Jacob Wilde a cumprimentasse ao menos com um sorriso ou um gesto de
cabeça. E, portanto, esperou. Porém, a inércia de Jacob a deixara confusa. E irritada.
Estaria aquele homem esperando que ela desse o primeiro passo?
Está bem, decidiu Addison por fim Por que não? E, então, sorrira, erguera a taça.
Fizera tudo que estava ao seu alcance para transmitir a mensagem: Olá, sou Addison e
você é Jake. Embora eu não acredite que façamos negócio juntos, deveríamos ao menos
nos conhecer para satisfazer seus irmãos...
E, então, tudo mudou.
A mandíbula de Jake se contraíra, os lábios se comprimiram e um olhar quente e
furioso se estampara naquele rosto enigmático.
Addison conhecia aquele tipo de olhar. Um que exalava pura sensualidade.
Detestava quando os homens a olhavam daquela forma, o que sempre haviam feito,
desde quando começara a desenvolver seios.
Está vendo isso, menina?, dizia-lhe a mãe. Os garotos gostam de você. Isso não é
legal?
Portanto, sim, detestava aquele olhar que os homens dirigiam...
33. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
Porém, dessa vez, um estranho a estava olhando como um homem faminto apreciava
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um bife suculento, e Addison sentia os joelhos enfraquecerem
Aquilo a chocou. Deixou-a nervosa. Sentia-se ofegante. Tentou lidar com aquela
sensação, mudando de foco. Tomara um gole do vinho...
E tudo explodiu.
Os irmãos disseram algo que fez Jacob Wilde se mostrar enraivecido. Houve uma
óbvia e rápida troca de palavras desagradáveis.
E então ele se encaminhou diretamente na direção dela e tudo em que Addison
podia pensar era naquele puma e como se sentira quando se deparara com o olhar
selvagem do animal...
Mas Jacob Wilde não era um puma. Tampouco era uma criança assustada. Que
fosse maldita se permitisse que aquele homem a intimidasse!
Jacob Wilde se aproximava, com os irmãos, agitados, em seu encalço.
— Jake — chamou Caleb. — Espere um minuto!
— Droga! — xingou Travis. — Está cometendo um enorme equívoco.
Cabeças giravam para ver o que estava acontecendo. Aquilo era a última coisa de
que Addison precisava.
Uma discussão pública sobre sabe-Deus-o-quê, quando passara as últimas semanas
se esforçado para evitar qualquer coisa pública!
Muito bem.
Addison deu um passo atrás.
Esqueceria a decisão de enfrentar o puma e de se recusar a ser intimidada. Aquele
homem era louco e não permitiria que ele...
Tarde demais.
A mão forte como o aço se fechou em torno de seu punho.
— Vai a algum lugar? — perguntou ele, com a voz baixa.
O coração de Addison estava acelerado e ela teve de se esforçar para falar em
tom de voz calmo:
— Solte-me.
— Por quê? Meus irmãos disseram que está ansiosa por me conhecer.
— Nem um pouco ansiosa. — Ela pousou o olhar no próprio punho e, em seguida, no
rosto de Jacob. — É surdo? Disse...
— Tão surdo quanto cego? — O sorriso que lhe curvava os lábios enfraqueceu. —
Não, senhorita McDowell. Uma deficiência por vez é o meu limite.
Addison franziu a testa. Aquele homem era maluco, mas não tivera intenção de
34. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
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insultá-lo.
— Posso lhe assegurar que não quis dizer...
— Não. E pode me assegurar que não disse a meus irmãos que queria muito me
conhecer.
— Jake — preveniu Travis.
Addison olhou além de Jacob Wilde. Os irmãos haviam se posicionado atrás dele.
Um de cada lado. Pareciam prontos a agarrá-lo e arrastá-lo dali.
Tal ideia deveria ser reconfortante, mas não era. Os três Wilde eram altos, fortes
e musculosos, mas ela não tinha dúvida de que a raiva daria a vantagem a Jacob.
Talvez uma abordagem calma funcionasse.
— Disse-lhes que concordava em conhecê-lo — explicou Addison. — Pareceu-me
que isso significava muito para seus irmãos.
— Você queria me conhecer — afirmou ele, em tom de voz frio. — E, quando eles
lhe disseram que tinham certeza de que eu estaria interessado em tê-la como cliente...
— Cliente? — Os olhos prateados se espremeram. — Eles queriam que eu lhe
arrumasse um emprego.
— Uma ova que queriam.
Addison sentiu a determinação em se manter calma se dissipando.
— Eles quase me suplicaram para lhe dar uma razão para permanecer por aqui.
— Certo — disparou Jake. — E por isso resolveu adotar essa... essa postura.
A que ele estava se referindo?
— Ouça — começou Addison, cautelosa. — Acho que está havendo algum engano...
— O olhar. O sorriso. E o último toque: o gole de vinho e o sexy movimento da língua
nos lábios.
— Você é um lunático — disse ela, sem hesitar.
— Deus do céu! — rosnou Caleb. — Jake. Você entendeu tudo errado.
Jake o ignorou.
— Alguma vez seus truques falharam ou essa é a primeira vez?
Addison o encarou. As cicatrizes crespas abaixo do tapa-olho preto estavam
vermelhas e com uma aparência distorcida.
Aquilo lhe causou uma pontada de compaixão.
As feridas visíveis eram brutais, mas talvez tivessem se aprofundado. Seria aquele
comportamento mais um reflexo de tudo pelo que ele havia passado?
Aquele homem se sacrificara por seu país. Por pessoas como ela. Se voltara da
35. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
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guerra com alguma idiossincrasia, como transtorno de comportamento...
— Não faça isso — disse ele, com a voz áspera.
— Como disse?
— Não me olhe como se eu fosse um cachorro estendido no acostamento da
estrada. — A mão de aço se contraiu em torno do pulso de Addison. Ele o torceu de leve
e a fez soltar um ofego involuntário. — Não preciso de sua compaixão, nem de seu flerte.
Aquilo era demais para suportar.
— Flerte? Pensou que eu... — Addison dirigiu um olhar furioso aos irmãos Wilde
por sobre o ombro de Jake. — Afastem seu irmão lunático de mim — disse, entre dentes
cerrados. — E façam isso rápido.
— Jacob — disse Travis —, vamos lá para fora, sim? Tomar um pouco de ar fresco...
— Jake — tentou Caleb —, largue a mão da moça.
Mas o irmão Wilde com certificado de insanidade mental não respondeu.
E então, depois do que pareceu uma eternidade, soltou-lhe o punho.
Addison queria olhar para ver se aqueles dedos de ferro teriam lhe deixado
marcas, mas preferiu baixar a mão a lhe dar tal satisfação.
— Quero me certificar de que entendeu a mensagem, senhorita McDowell — disse
ele. — Pode lançar mão de todos os seus artifícios e, ainda assim, não avaliarei o rancho
de Chambers.
— Aquele não é o rancho de Chambers. É meu. E prefiro ver aquelas terras
estorricarem e explodirem antes de permitir que pise nelas.
Jacob exibiu um sorriso frio.
— São suas porque conseguiu seduzir um homem velho e doente a comprá-las para
você.
— Seu... — disse Addison — ... homem asqueroso.
— Por quê? Porque não sou uma presa fácil como ele era?
Travis e Caleb rosnaram. O olhar que Addison lhes dirigiu parecia queimá-los vivos.
— Meu Deus! — disse Addison, com extrema calma. — Rapazes, vocês tiveram uma
conversa muito interessante.
— Addison — disse Travis. — Se está sugerindo...
— O que estou sugerindo — disparou ela — é que eu prefiro me aconselhar com
Elsie, a vaca, do que com esse... ego superestimado, sem cérebro que é o irmão de vocês.
— Escute, moça...
— Não — disse Addison. — Ouça você! — Ela deu um passo à frente, ergueu o
queixo, levou as mãos aos quadris, com olhar furioso. — Seus irmãos passaram horas
36. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
tentando vendê-lo para mim. Disseram que você era um gênio brilhante. Que tem enorme
conhecimento do solo, da grama, dos cavalos...
— Jake! — Caleb se apressou em dizer.
— Cara, nós nunca...
— Que bastava dar uma olhada no meu rancho e no mesmo instante saberia do que
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aquelas terras estavam precisando.
— E?
— E, embora eu não visse nenhum sentido em receber seu aconselhamento em algo
que qualquer tolo pode ver que é um desastre, pensei...pensei — repetiu ela, com um
olhar frio a Travis e Caleb — que pudesse confiar neles.
- Você pode — retrucou Travis depressa. — Nós nunca...
— E... - prosseguiu Addison, ignorando a interrupção. — Por ter sido tola o
suficiente para acreditar que seus irmãos eram meus amigos, concordei em dar ao guru
dos ranchos cinco minutos do meu tempo.
Jake tinha vontade de rir. O que era ridículo, quando estava tão irritado. Em vez
disso, se limitou a cruzar os braços sobre o peito.
— Quanta generosidade! — rosnou.
— Addison. Jake. Vocês estão...
— E essa — continuou ela, com um olhar destruidor a Caleb — é a única razão para
eu ter vindo a essa... festa salve-o-herói-vitorioso, onde tive de suportar ser abordada
por vários desses caubóis estúpidos. Sem contar o modo como as mulheres me olhavam,
como se o meu único propósito fosse lhes roubar seus maridos gordos e babões. — Travis
deixou escapar uma exclamação de surpresa. Caleb esfregou a testa. E Jake se esforçou
para não demonstrar a mesma reação dos irmãos. — E aguardei pacientemente o evento
principal.
— Como disse?
— O evento principal, capitão. Você. Esperei uma eternidade e finalmente você
apareceu. Mas suas digníssimas irmãs ou seus magníficos irmãos nos apresentaram?
— Nossas irmãs não estavam sabendo nada sobre isso — esclareceu Travis, olhando
ao redor. — Podemos ter essa conversa em outra sala? Não precisamos de uma plat...
— Fiquei observando vocês três parados ali, tomando cervejas, essa bebida
enjoativa, mas o que se poderia esperar de texanos? — Droga, pensou Jake, a senhorita
McDowell era uma peça rara. Bela. Durona. E não hesitava em desferir insulto atrás de
insulto como se aquilo tudo não fosse culpa sua. Mas claro que era e, apesar da antipatia
imensa que sentia por ela, teve de admirá-la pela coragem — Cerveja e do gargalo —
acrescentou, com visível repulsa. — E os três olhavam para mim, falavam de mim —
Addison estendeu a mão e cutucou o peito de Jake com força, fazendo-o se
sobressaltar. — Embora, devo corrigir, capitão, que o senhor não olhou. Devorou-me com
37. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
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os olhos.
Jake sentiu um calor intenso lhe subir ao rosto.
— Não a devorei com o olhar.
— Oh, por favor! Não desviava os olhos de mim. E, quando me cansei disso, tentei
me acalmar e esperar que se aproximasse. Conhece o ritual educado? Apresentar-se,
apertar a mão. Mas, como isso não aconteceu, pensei: muito bem, se esse homem não
tem educação, eu tenho. Portanto, eu o saudei.
Jake franziu a testa.
— Erguendo a taça de vinho?
— Até mesmo sorri.
Sim, ela sorrira, mas depois tomara aquele gole lento e sexy de vinho...
— Você nem ao menos piscou, portanto tomei um gole de vinho para lhe dar tempo
para se aproximar.
Caleb limpou a garganta.
— Addison, acalme-se...
— Estou calma — respondeu ela, em um tom de voz gelado. — Muito calma. E, a
propósito, os dois estão demitidos.
— Por que os está demitindo? É comigo que está furiosa.
— O DNA é o mesmo. Isso já é o bastante para mim.
— Brilhante!
— De fato, é.
— Tudo bem. Se está demitindo meus irmãos, não há necessidade de me controlar.
— Addison soltou uma risada. Os lábios de Jake se comprimiram — Sabe aquele rancho
que possui? O valor dele é exatamente o que pagou. — Ele exibiu um sorriso afetado. —
A não ser, claro, que supervalorize o que deu em troca para aquele pobre velho explorado
que deixou o rancho para você.
Addison o esbofeteou.
Com força.
A marca dos dedos ficou impressa no rosto de Jake em vermelho.
— Oh, Deus! — disse Travis, mas suas palavras se diluíram em meio às exclamações
das centenas de convidados chocados.
— Não é de se admirar que seus irmãos queiram mantê-lo ao alcance de suas vistas
— disse ela. — Não está apto ao convívio social.
A expressão de perplexidade no rosto de Jake lhe dizia que ela acabara de marcar
um ponto perfeito.
38. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
Por que permanecer ali e arruinar tudo?
Addison lhe virou as costas e encarou a multidão.
— Saiam da minha frente. — E uma trilha foi aberta pelos presentes como as águas
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do Mar Vermelho.
Addison marchou adiante... mas estacou quando alcançou a porta da frente. Que
diabos, pensou ela, girando para encará-lo uma última vez.
— Você é um idiota arrogante, egoísta e desprezível.
A multidão ofegou outra vez e, em seguida, irrompeu em um burburinho frenético
de exclamações entusiasmadas.
Acabara de dar a Wilde’s Crossing assunto suficiente para comentar durante a
próxima década.
E daí?
Estava partindo dali. Não apenas da casa dos Wilde, mas daquela cidade e do estado
do Texas.
Ao menos, onde morava, conhecia os inimigos. Não seria surpreendida por um par
de irmãos que mais pareciam saídos de um filme de John Wayne e um homem tão
tragicamente belo que lhe fazia o coração doer.
Alguém se interpôs em seu caminho. Uma das irmãs Wilde. Emma ou Lissa ou
qualquer que fosse o nome.
— Senhorita McDowell. Por favor...
— É doutora McDowell. E lamento muito por você.
Addison contornou a irmã Wilde, escancarou a porta e saiu para o ar da noite.
Travis e Caleb a observaram partir.
Em seguida, trocaram um olhar, pegaram Jake pelos cotovelos e o guiaram
rapidamente para a direção contrária, pelas portas francesas que davam para o pátio.
— Você — disse Caleb — é um completo idiota.
— Vocês é que são dois idiotas — rebateu Jake. — Por pensar que uma mulher como
aquela podia usar seus ardis para me manter na cidade...
— Seus ardis! — disse Travis para Caleb. — Ele pensa que armamos uma situação
para que Addison usasse seus ardis. — Os olhos azul-escuros se estreitaram. — Acha
que seríamos capazes de pedir a Addison para fazer uma coisa dessas?
— Ouça, eu entendo. Vocês queriam que eu ficasse aqui. E aquela mulher é um
bocado...
— Ela é nossa amiga — interrompeu Caleb, com a voz fria. — Ao menos, era, até
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você ter um ataque histérico quando descobriu que ela não o estava paquerando.
Jake enrubesceu.
— E por que eu iria querer que ela me paquerasse? — Os dois irmãos irromperam
em uma gargalhada. — Está bem, ela é bonita. Mas estava apenas me paquerando porque
queria que eu trabalhasse para ela.
— Nem mesmo você acredita nisso.
Jake pensou sobre o assunto. E sentiu um aperto no peito.
— Está bem Talvez eu, ah, tenha supervalorizado isso, mas...
— Aqui vai a verdade: você queria que Addison o estivesse paquerando. E, quando
descobriu que ela não estava, ficou muito furioso para conseguir admitir que era isso
que desejava. Portanto, decidiu acusá-la de está-lo paquerando.
— Isso... — respondeu Jake — não faz nenhum sentido.
— Sim, faz — retrucou Travis, zangado.
— Ora, só porque o plano de vocês não deu certo...
— Danação! — xingou Caleb. — Ela tem razão. Você é um idiota egoísta.
Jake abriu a boca.
Mas voltou a fechá-la.
Os irmãos tinham temperamento explosivo. Diabos! Ele também. Seriam capazes
de devorar uns aos outros antes...
Mas nunca daquela forma. Com tanta intensidade. E talvez nunca com tanta
sinceridade.
Estariam eles... poderiam eles estar certos?
— Devemos um pedido de desculpas a Addison — disse Travis a Caleb, que
concordou assentindo com a cabeça.
— Isso se ela o aceitar.
— Vamos — disse Travis.
Mas Jake ergueu uma das mãos.
— Esperem, está bem? — Limpou a garganta. — Então, ah, isso não foi um complô
para me manter aqui.
— Sorte sua por ter afirmado, e não indagado isso — respondeu Caleb, irritado.
— Está bem Talvez eu tenha... exagerado um pouco. Talvez tenha interpretado as
coisas de modo errado...
Travis resfolegou.
Jake passou uma das mãos pelos cabelos.
40. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— Ah, ela tem razão. Sou um lunático. Não são vocês que lhe devem um pedido de
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desculpas. Sou eu.
— Addison se recusará a falar com você.
— Sim.
— Ela não fará isso. Aquela mulher é durona. — Jake encarou os irmãos. — Confiem
em mim — disse ele, com um sorriso lhe curvando os lábios. — Aposto 10 dólares que ela
não só aceitará meu pedido de desculpas, como concordará em jantar comigo amanhã, à
noite.
— Aposto 20 dólares — respondeu Travis.
Os três irmãos sorriram uns para os outros. Jake começou a se afastar do pátio,
na direção da lateral da casa, mas girou outra vez.
— Deixei meu carro próximo ao córrego.
— Por que fez isso...?
— Ele simplesmente fez — disse Caleb.
— Oh, ótimo. — Travis retirou a chave de sua picape do bolso e a atirou para Jake.
— É o Tundra preto no caminho que leva à garagem.
— Lembre-se — disse Jake —, 20 dólares.
Os irmãos riram.
— Muito papo, pouca ação.
Aquele era um dos antigos motes dos irmãos Wilde. Jake soltou uma risada. Mas o
riso feneceu quando alcançou o Tundra de Travis. Por um instante, quase se esquecera.
Muito papo e pouca ação não era mais uma brincadeira. Era a triste verdade. Os
irmãos não tinham noção daquilo, mas ele tinha plena ciência. E, sim, aquela fora a razão
de ele ter se mostrado tão beligerante. Havia reagido a uma mulher pela primeira vez
em quase dois anos...
Apenas para descobrir que ela não estava interessada.
Decididamente, devia-lhe um pedido de desculpas. Quanto a convidá-la para
jantar...
Jake ligou o motor da picape e pisou no acelerador.
Tinha de esquecer aquilo.
Pagaria os 20 dólares aos irmãos e consideraria aquilo tudo um grande equívoco.
41. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
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CAPÍTULO CINCO
As nuvens haviam engolfado a lua e as estrelas, tornando a estrada uma faixa preta
que se estendia em direção ao infinito.
Embora ela tivesse uma boa vantagem à frente, Jake dirigia com mais velocidade.
De vez em quando, as luzes traseiras do carro de Addison brilhavam vermelhas à frente
dele, mas a cada curva da estrada desapareciam.
Addison também desenvolvia uma boa velocidade. Perigosa. Estaria ela acostumada
a estradas de terra? Certamente o mundo daquela mulher planava entre limusines e
táxis.
Era surpreendente o controle que ela parecia ter do carro. Mas, afinal, tudo nela
o surpreendia. Nunca vira tanta raiva reunida em uma só mulher. Tanto fogo.
E sua estupidez o havia alimentado.
Jake franziu a testa.
— Diabos! — resmungou.
Pedir-lhe desculpas não seria algo fácil. Como poderia dizer: “Muito bem. Sou um
idiota”?
Que tipo de explicação daria para justificar seu comportamento?
Não podia falar a verdade.
Não podia lhe dizer que, desde o primeiro instante em que a vira, ele a desejara.
Que reagira a ela de uma forma que jamais imaginara voltar a reagir a uma mulher. Não
havia a menor possibilidade de admitir isso diante de Addison.
Não avistava mais nada à frente, além do túnel criado pelos faróis do Tundra. Jake
pressionou ainda mais o acelerador. A picape avançou com mais velocidade e a
recompensa foi um vislumbre das luzes traseiras do carro à frente.
— Wilde — disse ele, entre dentes cerrados. — Ela está certa. Você é um idiota.
Talvez tivesse sorte.
Talvez um simples pedido de desculpas fosse o suficiente.
Certo.
E Addison lhe diria de maneira explícita o que fazer com aquele pedido.
Aquilo não seria nada divertido.
Podia imaginar a aparência de Addison enquanto ele gaguejava um pedido de
42. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
desculpas. O rosto rubro de raiva, os olhos tão brilhantes quanto prata derretida.
Aquele queixo empinado em um ângulo que refletia uma atitude desafiadora. Seria o
retrato fidedigno da raiva.
E extremamente sexy.
Só de pensar em Addison sentia a temperatura do corpo subir e, droga, não era o
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que queria naquele momento.
Tinha de se concentrar em como abordá-la. Jake pensava no que dizer enquanto a
picape devorava as milhas, mas nada lógico lhe veio à mente.
Teria de improvisar.
E ela o faria penar.
Um músculo se contraiu na mandíbula de Jake.
Houve um tempo em que estaria ansioso pelo desafio. Uma mulher o enfrentando?
Com exceção de algumas enfermeiras duronas que lhe fizeram sermões quando ele se
recusara a tomar os remédios, as mulheres sempre tendiam a concordar com o que ele
quisesse.
Não havia nada de surpreendente nisso.
Quando um homem tinha dinheiro, algum status e uma aparência que agradava as
mulheres, era isso que acontecia.
Não apenas ele, mas também os irmãos, tinham tudo isso.
Para começar, nasceram em berço de ouro. Além da fortuna do pai, claro, a mãe
havia deixado um fundo patrimonial para cada um.
Jake guardara sua parte no banco. Mais tarde, se aconselhara com Travis e
investira aquele dinheiro.
Até mesmo naquele momento, perseguindo uma mulher que provavelmente adoraria
nocauteá-lo com um chute nas partes baixas, riu da forma como fizera aquilo.
Certa noite, antes de partir com o exército pela primeira vez, cercou o irmão em
um canto e lhe entregou um cheque.
Tyler, que estava montando sua firma, assoviara e lhe perguntara se ele queria que
investisse tudo.
— Cada dólar — respondera Jake.
— Com ou sem risco?
A reposta de Jake fora um sorriso. Travis também sorrira e o acordo fora selado.
Depois disso, ele se esquecera daquela quantia. Quando se estava ocupado
tentando salvar a própria vida, o dinheiro perdia a importância.
Quando retornara para casa, de licença, Tyler lhe apresentara o extrato das
contas. Dessa vez, fora Jake a assoviar.
43. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
A quantia de sete dígitos havia triplicado. Só Deus sabia quanto teria aumentado
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até agora, apesar da recessão econômica.
Quanto ao status...
Jake era filho de um general. Aquilo por si só era grandioso, mas, no Texas, ser
filho do proprietário de El Sueno era algo ainda mais impressionante.
Ainda assim, Jake adquirira sua própria quota de status desde cedo. Aos 16 anos,
era o zagueiro estrela do time do colégio. Aos 18, meia dúzia de faculdades de ponta
lhe ofereciam bolsas de estudos. Aos 19, os caça- talentos estavam interessados nele.
Aos 20, saíra da faculdade e do time de futebol para se alistar no exército, onde
desaguara no coração de uma guerra.
Quanto a sua aparência...
Era algo relacionado ao DNA.
Alto, esbelto, musculoso. O nariz tinha uma leve corcova, a cortesia de um atacante
do time de futebol adversário, mas o defeito não o prejudicava em nada.
As mulheres vinham como parte do pacote.
As mãos de Jake se apertaram contra o volante.
Ainda tinha dinheiro. Status. Mas a aparência... ?
Não se importava muito.
Sabia que seus ferimentos chocavam as pessoas.
Como naquela noite. Os convidados mostravam expressões penalizadas ou
desviavam o olhar ao lhe ver o rosto.
Ainda era chocante ver o próprio reflexo no espelho todas as manhãs. Não por
vaidade, mas por ser uma lembrança constante de seu fracasso.
— Tem de superar isso — dissera-lhe um dos psiquiatras. — Coloque uma prótese
no lugar do olho. Permita que as pessoas e você mesmo vejam seu verdadeiro eu.
O que a realidade tinha a ver com botar um globo ocular artificial no lugar do que
era basicamente um buraco em sua cabeça? Aquilo não fazia nenhum sentido para Jake,
não importava o que dissessem os médicos.
— Alguma vez considerou que isso se contrapõe à medalha com a qual foi agraciado?
— perguntara outro médico, mas Jake ignorou o comentário, taxando-o de tolo.
E de nada adiantava pensar naquilo, principalmente...
— Maldição! — disse Jake, pisando fundo no freio.
Uma corça e seu filhote se encontravam seis metros à frente dele, os olhos
enormes repletos de inocência cravados na picape.
Jake deixou escapar um suspiro.
44. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
— Vão em frente. Saiam do caminho.
Depois que os animais se encaminharam aos arbustos do outro lado, Jake pôs o
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carro em movimento outra vez.
Tivera sorte de não matar a corça. Seria o único culpado. Os antílopes, veados,
coiotes, todos cruzavam a estrada, principalmente à noite.
Deixara que a mente vagasse por todos os lugares, exceto por onde devia estar.
E o brilho das luzes traseiras do carro de Addison McDowell desparecera.
Sem problemas.
Sabia que ela estava se dirigindo ao rancho Chambers e ele também
Alguns minutos depois, ultrapassou o familiar buraco na estrada que sinalizava o
início das terras Chambers.
Jake diminuiu a velocidade, olhou com atenção para o portão e viu o que não havia
percebido antes. Não estava trancado. A verdade era que aquilo quase não podia ser
chamado de portão. Traves, estacas, algumas dobradiças enferrujadas. O portão
oscilava à brisa, parecendo mais um monte de gravetos do que qualquer outra coisa.
Jake o transpôs com a picape e seguiu pelo caminho de cascalho que levava à casa.
Ainda não conseguia avistar as luzes traseiras de nenhum carro.
Se a senhorita McDowell tivesse chegado em casa, o que ele faria?
Estacionaria? Bateria à porta? Ou deveria ficar sentado na picape e buzinar? Tinha
a impressão de que surgir à porta de Addison, sem aviso prévio, não seria uma boa...
Uma luz forte incidiu através do para-brisa do Tundra, quase o cegando. Jake
xingou, usando o braço como viseira e, pela segunda vez em minutos, freou bruscamente.
O caminhão estacou com um solavanco.
O que estava vendo? Faróis? A luz de uma potente lanterna? Não conseguia
enxergar nada além do brilho ofuscante.
Cauteloso, abriu a porta da picape.
— Senhorita McDowell?
Nada. Apenas a escuridão, o silêncio e a luz forte.
— Addison? São os seus faróis? Apague-os.
Nada. Jake pestanejou várias vezes e deu um passo à esquerda. A luz forte
continuou focada no Tundra, mas outra o seguiu.
Faróis e uma lanterna. Addison. Tinha de ser ela. Estava utilizando as duas fontes
de luz.
— Ei! — gritou ele. — Não me escutou? Apague essas luzes.
Nenhuma resposta. Jake resmungou, afastando-se mais alguns passos da picape...
45. Sandra Marton - [Irmãos Wilde 1] - Louco Amor (Paixão 330)
A luz da lanterna o seguiu.
Os cabelos da nuca de Jake se eriçaram. Fora um alvo vivo por tempo suficiente.
— Afaste essa coisa de mim — disse, em tom de voz frio. — Agora.
O instinto de sobrevivência herdado de séculos de descendência o fez agir.
Não estava mais no Texas.
Jake se atirou ao chão e rolou, não na direção da picape, como teria previsto o
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inimigo, mas para a escuridão dos arbustos.
Tudo nele estava concentrado naquele foco de luz. Os batimentos cardíacos
estáveis. Podia ouvir a respiração do oponente.
O foco de luz se moveu. Varrendo a picape e o chão, à procura de Jake.
Rolando mais uma vez, ele pressionou o corpo ao solo a mais ou menos 3 a 3,5m da
estrada.
Espere, disse Jake a si mesmo. Espere pelo momento certo, pela oportunidade que
sempre se apresenta quando se está preparado...
— Apareça — uma voz ordenou.
A voz de Addison McDowell.
Aquilo o fez retornar à realidade. Não estava em um campo de batalha no
Afeganistão, e sim no Texas. E a pessoa que segurava a lanterna não era um inimigo, mas
uma simples mulher que se assustara com os faróis que a seguiram até ali.
Jake deixou escapar um profundo suspiro.
— Addison. Olá, é Jake Wilde. Não precisa...
O foco da lanterna varreu a estrada, a picape, os arbustos. Em breve o iluminaria.
Jake começou a se levantar.
— Addison? Escute, entendo por que está aborrecida...
— Tudo que precisa entender é que estou com uma arma. E sei muito bem como
usá-la.
Jake tornou a se deitar de barriga no chão. Um revólver? Impossível.
Onde ela teria arranjado um...
Na casa de Chambers, claro. O velho tinha dúzias de revólveres, rifles e pistolas
automáticas. Aquele homem fora um caçador contumaz, atirando em tudo que via.
Maldição!
Aquilo não era nada bom.
Jake limpou a garganta.
— Não estou aqui para lhe fazer mal algum.
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— Vou começar a contar, capitão. Quando chegar a cinco, é melhor que esteja de
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pé e com as mãos para cima.
— Escutou o que eu disse? Não quer causar um acidente com essa coisa...
— Atirar em você não seria um acidente.
— Diabos, mulher...
O foco de luz passou por ele.
— Um — Addison começou a contar. — Dois.
Estacou a centímetros de sua cabeça.
— Espere. Ouça-me. Tudo que quero é...
— Sei exatamente o que você quer.
Jake pestanejou, confuso.
Não havia como se equivocar com o que ela quisera dizer. A única resposta que lhe
ocorreu foi: “uau!”, mas desconfiava que aquela não serviria.
— Três — Addison prosseguiu, sem hesitação na voz.
Jake inspirou profundamente, ergueu-se, desviando o olhar à esquerda do foco da
lanterna, na esperança de que a intensidade da luz não o cegasse, e correu na direção
que imaginou encontrá-la.
O corpo de Jake colidiu com o dela, com força, como planejara. O ombro a atingiu
com impacto suficiente para atirar os dois ao chão.
A lanterna voou da mão de Addison.
E, então, ela se encontrava esparramada sob o corpo musculoso, com as pernas
abertas, os braços erguidos, os dedos fechados em garra contra o rosto marcado pelas
cicatrizes. Ele rosnou, segurou-lhe os punhos, lutando para imobilizá-la.
Addison ergueu um dos joelhos. Não tinha muito espaço para movimentá-lo, mas o
atirou contra a virilha de Jake de qualquer jeito, com força suficiente para fazê-lo
ofegar.
Prendendo-a sob o corpo, ele lhe segurou os punhos contra o chão.
— Ouça-me — disse, com a voz rouca. — Não vim aqui para machu...
Addison contorcia o corpo como uma cobra, erguendo a cabeça e cravando os
dentes como pequenas navalhas no pescoço largo.
Jake recuou o tronco.
— Pelo amor de Deus, mulher, quer me escutar?
— Vou matá-lo — ofegou ela. — Portanto...
— Vim aqui para lhe pedir desculpas.
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— Se fizer isso comigo, juro...
— Vim aqui para lhe pedir desculpas, caramba!
Addison resmungou. Contorceu-se mais uma vez. Era como lutar com um gato
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selvagem...
Embora fosse uma mulher.
Quente.
Flexível.
Sedosa.
Eram duas pessoas envolvidas em um combate mortal... E, ainda assim, apesar de
tudo, Jake sentia seu corpo traidor voltar à vida.
Os cabelos tinham a fragrância das flores. Lírios do vale. Lilases. Seu limitado
conhecimento de floricultura não lhe permitia identificar o aroma, sabia apenas que era
delicada e surpreendentemente antiquada.
A respiração de Addison era quente. Tinha o aroma do vinho. Aquela boca devia ter
um sabor encorpado e doce.
Os seios eram macios. Deus, ela era toda macia! Doce e sedosa. Jake imaginou qual
seria a sensação de se enterrar fundo dentro dela, ter aquelas pernas em torno de sua
cintura.
No espaço de uma batida do coração, ele se encontrava excitado, ereto e sólido
como uma pedra contra o corpo estirado sob o dele.
— Droga! — resmungou Jake, girando para o lado, erguendo-se e virando de costas.
Mantinha a cabeça baixa, as mãos nos quadris e a respiração ofegante.
Os nomes com que ela o xingara foram suaves perto do que ele merecia.
Se Addison McDowell de fato tivesse um revólver, poderia atirar nele, porque Jake
merecia. Um homem que se excitara, enquanto lutava com uma mulher aterrorizada...
Jake inspirou profundamente, soltou o ar devagar e girou na direção dela.
Addison estava de pé, segurando a lanterna que lançava seu foco oscilante sobre
ele, sobre o chão, sobre tudo.
Não havia nenhuma arma.
Jake queria dizer alguma coisa, mas o quê? Por fim, limpou a garganta.
— Você... está bem? Addison. Por favor, você está...
— Acabou?
Jake franziu a testa.
— Juro-lhe, não vim aqui com a intenção de feri-la. — Addison deixou escapar um
som da garganta. Esperava que ela estivesse resfolegando por não acreditar em suas
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palavras, e não engolindo em seco as lágrimas. — Addison...
— Vá embora — disse ela, exausta. — Entre em sua picape e...
— Vim me desculpar. Dizer-lhe que tudo que falei em El Sueno foi apenas...
— Não quero ouvir suas desculpas. Tudo que desejo é vê-lo partindo daqui.
Tudo bem. Ela estava revidando a grosseria com que ele a tratara? Apenas um
santo não o faria.
— Fingir estar armada foi uma tolice.
— Sob as circunstâncias — respondeu ela —, acho que foi uma boa ideia.
Addison havia aprumado a coluna e a voz soava mais forte. Aquela moça tinha
coragem.
— Boa ideia, presumindo que eu não tivesse uma.
— E por que acharia que estava armado?
Jake deu de ombros.
— Estamos no Texas.
E, por incrível que parecesse, Addison soltou uma risada. Jake conseguiu respirar
com mais facilidade.
— Tem certeza de que não a machuquei?
— Apenas meu orgulho. Alguns anos atrás, fiz um curso de tae-kwon-do, quando me
mudei para Nova York. O instrutor disse que eu seria capaz de lutar com um assaltante.
E, agora, parece que não consigo me defender de um caubói.
Ao que parecia, ela havia se recuperado. Tinha de admirá-la. Aquela mulher era
forte e resiliente.
— Há anos que ninguém me chama de caubói.
- Talvez seja por isso que não consegui dominá-lo.
Jake soltou uma risada. Em seguida, se calou, lutando para encontrar as palavras
certas para o que teria de ser dito. Não havia como Addison não ter percebido o que
acontecera quando a tinha sob o corpo.
— Ah, sobre o que aconteceu, quando eu, ah, estava sobre você... — Jake se calou
outra vez. Ela não disse uma palavra. Um calor intenso se espalhou pelo rosto de Jake.
— Apenas queria que soubesse que... o que aconteceu foi, bem, foi involuntário...
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Addison, indiferente. — Acho que não
notei.
Uau! Jake não estava esperando aquilo. Está bem. Ela decidira que era hora de lhe
dar o troco. Muito bem, podia lidar com aquilo.
— Bem — disse ele, de repente —, se tem certeza de que está bem...
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— Estou bem.
— Quer que eu fique aqui até que entre em casa? — Addison resfolegou e soltou
uma risada. Mais uma onda de calor se espalhou pelo rosto marcado pelas cicatrizes,
mas dessa vez não por constrangimento. — Sabe de uma coisa? — Jake começou,
cauteloso. — Não sei como se age no leste, mas aqui as pessoas costumam aceitar
pedidos de desculpas.
— O mesmo ocorre no leste, mas não quando vindas de idiotas.
Um músculo se contraiu na mandíbula de Jake. Bastava, pensou, virando de costas
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e se dirigindo à picape.
— Capitão? — Jake olhou ao redor. — A próxima vez que decidir me fazer uma
visita, lembre-se de que há uma dúzia de armas dentro desta casa.
— Vou lhe dar um conselho — retrucou Jake, em tom de voz frio. — Não ameace
um homem, com ou sem uma arma, a não ser que esteja preparada para arcar com as
consequências.
— Conselho é a última coisa que desejo de tipos como você, capitão Wilde. É um
homem mal-humorado, com um temperamento explosivo e tão cheio de si que...
Jake marchou na direção dela.
— Se quer falar sobre pessoas cheias de si, moça, tente explicar o modelo que
escolheu vestir esta noite.
Addison pestanejou, confusa.
— Como disse?
— Seda preta, curto. Com sapatos de salto alto. — Estaria ele de fato dizendo
aquilo tudo? Ele soava como um tolo, mas as palavras jorravam — Devia ter pendurado
uma placa no pescoço com os dizeres: “Olá, Wilde’s Crossing. Já viram tipos como eu
antes?”
Os olhos prateados se espremeram.
— Terminou?
Terminara? Não. Ele não havia terminado. Estava longe disso.
— Comportei-me como um tolo em El Sueno.
— Se está esperando que eu discorde...
— Mas o que você fez foi pior.
— Pior? Defender-me de você foi pior?
— Eu poderia tê-la matado. — As palavras soaram firmes e geladas. Addison sentiu
aquele gelo na medula dos ossos. — Não me entenda mal. Você estava assustada. Uma
picape a seguindo naquela estrada deserta e escura... compreendo isso. Mas, quando
colocou seus faróis e a lanterna sobre mim, viu quem eu era...