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1
Educação em saúde no Brasil: uma breve revisão∗∗∗∗
João Vinícius1
Jaqueline Ferreira2
Este texto visa abordar alguns dos processos de educação em saúde no Brasil e
sua relação com as camadas populares, partindo como ponto de referência do período de
adesão do país a ordem capitalista e da formação do campo da Educação em Saúde no
Brasil. Nesse sentido, serão destacados o processo de higienização das cidades ocorrido
entre o final do século XIX e o início do século XX, assim como o surgimento das
favelas na cidade do Rio de Janeiro, avançando pelas transformações nas concepções de
educação em saúde ocorridas nas décadas seguintes até chegarmos às atuais propostas
de educação popular pautadas na valorização do saber comunitário.
Educação em Saúde: a construção de um campo.
A dimensão pedagógica na construção de um discurso hegemônico e normativo
caracteriza a formação do campo da Educação em Saúde no Brasil entre o final do
século XIX e o início do século XX. Enquanto na Europa a discussão cada vez mais se
voltava para os determinantes sociais da doença através das relações entre condições de
vida e saúde doença, no Brasil prevalecia uma perspectiva autoritária formadora de
normas e prescrições as quais os indivíduos deveriam se adequar.
∗
O texto é uma adaptação de um dos capítulos da monografia “As transformações das intervenções
educativas em saúde” apresentada pelo autor sob a orientação da co-autora em abril de 2011 como
trabalho de conclusão do curso da Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva do Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva - IESC/UFRJ.
1
Psicólogo, especialista e mestrando em Saúde Coletiva pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva -
IESC/UFRJ.
2
Professora adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC/UFRJ na Área Ciências Sociais e
Humanas.
2
Há de se destacar que o modelo econômico do país tem grande influência na
construção de uma proposta de Educação em saúde normativa e mesmo coercitiva, já
que a afirmação do modelo agro-exportador como estruturante na economia do país
demandava a salubridade de portos e espaços públicos. Tomando como referência a
cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, podemos dizer que as intervenções
visando garantir a limpeza dos espaços públicos ocorreram sobretudo nas classes pobres
que habitavam as regiões centrais das cidades e nas zonas portuárias através de uma
série de ações como a criação da polícia sanitária, a vacinação compulsória, a demolição
de cortiços e a expulsão da população pobre para as regiões periféricas da cidade.
Conforme apontam Valla & Stotz (1994) as reformas urbanas e sanitárias
empreendidas na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX emergiram da
necessidade capitalista de disciplinar corpos e espaços, garantindo a acumulação, tanto
de condições favoráveis para a produção e circulação de mercadorias, quanto para a
formação de um contingente de trabalhadores disciplinados e sadios. No entanto, a
focalização no combate de algumas doenças, principalmente as transmissíveis e infecto-
contagiosas ainda era a tônica da grande maioria das ações de saúde em detrimento de
outros campos como, por exemplo, a saúde do trabalhador. Isto evidencia como a saúde
do cidadão em sí e a melhoria da qualidade de vida geral da população não era o
objetivo final das ações em saúde empreendidas, mas sim o estabelecimento de
condições urbanísticas e higiênicas mínimas que possibilitassem o desenvolvimento
econômico do país. Nesse sentido, Valla & Stotz (1994) afirmam que
“(...) combateu-se a febre amarela, principal causa de
mortalidade dos trabalhadores imigrantes – o maior contigente
da força de trabalho da indústria carioca – e deixou-se de lado
qualquer cuidado com a saúde dos trabalhadores brasileiros.”
(p.20).
3
3.1 - A individualização das questões de saúde
Nas décadas seguintes, principalmente a partir dos anos 30, a ação estatal na
saúde se volta para a construção de um sistema previdenciário para as categorias
profissionais mais organizadas e com maior peso econômico e político.
Também nesse período se fortalece no país a mitificação da ciência como
discurso dominante sobre os fenômenos da saúde e doença em detrimento da visão
religiosa e dos saberes populares que passam a assumir lugares cada vez mais
marginais. A idéia de que as condições de vida e principalmente de higiene tem grande
influência nas condições de saúde da população, paradoxalmente, não culminou na
melhoria dessas condições globais, mas sim na individualização ou mesmo
culpabilização dos fenômenos da doença que passaram a ser atribuídos a ignorância,
principalmente, da população pobre.
A partir da década de 50 dois movimentos se fazem presentes: a
individualização das ações de saúde e o esvaziamento da responsabilidade do Estado e
das políticas públicas que interviessem nos condicionantes mais amplos de saúde da
população, como a educação, o saneamento, a moradia, etc. Com isso as ações
educativas em saúde ficam restritas a programas e serviços destinados a populações à
margem do jogo político central, continuando a priorizar o combate das doenças
infecciosas e parasitárias (Vasconcelos, 2001).
A partir da década de 1960, a educação em saúde no Brasil esteve basicamente
subordinada aos interesses das elites políticas e econômicas, voltando-se para a
imposição de normas e comportamentos considerados por elas adequados. Ganhou força
a idéia da educação em saúde como forma de extinguir comportamentos de risco e de
garantir a adoção de hábitos saudáveis (práticas higiênicas, aceitar vacinação, fazer
exames, etc). Essa lógica reforçou a idéia de que o indivíduo é o maior responsável por
sua saúde ou o maior culpado por sua doença e com isso deixou-se de discutir até que
ponto as soluções para problemas de saúde passam por ações socialmente sustentadas
do ponto de vista cultural, econômico e político (Vasconcelos, 2001).
Com a ditadura militar em meados da década de 60, paradoxalmente, aumenta o
espaço para o surgimento de uma série de experiências de educação em saúde que
significaram uma verdadeira ruptura com o padrão que até então vinha se desenhando: o
4
contexto de repressão e agudização das desigualdades levou ao fortalecimento de
movimentos sociais e comunitários que engendraram novas formas de resistências no
campo da saúde (Smeke & Oliveira, 2001).
Nessa época, a política de saúde se voltava para a expansão dos serviços
médicos privados, especialmente hospitais e policlínicas conveniadas, nos quais as
ações educativas não tinham espaço significativo. Muitos profissionais, intelectuais e
acadêmicos, insatisfeitos com as práticas mercantilizadas e rotinizadas dos serviços de
saúde se aproximaram da dinâmica de luta e resistência das classes populares e
engajaram-se no processo de formação de uma nova organização política da saúde: no
vazio do descaso do Estado com os problemas populares, vão configurando-se
iniciativas de busca de soluções técnicas construídas com base no diálogo entre o saber
popular e o saber acadêmico (Vasconcelos, 2001).
A partir deste momento surgem e se fortalecem uma série de iniciativas e
movimentos que impulsionaram a participação da população na discussão sobre saúde e
condições de vida como associações de moradores, o movimento operário, as
experiências das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), etc; É nessa época também
que ocorrem as primeiras experiências de educação popular inspiradas na metodologia
de alfabetização de adultos criada por Paulo Freire (a qual abordaremos com mais
detalhes em outro momento). As propostas de conscientização crítica e libertadora no
campo da educação também chegam ao campo da saúde cujas discussões começam a se
aproximar mais das realidades locais das populações.
3.2 - O fortalecimento da participação comunitária na saúde
Nos anos 70 os movimentos sociais ligados a saúde se fortalecem e passam a
fomentar experiências de ações e serviços comunitários desvinculadas do Estado e
integradas a diferentes dinâmicas sociais locais. Com o início do processo de abertura
política, que começa a ganhar força na segunda metade da década, movimentos
populares, que já tinham avançado na discussão das questões de saúde, passam a
reivindicar novos serviços públicos e a exigir participação no controle de serviços e
unidades de saúde já existentes. Conforme aponta Vasconcelos (2001) nesta época a
participação de profissionais de saúde nas experiências de educação popular passa a
5
trazer para o setor saúde uma verdadeira ruptura com a tradição autoritária e
normatizadora que a educação em saúde até então vinha assumindo em relação às
classes populares.
Analisando as transformações na concepção de sujeito a partir dos diferentes
momentos históricos vivenciados no país, Smeke & Oliveira (2001) falam do
surgimento de movimentos sociais e comunitários em um contexto de agudização das
desigualdades sociais, do esvaziamento de partidos e sindicatos e da omissão do Estado
na garantia de direitos básicos, a da noção do indivíduo que se assume enquanto sujeito
de direitos, enquanto cidadão.
No decorrer da década de 80 com a consolidação da abertura política no país e a
criação do Sistema Único de saúde (SUS) os movimentos surgidos nas décadas
anteriores ampliam suas reivindicações para mudanças mais globais nas políticas sociais
e, com isso, parte das muitas experiências locais que eclodiram, principalmente a partir
das décadas de 60 e 70 perdem um pouco de seu protagonismo na luta por melhores
condições de saúde, como é o caso das Comunidades Eclesiásticas de Base (CEBs). No
entanto, a experiência de integração vivida por intelectuais e líderes populares e o saber
daí construído continuaram presentes, sendo inclusive levados para o interior de
instituições públicas, movimento que foi facilitado pela incorporação de militantes aos
quadros políticos e profissionais de serviços e instituições governamentais.
3.3 – A década de 90 e a expansão do Terceiro Setor
Os anos 90 são marcados pelo avanço das ideologias neoliberais que, através de
pressupostos como a diminuição da regulação do Estado na economia, a exarcebação do
da lei do livre mercado e a privatização de serviços estatais, representaram um grande
retrocesso nas políticas sociais e um conseqüente aumento da desigualdade econômica e
social. Este movimento ocorreu a nível global e se acentuou no Brasil a partir do
governo Collor. Neste contexto, assistimos no país a expansão do chamado terceiro
setor em áreas basais como a educação e a saúde, principalmente através do
fortalecimento das ONGs (Organizações não governamentais), entidades que se
declaram com finalidades públicas e sem fins lucrativos e passam a ocupar o vazio
6
deixado pela ausência das políticas do Estado, realizando ações sociais com o
financiamento do próprio Estado ou de entidades privadas.
O fortalecimento do terceiro setor é uma realidade até os dias atuais e impõe
novos desafios à educação em saúde já que a lógica do cidadão enquanto portador de
direitos que vinha se fortalecendo desde a década de 70, passa a ser substituída pela
lógica do serviço onde emerge a figura do cidadão-consumidor resultando no
esvaziamento do caráter reivindicatório das organizações populares e na desmobilização
de movimentos sociais que passam a ser substituídos ou cooptados por relações de troca
como o clientelismo (Smeke & Oliveira, 2001).
Concomitante a isto permanece o desafio de incorporar no cotidiano dos serviços
e instituições de saúde a metodologia da educação popular e o protagonismo do cidadão.
Nesse sentido a educação popular passou a assumir um papel mais amplo conforme
aponta Vasconcelos :
(...) na luta pela democratização do Estado, (...) o
método da educação popular passa a ser um instrumento para
a construção e ampliação da participação popular no
gerenciamento e reorientação das políticas públicas.
(Vasconcelos, 2001, p.28).
Ainda na década de 90 o movimento de organização de profissionais e
educadores em saúde cria a Articulação Nacional de Educação Popular em Saúde
(ANEPS). Este é um marco importante a ser destacado indicando que, apesar da
conjuntura desfavorável, o período também foi marcado pela resistência de atores que
acreditavam numa perspectiva de educação e saúde mais crítica, participativa e
engajada.
3.4 - Educação em saúde nos dias de hoje.
Nos dias atuais podemos afirmar, conforme as palavras de Vasconcelos (2001),
que “uma grande parte das práticas de educação em saúde estão voltadas para a
superação do fosso cultural existente entre as instituições de saúde e a população.”
7
(p.29). Isto ocorre por meio de experiências que, cada vez mais, reconhecem a
diversidade e a heterogeneidade das classes populares.
Este processo vem ocorrendo ainda de forma fragmentada em experiências
marcadas pela transitoriedade, no entanto, já sinaliza a possibilidade da emergência de
novos padrões de enfrentamento dos problemas de saúde caracterizados pela integração
entre o saber técnico e o saber popular através da mútua colaboração. Nesse sentido a
educação em saúde deixa de ser uma atividade a mais realizada nos serviços para ser
algo que atinge e reorienta a diversidade das práticas ali realizadas. (Vasconcelos, 2001)
O entrelaçamento entre as disciplinas das ciências sociais e das ciências da saúde
que norteiam as atuais propostas de educação em saúde também possibilitam uma maior
interlocução entre saúde e políticas públicas e, em um âmbito maior entre Estado e
sociedade. Dessa forma, ao considerarmos o Estado e a sociedade como campo de
disputas permeado por múltiplas relações entre grupos, classes e forças sociais o
componente político assume centralidade no debate da educação em saúde.
3.5. – Pensando saúde a partir da população: um olhar das ciências sociais.
Atualmente, muitos cientistas sociais defendem a necessidade de reconhecer a
importância das representações populares para a intervenção em saúde. Para Minayo
(1988) as “teorias populares” sobre saúde e doença desenvolvem-se a partir das
experiências da vida e se reorganizam constantemente no contato com a prática, tanto da
medicina "oficial" como de todos os sistemas alternativos. Sendo assim, as
representações populares são extremamente ricas e pluralistas integrando perspectivas
de ordem natural, emocional, sobrenatural e ecológica.
Também para Adam & Herzlich (2001) é imprescindível reconhecer o diálogo
entre os variados saberes referentes aos processos de saúde e doença: os autores
ressaltam que estas concepções vão muito além do saber médico e dialogam com o
contexto de vida dos indivíduos. Da mesma forma a própria representação de doença
implica não só em alterações no corpo físico, mas também em alterações no corpo
social na medida em que o indivíduo, ao se identificar enquanto “sadio” ou “doente”,
vai se relacionar de maneira diferente com o contexto que vive. Daí necessidade das
8
representações serem consideradas, na Educação em Saúde, como fruto de um
compartilhamento de saberes.
Ainda nesse sentido Gazzinelli et al. (2005) afirmam que no horizonte da
intervenção em Educação e Saúde, deve-se levar em conta as representações dos
sujeitos, entendidas como noções e modos de pensamento construídos ao lado de suas
trajetórias de vida, influenciados, por conseguinte, pela experiência coletiva, pelos
fragmentos das teorias científicas e dos saberes escolares, expressos, em parte, nas
práticas sociais e modificados para servir à vida cotidiana.
3.6 - A valorização do saber popular na produção do cuidado: a perspectiva de
Paulo Freire.
Conforme abordamos brevemente em momentos anteriores, as primeiras
experiências em Educação Popular surgem na década de 60 a partir do método de
alfabetização desenvolvido e aplicado por Paulo Freire com classes populares. É
importante ressaltar que usamos aqui a concepção de Freire, entendendo “popular”
como sinônimo de oprimido, aquele que vive sem as condições elementares para o
exercício de sua cidadania e que está fora da posse e uso dos bens materiais produzidos
socialmente (Freire, 2005).
O método desenvolvido por Freire partia das representações dos sujeitos acerca
de sua própria realidade, e alcançou resultados impressionantes na alfabetização de
adultos em curtos períodos de tempo. No entanto, o método ia além da alfabetização se
constituindo uma verdadeira proposta de Pedagogia da Libertação das classes
oprimidas na tentativa de elucidá-las em relação as condições de opressão presentes na
sociedade e conscientizá-las de sua potência política.
Dessa forma, a valorização dos múltiplos saberes existentes para além das
fronteiras e delimitações do saber formal ou acadêmico se constituiu como um dos
principais pilares da educação popular em saúde. Nesse sentido:
"Um elemento fundamental do método da Educação Popular é o
fato de tomar, como ponto de partida do processo pedagógico, o
saber anterior do educando. No trabalho, na vida social e na
9
luta pela sobrevivência e pela transformação da realidade, as
pessoas vão adquirindo um entendimento sobre a sua inserção
na sociedade e na natureza. Esse conhecimento fragmentado e
pouco elaborado é a matéria-prima da Educação Popular.”
(Brasil, 2007).
Para Freire (1996) a valorização dos saberes populares, ou saberes socialmente
construídos na prática comunitária, possibilita trazer uma perspectiva centrada no
diálogo, na problematização e na ação comum entre profissionais e população. O autor
ressalta que no processo de educação popular é importante trabalhar a partir da premissa
de que tanto os profissionais (ou educadores) quanto a população (educandos) sabem
algo, mas que também ignoram algo e que, portanto, todos sempre têm algo a aprender
ou a ensinar a partir do diálogo e da troca de vivências. Assim, o processo educativo
passa a estar vinculado principalmente a elementos como a abertura, a disponibilidade e
a curiosidade dos sujeitos em explorar novos saberes e conhecimentos.
Esta perspectiva é também importante no sentido de apontar a necessidade de
uma “horizontalização” dos processos educativos, cuja conseqüência direta é o
afastamento de posturas autoritárias ou messiânicas do educador, por vezes comuns no
trabalho com segmentos populares, onde o profissional de saúde pode assumir o lugar
de detentor do saber ou de portador de uma verdade salvadora.
Outro aspecto da Educação Popular bastante ressaltado por Freire (2005) e o
qual consideramos que a legitima como uma potente ferramenta de trabalho é o
reconhecimento e valorização das potencialidades das diversas populações e não só dos
seus aspectos negativos. Consideramos que este é um elemento estratégico já que, no
olhar para áreas faveladas ou comunidades de baixa renda, é comum que o negativismo
prevaleça, sendo quase sempre focados elementos como a pobreza, a violência e a
escassez de uma forma geral. No entanto, estes espaços são territórios permeados de
vida onde estratégias de sobrevivência são elaboradas a todo o tempo e a criatividade
para lidar com escassez de recursos, além de dimensões como o prazer, a solidariedade
e o desfrute também são muito presentes, embora dificilmente reconhecidos por um
olhar externo.
Freire (1980) fala ainda de um componente fundamental da prática educativa
que é a conscientização: a experiência de realidade ou de construção da realidade se dá
10
enquanto movimento de aproximação do homem com o mundo, no entanto, a
conscientização seria mais do que isso; seria o processo de aproximação juntamente
com o de significação a partir da qual se torna possível a construção de uma consciência
crítica de mundo que é necessariamente histórica, pois implica que os homens assumam
seu papel de sujeitos na construção de sua realidade. Portanto, não há como existir
conscientização sem a práxis.
Nas palavras de Freire (1980)
Uma educação que procura desenvolver a tomada
de consciência e a atitude crítica, graças a qual o homem
escolhe e decide, liberta-o em lugar de submete-lo, de
domestica-lo, de adapta-lo, como faz com muita freqüência a
educação em vigor num grande número de países no mundo,
educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em
lugar de promove-lo em sua própria linha.(p.35)
Nesse sentido, Freire acredita na educação como instrumento transformador da
sociedade defendendo a docência como instrumento de liberdade respeitando o
conhecimento trazido pelos educandos e ao senso comum, em resposta ao autoritarismo
muitas vezes presente na chamada educação bancária. A educação bancária consiste no
“depósito” de conteúdos do educador nos educandos, os quais assumem um papel
necessariamente passivo e mesmo submisso no processo pedagógico. Já na educação
problematizadora, o educador não impõe, mas propõe conteúdos ao educando
valorizando sua criatividade e seu lugar de sujeito no processo de ação / reflexão sobre a
realidade.
A educação com a ênfase popular é, portanto, necessariamente um espaço de
mobilização, organização e capacitação técnica e científica, em que o conhecimento do
mundo é feito através das práticas dos indivíduos e da problematização das relações de
classe que sustentam o modelo societário que privam as pessoas em situação de
opressão de seu pleno desenvolvimento.
Dessa forma, educação popular e mobilização social não podem caminhar
separadas.
11
Referências Bibliográficas
ADAM, P & HERZLICH, C. Sociologia da doença e da medicina. Bauru: Edusc;
2001.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005.
_________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
__________. Conscientização. Teoria e Prática da liberdade. Uma Introdução ao.
Pensamento de Paulo Freire. 3ªed. S.P, Editora Moraes, 1980.
GAZZINELLI, M. F. et al. Educação em saúde: conhecimentos, representações
sociais e experiências da doença. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, 2005.
MINAYO, M. C. S. Saúde-doença: uma concepção popular da etiologia. Cad. Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, Dec. 1988.
SMEKE, E de L. M. e OLIVEIRA, N. L. S. Educação em saúde e concepções de
sujeito. In VASCONCELOS,E.M.(org). A Saúde na Palavras e nos Gestos: Reflexões
da Rede Educação Popular e Saúde. São Paulo:HUCITEC,2001.
VALLA, V.; STOTZ, E. Educação, saúde e cidadania. Petrópolis: Vozes, 1994
VASCONCELOS, E. M. Educação popular e a atenção à saúde da família. São
Paulo: HUCITEC, 2001.
MINAYO, M. C. S. Saúde-doença: uma concepção popular da etiologia. Cad. Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, Dec. 1988.

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Educação em saúde no Brasil: uma breve revisão histórica

  • 1. 1 Educação em saúde no Brasil: uma breve revisão∗∗∗∗ João Vinícius1 Jaqueline Ferreira2 Este texto visa abordar alguns dos processos de educação em saúde no Brasil e sua relação com as camadas populares, partindo como ponto de referência do período de adesão do país a ordem capitalista e da formação do campo da Educação em Saúde no Brasil. Nesse sentido, serão destacados o processo de higienização das cidades ocorrido entre o final do século XIX e o início do século XX, assim como o surgimento das favelas na cidade do Rio de Janeiro, avançando pelas transformações nas concepções de educação em saúde ocorridas nas décadas seguintes até chegarmos às atuais propostas de educação popular pautadas na valorização do saber comunitário. Educação em Saúde: a construção de um campo. A dimensão pedagógica na construção de um discurso hegemônico e normativo caracteriza a formação do campo da Educação em Saúde no Brasil entre o final do século XIX e o início do século XX. Enquanto na Europa a discussão cada vez mais se voltava para os determinantes sociais da doença através das relações entre condições de vida e saúde doença, no Brasil prevalecia uma perspectiva autoritária formadora de normas e prescrições as quais os indivíduos deveriam se adequar. ∗ O texto é uma adaptação de um dos capítulos da monografia “As transformações das intervenções educativas em saúde” apresentada pelo autor sob a orientação da co-autora em abril de 2011 como trabalho de conclusão do curso da Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC/UFRJ. 1 Psicólogo, especialista e mestrando em Saúde Coletiva pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC/UFRJ. 2 Professora adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC/UFRJ na Área Ciências Sociais e Humanas.
  • 2. 2 Há de se destacar que o modelo econômico do país tem grande influência na construção de uma proposta de Educação em saúde normativa e mesmo coercitiva, já que a afirmação do modelo agro-exportador como estruturante na economia do país demandava a salubridade de portos e espaços públicos. Tomando como referência a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, podemos dizer que as intervenções visando garantir a limpeza dos espaços públicos ocorreram sobretudo nas classes pobres que habitavam as regiões centrais das cidades e nas zonas portuárias através de uma série de ações como a criação da polícia sanitária, a vacinação compulsória, a demolição de cortiços e a expulsão da população pobre para as regiões periféricas da cidade. Conforme apontam Valla & Stotz (1994) as reformas urbanas e sanitárias empreendidas na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX emergiram da necessidade capitalista de disciplinar corpos e espaços, garantindo a acumulação, tanto de condições favoráveis para a produção e circulação de mercadorias, quanto para a formação de um contingente de trabalhadores disciplinados e sadios. No entanto, a focalização no combate de algumas doenças, principalmente as transmissíveis e infecto- contagiosas ainda era a tônica da grande maioria das ações de saúde em detrimento de outros campos como, por exemplo, a saúde do trabalhador. Isto evidencia como a saúde do cidadão em sí e a melhoria da qualidade de vida geral da população não era o objetivo final das ações em saúde empreendidas, mas sim o estabelecimento de condições urbanísticas e higiênicas mínimas que possibilitassem o desenvolvimento econômico do país. Nesse sentido, Valla & Stotz (1994) afirmam que “(...) combateu-se a febre amarela, principal causa de mortalidade dos trabalhadores imigrantes – o maior contigente da força de trabalho da indústria carioca – e deixou-se de lado qualquer cuidado com a saúde dos trabalhadores brasileiros.” (p.20).
  • 3. 3 3.1 - A individualização das questões de saúde Nas décadas seguintes, principalmente a partir dos anos 30, a ação estatal na saúde se volta para a construção de um sistema previdenciário para as categorias profissionais mais organizadas e com maior peso econômico e político. Também nesse período se fortalece no país a mitificação da ciência como discurso dominante sobre os fenômenos da saúde e doença em detrimento da visão religiosa e dos saberes populares que passam a assumir lugares cada vez mais marginais. A idéia de que as condições de vida e principalmente de higiene tem grande influência nas condições de saúde da população, paradoxalmente, não culminou na melhoria dessas condições globais, mas sim na individualização ou mesmo culpabilização dos fenômenos da doença que passaram a ser atribuídos a ignorância, principalmente, da população pobre. A partir da década de 50 dois movimentos se fazem presentes: a individualização das ações de saúde e o esvaziamento da responsabilidade do Estado e das políticas públicas que interviessem nos condicionantes mais amplos de saúde da população, como a educação, o saneamento, a moradia, etc. Com isso as ações educativas em saúde ficam restritas a programas e serviços destinados a populações à margem do jogo político central, continuando a priorizar o combate das doenças infecciosas e parasitárias (Vasconcelos, 2001). A partir da década de 1960, a educação em saúde no Brasil esteve basicamente subordinada aos interesses das elites políticas e econômicas, voltando-se para a imposição de normas e comportamentos considerados por elas adequados. Ganhou força a idéia da educação em saúde como forma de extinguir comportamentos de risco e de garantir a adoção de hábitos saudáveis (práticas higiênicas, aceitar vacinação, fazer exames, etc). Essa lógica reforçou a idéia de que o indivíduo é o maior responsável por sua saúde ou o maior culpado por sua doença e com isso deixou-se de discutir até que ponto as soluções para problemas de saúde passam por ações socialmente sustentadas do ponto de vista cultural, econômico e político (Vasconcelos, 2001). Com a ditadura militar em meados da década de 60, paradoxalmente, aumenta o espaço para o surgimento de uma série de experiências de educação em saúde que significaram uma verdadeira ruptura com o padrão que até então vinha se desenhando: o
  • 4. 4 contexto de repressão e agudização das desigualdades levou ao fortalecimento de movimentos sociais e comunitários que engendraram novas formas de resistências no campo da saúde (Smeke & Oliveira, 2001). Nessa época, a política de saúde se voltava para a expansão dos serviços médicos privados, especialmente hospitais e policlínicas conveniadas, nos quais as ações educativas não tinham espaço significativo. Muitos profissionais, intelectuais e acadêmicos, insatisfeitos com as práticas mercantilizadas e rotinizadas dos serviços de saúde se aproximaram da dinâmica de luta e resistência das classes populares e engajaram-se no processo de formação de uma nova organização política da saúde: no vazio do descaso do Estado com os problemas populares, vão configurando-se iniciativas de busca de soluções técnicas construídas com base no diálogo entre o saber popular e o saber acadêmico (Vasconcelos, 2001). A partir deste momento surgem e se fortalecem uma série de iniciativas e movimentos que impulsionaram a participação da população na discussão sobre saúde e condições de vida como associações de moradores, o movimento operário, as experiências das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), etc; É nessa época também que ocorrem as primeiras experiências de educação popular inspiradas na metodologia de alfabetização de adultos criada por Paulo Freire (a qual abordaremos com mais detalhes em outro momento). As propostas de conscientização crítica e libertadora no campo da educação também chegam ao campo da saúde cujas discussões começam a se aproximar mais das realidades locais das populações. 3.2 - O fortalecimento da participação comunitária na saúde Nos anos 70 os movimentos sociais ligados a saúde se fortalecem e passam a fomentar experiências de ações e serviços comunitários desvinculadas do Estado e integradas a diferentes dinâmicas sociais locais. Com o início do processo de abertura política, que começa a ganhar força na segunda metade da década, movimentos populares, que já tinham avançado na discussão das questões de saúde, passam a reivindicar novos serviços públicos e a exigir participação no controle de serviços e unidades de saúde já existentes. Conforme aponta Vasconcelos (2001) nesta época a participação de profissionais de saúde nas experiências de educação popular passa a
  • 5. 5 trazer para o setor saúde uma verdadeira ruptura com a tradição autoritária e normatizadora que a educação em saúde até então vinha assumindo em relação às classes populares. Analisando as transformações na concepção de sujeito a partir dos diferentes momentos históricos vivenciados no país, Smeke & Oliveira (2001) falam do surgimento de movimentos sociais e comunitários em um contexto de agudização das desigualdades sociais, do esvaziamento de partidos e sindicatos e da omissão do Estado na garantia de direitos básicos, a da noção do indivíduo que se assume enquanto sujeito de direitos, enquanto cidadão. No decorrer da década de 80 com a consolidação da abertura política no país e a criação do Sistema Único de saúde (SUS) os movimentos surgidos nas décadas anteriores ampliam suas reivindicações para mudanças mais globais nas políticas sociais e, com isso, parte das muitas experiências locais que eclodiram, principalmente a partir das décadas de 60 e 70 perdem um pouco de seu protagonismo na luta por melhores condições de saúde, como é o caso das Comunidades Eclesiásticas de Base (CEBs). No entanto, a experiência de integração vivida por intelectuais e líderes populares e o saber daí construído continuaram presentes, sendo inclusive levados para o interior de instituições públicas, movimento que foi facilitado pela incorporação de militantes aos quadros políticos e profissionais de serviços e instituições governamentais. 3.3 – A década de 90 e a expansão do Terceiro Setor Os anos 90 são marcados pelo avanço das ideologias neoliberais que, através de pressupostos como a diminuição da regulação do Estado na economia, a exarcebação do da lei do livre mercado e a privatização de serviços estatais, representaram um grande retrocesso nas políticas sociais e um conseqüente aumento da desigualdade econômica e social. Este movimento ocorreu a nível global e se acentuou no Brasil a partir do governo Collor. Neste contexto, assistimos no país a expansão do chamado terceiro setor em áreas basais como a educação e a saúde, principalmente através do fortalecimento das ONGs (Organizações não governamentais), entidades que se declaram com finalidades públicas e sem fins lucrativos e passam a ocupar o vazio
  • 6. 6 deixado pela ausência das políticas do Estado, realizando ações sociais com o financiamento do próprio Estado ou de entidades privadas. O fortalecimento do terceiro setor é uma realidade até os dias atuais e impõe novos desafios à educação em saúde já que a lógica do cidadão enquanto portador de direitos que vinha se fortalecendo desde a década de 70, passa a ser substituída pela lógica do serviço onde emerge a figura do cidadão-consumidor resultando no esvaziamento do caráter reivindicatório das organizações populares e na desmobilização de movimentos sociais que passam a ser substituídos ou cooptados por relações de troca como o clientelismo (Smeke & Oliveira, 2001). Concomitante a isto permanece o desafio de incorporar no cotidiano dos serviços e instituições de saúde a metodologia da educação popular e o protagonismo do cidadão. Nesse sentido a educação popular passou a assumir um papel mais amplo conforme aponta Vasconcelos : (...) na luta pela democratização do Estado, (...) o método da educação popular passa a ser um instrumento para a construção e ampliação da participação popular no gerenciamento e reorientação das políticas públicas. (Vasconcelos, 2001, p.28). Ainda na década de 90 o movimento de organização de profissionais e educadores em saúde cria a Articulação Nacional de Educação Popular em Saúde (ANEPS). Este é um marco importante a ser destacado indicando que, apesar da conjuntura desfavorável, o período também foi marcado pela resistência de atores que acreditavam numa perspectiva de educação e saúde mais crítica, participativa e engajada. 3.4 - Educação em saúde nos dias de hoje. Nos dias atuais podemos afirmar, conforme as palavras de Vasconcelos (2001), que “uma grande parte das práticas de educação em saúde estão voltadas para a superação do fosso cultural existente entre as instituições de saúde e a população.”
  • 7. 7 (p.29). Isto ocorre por meio de experiências que, cada vez mais, reconhecem a diversidade e a heterogeneidade das classes populares. Este processo vem ocorrendo ainda de forma fragmentada em experiências marcadas pela transitoriedade, no entanto, já sinaliza a possibilidade da emergência de novos padrões de enfrentamento dos problemas de saúde caracterizados pela integração entre o saber técnico e o saber popular através da mútua colaboração. Nesse sentido a educação em saúde deixa de ser uma atividade a mais realizada nos serviços para ser algo que atinge e reorienta a diversidade das práticas ali realizadas. (Vasconcelos, 2001) O entrelaçamento entre as disciplinas das ciências sociais e das ciências da saúde que norteiam as atuais propostas de educação em saúde também possibilitam uma maior interlocução entre saúde e políticas públicas e, em um âmbito maior entre Estado e sociedade. Dessa forma, ao considerarmos o Estado e a sociedade como campo de disputas permeado por múltiplas relações entre grupos, classes e forças sociais o componente político assume centralidade no debate da educação em saúde. 3.5. – Pensando saúde a partir da população: um olhar das ciências sociais. Atualmente, muitos cientistas sociais defendem a necessidade de reconhecer a importância das representações populares para a intervenção em saúde. Para Minayo (1988) as “teorias populares” sobre saúde e doença desenvolvem-se a partir das experiências da vida e se reorganizam constantemente no contato com a prática, tanto da medicina "oficial" como de todos os sistemas alternativos. Sendo assim, as representações populares são extremamente ricas e pluralistas integrando perspectivas de ordem natural, emocional, sobrenatural e ecológica. Também para Adam & Herzlich (2001) é imprescindível reconhecer o diálogo entre os variados saberes referentes aos processos de saúde e doença: os autores ressaltam que estas concepções vão muito além do saber médico e dialogam com o contexto de vida dos indivíduos. Da mesma forma a própria representação de doença implica não só em alterações no corpo físico, mas também em alterações no corpo social na medida em que o indivíduo, ao se identificar enquanto “sadio” ou “doente”, vai se relacionar de maneira diferente com o contexto que vive. Daí necessidade das
  • 8. 8 representações serem consideradas, na Educação em Saúde, como fruto de um compartilhamento de saberes. Ainda nesse sentido Gazzinelli et al. (2005) afirmam que no horizonte da intervenção em Educação e Saúde, deve-se levar em conta as representações dos sujeitos, entendidas como noções e modos de pensamento construídos ao lado de suas trajetórias de vida, influenciados, por conseguinte, pela experiência coletiva, pelos fragmentos das teorias científicas e dos saberes escolares, expressos, em parte, nas práticas sociais e modificados para servir à vida cotidiana. 3.6 - A valorização do saber popular na produção do cuidado: a perspectiva de Paulo Freire. Conforme abordamos brevemente em momentos anteriores, as primeiras experiências em Educação Popular surgem na década de 60 a partir do método de alfabetização desenvolvido e aplicado por Paulo Freire com classes populares. É importante ressaltar que usamos aqui a concepção de Freire, entendendo “popular” como sinônimo de oprimido, aquele que vive sem as condições elementares para o exercício de sua cidadania e que está fora da posse e uso dos bens materiais produzidos socialmente (Freire, 2005). O método desenvolvido por Freire partia das representações dos sujeitos acerca de sua própria realidade, e alcançou resultados impressionantes na alfabetização de adultos em curtos períodos de tempo. No entanto, o método ia além da alfabetização se constituindo uma verdadeira proposta de Pedagogia da Libertação das classes oprimidas na tentativa de elucidá-las em relação as condições de opressão presentes na sociedade e conscientizá-las de sua potência política. Dessa forma, a valorização dos múltiplos saberes existentes para além das fronteiras e delimitações do saber formal ou acadêmico se constituiu como um dos principais pilares da educação popular em saúde. Nesse sentido: "Um elemento fundamental do método da Educação Popular é o fato de tomar, como ponto de partida do processo pedagógico, o saber anterior do educando. No trabalho, na vida social e na
  • 9. 9 luta pela sobrevivência e pela transformação da realidade, as pessoas vão adquirindo um entendimento sobre a sua inserção na sociedade e na natureza. Esse conhecimento fragmentado e pouco elaborado é a matéria-prima da Educação Popular.” (Brasil, 2007). Para Freire (1996) a valorização dos saberes populares, ou saberes socialmente construídos na prática comunitária, possibilita trazer uma perspectiva centrada no diálogo, na problematização e na ação comum entre profissionais e população. O autor ressalta que no processo de educação popular é importante trabalhar a partir da premissa de que tanto os profissionais (ou educadores) quanto a população (educandos) sabem algo, mas que também ignoram algo e que, portanto, todos sempre têm algo a aprender ou a ensinar a partir do diálogo e da troca de vivências. Assim, o processo educativo passa a estar vinculado principalmente a elementos como a abertura, a disponibilidade e a curiosidade dos sujeitos em explorar novos saberes e conhecimentos. Esta perspectiva é também importante no sentido de apontar a necessidade de uma “horizontalização” dos processos educativos, cuja conseqüência direta é o afastamento de posturas autoritárias ou messiânicas do educador, por vezes comuns no trabalho com segmentos populares, onde o profissional de saúde pode assumir o lugar de detentor do saber ou de portador de uma verdade salvadora. Outro aspecto da Educação Popular bastante ressaltado por Freire (2005) e o qual consideramos que a legitima como uma potente ferramenta de trabalho é o reconhecimento e valorização das potencialidades das diversas populações e não só dos seus aspectos negativos. Consideramos que este é um elemento estratégico já que, no olhar para áreas faveladas ou comunidades de baixa renda, é comum que o negativismo prevaleça, sendo quase sempre focados elementos como a pobreza, a violência e a escassez de uma forma geral. No entanto, estes espaços são territórios permeados de vida onde estratégias de sobrevivência são elaboradas a todo o tempo e a criatividade para lidar com escassez de recursos, além de dimensões como o prazer, a solidariedade e o desfrute também são muito presentes, embora dificilmente reconhecidos por um olhar externo. Freire (1980) fala ainda de um componente fundamental da prática educativa que é a conscientização: a experiência de realidade ou de construção da realidade se dá
  • 10. 10 enquanto movimento de aproximação do homem com o mundo, no entanto, a conscientização seria mais do que isso; seria o processo de aproximação juntamente com o de significação a partir da qual se torna possível a construção de uma consciência crítica de mundo que é necessariamente histórica, pois implica que os homens assumam seu papel de sujeitos na construção de sua realidade. Portanto, não há como existir conscientização sem a práxis. Nas palavras de Freire (1980) Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica, graças a qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de submete-lo, de domestica-lo, de adapta-lo, como faz com muita freqüência a educação em vigor num grande número de países no mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em lugar de promove-lo em sua própria linha.(p.35) Nesse sentido, Freire acredita na educação como instrumento transformador da sociedade defendendo a docência como instrumento de liberdade respeitando o conhecimento trazido pelos educandos e ao senso comum, em resposta ao autoritarismo muitas vezes presente na chamada educação bancária. A educação bancária consiste no “depósito” de conteúdos do educador nos educandos, os quais assumem um papel necessariamente passivo e mesmo submisso no processo pedagógico. Já na educação problematizadora, o educador não impõe, mas propõe conteúdos ao educando valorizando sua criatividade e seu lugar de sujeito no processo de ação / reflexão sobre a realidade. A educação com a ênfase popular é, portanto, necessariamente um espaço de mobilização, organização e capacitação técnica e científica, em que o conhecimento do mundo é feito através das práticas dos indivíduos e da problematização das relações de classe que sustentam o modelo societário que privam as pessoas em situação de opressão de seu pleno desenvolvimento. Dessa forma, educação popular e mobilização social não podem caminhar separadas.
  • 11. 11 Referências Bibliográficas ADAM, P & HERZLICH, C. Sociologia da doença e da medicina. Bauru: Edusc; 2001. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005. _________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. __________. Conscientização. Teoria e Prática da liberdade. Uma Introdução ao. Pensamento de Paulo Freire. 3ªed. S.P, Editora Moraes, 1980. GAZZINELLI, M. F. et al. Educação em saúde: conhecimentos, representações sociais e experiências da doença. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, 2005. MINAYO, M. C. S. Saúde-doença: uma concepção popular da etiologia. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, Dec. 1988. SMEKE, E de L. M. e OLIVEIRA, N. L. S. Educação em saúde e concepções de sujeito. In VASCONCELOS,E.M.(org). A Saúde na Palavras e nos Gestos: Reflexões da Rede Educação Popular e Saúde. São Paulo:HUCITEC,2001. VALLA, V.; STOTZ, E. Educação, saúde e cidadania. Petrópolis: Vozes, 1994 VASCONCELOS, E. M. Educação popular e a atenção à saúde da família. São Paulo: HUCITEC, 2001. MINAYO, M. C. S. Saúde-doença: uma concepção popular da etiologia. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, Dec. 1988.