O poema fala sobre a reconstrução do eu lírico, que passa por um processo de autoconhecimento e renovação interior, desprendendo-se de ilusões e sentimentos falsos para encontrar a verdade e a fé dentro de si mesmo.
Soneto da reconstrução em homenagem a Machado de Assis
1. Soneto da reconstrução
( em homenagem a Machado de
Assis)
Minha construção sou eu
Eis o que me faz agora viver
A mim mesmo todo refazer
Achar a fé no peito ateu
Mas não renego esse mundo
Nem dele agora me desfaço
Pois é da tua luz que me refaço
Tornando-o terreno bem fecundo
E espremendo do coração
Tudo que não era verdade
Escorreu primeiro a paixão
Depois vi sair muita saudade
Que não passava de ilusão
Casca da falsa felicidade
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2. GLADIADORES
Os gladiadores entram na arena.
Não têm mais espadas nas mãos,
nem lanças, nem redes, nem escudos.
Também perderam os capacetes dourados.
A multidão grita ruidosamente.
Xingam os gladiadores.
Aplaudem.
No meio deles uma bola de couro,
mas que parece de aço,
é intermediária da violência natural
que permeia o coração dos Homens.
Viva o futebol!
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3. VIVA A PREGUIÇA!
Um homem sábio teve uma idéia
e construiu uma casa.
Um homem valente teve uma idéia
e conquistou terras.
Um homem prático teve uma idéia
e inventou um moinho.
Um homem ambicioso teve uma idéia
e instituiu a escravidão.
Um homem preguiçoso teve duas idéias:
escreveu um poema e compôs uma canção.
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4. A PALAVRA
De todas as coisas
que o homem inventou
a mais bonita,
a mais justa,
a mais certa,
a mais perfeita,
a mais complexa,
a mais resistente,
a mais flexível,
a mais clara,
a mais completa,
a mais lógica,
a mais indispensável
de todas as coisas
foi a PALAVRA.
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5. A CRIAÇÃO
No primeiro dia,
Deus criou o rosto e os cabelos da mulher.
No segundo dia,
Deus criou o corpo,os braços e os seios.
No terceiro dia, criou o colo.
No quarto dia, criou as pernas e os pés.
No quinto dia, a fez sorrir.
No sexto dia, Deus criou
tudo mais que existe no mundo.
No sétimo dia, descansou.
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6. A LUA
A Lua que vejo
da janela do meu quarto
é a mesma que minha avó vê
do banco do avarandado.
O meu quarto fica em Minas,
o avarandado de minha avó, na Bahia.
A lua que vejo
da calçada de minha rua
é a mesma que um menino magro e nu vê
do terreiro de sua tribo.
Minha rua fica no Brasil,
a tribo do menino, na África do Sul.
A lua que vejo
da praia do meu país
é a mesma que um pescador vê
do mar da Indonésia.
Meu país fica na América,
a Indonésia, na Ásia.
A lua me faz sentir
tão perto de minha avó,
do menino magro e nu,
do pescador,
tão perto de todo mundo.
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7. INSÔNIA
Ouço um cão latindo na Coréia do Norte.
Um tiro estourando na Irlanda.
O choro de um menino com fome na África.
A ânsia de uma baleia ferida no Pacífico.
Uma bomba explodindo em Israel.
Uma mãe chorando na Palestina.
Cristais se partindo na Rússia.
Uma mulher pedindo socorro no Afeganistão.
Um suicida cortando os pulsos no Japão.
Um nariz aspirando cocaína em Hong-Kong.
Um fantasma louco berrando na Alemanha.
Um bêbado cuspindo em Nova Iorque.
O som de um velho tambor na China.
Uma flauta triste no Peru.
Um índio chorando no Amapá.
Uma árvore caindo na Amazônia.
Os passos de um rato em São Paulo.
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8. A SANTA
De todas as orações
que subiam para o céu
ano após ano,
dia após dia,
nasceu uma bela santa
que antes não existia.
E ela ficou tão comovida
por tanta fé que havia
que começou a fazer os milagres
que o povo lhe pedia.
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9. MENINO
Com os olhos de menino
vejo o mundo bem melhor
fica tudo tão mais claro
e o sonho bem maior.
Com os olhos de menino
Alegro meu coração
fico mais perto da vida
e longe da solidão.
Com os olhos de menino
Vejo a lua mais bonita
fica tudo tão mais raro
e minha alma infinita.
Com os olhos de menino
aprendi a caminhar
a contar no céu estrelas
para o homem descansar.
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10. A MULATA
A mulata que balança as ancas
que balança a rua,
que balança a cidade,
que balança o país,
que balança o mundo;
bate cartão na fábrica de tecelagem
às cinco horas da manhã.
A mulata que se alimenta de sol e samba
que mora numa caixa de sapato,
que nunca foi a um salão de beleza,
que nunca entrou numa banheira,
que não toma leite;
fabrica misteriosamente
a carne mais luxuosa do mundo.
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11. PALAVRA DE POETA
Se o seu nome for Carolina
por favor não me diga.
Por favor...
Esse nome me encanta
mais que o seu corpo,
mais que os seus olhos,
a sua voz, a sua boca.
Se você disser o seu nome
nossa amizade estará perdida
e mais um amor
brotará no meu peito já dilacerado.
E já são tantos...
Mas não acredite
se eu disser : te amo.
É tudo mentira.
É que os poetas
vivem mais de palavras
do que da própria vida.
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12. EX-ROMÂNTICO
Nunca mais irá ao cinema.
Tampouco escutará música.
Evitará os quadros, as flores
e não olhará mais para a lua.
Nunca mais lerá poesia.
Não entrará em teatros
nem beberá vinho.
Não quer mais saber
dessa gente louca
lembrando-lhe do amor
que pulsa e lateja
por baixo da pele,
dos gestos, dos olhos,
noite e dia.
O amor não existe!
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13. POETA ANTIGO
Sua casa era de papel
assim como os móveis,
os animais de estimação
e as plantas do jardim.
Seu terno era de papel
assim como seu automóvel,
seu espelho, seus sapatos
e seus óculos.
Seus amigos eram de papel
assim como sua amante,
sua cadeira, sua mesa
e seu perfume.
Sua alma era de papel
assim como a sua cruz
seu cavalo, sua espada
e seu escudo.
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14. O FUTURO
Meninos de alumínio
brincam de matar borboletas de metal
que pousam sobre flores de borracha.
Mulheres de silicone
conversam sentadas em bancos de acrílico
e sorriem, mostrando os dentes de resina.
Homens de fibra de vidro
andam para lá e para cá
sem terem o que fazer.
Os automóveis são blindados;
as casas são blindadas;
os corações são blindados.
Ninguém respira mais pelo nariz;
todos têm um aparelho de oxigênio
implantados no lugar de pulmões.
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15. MIRAGEM
Tudo em sua volta é desassossego.
As pessoas se espremem,
automóveis se empurram,
prédios brotam do asfalto,
a fumaça sufoca,
a solidão aumenta,
a miséria se multiplica,
o tempo fica nervoso,
o dia perde tamanho.
Mas a igreja não perde sua calma.
No meio desse turbilhão
ela exibe a sua paciência
com tanta lucidez e serenidade
que mais parece uma miragem.
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16. O ANJO DA POESIA
(para Carlos Drumond de Andrade)
Um anjo azul
de asas cor de rosa
sobrevoa a cidade de ferro.
Leva em uma das mãos
uma rosa amarela
e na outra, uma lilás.
Ninguém acredita no que vê.
Só um menino raquítico
de olhos miúdos,
mãos vacilantes ,
de nome Carlos acredita.
O anjo lhe joga as rosas;
ele as recolhe
plantando-as no seu coração.
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17. HUMANISMO
A tua dor dói em mim
talvez mais do que em ti.
A tua fome me enfraquece
talvez mais do que a ti.
A tua tristeza me entristece
talvez mais do a ti.
O teu frio me faz tremer
talvez mais do que a ti.
O teu sorriso me alegra
talvez mais do que a ti.
Ser humano dói!
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18. O MUSEU
Uma bola Uma boneca
de meia. de pano.
Uma atiradeira.
Um pedaço Um soldadinho
de corda. de chumbo
Uma gangorra
.
Um cavalinho Um carrinho
de pau. de rolimã .
Uma finca.
Uma caixinha Um boizinho
de música. de barro.
Uma caneta esferográfica.
Uma folha de papel.
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19. AUTÔMATO
Enquanto dorme
suas células se multiplicam.
Enquanto sofre
seu sangue transporta oxigênio.
Enquanto duvida
seus glóbulos brancos fagocitam.
Enquanto chora
suas unhas crescem.
Enquanto se arrepende
seus ossos acumulam cálcio.
Enquanto planeja
seus neurônios morrem.
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20. ANJO NEGRO
( para Pixinguinha)
Lá vai o anjo negro
de terno branco e chapéu de palha
tocando sua flauta.
Todos param para ouvi-lo
e tudo se transforma por onde passa.
As flores vivas ficam mais vivas,
as flores mortas ressuscitam ,
doentes se curam,
casas tristes ficam alegres,
crianças pobres sorriem,
homens maus ficam bons,
mulheres cansadas se animam.
Lá vai o anjo negro
de terno branco e chapéu de palha
subindo para o céu,
acompanhado por uma orquestra de outros anjos.
O mundo para por um minuto de girar.
O PALHAÇO
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21. Fez uma cidade inteira sorrir
apenas com um belo escorregão.
Conhece muito bem todo segredo
que existe para abrir um coração.
E sabe pintar um sorriso
nos lábios de uma pessoa .
Não importa se velho ou menino
se triste, se não ri à toa.
As cores que pintam seu rosto
pintam bem mais sua vida.
Só sai da pele , não da alma
que anda pela rua colorida.
“E o palhaço o que é... o que é ? “
“O palhaço é ladrão de mulher”.
A cara do palhaço está feliz
mesmo se o homem não estiver.
ORAÇÃO PARA SÃO FRANCISCO
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22. São Francisco me empresta tuas sandálias
para eu aprender o caminho,
tuas vestes para eu aprender a ser simples
e teu cordão para eu amarrar o meu desejo.
São Francisco me empresta tua boca
para eu aprender a falar sem ofender,
teus olhos para eu aprender a ver sem desejar
e tuas mãos para eu aprender a dar.
São Francisco me empresta tuas chagas
para eu aprender a suportar a dor,
tua alma para eu aprender a ser humilde
e teu coração para eu aprender a ser santo.
Amém.
A SOLIDARIEDADE PERFEITA
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23. A solidariedade dos dentes
A solidariedade dos dedos
A solidariedade dos olhos
A solidariedade das mãos
A solidariedade das pernas
A solidariedade dos seios
A solidariedade das letras
A solidariedade das palavras
O AMOR DE DEUS
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24. Encontrei Deus
sentado na grama do jardim,
triste, prostrado, inconformado;
chorando a morte de uma formiga.
Depois de enxugar as lágrimas
Ele a ressuscitou.
QUARENTA ANOS
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25. Nem doce nem salgado.
Nem alegre nem triste.
Nem sol nem sombra.
Nem rio nem lama.
Nem pedra nem flor.
Nem satisfeito nem faminto.
Nem moço nem velho.
Nem no começo ou no fim.
Somente no meio da vida,
no meio da morte.
A VIDA
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26. A febre, a tosse, o nariz escorrendo
e o menino crescendo, crescendo.
O verme, a pereba, a dor de garganta
e o menino sozinho já se levanta.
A queda, o corte doendo e sangrando
e o menino danado aparece andando.
A caxumba a bronquite, o peito chiando
e o menino teimoso já está falando.
A gripe, o sarampo, a dor de ouvido
e o menino já passa do vestido.
E chegou o dia da primeira comunhão,
ninguém pode com a vida. Não!
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27. A METRÓPOLE
A cidade de longe parece brinquedo;
de perto enche de medo.
A cidade de longe parece bonita;
de perto ela é triste e aflita.
A cidade de longe parece chamar;
de perto só faz recusar.
A cidade de longe parece tão calma;
de perto tortura a alma.
A cidade de longe parece que cresce;
de perto somente apodrece.
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28. LEGIÃO
Homero ficou cego;
Camões perdeu olho;
Cervantes foi cobrador de impostos;
Pessoa se dividiu;
Drumont ficou mudo;
Murilo perdeu a fé;
Nava não suportou
e uma Legião de desconhecidos
caminham com as almas dilaceradas,
famintas e sedentas de poesia.
Então, anda, levanta
e escreve o poema que (te) acordou
no meio da noite.
Senão amanhã não poderá
olhar nos olhos do seu filho.
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