SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 1
Baixar para ler offline
E STA D O D E M I N A S       ●    S Á B A D O ,         2 6     D E     M A I O       D E     2 0 0 7



                                                                                                           VEÍCULOS                                                                                                                     11
         MATÉRIA DE CAPA

       Corridas do Mineirão nas décadas de 1960 e 1970 apresentavam os melhores
      carros preparados nacionais, como o vencedor Opala nº 21, com 350cv de potência
                                                                                                                                                                                                                  FOTOS: ARQUIVO/EM




               Torcida chegava cedo para ocupar os melhores lugares e assistir de perto às corridas entre os veículos nacionais, preparados para a disputada no entorno do Mineirão: público chegou a 150 mil pessoas




Opala, Alfa Romeo, Corcel, Puma, Simca Chambord, Fusca e até protótipos estavam entre os modelos que disputavam as cinco corridas que ocorreram entre o final de década de 1960 e início dos anos de 1970


              DANIEL CAMARGOS                                                                                                                                                                          Além da ausência de Marcelo Cam-




                                                 Fora do gramado
                                                                                                                                                                                                   pos, considerado por Toninho um dos
    No fim da década de 1960 e início da                                                                                                                                                           grandes entusiastas das corridas do Mi-
de 1970, a população de Belo Horizonte                                                                                                                                                             neirão, a prova tinha ingredientes que
era de 1 milhão de habitantes e, segun-                                                                                                                                                            atiçavam a disputa, como a presença
do o Estado de Minas do dia 2 de setem-                                                                                                                                                            dos irmãos Fittipaldis, além de outros
bro de 1969, cerca 150 mil pessoas foram                                                                                                                                                           28 pilotos, de Minas Gerais, São Paulo,
ao Mineirão dois dias antes, um domin-                                                                  FOTOS: FERNANDO ARMÍNIO/ARQUIVO PESSOAL/MUSEU VIRTUAL FEDERAÇÃO MINEIRA DE AUTOMOBILISMO   Rio de Janeiro e Brasília. Emerson Fitti-
go, assistir à corrida de automóveis “nu-                                                                                                                                                          paldi, àquela época campeão da Fórmu-
ma festa de velocidade, perícia ao volan-                                                                                                                                                          la 3 Inglesa, era o grande favorito, mas o
te, arrojo e sangue-frio”. Tanto entusias-                                                                                                                                                         Corcel número 74 apresentou uma sé-
mo foi provocado pelo surpreendente                                                                                                                                                                rie de defeitos e ele abandonou a prova
público que se acotovelava do lado de                                                                                                                                                              na décima volta. A disputa ficou entre
fora do estádio e que antes do nascer do                                                                                                                                                           Toninho da Matta, Wilson Fittipaldi e
Sol já se dirigia à Pampulha, para presen-                                                                                                                                                         Luis Pereira Bueno.
ciar a prova que se iniciaria às 9h. “Não                                                                                                                                                              Wilson pilotava um Fusca, que teve
havia muitas regras nem muita segu-                                                                                                                                                                defeito na barra de direção, possibilitan-
rança. O público era separado dos carros                                                                                                                                                           do à Toninho alcançar uma vantagem de
apenas por uma corda, e o risco de aci-                                                                                                                                                            nove voltas. Com o problema resolvido,
dentes era enorme. Quem visse aquilo                                                                                                                                                               Wilson voltou à corrida, passou Toninho,
hoje, poderia dizer que era um suicídio                                                                                                                                                            mas quebrou definitivamente, abando-
coletivo. Já a preparação dos carros era                                                                                                                                                           nando a corrida. Restou ao piloto mineiro
feita no equilíbrio. Cada um corria com                                                                                                                                                            administrar a vitória até completar as
o que tinha e o preparava como podia”,                                                                                                                                                             500 milhas, com duas voltas de vanta-
explica Toninho da Matta, o maior cam-                                                                                                                                                             gem sobre o segundo colocado. A vitória
peão das corridas do Mineirão e pai do                                                                                                                                                             foi dedicada ao amigo Marcelo Campos
piloto Cristiano da Matta, já recuperado                                                                                                                                                           e, segundo o Estado de Minas, “se alguns
de acidente nos EUA.                                                                                                                                                                               corredores tinham cara de sono, no dia
    Naquela manhã de 1969, nas Cem Mi-                                                                                                                                                             da corrida, foi porque passaram a noite
lhas da Independência, que era a prova Pilotos da época eram considerados malucos e não-profissionais, mas estavam na TV               Emerson e Boris no Ford Corcel de fibra                     em claro velando Marcelo”.
do dia, Toninho deu 66 voltas em seu
Opala número 21 e ficou em primeiro,                                                                                                                                                               FINAL Segundo Toninho, entre o fim da
deixando Martius Jarjour Carneiro, com                                                                                                                                                             década de 1960 e início da de 1970 houve
um Alfa Romeo GTA, em segundo lugar, e                                                                                                                                                             cerca de cinco provas no Mineirão. Mas
Ronaldo Augusto Ferreira, com um Opa-                                                                                                           LAMENTO                                            a falta de segurança e a morte de Marce-
la, em terceiro. A simbiose entre Toninho                                                                                                                                                          lo Campos contribuíram para o fim das
e o Opala 21 entrou para a história da ci-                                                                                                      Toninho da Matta já pensou                         competições. Com a falta de um autó-
dade e do automobilismo nacional. A                                                                                                             em produzir uma réplica do                         dromo, os pilotos disputavam corridas
preparação foi feita por Chico Landi, que                                                                                                       Opala número 21 que fez his-                       em diversos locais na cidade. Em 1949,
à época tinha 50 anos e foi o primeiro                                                                                                          tória. Isso porque depois de                       houve corridas corridas de carreteras em
brasileiro a competir na Fórmula 1. “Le-                                                                                                        muito tempo em exposição                           volta da Lagoa da Pampulha e em, 1967,
vei o carro para São Paulo e instalaram                                                                                                         na revenda que o patrocina-                        no Bairro Cidade Nova, recém-loteado,
um motor monstruoso (350cv de potên-                                                                                                            va, o veículo foi sorteado. “Ri-                   teve corrida com participação de pilotos
cia, três carburadores e comando de vál-                                                                                                        faram o carro, uma pessoa                          paulistas. Somente este ano foi inaugu-
vulas importado), mas o carro ficou ruim                                                                                                        ganhou, usou até acabar e                          rado o circuito do Mega Space, em Santa
de suspensão”, lembra Toninho. Para                                                                                                             pôs fim à história”, lamenta                       Luzia, que tem 1,5 mil metros de exten-
ajustar, foram retirados os vidros laterais,                                                                                                    Toninho. Na sua época, as                          são, com largura mínima de 12m e má-
e as portas, o capô e a tampa traseira pas-                                                                                                     corridas eram transmitidas                         xima de 16m. O grid de largada compor-
saram a ser de fibra de vidro.                                                                                                                  pela televisão, mas nem as-                        ta até 30 veículos na realização de com-
    Foi com o carro acertado que Toninho                                                                                                        sim os pilotos alcançavam fa-                      petições profissionais.
conquistou aquela que considera a sua                                                                                                           ma dos ídolos de hoje. Toni-                           Além de Toninho e o Opala outros pi-
maior vitória: a prova dos 500 quilôme-                                                                                                         nho explica que o piloto era                       lotos e carros fizeram sucesso e dividiam
tros de BH, em 18 de janeiro de 1970. Na                                                                                                        considerado um sujeito                             a torcida nas corridas do Mineirão. Mar-
véspera, o piloto Marcelo Campos, que ti-                                                                                                       “meio maluco, que não tinha                        celo Campos com o Puma GT número 39,
nha sido campeão brasileiro de carros na-                                                                                                       visão profissional”. Na foto,                      Boris Feldman com o Corcel número 74,
cionais, no autódromo da Barra da Tiju-                                                                                                                        d
                                                                                                                                                Toninho (d) ao lado de seu                         Kid Cabeleira com o Simca Chambord
ca, no Rio de Janeiro, estava treinando pa-                                                                                                     primo Ivaldo da Matta (e).         e               número 82 e Clóvis Banana com o Fusca
ra a competição de Belo Horizonte quan-                                                                                                                                                            número 3 preparavam seus carros du-
do bateu em uma picape e morreu.                                                                                                                                                                   rante meses para a prova da Pampulha.

Mais conteúdo relacionado

Mais de Daniel Camargos (20)

Efi2506p0001
Efi2506p0001Efi2506p0001
Efi2506p0001
 
Ept2406p0005
Ept2406p0005Ept2406p0005
Ept2406p0005
 
Ept2406p0004
Ept2406p0004Ept2406p0004
Ept2406p0004
 
Ept2406p0003
Ept2406p0003Ept2406p0003
Ept2406p0003
 
Efi2406p0001
Efi2406p0001Efi2406p0001
Efi2406p0001
 
Ept2306p0004
Ept2306p0004Ept2306p0004
Ept2306p0004
 
Ept2306p0003
Ept2306p0003Ept2306p0003
Ept2306p0003
 
Efi2306p0001 2ed
Efi2306p0001 2edEfi2306p0001 2ed
Efi2306p0001 2ed
 
Ept2206p0004
Ept2206p0004Ept2206p0004
Ept2206p0004
 
Ept2206p0003
Ept2206p0003Ept2206p0003
Ept2206p0003
 
Efi2206p0001 2ed
Efi2206p0001 2edEfi2206p0001 2ed
Efi2206p0001 2ed
 
Ept2206p0004
Ept2206p0004Ept2206p0004
Ept2206p0004
 
Ept2206p0003
Ept2206p0003Ept2206p0003
Ept2206p0003
 
Efi2206p0001 2ed
Efi2206p0001 2edEfi2206p0001 2ed
Efi2206p0001 2ed
 
Ept2106p0004
Ept2106p0004Ept2106p0004
Ept2106p0004
 
Ept2106p0003
Ept2106p0003Ept2106p0003
Ept2106p0003
 
Efi2106p0001 2ed
Efi2106p0001 2edEfi2106p0001 2ed
Efi2106p0001 2ed
 
Ept2006p0004
Ept2006p0004Ept2006p0004
Ept2006p0004
 
Ept2006p0003
Ept2006p0003Ept2006p0003
Ept2006p0003
 
Efi2006p0001 2ed
Efi2006p0001 2edEfi2006p0001 2ed
Efi2006p0001 2ed
 

Corridas de carros no Mineirão nas décadas de 1960 e 1970

  • 1. E STA D O D E M I N A S ● S Á B A D O , 2 6 D E M A I O D E 2 0 0 7 VEÍCULOS 11 MATÉRIA DE CAPA Corridas do Mineirão nas décadas de 1960 e 1970 apresentavam os melhores carros preparados nacionais, como o vencedor Opala nº 21, com 350cv de potência FOTOS: ARQUIVO/EM Torcida chegava cedo para ocupar os melhores lugares e assistir de perto às corridas entre os veículos nacionais, preparados para a disputada no entorno do Mineirão: público chegou a 150 mil pessoas Opala, Alfa Romeo, Corcel, Puma, Simca Chambord, Fusca e até protótipos estavam entre os modelos que disputavam as cinco corridas que ocorreram entre o final de década de 1960 e início dos anos de 1970 DANIEL CAMARGOS Além da ausência de Marcelo Cam- Fora do gramado pos, considerado por Toninho um dos No fim da década de 1960 e início da grandes entusiastas das corridas do Mi- de 1970, a população de Belo Horizonte neirão, a prova tinha ingredientes que era de 1 milhão de habitantes e, segun- atiçavam a disputa, como a presença do o Estado de Minas do dia 2 de setem- dos irmãos Fittipaldis, além de outros bro de 1969, cerca 150 mil pessoas foram 28 pilotos, de Minas Gerais, São Paulo, ao Mineirão dois dias antes, um domin- FOTOS: FERNANDO ARMÍNIO/ARQUIVO PESSOAL/MUSEU VIRTUAL FEDERAÇÃO MINEIRA DE AUTOMOBILISMO Rio de Janeiro e Brasília. Emerson Fitti- go, assistir à corrida de automóveis “nu- paldi, àquela época campeão da Fórmu- ma festa de velocidade, perícia ao volan- la 3 Inglesa, era o grande favorito, mas o te, arrojo e sangue-frio”. Tanto entusias- Corcel número 74 apresentou uma sé- mo foi provocado pelo surpreendente rie de defeitos e ele abandonou a prova público que se acotovelava do lado de na décima volta. A disputa ficou entre fora do estádio e que antes do nascer do Toninho da Matta, Wilson Fittipaldi e Sol já se dirigia à Pampulha, para presen- Luis Pereira Bueno. ciar a prova que se iniciaria às 9h. “Não Wilson pilotava um Fusca, que teve havia muitas regras nem muita segu- defeito na barra de direção, possibilitan- rança. O público era separado dos carros do à Toninho alcançar uma vantagem de apenas por uma corda, e o risco de aci- nove voltas. Com o problema resolvido, dentes era enorme. Quem visse aquilo Wilson voltou à corrida, passou Toninho, hoje, poderia dizer que era um suicídio mas quebrou definitivamente, abando- coletivo. Já a preparação dos carros era nando a corrida. Restou ao piloto mineiro feita no equilíbrio. Cada um corria com administrar a vitória até completar as o que tinha e o preparava como podia”, 500 milhas, com duas voltas de vanta- explica Toninho da Matta, o maior cam- gem sobre o segundo colocado. A vitória peão das corridas do Mineirão e pai do foi dedicada ao amigo Marcelo Campos piloto Cristiano da Matta, já recuperado e, segundo o Estado de Minas, “se alguns de acidente nos EUA. corredores tinham cara de sono, no dia Naquela manhã de 1969, nas Cem Mi- da corrida, foi porque passaram a noite lhas da Independência, que era a prova Pilotos da época eram considerados malucos e não-profissionais, mas estavam na TV Emerson e Boris no Ford Corcel de fibra em claro velando Marcelo”. do dia, Toninho deu 66 voltas em seu Opala número 21 e ficou em primeiro, FINAL Segundo Toninho, entre o fim da deixando Martius Jarjour Carneiro, com década de 1960 e início da de 1970 houve um Alfa Romeo GTA, em segundo lugar, e cerca de cinco provas no Mineirão. Mas Ronaldo Augusto Ferreira, com um Opa- LAMENTO a falta de segurança e a morte de Marce- la, em terceiro. A simbiose entre Toninho lo Campos contribuíram para o fim das e o Opala 21 entrou para a história da ci- Toninho da Matta já pensou competições. Com a falta de um autó- dade e do automobilismo nacional. A em produzir uma réplica do dromo, os pilotos disputavam corridas preparação foi feita por Chico Landi, que Opala número 21 que fez his- em diversos locais na cidade. Em 1949, à época tinha 50 anos e foi o primeiro tória. Isso porque depois de houve corridas corridas de carreteras em brasileiro a competir na Fórmula 1. “Le- muito tempo em exposição volta da Lagoa da Pampulha e em, 1967, vei o carro para São Paulo e instalaram na revenda que o patrocina- no Bairro Cidade Nova, recém-loteado, um motor monstruoso (350cv de potên- va, o veículo foi sorteado. “Ri- teve corrida com participação de pilotos cia, três carburadores e comando de vál- faram o carro, uma pessoa paulistas. Somente este ano foi inaugu- vulas importado), mas o carro ficou ruim ganhou, usou até acabar e rado o circuito do Mega Space, em Santa de suspensão”, lembra Toninho. Para pôs fim à história”, lamenta Luzia, que tem 1,5 mil metros de exten- ajustar, foram retirados os vidros laterais, Toninho. Na sua época, as são, com largura mínima de 12m e má- e as portas, o capô e a tampa traseira pas- corridas eram transmitidas xima de 16m. O grid de largada compor- saram a ser de fibra de vidro. pela televisão, mas nem as- ta até 30 veículos na realização de com- Foi com o carro acertado que Toninho sim os pilotos alcançavam fa- petições profissionais. conquistou aquela que considera a sua ma dos ídolos de hoje. Toni- Além de Toninho e o Opala outros pi- maior vitória: a prova dos 500 quilôme- nho explica que o piloto era lotos e carros fizeram sucesso e dividiam tros de BH, em 18 de janeiro de 1970. Na considerado um sujeito a torcida nas corridas do Mineirão. Mar- véspera, o piloto Marcelo Campos, que ti- “meio maluco, que não tinha celo Campos com o Puma GT número 39, nha sido campeão brasileiro de carros na- visão profissional”. Na foto, Boris Feldman com o Corcel número 74, cionais, no autódromo da Barra da Tiju- d Toninho (d) ao lado de seu Kid Cabeleira com o Simca Chambord ca, no Rio de Janeiro, estava treinando pa- primo Ivaldo da Matta (e). e número 82 e Clóvis Banana com o Fusca ra a competição de Belo Horizonte quan- número 3 preparavam seus carros du- do bateu em uma picape e morreu. rante meses para a prova da Pampulha.