O documento discute como as pessoas tendem a idealizar as vidas dos outros e se sentirem deslocadas. Ao amadurecer, percebemos que todos enfrentam desafios e que as aparências nas redes sociais e mídia não refletem a realidade. Devemos valorizar nossas próprias vidas e relacionamentos, em vez de nos compararmos com os outros.
Tema de redação - As dificuldades para barrar o casamento infantil no Brasil ...
A grama do vizinho
1. A GRAMA DO VIZINHO
Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde
coisíssima nenhuma.
Estamos todos no mesmo barco.
Há no ar certo queixume sem razões muito claras.
Converso com mulheres que estão entre os 40 e 50 anos, todas com profissão,
marido, filhos, saúde, e ainda assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê
perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem.
De onde vem isso? Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão,
o poeta Antônio Cícero, uma música que dizia:
“Eu espero/ acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro
apartamento”.
Passei minha adolescência com esta sensação: a de que algo muito animado
estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite. É uma das
características da juventude:
considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são, ou
aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão
ligada na grama do vizinho.
As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é
infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis
alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam
pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo
que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade
a festa lá fora não está tão animada assim. Ao amadurecer, descobrimos que a
grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no
mesmo barco, com motivos para dançar pela sala e também motivos para se
refugiar no escuro, alternadamente.
Só que os motivos para se refugiar no escuro raramente são divulgados.
Para consumo externo, todos são belos, sexys, lúcidos, íntegros, ricos,
sedutores.
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada/ todos os meus conhecidos têm
sido campeões em tudo”.
2. Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia, e olha que
na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas
que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta. Nesta era de exaltação de
celebridades – reais e inventadas – fica difícil mesmo achar que a vida da gente
tem graça. Mas, tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros,
fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia.
Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto
a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo
alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante
ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo
todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está
sentada no sofá pintando as unhas do pé? Favor não confundir uma vida
sensacional com uma vida sensacionalista.
As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento.