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Não fale mal de seu concorrente
Flavio Farah*

Tempos atrás, publiquei um artigo no qual fazia uma determinada análise ética tomando como base
os dados de uma pesquisa feita por uma firma de consultoria. Pouco depois, recebi uma mensagem
de um conhecido consultor. Para minha surpresa, em vez de emitir opinião sobre o tema do texto,
ele criticava a qualidade dos dados da pesquisa que eu tinha mencionado. Não entendi por que ele
se preocupava com algo que, para mim, era secundário. Senti-me incomodado com a crítica.

Pouco depois, publiquei outro artigo, para o qual me baseei em dados de pesquisa de outra empresa
de consultoria. Novamente ele me escreveu criticando o estudo que eu havia usado como base.
Dessa vez senti irritação. Ele não dava a mínima atenção ao tema principal de textos cuja produção
tinha me custado horas de investigação, reflexão e redação. Por que ele procedia desse modo?

De repente, eu entendi. Ele, provavelmente, estava enciumado. Ao mencionar as pesquisas daquelas
firmas de consultoria, eu estava, implicitamente, prestigiando concorrentes seus, coisa que ele não
podia suportar. Concluí que aqueles artigos estavam fazendo mal ao seu ego.

Certa vez li um livro intitulado Do fracasso ao sucesso na arte de vender, do norte-americano
Frank Bettger. O autor tinha sido um jogador de beisebol (ou de futebol americano, não me lembro
bem) que, por ter se machucado seriamente, ficou incapacitado para o esporte e foi forçado a mudar
de profissão, tornando-se vendedor de seguros. A obra relata a história de como ele, no começo,
experimentou fracasso após fracasso para, gradualmente, evoluir e tornar-se um vendedor de grande
sucesso.

A certa altura do livro, quando já havia dominado os segredos de seu novo ofício, Bettger relata a
visita que fez ao presidente de uma empresa. O executivo, orgulhosamente, disse-lhe que tinha um
seguro contratado com uma companhia concorrente e perguntou à queima-roupa: “Não é uma boa
seguradora a minha?”. Bettger respondeu prontamente: “Não existe melhor!”. Qual o efeito dessa
resposta? Ao elogiar o competidor, Bettger fez um elogio indireto ao cliente e atraiu sua simpatia.

Suponhamos que um fornecedor faça uma visita a um cliente potencial. Se o cliente lhe comunicar
que adquire rotineiramente mercadorias de seu competidor, o vendedor poderá ficar tentado a des-
qualificar o produto do concorrente por acreditar que, desse modo, conseguirá atrair o cliente para
sua empresa. Essa estratégia, todavia, poderá produzir efeitos opostos aos esperados. Primeiro, des-
qualificar o produto do competidor significa criticar, indiretamente, a própria capacidade de escolha
do cliente, e isso poderá ofendê-lo. Segundo, a desqualificação do competidor poderá ser percebida
pelo cliente como uma atitude mesquinha, como uma manifestação de inveja e de falta de respeito
do fornecedor em relação ao concorrente. O resultado será a antipatia do cliente em relação ao ven-
dedor e a deterioração da imagem do vendedor e de sua organização perante o cliente.

Foi o que ocorreu comigo. As críticas daquele consultor a seu concorrente eram inoportunas. Elas
me ofenderam e produziram em mim a percepção de que o consultor estava faltando com o respeito
a colegas de profissão apenas por inveja. Esse profissional se apequenou aos meus olhos.

Não fale mal de seu competidor. Afinal, ele é seu colega de profissão ou de ramo de negócios. Se
você tiver ciência de algum ato ilícito cometido por seu concorrente e quiser fazer alguma coisa a
respeito, a providência adequada é apresentar uma denúncia ao órgão competente. Evite, porém,
criticar de forma leviana seus competidores porque, se assim fizer, além de desrespeitá-los, você
correrá o risco de perder clientes.

* Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na
gestão de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com

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