1. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
OS EFEITOS JURÍDICOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL NO
CÓDIGO CIVIL VIGENTE
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICA: MARIA CECILIA AMORIM
MEDEIROS GONDRAN
São José (SC), novembro de 2004.
2. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
OS EFEITOS JURÍDICOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL NO
CÓDIGO CIVIL VIGENTE
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob
orientação da Profa. Esp. Anna Lúcia Martins Mattoso
Camargo.
ACADÊMICA: MARIA CECILIA AMORIM
MEDEIROS GONDRAN
São José (SC), novembro de 2004.
3. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
OS EFEITOS JURÍDICOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL NO
CÓDIGO CIVIL VIGENTE
MARIA CECILIA AMORIM MEDEIROS GONDRAN
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em
Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, 8 de novembro de 2004.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Profa. Esp. Anna Lúcia Martins Mattoso Camargo - Orientadora
_______________________________________________________
Prof. Esp. André Luiz Sarda - Membro
_______________________________________________________
Profa. MSc. Solange H. Kool - Membro
4. Dedico este trabalho:
Aos meus pais, ao meu marido e aos meus filhos, por serem
o patrimônio mais valioso e sagrado de minha vida.
5. AGRADECIMENTOS
À professora Anna Lúcia Mattoso Camargo pela competência, dedicação e
incentivo na orientação desse trabalho.
Aos meus pais Santina e José, pela base sólida da minha vida e por me ensinarem
que família é aquela construída com amor.
Ao meu marido, Ademir, companheiro de todas as horas, pela paciência, estímulo
e apoio, sem o qual não teria suporte para elaborar essa pesquisa.
Aos meus filhos Leandro, Fernanda e Camilo pela compreensão pelos momentos
de convivência roubados em favor do estudo.
Às minhas grandes amigas Denise Grillo e Christina Caputo pela colaboração e
apoio dado nos momentos difíceis.
Ao meu grupo de amigos pelas horas de laser tão necessárias e pelo carinho
sempre demonstrado.
Aos meus amigos e colegas Karla, Aleomar, Maximiliano, Aline e Gustavo pela
amizade e pelo companheirismo constante.
A Dra. Maria Eloísa Neves May, Juíza Substituta do Juizado Especial Criminal de
São José, pela amizade e oportunidade de crescimento que me proporcionou.
Aos professores e colegas de turma que foram importantes companheiros nesta
caminhada.
A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização desta
pesquisa.
A Deus por me possibilitar concluir mais esta etapa em minha vida.
6. “Agora dizei-me: que é que vedes quando vedes um homem e uma
mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que é
o fruto de seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o juiz, com a sua
lei, ou o padre, com o seu sacramento? Que importa isto? O acidente
convencional não tem força para apagar o fato natural.”
Virgílio de Sá Pereira
7. RESUMO
O presente estudo trata dos reflexos jurídicos patrimoniais da união estável no ordenamento
jurídico atual. Visa, desta forma, demonstrar a necessidade de mecanismos legais que garantam
os bens adquiridos na constância dessa união. Para tanto foi utilizado o método indutivo, sendo
estudados vários autores que tratam sobre o tema, além dos textos legais. Inicialmente fez-se uma
retrospectiva histórica da família até o advento da Constituição Federal de 1988, que a
reconheceu como entidade familiar, passando a dar-lhe proteção. Especifica-se a situação da
união estável, independente do tempo de convívio, através do seu conceito, características
essenciais e os efeitos jurídicos pessoais resultantes da relação. Também se analisou as Leis nº
8.971/94 e 9.278/96 e o Código Civil de 2002, que trouxe importante contribuição, no sentido de
regulamentar a união estável. Por fim, como objetivo principal do trabalho, foram abordados os
efeitos jurídicos patrimoniais gerados por essa união, merecendo destaque a aplicação do regime
da comunhão parcial de bens e o contrato escrito. Outrossim, nota-se um avanço na legislação
atual, e que, apesar das leis esparsas e da instituição da união estável estar no corpo do atual
Código Civil, ainda permanecem lacunas sobre o tema.
Palavras chave: entidade familiar – união estável - efeitos patrimoniais – comunhão parcial
de bens – contrato escrito
8. ABSTRACT
The present study it deals with the patrimonial legal consequences of the steady union in the
current legal system. It aims at, of this form, to demonstrate the necessity of legal mechanisms
that guarantee the goods acquired in the constancy of this union. For in such a way the inductive
method was used, being studied some authors who treat on the subject, beyond the legal texts.
Initially a historical retrospect of the family became until the advent of the Federal Constitution
of 1988, that it recognized other forms of family, starting giving protection to them. It is specified
situation of the steady union raised the essential category of familiar entity, its concept,
caracteristics and the legal effect personal resultants of the relation. Also was analyzed Laws nº
8,971/94 and 9,278/96 and the Civil Code of 2002, that it brought important contribution, in the
prescribed direction of the steady union. Finally the patrimonial legal effect generated by this
union had been boarded, deserving it has detached the application of the regimen of the partial
community property of good and the written contract. Therefore, notices an advance in the
current legislation, and that, despite the excess of referring statutes to this new form of familiar
organization, still they remain many gaps on the subject.
Word-keys: familiar entity, steady union, patrimonial effect, partial community property of
good, written contract.
9. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Apud Citado por, segundo
Art. Artigo
CC Código Civil
Cf. Confira, compare, confronte
CF Constituição Federal
Coord. Coordenador
Des. Desembargador
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
LICC Lei de Introdução ao Código Civil
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
10. SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 10
1 IMPORTANTES CONSIDERAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA E SEU PAPEL NA
SOCIEDADE................................................................................................................... 12
1.1 DA FAMÍLIA ROMANA À FAMÍLIA ATUAL ...................................................... 12
1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA ........................................................................................ 14
1.3 AS MUDANÇAS NO CONCEITO DE FAMÍLIA ................................................... 16
1.4 CONCEITO DE CASAMENTO ................................................................................ 18
1.5 O DIREITO DE FAMÍLIA JUNTO AO ARTIGO 226 DA CF/88 ........................... 20
1.6 A FAMÍLIA DECORRENTE DA UNIÃO ESTÁVEL ............................................. 24
1.7 A FAMÍLIA FORMADA POR QUALQUER UM DOS PAIS E SEUS
DESCENDENTES............................................................................................................ 26
2 UNIÃO ESTÁVEL – ELEMENTOS CARACTERIZADORES E A
LEGISLAÇÃO VIGENTE ........................................................................................... 28
2.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA UNIÃO ESTÁVEL ................................ 28
2.2 APONTAMENTOS SOBRE A LEGISLAÇÃO........................................................ 33
2.2.1 A evolução jurídica da união estável à luz das leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96........ 33
2.2.2 A união estável e o Código Civil vigente ................................................................ 40
2.3 EFEITOS PESSOAIS DA UNIÃO ESTÁVEL.......................................................... 45
3 EFEITOS JURIDICOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL...................... 50
3.1 O REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS............................................... 53
3.2 O CONTRATO ESCRITO ........................................................................................ 54
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 63
ANEXOS.......................................................................................................................... 68
APÊNDICES ................................................................................................................... 83
11. INTRODUÇÃO
O estudo ora apresentado analisa as conseqüências patrimoniais advindas do
reconhecimento da união estável, entre um homem e uma mulher, como entidade familiar, pela
Constituição Federal de 1988. Como é cediço a ocorrência cada vez maior de uniões sem
casamento civil em nossa sociedade, denota-se a necessidade de regras que garantam os bens
adquiridos durante a convivência, justificando, portanto, a escolha do referido objeto de pesquisa.
Não resta dúvida que este trabalho tem relevante significado social e jurídico, eis que
trata de situação ainda polêmica em nosso meio. E que, apesar de existirem leis esparsas e o
instituto da união estável estar no corpo do Código, permanecem divergências doutrinárias e
jurisprudenciais.
Pode-se destacar, ainda, como finalidade precípua desta pesquisa, verificar os efeitos
jurídicos patrimoniais oriundos da união estável, quanto à aplicação do regime de comunhão
parcial de bens, no silêncio das partes, e a realização de um contrato que discipline de forma
diversa da prevista em lei, a divisão de bens frente ao Código Civil vigente. Desta forma faz-se
necessário, preliminarmente, uma retrospectiva histórica da família, até o advento da
Constituição Federal de 1988, que determinou novos preceitos constitucionais, sobretudo no que
se refere a instituição da família. Ademais, para a obtenção do resultado desejado, utilizou-se,
nesta monografia, o método indutivo, empregando-se a técnica de pesquisa bibliográfica e de
textos legais.
O estudo do tema exposto deu-se em três capítulos. No primeiro capítulo fez-se uma
análise da família, haja vista as importantes alterações em seu conceito, decorrentes das
constantes transformações sociais e morais. Posteriormente demonstraram-se as inovações
trazidas pelo texto constitucional, ao reconhecer a união estável entre um homem e uma mulher
como entidade familiar, determinando que o Estado lhe desse proteção. Além do reconhecimento
da família formada por um só dos pais e seus descendentes, protegendo, por conseguinte, os
diferentes núcleos familiares.
No segundo capítulo apresenta-se o conceito de união estável e os requisitos
indispensáveis para sua caracterização, bem como se verifica a legislação aplicável, analisando
12. aspectos ainda vigentes das Leis nº 8.971/94 e 9.278/96. Outrossim, faz-se um estudo mais
acurado dos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil atual, apresentado em seu Livro IV, Título III,
que trata especificamente da união estável. Por derradeiro, destacam-se os efeitos pessoais desse
instituto.
No terceiro capítulo são analisados os efeitos jurídicos patrimoniais da união estável,
sendo que num primeiro momento, dar-se-á ênfase ao regime da comunhão parcial de bens, ou
seja, os companheiros passam a partilhar todo o patrimônio que vier a ser adquirido na constância
da união, salvo contrato escrito. Em seguida, destaca-se o contrato como outra forma de dispor e
administrar os bens, que não a definida em lei, deixando aos conviventes liberdade para
determinarem a destinação de seus bens, do modo que melhor lhes aprouver.
É bem verdade que a farta doutrina e as controvérsias jurisprudenciais fazem este tema
ser inesgotável. Voltado para a atualidade, a presente pesquisa busca apontar os avanços
verificados neste tipo de união e as adequações jurídicas que se processam para garantir aos
companheiros maior segurança patrimonial.
Salienta-se, entretanto, que a legislação referente a essa nova forma de organização
familiar, bem como a divergência existente entre os próprios doutrinadores e a jurisprudência,
dificultam uma abordagem estática sobre tão relevante e dinâmico instituto que é a união estável.
13. 1 IMPORTANTES CONSIDERAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA E SEU PAPEL
NA SOCIEDADE
1.1 DA FAMÍLIA ROMANA À FAMÍLIA ATUAL
A família é, indiscutivelmente, a base da sociedade. No direito brasileiro ela é posta sob
especial proteção do Estado, como se infere da leitura do art. 226, caput, da Constituição Federal
“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.1
Inicialmente cabe destacar a origem da família antiga, que segundo professa Fustel de
Coulanges, não se encontrava unicamente na geração ou no vínculo de sangue, mas sim em razão
do culto. A família como grupo era essencial para perpetuação do culto familiar sendo irrelevante
a existência de parentesco entre as pessoas. A família antiga se ligava a seus membros por um
vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto aos antepassados.
Embora o afeto natural pudesse existir, este não servia como ligação entre os membros da
família. A família era, assim, uma associação religiosa antes de ser associação natural.2
Vamos encontrar nos romanos a referência de organização familiar, espelhando-se na
família romana como padrão de organização institucional, onde o ordenamento jurídico brasileiro
busca sua fonte.3
Nesse sentido expressa Orlando Gomes:
A evolução jurídica da família importa, entre os povos de nossa área cultural, a partir de
Roma. O direito romano deu-lhes estrutura inconfundível, tornando-a unidade jurídica,
econômica e religiosa fundada na autoridade soberana de um chefe.
De seu acentuado caráter político, resultou a analogia entre sua organização e a do
Estado.4
Impende observar que a estrutura da família romana era tipicamente patriarcal. À frente
da família encontrava-se o pater, palavra que significa mais chefe do que propriamente pai. O
ascendente mais velho reunia seus membros sob sua autoridade formando a família. A mulher
1
BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil. Organizador: Yussef Said Cahali. 5 ed.
São Paulo: RT, 2003. p. 132.
2
Cf. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 45.
3
Cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.6.
4
GOMES, Orlando. Direito de Família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 39.
14. quando se casava abandonava o culto de sua família e passava a cultuar os mesmos deuses e
antepassados do marido. E como a família era um grupo de pessoas sob o mesmo lar, que
invocava os mesmos antepassados, era preciso que um descendente homem continuasse o culto
familiar, para não caírem em desgraça, caso não fossem cultuados os antepassados.5
Quanto a sua organização, a família romana, durante a Idade Média, sofreu a influência
do Direito Canônico. A igreja criou um conjunto de cânones, expressão utilizada para denominar
as suas normas jurídicas, com o escopo de diferenciá-las das leis do Estado, que seriam utilizadas
para complementar estas leis em caso de omissão. E foi sobre a família, em especial sobre o
matrimônio que a Igreja mais legislou, impondo severas penalidades, de ordem jurídica ou social,
aos membros da família, em situações de extrema gravidade.6
Consoante o tema exposto argumenta Orlando Gomes:
Na organização jurídica da família hodierna é mais decisiva a influência do direito
canônico. Para o cristianismo, deve a família fundar-se no matrimônio, elevado a
sacramento por seu fundador. A igreja sempre se preocupou com a organização da
família, disciplinando-a por sucessivas regras no curso dos dois mil anos de sua
existência, que por largo período histórico vigoraram, entre os povos cristãos, como seu
exclusivo estatuto matrimonial. Considerável, em conseqüência, é a influência do direito
canônico na estruturação jurídica do grupo familiar.7
No que se refere à influência do direito canônico na família moderna, segue do mesmo
autor:
Assinala-se tanto na determinação das condições para o casamento como de seus efeitos
jurídicos e de sua dissolução. É de origem canônica a doutrina dos impedimentos
matrimoniais [...]. Aos canonistas devem-se os princípios e as noções relativas à
nulidade do matrimônio. A forma solene de celebração do casamento e o princípio do
consensualismo aplicado aos nubentes decorrem das práticas adotadas pela Igreja. A
posição mais favorável da mulher na sociedade conjugal [...]. A proibição de
reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos, mantida na maioria dos Códigos
modernos, provém da condenação da Igreja às uniões sexuais de que provêm esses
filhos. Por sua influição, abrandou-se, porém, a condição dos bastardos, admitida sua
legitimação por subseqüente matrimônio [...]. A indissolubilidade do vínculo do
casamento [...] o instituto da separação de corpos, denominado, entre nós, desquite, pelo
qual se dissolve a sociedade conjugal sem quebra do vínculo matrimonial.8
Historicamente, a família recebeu elementos determinantes de outras culturas e passou
por inúmeras transformações, através dos tempos, sofrendo influências políticas, religiosas,
econômicas e sociais de outros povos, até surgir a família atual, adaptada aos novos tempos.
5
Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. V. 6. p. 18.
6
Cf. LUZ, Valdemar P. da. Curso de Direito de Família. Caxias do Sul: Mundo Jurídico Editora, 1996. p.15.
7
GOMES, Orlando. Direito de família. p. 40.
8
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 40-41.
15. O instituto da família refletiu os interesses e contingências de acordo com a época em
que elas surgiram, tendo ambos os sexos, de alguma forma, contribuído para isso, sendo assim,
homem e mulher são igualmente responsáveis pela sucessão de fatos ocorridos, no âmbito
familiar, até os dias presentes.9
Abordado sucintamente seu histórico, vale adentrar na evolução do conceito de família,
tendo em vista as modificações ocorridas com o transcorrer do tempo.
1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA
O conceito de família, sua compreensão e extensão muito se alteraram com o passar do
tempo. Podemos observar que em determinada época, a família era concebida como um
organismo mais amplo, em outra, com tendência mais reduzida de seus membros, como ocorre
hodiernamente.
Assim preleciona De Plácido e Silva quanto à origem do vocábulo família:
Derivado do latim família, de famel (escravo, doméstico), é geralmente tido, em sentido
restrito, como a sociedade conjugal.
Neste sentido, então, família compreende simplesmente os cônjuges e sua progênie. E se
constitui, desde logo, pelo casamento.
Mas, em sentido lato, família quer significar todo ‘conjunto de pessoas ligadas pelo
vínculo de consangüinidade’ (Clóvis Beviláqua). Representa-se, pois, pela totalidade de
pessoas que descendem de um tronco ancestral comum, ou sejam provindas do mesmo
sangue, correspondendo à gens dos romanos e ao genos dos gregos.
No sentido constitucional, mais amplo, confunde-se com a expressão “entidade
familiar”.
É a comunhão familiar, onde se computam todos os membros de uma mesma família,
mesmo daqueles que se estabeleçam pelos filhos, após a morte dos pais.10
E segue o mesmo autor discorrendo acerca do conceito de família:
Na tecnologia do Direito Civil, no entanto, exprime simplesmente a sociedade conjugal,
atendida no seu caráter de legitimidade, que a distingue de todas as relações jurídicas
desse gênero. E, assim, compreende somente a reunião de pessoas ligadas entre si pelo
vínculo de consangüinidade, de afinidade ou de parentesco, até os limites prefixados
pela lei. 11
Em diferentes épocas, vários doutrinadores apresentaram seus conceitos sobre família.
Silvio Rodrigues assim se posiciona sobre o assunto:
9
Cf. SOARES, Orlando. União estável. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 18.
10
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 347.
11
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 347.
16. O vocábulo “família” é usado em vários sentidos. Num conceito mais amplo poder-se-ia
definir família como formada por todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue,
ou seja, todas aquelas pessoas provindas de um tronco ancestral comum; o que
corresponde a incluir dentro da órbita da família todos os parentes consangüíneos.
Numa acepção um pouco mais limitada, poder-se-ia compreender a família como
abrangendo os consangüíneos em linha reta e os colaterais sucessíveis, isto é, os
colaterais até quarto grau.
Num sentido ainda mais restrito, constitui família o conjunto de pessoas compreendido
pelos pais e sua prole.12
Segundo leciona Clóvis Beviláqua, família, “é o conjunto de pessoas ligadas pelo
vínculo da consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restrita, segundo as
várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se por família somente os cônjuges e a
respectiva progênie”.13
Na mesma esteira Caio Mário da Silva Pereira:
[...] em sentido genérico e biológico, família é o conjunto de pessoas que descendem de
tronco ancestral comum. Em sentindo mais estrito, a família é considerada o conjunto de
pessoas unidas pelos laços do casamento e da filiação. Durante séculos, fora ela um
organismo extenso e hierarquizado, mas sob a influência da lei da evolução, retraiu-se,
para se limitar a pais e filhos.14
Na lição do jurista Silvio Venosa:
[...] importa considerar a família em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o
conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido,
compreende os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam
parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é
considerado parente. Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo
formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder.15
Para o Direito brasileiro, a idéia tradicional de família, que se constitui de pais e filhos
unidos a partir de um casamento regulado pelo Estado, foi ampliada a partir de 1988, com a
Constituição Federal (art. 226, § 4º) que reconheceu “como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes”16, a denominada família monoparental, bem
como a união estável entre homem e mulher, o que representa uma grande evolução na ordem
jurídica brasileira em relação ao conceito de família, fazendo prevalecer a aplicação do Princípio
12
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. V. 6. p.4.
13
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. Rio de Janeiro. Editora Rio, 1976. p.16. Apud. PEREIRA, Rodrigoda
Cunha.Concubinato e união estável: de acordo com o novo Código Civil. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
p.5.
14
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v.5. p.13-14. Apud.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável: de acordo com o novo Código Civil. p.5.
15
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 16
16
CF/88.
17. do Pluralismo Familiar17. O Código Civil vigente (CC/2002) incorporou essas novas concepções
ao receber a união estável no corpo de seu texto.
Nesse prisma, vale transcrever o entendimento do jurista Carlos Aurélio Mota de Souza:
Respeitante à Família, e sensível à realidade cultural brasileira, o Constituinte
reconheceu a necessidade de proteger e amparar socialmente outras modalidades de
núcleos familiares, denominando-os de união estável e família monoparental, além do
próprio casamento religioso. Poderíamos atribuir ao art. 226 da Constituição o haver
instituído um “sistema familiar constitucional”, de caráter aberto, não discriminatório,
que acolhe e ampara as diversidades, com os mesmos direitos: ao mesmo tempo em que
aplica o princípio da igualdade, também respeita o da liberdade dos casais escolherem o
tipo de vida familiar pretendido.18
Em derradeiro, é preciso considerar a família atual de maneira mais universalizada e
entender que a realidade e a dinâmica atual apresenta outras formas de constituí-la além do
casamento, que devem ser protegidas e amparadas uma vez institucionalizada pelo Estado.
1.3 AS MUDANÇAS NO CONCEITO DE FAMÍLIA
Para o legislador moderno família é o grupo constituído pelos cônjuges e sua prole,
tendo o conceito de família sofrido mudanças com relação à participação do Estado na proteção à
família.19
Neste diapasão discorre o jurista Orlando Gomes:
O Estado intervém, por sua vez, nas relações domésticas, restringindo poderes,
atribuindo direitos, fiscalizando os governantes de família e se fazendo árbitro, através
do juiz, dos desentendimentos entre marido e mulher.
Por todos esses fatos e por todos esses motivos, o conceito de família mudou.
Abandonou-se, em síntese a concepção puramente privativista da família. A sua
estrutura encolheu. Remanejou-se o quadro das distintas posições jurídicas de seus
membros, organizando-se um novo equilíbrio.20
Ademais a noção de família legítima resulta da instituição do casamento e envolve
aspectos jurídicos, econômicos e religiosos.
Sobre o tema em tela, ensina Orlando Gomes:
17
Cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha.Concubinato e união estável: de acordo com o novo Código Civil. p. 6.
18
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. O Casamento. In. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva,
MENDES,Gilmar Ferreira, NETTO Domingos Franciulli, coordenadores. O novo Código Civil: Estudos em
homenagem ao professor Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003. p. 1269-1285. p. 1113.
19
Cf. GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 22-23.
20
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 23.
18. Nos Códigos, dirigem-se as regras à família legítima, que se constitui, unicamente, pelo
casamento. Regulam as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, estabelecidas
como efeitos jurídicos do matrimônio. A filiação, o parentesco, o pátrio poder são
ordenados para a família legitimamente fundada.21
Além disso, encontramos a família natural cujo conceito encontra-se no artigo 25 do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)22, que dispõe: “É a comunidade formada pelos pais
ou qualquer deles e seus descendentes”. Podendo integrar a família natural mesmo os filhos
havidos fora do casamento, mediante reconhecimento dos pais, conjunta ou separadamente.23
Acrescente-se que pela importância dada à família, que é a base de toda formação do
Estado, os legisladores instituíram a família substituta.
Nesse sentido Orlando Soares argumenta:
Instituiu a Lei nº 8.069, de 13.07.1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) a
denominada família substituta (art. 28), ou seja, aquela que, como a própria expressão
indica, destina-se a ocupar o lugar da considerada legítima, ou natural.
A colocação da criança (até 12 anos de idade incompletos), ou do adolescente (entre 12 e
18 anos – art. 2º da Lei nº 8.069/90) em família substituta far se-á mediante guarda,
-
tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos
termos do referido diploma legal (arts, 28 e segs).24
Com o tempo a sociedade apresenta mudanças que alteram o comportamento, surgindo a
necessidade de modificação da legislação, pois o direito deve acompanhar a realidade social.
Vale transcrever a posição do jurista Orlando Gomes:
A Constituição de 1988 realizou enorme progresso na conceituação e tutela da família.
Não aboliu o casamento como sua forma ideal de regulamentação, mas também não
marginalizou a família natural como realidade social digna de tutela jurídica. Assim, a
família que realiza a função de célula da sociedade e que, por isso, “tem especial
proteção do Estado” (art. 226, caput), tanto é aquela que provém do casamento, como a
que resulta da “união estável entre o homem e a mulher” (art. 226, § 3º), assim como a
que se estabelece entre “qualquer dos pais e seus descendentes”, pouco importando a
existência, ou não, de casamento entre os genitores (art. 226, § 4º).25 (grifo nosso)
Após rastrearmos alguns conceitos de família, sua importância e as alterações sofridas
pelo vocábulo, passamos a analisar o significado do casamento, tendo em vista sua relevância
social e seus efeitos.
21
GOMES, Orlando. Direito de Família.p. 42
22
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13/07/1990.
23
ECA. Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou
separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público,
qualquer que seja a origem da filiação.
24
SOARES, Orlando. União estável. p. 20.
25
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 34.
19. 1.4 CONCEITO DE CASAMENTO
Nos diversos períodos da civilização, nota-se que sempre houve uma preocupação com a
organização familiar, seja através das leis ou da religião, no sentido de haver um certo controle
sobre sua constituição, objetivando sua manutenção e proteção.26
Sobre este tema Rainer Czajkowski argumenta:
Por um longo período da história, a organização das sociedades em família foi realizada
pela implantação e utilização de um instituto aperfeiçoado com o nome de matrimônio.
Tal instituto, primeiro aliado à religião, como sacramento, depois ao Estado (pelo menos
na civilização ocidental), passou a significar uma verdadeira instituição, pois era com o
casamento que se garantia a existência, o progresso e a segurança das relações
familiares. Todo o conjunto de direitos e deveres conjugais, os graves efeitos
patrimoniais, a certeza dos vínculos de parentesco, notadamente da filiação,
cristalizaram-se como o conteúdo do Direito de Família, a partir do casamento.27
Nessa esteira, cumpre ressaltar o que leciona De Plácido e Silva acerca do vocábulo
casamento:
Na terminologia jurídica, designa o contrato solene que, gerando a sociedade conjugal
ou formando a união legítima entre o homem e a mulher, vem estabelecer os deveres e
as obrigações recíprocas, que se atribuem a cada um dos cônjuges, seja em relação a
eles, considerados entre si seja em relação aos filhos que se possam gerar dessa união. É,
no entanto, o casamento, em tal espécie, determinado propriamente de casamento civil,
pois que, em verdade, ainda podemos considerar a palavra no sentido genérico, ou na sua
feição de casamento religioso.28
Prossegue o mesmo autor:
Sem que, a rigor, possa ser aplicado casamento para designar toda união voluntária de
um homem e de uma mulher, que se acordem em viver junto e constituir família, não
deixa essa união, em verdade, de revelar o casamento de fato, onde o estado de casado
pode trazer benefícios à prole dele surgida.
Por esse motivo, com justo acerto, sempre se acresce ao vocábulo, para formar a idéia de
sua aprovação legal, a adjetivação civil, que indica a sanção da lei ao ato que a praticou,
em conseqüência do que se formou o contrato conjugal.29
Mister se faz ressaltar a influência da Igreja com relação a esse instituto e longa é a
discussão se o casamento é um sacramento ou um contrato. Silvio Venosa aduz:
Para o Direito Canônico, o casamento é um sacramento e também um contrato natural,
decorrente da natureza humana. Os direitos e deveres que dele derivam estão fixados na
natureza e não podem ser alterados nem pelas partes nem pela autoridade, sendo
perpétuo e indissolúvel.
26
Cf. CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. Curitiba: Juruá, 2003. p. 37-38.
27
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. p. 38-39.
28
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 157.
29
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 157.
20. Discorrendo sobre o mesmo tema assenta Orlando Soares: “Para a religião Católica
Apostólica Romana, o casamento não é um contrato e sim um sacramento (juramento, sinal
sagrado), instituído em caráter sacral por Jesus, sendo indissolúvel, até que a morte separe os
nubentes”. 30
Segue argumentando o mesmo autor:
Versando sobre a natureza jurídica do casamento, assinala Caio Mário da Silva Pereira
que, independentemente da concepção institucionalista, “ainda há os que se insurgem
contra a natureza contratual das núpcias, sob fundamento de que, não obstante o
consentimento recíproco que os gera [...], diferem do contrato pela constituição, modo de
ser, duração e efeitos”.
E acrescenta:
Para outros, o casamento é um contrato, tendo em vista a indispensável declaração
convergente de vontades livremente manifestadas e tendentes à obtenção de finalidades
jurídicas.
[...]
Do ponto de vista estritamente jurídico, casamento é o contrato solene, por meio do qual
o homem e a mulher se unem em comunhão de vida, de interesses e de assistência, para
constituírem uma família legítima.31
Nesse prisma, vale trazer o expressivo conceito de Clóvis Beviláqua:
O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se
unem indissoluvelmente, regulando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais
estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole,
que por ambos nascer.32
Ainda, no que tange a definição de casamento prevalece para o direito brasileiro atual, a
seguinte conceituação: “Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a
união do homem e da uma mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações
sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”. 33
Destarte, o CC/2002, em seu Livro IV, Título I, Do Direito Pessoal, cuidando do
casamento no Subtítulo I, oferece um conceito abrangente em seu art. 1.511 “O casamento
estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direito e deveres dos cônjuges”. 34
Após algumas conceituações de casamento, de acordo com a posição de alguns juristas e a
legislação, passamos ao estudo do conjunto de regras aplicáveis às relações entre as pessoas
ligadas pelo casamento, parentesco ou afinidade, formando uma instituição social, que é mais que
um contrato, dentro das peculiaridades do Direito de Família.
30
SOARES, Orlando. Direito de Família. p. 23
31
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 23
32
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. § 6º.p. 35. Apud. MILHOMENS, Jônatas, MAGELA, Geraldo.
Manual prático de Direito de Família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 43.
33
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. p. 19.
34
CC/2002. Art. 1.511.
21. 1.5 O DIREITO DE FAMÍLIA JUNTO AO ARTIGO 226 DA CF/88
O Direito de Família é constituído de teorias e princípios de direito que regem os
interesses e as relações pessoais e patrimoniais dos indivíduos, entre si, na qualidade de membros
do grupo familiar. Por se tratar da entidade familiar, e sendo esta a base de toda sociedade,
assume importância fundamental em qualquer ordenamento jurídico.35
Na mesma esteira argumenta Silvio Rodrigues “[...] que o direito de família tem por
objeto a exposição dos princípios de direito que regem as relações de família, do ponto de vista
da influência dessas relações não só sobre as pessoas como sobre os bens”. 36
Quanto a natureza jurídica do direito de família, continua o mesmo autor:
Já foi afirmado acima que a família constitui a célula básica da sociedade. Ela representa
o alicerce de toda a organização social sendo compreensível, portanto, que o Estado a
queira preservar e fortalecer. Daí a atitude do legislador constitucional proclamando que
a família vive sob a especial proteção do Estado.
O interesse do Estado pela família faz com que o ramo do direito que disciplina as
relações jurídicas que se constituem dentro dela se situe mais perto do direito público
que do direito privado. Dentro do direito de família o interesse do Estado é maior do que
o individual. Por isso, as normas de direito de família são, quase todas, de ordem
pública, insuscetíveis, portanto, de serem derrogadas pela convenção entre particulares.37
É de se verificar que o Direito de Família abrange vários aspectos, entre eles as uniões
estáveis (art. 226, § 3º, da CF/88), o casamento, seus efeitos jurídicos, a dissolução dele, as
relações de parentesco, a tutela, a curatela e a ausência.38
Orlando Gomes assim se posiciona quanto ao tema em tela:
Direito de Família é o conjunto de regras aplicáveis às relações entre pessoas ligadas
pelo casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela adoção.
A tutela39 e a curatela40 não se originam de relações familiares propriamente ditas, mas
por sua finalidade, conexão histórica e configuração, conservam-se no campo do Direito
de Família, como institutos complementares.
No Direito de Família regem-se precipuamente as relações oriundas do casamento, fonte
única da família legitima, mas daí não se segue que a lei deva desconhecer a união livre
entre pessoas que permanecem juntas para o mesmo fim do matrimônio. A família
extramatrimonial enseja relações que também se compreendem no âmbito do direito de
35
Cf. SOARES, Orlando. União estável. p. 7.
36
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. p. 3.
37
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. p. 11-12.
38
Cf. SOARES, Orlando. União estável. p. 8.
39
“A tutela é o encargo conferido a alguém para proteger a pessoa e administrar os bens dos menores que não se
acham sob o pátrio poder.” (GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 402).
40
“ Curatela, segundo a sempre citada definição de Clóvis Beviláqua, ‘é o encargo público, conferido, por lei, a
alguém, para dirigir a pessoa e administrar os bens de maiores, que por si não possa fazê-lo” ( Código Civil dos
Estados Unidos do Brasil Comentado, 8ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Francisco Alves, 1950. vol.II, notas ao art. 447.
Apud GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 418).
22. família, notadamente as que resultam da procriação natural. Numerosos preceitos
aplicam-se à família ilegítima, pois que o parentesco resulta, não da sua legitimidade,
mas da consangüinidade.41
Conforme o mesmo jurista o Direito de Família acompanha as necessidades e os
sentimentos do nosso tempo, sem temor de que as modificações possam vir a destruir ou
descaracterizar o importante papel que a família desempenha.42 Acrescenta, ainda, o autor:
A Constituição de 1988 mostrou-se sensível a todas as tendências da família no mundo
contemporâneo, pois proclamou a completa igualdade de direitos e deveres entre os
cônjuges (art. 226, § 5º), apoiou a família natural tanto como a civil (art, 226, § 3º) e
eliminou qualquer distinção entre os filhos biológicos e adotivos art. 227, § 6º).43
Sobre Direito de Família e suas peculiaridades assim discorre Silvio Venosa:
O direito de família, ramo do direito civil com características peculiares, é integrado pelo
conjunto de normas que regulam as relações jurídicas familiares, orientado por elevados
interesses morais e bem-estar social. Originalmente, em nosso país, o direito de família
vinha regulado exclusivamente pelo Código Civil. Princípios constitucionais e
numerosas leis complementares derrogaram parcialmente vários dispositivos do Código
de 1916, ou indiretamente com a família. O Código Civil de 2002 procura fornecer uma
nova compreensão da família, adaptada ao novo século.44
As necessidades da sociedade se alteram de forma dinâmica e como todo ser humano
tem sua origem de uma família é essencial o amparo amplo e irrestrito a esta instituição social
que é a base do Estado.
Ao caracterizar a união estável entre um homem e uma mulher como entidade familiar,
a CF/88 gerou inúmeros efeitos jurídicos e também reações contrárias de setores mais
conservadores da sociedade, que anteviam um perigo aos alicerces morais da sociedade.45
É válido expor o pensamento de José Cahali:
O nosso sistema jurídico, desde sua origem, conquanto reconhecida a existência do
concubinato como fato social incontornável, sempre se mostrou extremamente resistente
à outorga de efeitos positivos à relação extramatrimonial.
Assim foi, pela inspiração no Direito Canônico, insistente a orientação em prestigiar,
como base da sociedade, unicamente o casamento segundo as normas vigentes. Só o
matrimônio criava a família legítima, e apenas esta vinha acobertada pela proteção do
Estado.
Com este quadro, identificada a família com a figura exclusiva do casamento, excluída a
ordem jurídica qualquer outra forma de agrupamento, toda a sua regulamentação
destinava-se exclusivamente ao matrimônio, tratado o concubinato como situação a
latere, velada e restritiva de direitos.
[...]
41
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 1.
42
Cf. GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 14.
43
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 15.
44
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 24.
45
Cf. CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. p.13.
23. Mas a sociedade, na constante função criadora e recriadora de princípios e normas,
motivadora das mudanças nas relações sociais, sensibilizando os estudiosos e os
operadores do Direito, não se furtava a provocar o Judiciário e o Legislativo
apresentando esta realidade, que, mesmo não sendo nova, passou a ser cada vez mais
constante, principalmente em razão da indissolubilidade do casamento.
Assim, aos poucos se verificou a evolução doutrinária jurisprudencial e legislativa,
conferindo efeitos decorrentes do concubinato, já emergindo a nova jurídica aos seus
partícipes – companheiros.46
Hodiernamente, com o advento da CF/88, a família ficou mais liberal e tornou-se mais
justa, pois trouxe à legalidade milhares de famílias antes marginalizadas por não terem a proteção
ou a segurança legal que a instituição do casamento oferecia.
Convém notar, outrossim, o que leciona Orlando Gomes:
Embora a Constituição tenha colocado sob proteção especial do Estado tanto a família
legítima como a natural, não teve a intenção de igualar por inteiro as duas figuras
jurídicas. Tanto assim que ao reconhecer, para os efeitos a tutela estatal, a “união
estável”, o fez sob a advertência de que a lei deverá “facilitar sua conversão em
casamento” (art. 226, § 3º). Isso revela que o ideal de organização da família é a sua
sujeição ao regime civil de casamento, onde todos os relacionamentos entre os membros
da comunidade familiar encontram melhor definição, maior segurança e mais adequado
controle de todos os vínculos gerados pelo status familiae.47
Corroborando com o já exposto Orlando Soares assenta:
Os nossos constituintes de 1988 adotaram a expressão entidade familiar, para efeito de
proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher, assim como “a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §§3º e 4º, da
Carta Política daquele ano)”.
Em outras palavras, o objetivo do preceito constitucional em exame visa a extensão da
proteção do Estado às mencionadas entidades, quer através dos preceitos legais,
previstos no Código Civil, com relação aos direitos e deveres do marido, da mulher e
dos filhos, sob o casamento, quer no que tange à legislação especial, pertinente ao
assunto.
Evidentemente, as normas constitucionais em causa não equiparam a união estável ao
casamento, porquanto este assume forma solene, isto é, formalidades especiais para a sua
realização e validade [...].48
Há que se destacar, ainda, que a CF/88 substituiu a expressão concubinato pelo termo
união estável, que na realidade corresponde a um concubinato puro, conforme será explicado no
decorrer do capítulo. O termo concubinato, embora amplamente utilizado no meio jurídico, era
evitado pelos leigos pela carga de preconceito instalada ao longo do tempo, e pelo peso que
46
CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 2-5.
47
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 44.
48
SOARES, Orlando. União estável. p.1.
24. passou a ter, haja vista indicar um modo de vida ou um estado e não o sentido jurídico da
palavra.49
Salienta-se que antes dessa Constituição, aplicava-se ao então dito concubinato, hoje
denominada união estável, às regras relativas ao direito das obrigações e não às relativas ao
direito de família, eis que anteriormente tais relações não eram tidas como entidades familiares.
Por esse motivo, as questões judiciais advindas das relações concubinárias eram de competência
das varas cíveis, e não das varas de família.50
Registre-se, ainda, que inúmeros projetos tramitaram no Congresso Nacional, após a
Constituição de 1988, para regulamentar o parágrafo 3º do seu artigo 226. Destes, dois se
transformaram em leis, e estaremos abordando, com maior profundidade, oportunamente: são as
Leis 8.971/94 e 9.278/96.
Mister se faz ressaltar as significativas inovações legislativas e conceituais que o
CC/2002 apresenta no Livro IV, a respeito do Direito de Família, como descreve o jurista Silvio
Rodrigues:
Dedica-se, em primeiro lugar, sob o Título I – “Do Direito Pessoal”, às regras do
casamento, sua celebração, validade e causas de dissolução. Desde o início preocupa-se
com a proteção da pessoa dos filhos para, em seguida, dispor sobre as relações de
parentesco, já adaptado à nova sistemática Constitucional de igualdade plena entre os
filhos.
Em um segundo título, vem normatizado o direito patrimonial decorrente do casamento,
com ênfase ao regime de bens e aos alimentos entre parentes, cônjuges e conviventes. A
inovação do Código, neste título, foi ter introduzido um subtítulo destinado ao bem de
família, tratado no Código de 1916 no Livro II, destinado aos bens.
O título III é dedicado à união estável e seus efeitos.
[...]
Para finalizar, a exemplo de como atualmente se encontra a matéria, apresentam-se as
regras relacionadas aos institutos de direito protetivo, quais sejam, a tutela e a curatela.
Inova o Código, nesse aspecto, ao não mais tratar aqui da ausência, deslocada para Parte
Geral.51
Conforme se infere da leitura do parágrafo 3º, do art. 226, da CF/88, bem como das
inúmeras interpretações doutrinárias, claro está que a união estável é reconhecida pelo nosso
sistema jurídico como entidade familiar, tal qual o casamento, sendo incontestável que os
companheiros ou conviventes merecem proteção estatal equivalente à dos cônjuges.
49
Cf. CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. p.59.
50
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. p. 300.
51
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. p. 14-15.
25. 1.6 A FAMÍLIA DECORRENTE DA UNIÃO ESTÁVEL
Em função do desenvolvimento histórico do instituto cabe fazer algumas considerações
quanto ao significado de união livre e concubinato, já que ambos referem-se as relações íntimas
entre um homem e uma mulher, sem haver casamento, ocorrendo algumas vezes a utilização da
expressão concubinato com o mesmo significado que união estável.52
De Plácido e Silva aduz quanto à origem do vocábulo concubinato:
Assim se diz da união ilegítima do homem e da mulher. É , segundo o sentido de
concubinatus, o estado de mancebia, ou seja, a companhia de cama sem aprovação legal.
Embora concúbio signifique coabitação, no sentido legal, concubinato não se forma pela
exigência primária desta situação, ou seja, do estado de casado entre os concubinários
(componentes do concubinato, homem e mulher).
[...]
Sendo assim, sem que possa haver distinção nos efeitos, que do concubinato se possam
gerar ele se apresenta sob um duplo aspecto:
a) de coabitação, em virtude de que o homem e a mulher vivem em estado de casados
(more uxório)
b) de manutenção da mulher por conta do homem, para que seja sua concubina, ou seja,
em terminologia vulgar, sua companheira de cama, em caráter de freqüência ou
habitualidade.
Nesta razão, o primário elemento do concubinato é o concúbio contínuo e
exclusivo da mulher com o homem com quem habita ou que a mantém, como sua
amásia, ou concubina.
Na mesma esteira, se posiciona Edgard de Moura Bittencourt:
a expressão concubinato tem duplo sentido. Um é o sentido genérico análogo à “união
livre”, que é toda ligação de homem e mulher fora do casamento, também chamado
mancebia, amigação, barregã, amásia etc. Um sentido mais específico é o que se refere
ao semimatrimônio, à posse do estado de casado, ao entrosamento de vida e interesses
numa comunhão de fato53. É um casamento de fato. É a convivência more uxório, ou
melhor, é o convívio duradouro de duas pessoas de sexo diferente [...], sob o mesmo teto
como se fossem casadas.54
Portanto, por união livre ou união estável entende-se aquela que não se prende às
formalidades do casamento, ou seja, uniões não oficializadas, onde existe entre os companheiros
o ânimo de durabilidade, publicidade e estabilidade, e que por ter essas características recebe a
proteção do Estado, no campo do Direito de Família.
Salienta-se que no concubinato ocorre uma relação paralela ao casamento ou a outra
união estável, não recebendo este, apoio legal, haja vista, o Estado não poder dar proteção a mais
52
Cf. CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. p. 53.
53
MOURA BITTENCOURT, Edgard de. Concubinato. São Paulo: Leud, 1975. p. 45-46. Apud PEREIRA, Rodrigo
da Cunha. Concubinato e união estável. p. 27 e 28.
54
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p. 28.
26. de uma família ao mesmo tempo, podendo valer-se da teoria das sociedades de fato, no campo
obrigacional.55
Luiz Sérgio do Carmo assim se posiciona sobre a união estável e a Constituição pátria:
A Constituição de 1988, ao ter criado um neologismo jurídico, instituindo a união
estável como entidade familiar, constituída por um homem e uma mulher. Não obstante,
antes da Carta Magna de 05/10/88, já existiam as palavras união e estável, cada qual com
seu significado. O que houve foi apenas a reunião, a substantivação composta, para
definir a condição jurídica dos companheiros em situação peculiar, em comando
normativo.
Fê-lo, pois, para dar proteção e segurança jurídica à sociedade e, especialmente, para as
pessoas que conviviam sem ter se sujeitado previamente às formalidades do casamento,
ainda que não houvesse nenhum impedimento ou ainda que lhes faltasse apenas o
acionamento da vontade para tanto. Antes da promulgação da Carta de 1988, alcunhava-
se de concubinos, genericamente, aqueles que coabitavam sem que casados fossem,
independentemente do estado civil, isto é, de ser apenas um, ou ambos , solteiros,
casados, divorciados ou viúvos.56
Ainda com relação a utilização dos termos união estável e concubinato, Rodrigo da
Cunha Pereira argumenta:
Apresenta-se bastante esclarecedor deste conceito o texto do art. 1º do Substitutivo do
Projeto de 1988/91, que resume toda a evolução dessa matéria:
“Considera -se união estável o concubinato more uxório, público, contínuo e duradouro,
entre homem e mulher, cuja relação não seja incestuosa ou adulterina”.
Diante dos novos dispositivos legais surgidos a partir da Constituição Federal de 1988, a
doutrina e a jurisprudência têm feito uma diferenciação do concubinato em puro e
impuro; no entanto, prefiro as denominações adulterino e não-adulterino. O Novo
Código Civil acabou incorporando essa evolução e traduziu em seus arts. 1.723 e 1.727
tal diferenciação.
Assim, podemos dizer que concubinato é um gênero que comporta duas espécies: o
concubinato adulterino, a que se tem denominado simplesmente concubinato, e o não-
adulterino, que se pode denominar de união estável.
Em síntese, união estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher,
não-adulterina e não incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo
teto ou não, constituindo família sem o vínculo do casamento civil57.
Deste modo, a distinção entre concubinato e união estável (ou livre) faz-se necessária,
para aplicar as medidas e conseqüências jurídicas cabíveis a incidência de cada um dos
institutos58, não podendo tais expressões ser confundidas, frente a vigente legislação brasileira.
55
Cf PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Da união estável. In. DIAS, Maria Berenice, PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(Coord.). Direito de Família e o novo Código Civil. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 265.
56
CARMO, Luiz Sérgio do. Do concubinato à união estável: Doutrina – Legislação - Jurisprudência. São Paulo:
Edijur. 2003. p. 11.
57
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p. 28-29.
58
Cf. PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Da união estável. p. 265.
27. Vistos os elementos caracterizadores dos institutos união estável e concubinato
passamos a análise sucinta de mais um grupo familiar protegido pelo Estado a partir da CF/88, a
família formada por qualquer dos pais e seus descendentes, ou seja, da família monoparental.
1.7 A FAMÍLIA FORMADA POR QUALQUER UM DOS PAIS E SEUS DESCENDENTES
A união estável e a família monoparental, composta por um dos progenitores e sua prole
são também reconhecidas na CF/88 como entidade familiar (art. 226, §§ 3º e 4º). Por serem fatos
cotidianos em nossa sociedade, os constituintes entenderam a necessidade de proteger e amparar
estes novos grupos familiares.
Desta deixa, cumpre transcrever o mencionado artigo, como segue:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre um homem e
a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento
§ 4º entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes.59
Acerca da disposição constitucional, no citado artigo, cumpre esboçar a interpretação do
jurista Orlando Gomes:
Os preconceitos contra a família fora do matrimônio foram totalmente rompidos pela
Constituição de 1988. A família que a Carta Magna considera célula da sociedade e que
se acha sob especial proteção do Estado não é apenas a gerada pelo casamento, mas
também a que se estabelece pela união estável entre um homem e a mulher
(concubinato) e a que se forma entre qualquer dos pais e seus descendentes, pouco
60
importando existência ou inexistência do matrimônio civil (art. 226 §§ 3º e 4º).
Sensível a realidade brasileira, no que diz respeito à família, o constituinte reconheceu a
importância dos diferentes núcleos familiares, atribuindo ao art. 226 da Constituição a instituição
de um “sistema familiar constitucional” de caráter aberto, não discriminatório, que respeita as
diversidades, aplicando ao mesmo tempo o princípio da igualdade e o direito dos casais de
escolherem o tipo de vida familiar pretendido.61
59
CF/88.
60
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 23.
61
Cf. SOUZA, Carlos Aurélio Mota de.O casamento. p. 1113.
28. Impulsionado pela própria sociedade o conceito de família foi ampliado tornando-se
mais verdadeiro e real, e a CF/88, com seus princípios democráticos, tornou-se o marco desta
evolução .
Por derradeiro, o CC/2002 trouxe significativas inovações legislativas e conceituais no
que diz respeito ao direito de família, que serão tratadas no decorrer deste estudo.
29. 2 UNIÃO ESTÁVEL – ELEMENTOS CARACTERIZADORES E A LEGISLAÇÃO
VIGENTE
2.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA UNIÃO ESTÁVEL
Preliminarmente, antes de adentrarmos nos aspectos legais da união estável, relevante se
torna destacarmos seu conceito, bem como os elementos caracterizadores desse instituto, para
que se possa aferir seus efeitos, principalmente patrimoniais.
Para Maria Helena Diniz união estável “É uma união duradoura de pessoas livres e de
sexos diferentes, que não estão ligadas entre si por casamento civil”. 62
Não obstante, o nosso sistema jurídico de família ter como referência o casamento, o
qual cria a família legítima, a união estável, como outra forma de constituição de família, passa a
ter a proteção do Estado, desde que esta disponha dos elementos necessários para sua
caracterização.
Com o fim de melhor compreendermos esta entidade familiar, indispensável
destacarmos o conceito legal contido na Constituição Federal e na Lei 9.278/96: Art. 226 [...] §
3º. “Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” 63. O artigo 1º da Lei
9.278 complementa: “É reconhecida como entidade familiar a convivência d uradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. 64
É de verificar-se, para configuração da união estável, a presença de elementos
fundamentais, que integram essa relação tais como a diversidade de sexos, exigência
constitucional que afasta a possibilidade de se inserir nessa área o relacionamento de pessoas do
mesmo sexo, pois entre esta haverá tão somente uma relação homoafetiva e uma sociedade
civil.65
62
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v.
5. p. 357.
63
CF/88.
64
Lei 9.278/96. Art. 1º.
65
“A expressão “sociedade de fato”, em si, tem significação muito mais abr angente do que aquela união de esforços
nas uniões concubinárias. Genericamente, “sociedade de fato” ou “irregular” é aquela não constituída juridicamente
30. Silvio Venosa argumenta:
A Constituição, assim como o art. 1.723 do Código Civil, também se refere
expressamente à diversidade de sexos, à união do homem e da mulher. Como no
casamento, a união do homem e da mulher tem, entre outras finalidades, a geração de
prole, sua educação e assistência. Desse modo, afasta-se de plano qualquer idéia que
permita considerar a união de pessoas do mesmo sexo como união estável nos termos da
lei. O relacionamento homossexual, modernamente denominado homoafetivo, por mais
estável e duradouro que seja, não receberá a proteção constitucional e,
conseqüentemente, não se amolda aos direitos de índole familiar criados pelo legislador
ordinário. Eventuais direitos que possam decorrer dessa união diversa do casamento e da
união estável nunca terão, ao menos no atual estágio legislativo, cunho familiar real e
verdadeiro, situando-se, acentuadamente no campo obrigacional, no âmbito de uma
sociedade de fato.66
Observa-se, portanto, que a nossa Constituição protege a entidade familiar constituída
pelo homem e pela mulher, porém, há países que reconhecem esse tipo de união, permitindo o
casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Os tribunais brasileiros têm demonstrado receptividade somente quanto a atribuição de
efeitos patrimoniais às uniões homossexuais, sob a qualificação de “sociedade de fato”.
Maria Berenice Dias comenta:
[...] simplesmente encobrir a realidade não irá solucionar as questões que emergem
quando do rompimento das relações quando do rompimento das relações que, mais do
que sociedade de fato, constituem sociedade de afeto, o mesmo liame que enlaça os
parceiros heterossexuais. Necessário é encarar a realidade, pois descabe estigmatizar
quem exerce orientação sexual diferente.67
A notoriedade também é significativa, porém pode ser discreta, pois a união deve ser
conhecida no meio social em que vivem os conviventes, que deverão tratar-se como marido e
mulher.68
Corroborando o já exposto, Maria Helena Diniz assenta:
Notoriedade de afeições recíprocas, que não significa de modo algum publicidade. A
esse respeito bastante expressiva é a lição de Cunha Gonçalves, segundo a qual a ligação
concubinária há de ser notória, porém pode ser discreta, caso em que a divulgação do
fato se dá dentro de um círculo mais restrito, o dos amigos, o das pessoas de íntima
relação de ambos, o dos vizinhos do companheiro, que poderão atestar as visitas
freqüentes do outro, suas entradas e saídas. A discrição seria, como pondera Caio Mário
mas que, no mundo dos fatos, se amolda ao conceito do art. 1.363 do CCB: “ Celebram contrato de sociedade as
pessoas, que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns”. Assim, em
princípio, sociedade de fato não pressupõe relacionamento prolongado, estável; pode existir entre parceiros antes de
se falar em entidade familiar e independente dela. Sem família, a sociedade de fato é questão de direito
obrigacional.” (CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. p. 131)
66
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 55-56.
67
DIAS, Maria Berenice. União homossexual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 87. Apud VENOSA,
Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 483..
68
Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. p. 326.
31. da Silva Pereira, um meio-termo entre a publicidade ou notoriedade franca e o segredo
dessas relações. Assim, não se tem união estável se os encontros forem furtivos ou
secretos, embora haja prática reiterada de relações sexuais.69
É mister que a união estável encontre-se revestida de estabilidade, o que significa que
deve ser duradoura, que se prolongue no tempo. Não existe um prazo determinado de
convivência, mas um período mais ou menos longo vai demonstrar a estabilidade da união,
distinguindo-se da relação transitória, momentânea, eventual, que não passou de um
relacionamento passageiro.
Outro elemento citado na lei é a continuidade, o que pressupõe que a relação seja
contínua, sem interrupções e sobressaltos, que induzem a debilidade no relacionamento entre os
conviventes.
Orlando Gomes comenta sobre o tema:
Não há prazo mínimo, mas deve apresentar-se como “duradoura”, isto é, não haverá
“união estável” quando os fatos revelarem que a convivência entre o homem e a mulher
não passou de “relações passageiras” ou “fugazes”. A descontinuidade, também, induz
debilidade no relacionamento entre os conviventes e afasta a tutela especial da lei. Da
mesma maneira, a clandestinidade da convivência impede a configuração de entidade
familiar.70
Ademais, a união estável terá que se caracterizar pelo objetivo de constituir família, que
se traduz em uma comunhão de vida e de interesses, não sendo fator determinante a existência de
filhos, podendo ser formada apenas pelo homem e pela mulher.
Neste sentido cabe destacar o que leciona Orlando Gomes:
O mais importante, porém, segundo a disciplina da Lei nº 9.278, não é o tempo de
convivência (dado objetivo). É o animus dos companheiros, pois a união estável,
qualquer que seja a duração da convivência, terá de caracterizar-se pelo “objetivo de
constituir família”. Isto quer dizer, somente haverá a “entidade familiar” legalmente
tutelada quando se configurar, por parte dos conviventes, o animus de assumir, perante a
sociedade, “um status em tudo semelhante ao de pessoas casadas, concedendo-se
mutuamente o tratamento, a consideração, o respeito que se dispensam reciprocamente,
os esposos”. 71
Salienta-se que além dos elementos essenciais descritos em lei, há outras características
indicadas pelos doutrinadores que podem ser consideradas, tais como a vontade72 como elemento
criador dessa relação, pois somente ela pode criar e manter a união, com base no princípio da
69
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. p. 325-326.
70
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 49.
71
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 49-50
72
Cf. CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. p. 81.
32. livre manifestação da vontade entre os conviventes ou companheiros. O dever de fidelidade é
outro elemento significativo, já que revela a intenção de vida em comum, além da dependência
econômica da mulher ao homem e da coabitação73. Tendo em vista que a união deve ter aparência
de casamento, apesar de sabermos que no próprio casamento pode haver uma separação
material74 dos cônjuges.75 Todos os requisitos descritos são expressivos e num caso concreto
tomam peso e podem tornar-se decisivos para o julgador.
Diante disso, percebe-se que a união estável subsiste com base nesses requisitos, os
quais são características fundamentais dos que vivem sob a condição de companheiros, para que,
configurados os pressupostos de existência dessa união, possam usufruir os benefícios legais
inerentes a ela.
Rodrigo da Cunha Pereira preleciona:
Em síntese, os elementos caracterizadores da união estável são aqueles que vão
delineando o conceito de família. Não é a falta de um desses elementos aqui
apresentados que caracteriza ou desvirtua a noção de união estável. O importante, ao
analisar cada caso, é saber se ali, na somatória dos elementos, está presente um núcleo
familiar, ou, na linguagem do art. 226 da Constituição da República, uma entidade
familiar. Se aí estiver presente uma família, terá a proteção do Estado e da ordem
jurídica. 76
Deste modo, apesar de constar em nossa legislação elementos essenciais para a
caracterização da união estável, mesmo com a ausência de algum desses requisitos esta união
poderá ser reconhecida, se restar comprovado existir um núcleo familiar, conseqüentemente terá
a proteção do Estado.
Convém destacar, outrossim, as diferentes espécies de uniões estáveis que se
apresentam no ordenamento jurídico atual, podendo ser classificadas como união estável ou
concubinato puro e concubinato impuro ou simplesmente concubinato.77
Na lição de Maria Helena Diniz:
Será puro se se apresentar como uma união duradoura, sem casamento civil, entre
homem e mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres
matrimoniais ou por outra ligação concubinária.
[...]
Ter-se-á concubinato impuro ou simplesmente concubinato, nas relações não eventuais
em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de
73
Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. p. 327-328.
74
Súmula 382 do STF - “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do
concubinato”.
75
Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. p. 287.
76
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p.34.
77
Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. p. 330.
33. casar. No concubinato há um panorama de clandestinidade que lhe retira o caráter de
entidade familiar (CC, art. 1.727), visto não poder ser convertido em casamento.
Apresenta-se como: a) adulterino [...], se se fundar no estado de cônjuge de um ou
ambos os concubinos[...] ; e b) incestuoso, se houver parentesco próximo entre os
amantes. 78
Nessa esteira cumpre trazer o que preleciona Rodrigo da Cunha Pereira:
Assim, entendemos que a expressão união estável, adotada pela atual Constituição
brasileira, veio substituir a expressão concubinato. Podemos dizer, então, que união
estável é o concubinato não-adulterino. O concubinato adulterino, em razão do princípio
jurídico da monogamia, não recebe a proteção do Estado como forma de família. Os
direitos decorrentes do concubinato adulterino não estão no campo do Direito de
Família, mas na teoria das sociedades de fato, no direito obrigacional, que encontra
respaldo e fundamentação teórica para justificá-lo.Entretanto, a linguagem de grande
parte de nossos tribunais, para designar as conseqüências e efeitos jurídicos de uma
união estável, é ainda a de concubinato ou, quando muito, alternando uma e outra.79
No mesmo diapasão, manifesta-se Orlando Gomes:
Mas, o fato de um dos conviventes, ou ambos, serem casados não impede a configuração
da “união estável” regulada pela Lei 9.278. Aliás, a jurisprudência, mesmo antes da
referida lei, já havia feito a distinção entre “concubinato” e “companheirismo”. O
concubinato contaminado pelo repúdio ao adultério seria aquele mantido pelo homem
casado (ou mulher casada) na clandestinidade pelo cônjuge que vive simultaneamente
com a esposa e a concubina. Nela é que se vê o adultério propriamente dito. Quando,
porém, a pessoa casada já rompeu a convivência fática com seu cônjuge e vive unida ao
companheiro de forma pública, ostensiva, em relação estável, passa perante a sociedade
como participante de uma autêntica família. 80
Observa-se, portanto, que a união estável ou o concubinato puro corresponde ao
convívio duradouro de um homem e de uma mulher, com o objetivo de constituir uma família,
sem os impedimentos de outra união. Enquanto que o impuro (adulterino ou incestuoso) ocorre
quando os concubinos vivenciam situação marginal ao casamento ou mesmo à união estável,
estando desprovidos de proteção.81
Vale destacar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que reflete bem esta posição:
“ Concubinato – Concomitância com o casamento.
A lei não contempla o concubinato adulterino, isto é, aquele mantido concomitantemente
com o casamento. A tal relação não se aplica o art. 5º da LICC que determina que, na
aplicação a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem
comum. O dispositivo só deve ser aplicado quando a situação de fato assim o reclamar,
isto é, desde que existente uma separação de fato entre os cônjuges, a tornar o
78
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família.p. 330.
79
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p. 2-3.
80
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 50
81
Cf. AMIM, Andréa Rodrigues. Da união estável. In. LEITE, Heloisa Maria Daltro (Coord.). O novo Código
Civil: do Direito de Família. p. 442.
34. concubinato honesto, como o reconhece a nova Constituição” (3ª CCTJ – SP, Ap. n.
116.225-1, m. v. em 17/10/1989, rel. Des. Mattos Faria, RT 649/52).82
Após a conceituação de união estável e da descrição de seus principais elementos
caracterizadores passamos ao exame da legislação vigente acerca da matéria.
2.2 APONTAMENTOS SOBRE A LEGISLAÇÃO
2.2.1 A evolução jurídica da união estável à luz das Leis nº 8.971/94 e 9.278/96
Como já ficou claro e fundamentado anteriormente, a Constituição Federal de 1988 foi
um marco no direito de família. Com efeito, criou um novo conceito de entidade familiar ao
reconhecer a união estável entre um homem e uma mulher, buscando com a proteção do Estado,
legitimar estas uniões. Contudo, este reconhecimento “não constitui um estímulo ao concubinato
puro, mas um fortalecimento do casamento por haver incentivo à sua conversão em
matrimônio”. 83 Deste modo, se a Constituição estabelece que o Estado deve criar meios
facilitadores para que a união estável se transforme em casamento (art. 226, § 3º), resta
constatado, portanto, que o casamento continua sendo a base da família, e sendo a união estável
reconhecida por lei, ela não pode produzir os mesmos efeitos do casamento em termos
patrimoniais e sucessórios.
Assim, a união estável ganha respaldo legal gerando efeitos jurídicos ao instituto.
Entretanto, a jurisprudência, inicialmente, a considerava como uma sociedade de fato, e como tal,
considerada na órbita do direito obrigacional, não sendo levado em consideração o caráter afetivo
indissociável de tais relações.
Silvio Venosa aduz:
A jurisprudência, de início, reconheceu direitos obrigacionais no desfazimento da
sociedade conjugal concubinária, determinando a divisão entre os cônjuges do
patrimônio amealhado pelo esforço comum. Em outras situações, quando isso não era
possível, para impedir o desamparo da concubina, os tribunais concediam a ela (ou
excepcionalmente a ele) uma indenização por serviços domésticos, eufemismo que dizia
muito menos do que pretendeu. O Supremo Tribunal Federal acentuava que esses
efeitos patrimoniais decorriam de relações obrigacionais criadas pela convivência do
casal, repelindo efeitos de Direito de Família. Essa posição foi sintetizada na Súmula
82
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p. 64.
83
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. p. 337.
35. 380: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua
dissolução com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. 84
Observa-se, que com relação ao esforço comum, existe, atualmente, entendimento que
não é necessário que a contribuição de uma das partes tenha sido financeira, bastando seu suporte
doméstico para que a outra pudesse construir ou realizar o patrimônio do casal, ou seja, para
caracterização, basta a contribuição indireta.
Rodrigo da Cunha Pereira pronunciou-se sobre a matéria:
Essa concepção inovadora e revolucionária do esforço comum é de relevância ímpar,
não apenas para a união estável, mas sobretudo, significa o reconhecimento jurídico das
atividades domésticas, tradicionalmente exercidas pelas mulheres, tão necessárias para a
estruturação e existência de núcleos familiares. Além de atribuir um cunho axiológico,
significa também o reconhecimento de um conteúdo econômico a esse trabalho
historicamente não valorizado.85
A partir de então houve avanços quanto aos direitos dos companheiros, tendo as
questões relativas aos conflitos decorrentes da dissolução das chamadas sociedades de fato se
deslocado para o universo do direito de família. Imprescindível o fato, haja vista a própria CF/88
ter elevado a união estável ao patamar de entidade familiar.86
Outrossim, para garantir à família criada pela união estável e disciplinar os seus efeitos
jurídicos foram criadas duas leis, a primeira delas foi a Lei nº 8.971 de 29 de dezembro de 1994,
que veio regular o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão e a Lei nº 9.278 de 10 de
maio de 1996, que regulamenta o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal e o vigente Código
Civil em seus artigos.
Sobre a legislação vigente assevera Orlando Gomes:
É bom notar que a Lei nº 9.278 não substituiu a Lei nº 8.971, mas apenas a revogou em
parte, naquilo que instituiu alguma norma diferente e incompatível com que antes fora
disciplinado pela última lei. O certo, porém, é que a Lei nº 9.278 não regulou
inteiramente a matéria tratada pela Lei nº 8.971 e somente em um ou outro ponto tratou
de objeto que já havia sido cogitado por esta última. Nesses pontos de conflito e
incompatibilidade é que terá ocorrido a parcial revogação da Lei nº 8.971.87
84
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 51-52.
85
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Comentários ao novo Código Civil: da união estável, da tutela e da curatela.
p.162.
86
Cf. DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Da união estável no novo Código Civil. In. MARTINS FILHO, Ives
Gandra da Silva, MENDES, Gilmar Ferreira, NETTO Domingos Franciulli, coordenadores. O novo Código Civil:
Estudos em homenagem ao professor Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003. p. 1.271-1.272.
87
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 48.
36. Observa-se que há muita discussão quanto aos conflitos de normas. Para Rui Ribeiro de
Magalhães o vocábulo revogação, tanto da forma expressa como tácita, é empregado de forma
genérica, porém, quando a revogação é expressa não há conflito. O problema surge quando a
revogação é tácita, pois implica em ab-rogação88 ou derrogação.89
Especificamente em relação aos textos legais correspondentes às Leis 8.971/94 e
9.278/96, não houve ab-rogação da primeira. Observa-se, que as duas leis adotaram a mesma
cláusula genérica, expressa no artigo 11 da Lei 9.278/96, segundo a qual revogam-se as
disposições em contrário90.
Constata-se, portanto, que a Lei nº 9.278/96 não regulou inteiramente o assunto tratado
na Lei nº 8.971/94, em alguns aspectos a revoga e em outros a complementa. Resta-nos destacar
os principais pontos que serão disciplinados pelas respectivas leis, sendo que trataremos com
maior ímpeto das disposições acerca da proteção patrimonial dos bens dos que vivem em união
estável.
Oportuno se torna dizer que a expressão concubina foi substituída pelo vocábulo
companheira, na Lei nº 8.971/94, enquanto que a Lei nº 9.278/96 optou pela terminologia
conviventes.
Quanto ao perfil legal da união estável e o direito aos alimentos a Lei 8.971/94, no seu
artigo 1º exigia que a convivência existisse por tempo superior a cinco anos, ou que houvesse
prole, e, também que o companheiro fosse solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo,
ocorrendo a mesma exigência se se tratar da companheira. No parágrafo único, o direito aos
alimentos é assegurado também ao homem. Na Lei nº 9.278/96 exige-se apenas uma convivência
duradoura, pública e contínua e que tenha como objetivo a constituição de família. Apesar de
exigir uma certa duração do convívio, não há prazo determinado para caracterização da união
estável.
No tocante a conceituação desse instituto, ficou expressa no art. 1º da Lei nº 9.278/96,
bem como a estruturação de direitos e deveres, no art. 2º da mesma lei. Veja-se o disposto nos
artigos que se referem a conceito e direitos e deveres. Valendo transcrevê-los:
88
Segundo Rui Ribeiro de Magalhães “Quando as disposições da nova lei se an tagonizam totalmente com a anterior
ocorre o fenômeno da ab-rogação. Quando só em parte elas são conflitantes ocorre a derrogação.”
(MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de Família: no novo Código Civil brasileiro. p. 288-289) (grifo nosso)
89
Cf. MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de Família: no novo Código Civil brasileiro. p. 288.
90
Cf. MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de Família: no novo Código Civil brasileiro. p. 289.
37. Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família.
Art. 2º. São direitos e deveres iguais dos conviventes: I – respeito e consideração
mútuos; II – assistência moral e material recíproca; III – guarda, sustento e educação dos
filhos comuns.91
Registre-se, ainda, que o artigo 2º da Lei nº 9.278/96, prevê que os conviventes, em
plano de igualdade, devem respeito e consideração mútuos, enaltecendo o legislador a
necessidade de valorização pessoal e moral dos conviventes, não havendo referência ao dever de
fidelidade recíproca. Sobre os deveres dos conviventes Maria Helena Diniz argumenta “O que
importa é que nessa convivência haja afeição recíproca, comunhão de interesses, conjugação de
esforços em benefício do casal e da prole, se houver respeito e assistência moral e material, ou
seja, companheirismo”. 92
Segundo Marco Aurélio Viana:
O art. 2º da Lei nº 9.278/96 estabelece um complexo de direitos e deveres entre os
conviventes, alçado no art. 23193 do Código Civil, deixando claro que se pretende uma
equiparação entre união estável e o casamento. Deixou apenas de estabelecer o dever de
fidelidade recíproca de forma objetiva, embora ele possa ser depreendido do texto legal
em sua essência, estando presente no dever de respeito e consideração mútuos que a lei
especial impõe.94
Situada dentro do princípio de respeito entre os conviventes o dever de fidelidade deve
estar implícito no relacionamento, onde o casal só terá confiança mútua se houver a união
exclusiva e com propósito de vida em comum.
Acerca do direito sucessório a Lei nº 9.278/96 não fez qualquer referência, estando em
seu bojo regulamentadas tão somente a meação95 e o direito real de habitação ao sobrevivente,
relativamente ao imóvel destinado à residência do casal, enquanto não constituísse nova união ou
91
Lei nº 9.278/96. Arts. 1º e 2º.
92
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. p. 325 .
93
CC/1916 - Art. 231 - CC/2002 - Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II -vida
em comum, no domínio conjugal; III - mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V- respeito e
consideração mútuos.
94
VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 31.
95
Cabe esclarecer que meação e sucessão não devem ser confundidas.Segundo Rodrigo da Cunha Pereira: “ Meação
é o direito de um companheiro ou cônjuge, quando da dissolução da sociedade conjugal/marital em vida, à sua quota
parte, equivalente à metade.; sucessão, por seu turno, é o direito hereditário que nasce em razão da morte”.
(PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Comentários ao novo Código Civil: da união estável, da tutela e da curatela. p.
164). (grifo nosso)
38. casamento96. O direito à sucessão veio disciplinado na Lei nº 8.971/94, como demonstra o artigo
2º:
I - o (a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao
usufruto de quarta parte dos bens do “de cujus”, se houver filhos deste ou comuns;
II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao
usufruto de metade dos bens do “de cujus”, se não houver filhos, embora sobrevivam
ascendentes;
III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá
direito à totalidade da herança.97
No mesmo diploma legal, no artigo 3º98, o legislador reconhece o direito ao
sobrevivente de metade dos bens do companheiro falecido, quanto aos bens que resultarem da
atividade em que haja colaboração recíproca.
Quanto à questão patrimonial dos companheiros o artigo 5º e parágrafos a Lei nº
9.278/96 assim dispõe:
Art. 5º. Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na
constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da
colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em parte iguais,
salvo estipulação contrária em contrato escrito.
Parágrafo 1º. Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer
com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.
Parágrafo 2º. A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos,
salvo estipulação contrária em contrato escrito.99
Ainda sobre o aspecto patrimonial Rodrigo da Cunha Pereira comenta:
O art. 5º dispõe sobre o patrimônio a exemplo das regras do regime da comunhão parcial
de bens, como aliás veio fazer expressamente, mais tarde, Novo Código Civil. Presume-
se que os bens adquiridos na constância da união, a título oneroso, pertencem a ambos,
porque se deduz que tenham sido adquiridos pelo esforço comum. Entretanto, é
importante ressaltar que esse esforço comum é tão somente uma presunção. Sendo
assim, pode-se demonstrar o contrário, ou seja, provar que determinados bens não foram
frutos do trabalho e/ou da contribuição de ambos. Essa é uma das diferenças básicas
entre o casamento e a união estável: nesta é imprescindível o esforço comum (direto ou
indireto); naquele não se discute isso.100
Com efeito, o regime de bens instituído pela Lei nº 8.971/94 não permitia disposição em
contrário, ou seja, a lei não autorizava a existência de regime diverso do expressamente previsto,
com a devida interpretação. Diante da nova lei, além da modificação quanto ao regime legal de
96
Lei nº 9.278/96. Art. 7º.
97
Lei nº 8.971/94 . Art.2º, I, II e III.
98
Lei nº 8.971/94. Art. 3º.
99
Lei nº 9.278/96. Art. 5º. § 1º e § 2º.
100
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p. 112-113.