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Entrevista da Revista Interface a Luís Vidigal
               sobre o papel do CIO no Estado

1. Qual deve ser o papel de um CIO (Chief Information Officer) na
   Administração Pública (AP)? Poderá ele ser equiparado a um responsável
   máximo de informática?
Existe uma enorme confusão entre o conceito de CIO (Chief Information Officer) e
de CTO (Chief Technology Officer), pois o que encontramos na maioria das
organizações são CTO, enquanto responsáveis máximos de informática, mais
concentrados na gestão das tecnologias do que na gestão dos recursos
informacionais, incluindo a infraestrutura tecnológica de suporte.
O próprio conceito de Informática, enquanto tratamento automático da informação
foi, ao longo dos últimos 20 anos, perdendo importância e dando lugar ao binómio
sistemas e tecnologias da informação (SI/TI), procurando-se valorizar cada vez
mais o recurso informação e não apenas as tecnologias que lhe dão suporte.
Deste modo, o papel do CIO na AP, como em qualquer organização, vai muito
para além de ser um responsável máximo da informática e deverá constituir um
gestor de topo dos recursos informacionais, com capacidade de influenciar
estrategicamente a evolução do negócio numa perspectiva verdadeiramente
inovadora, transformadora e de incorporação de valor com recurso a tecnologias
adequadas.


2. Que importância atribui à existência de um CIO na AP?
A administração pública não escapou à chamada “espiral das commodities ”de
Nicholas Carr, em que 70 a 90% dos gastos em TI são feitos em infra-estrutura
indiferenciada e pouco estratégica.
O fascínio pela tecnologia tem-nos feito esquecer o propósito chave da informação
e a sua relação com as pessoas e os processos. O CIO na AP deverá ser capaz
de se concentrar na informação enquanto recurso e ter uma nova perspectiva
tecnológica, pois o que conta nos dias de hoje não é tanto a escolha de
tecnologias de informação mas a gestão da integração da sua enorme diversidade
e a sua capacidade de alinhamento com as necessidades dos cidadãos e agentes
económicos.
Por isso, as práticas e os procedimentos actuais para gerir informação e tecnologia
têm que ser profundamente alterados.
Infelizmente ainda são apenas as decisões relacionadas com as grandes obras do
betão que merecem o alargamento do tempo e do espaço, comprometendo deste
modo alguns governos futuros. Ainda não se percebeu a importância de tomar
decisões estratégicas de médio e longo prazo e de âmbito interministerial no
domínio dos SI/TI. Ainda não se reconhece o papel estruturante dos SI/TI,
enquanto obra pública que também deverá perdurar no tempo para além de uma
legislatura.
A importância do CIO na AP é decisiva, sobretudo quando as prateleiras dos
membros dos últimos governos estão cheias de estudos concebidos por task
forces, consultores e vendedores de sonhos. Por isso o papel independente e
equidistante dos impulsos políticos apenas poderá ser assegurado por um
verdadeiro CIO.


3. O CIO existe na actual AP? (Se sim, estará a cumprir o seu papel? / Se
     não, porque ainda não existe?)
Em     meu     entender   não   existe   actualmente   ninguém   a   desempenhar
adequadamente o papel de um CIO, por duas razões principais:
Nos últimos anos assistiu-se a uma grande contracção e devastação das
estruturas da Administração Directa do Estado (Direcções Gerais) e à sua
migração para a Administração Indirecta do Estado (Empresas, Fundações,
Agências, Institutos, etc.), como forma de iludir a contracção do défice e fugir ao
controlo orçamental.
Consequentemente, diminuiu-se a capacidade de gestão estratégica e criaram-se
psudo-empresas mais preocupadas em cumprir calendários políticos do que em
assegurar uma arquitectura de SI/TI coerente e integradora de todo o sistema de
informação do Estado. Em vez de um comportamento estratégico estas entidades
preferem desenvolver competências executórias e sobrepor-se desta forma ao
mercado privado ou nalguns casos deixar-se capturar por ele.
A segunda razão foi a desvalorização e, nalguns casos, a eliminação do estatuto
de funcionário público independente e comprometido acima de tudo com o serviço
ao cidadão. Perante o desfilar de governos sedentos de reinventar tudo de novo
em cada período de quatro anos e perante um sistema de avaliação que privilegia
sobretudo os resultados de curto prazo, a obediência cega à cadeia de comando e
a competição individual, os actuais trabalhadores contratados em funções públicas
são incapazes de ter uma atitude independente e comprometida acima de tudo
com o serviço público.
Não é fácil exercer o papel de CIO no Estado. Trata-se de um papel
verdadeiramente paradoxal, uma vez que, ao mesmo tempo que deverá ser capaz
de participar e influenciar as estruturas políticas em cada momento, terá de ser
capaz de ultrapassar as barreiras do tempo (sobreviver às mudanças de
legislatura) e ultrapassar as barreiras do espaço, ou seja da tutela em que se
encontra integrado, mantendo uma visão holística do sistema de informação do
Estado.
As funções de governação (Governance) dos SI/TI não são iguais em todas as
organizações, pois dependem da fase de maturidade em que se encontram os
gestores dos recursos informacionais e tecnológicos. As funções de governação
tanto podem ser asseguradas por solucionadores reactivos de problemas
centrados nas tecnologias, do tipo CTO, como por autênticos CIO que são
capazes de agir proactivamente e influenciar a transformação do negócio através
da utilização adequada dos SI/TI, de forma co-optada com os seus pares nos
níveis mais elevados da gestão e da governação.
Pode dizer-se que actualmente existem na AP alguns CTO mas ninguém
desempenha o papel de CIO. Mesmo em sectores como as Finanças, a Justiça a
Saúde ou a Segurança Social, o que existem são CTO mais preocupados na
prestação de serviços do que no pensamento estratégico e arquitectural.
Por tudo isto, precisamos de um CIO do Estado que seja capaz de exercer funções
de soberania, com força, credibilidade e independência suficientes, para
ultrapassar as barreiras de cada legislatura (Tempo) e as barreiras ministeriais
(Espaço) e capaz de se libertar das obsessões estritamente tecnológicas e dos
autismos tecnocráticos, em favor de uma gestão do sistema de informação do
Estado.


4. Utiliza o termo “Arquitecturas de SI/TI do Estado”, como “um instrumento
   de coordenação e um testemunho de maturidade no desempenho do CIO,
   que deixa de corresponder simplesmente ao paradigma de prestção de
   serviços tecnológicos, para passar a uma relação de parceria e
   envolvimento conjunto e cooptado na transformação do aparelho do
   Estado e na incorporação de valor através das tecnologias de
   informação”. Acredita que esta relação de parceria e envolvimento
   conjunto na transformação do aparelho do Estado existe, de facto, na
   actual AP? Em que aspectos?
Utilizo a palavra parceria principalmente na transformação das relações no interior
do aparelho do Estado e tenho muitas reticências na banalização deste conceito
aplicado aos relacionamentos com o mercado.
A concertação e cooptação de princípios e valores para o desenvolvimento de uma
estratégia comum é uma condição essencial para a transformação do aparelho do
Estado e para a incorporação de valor através das tecnologias de informação.
A Arquitectura de SI/TI consiste num referencial indispensável a todos os agentes
envolvidos na modernização da administração pública. Concerta iniciativas, define
caminhos comuns, normaliza conceitos, identifica repositórios partilhados,
disciplina e orienta as opções do mercado, etc.
O esforço de transformação das estruturas actuais de SI/TI na Administração
Pública deve ser dirigido ao planeamento, às arquitecturas e à gestão, num quadro
de competências inovadoras, orientadas à mudança dos processos através do uso
intensivo dos SI/TI pelos organismos públicos e pela sociedade em geral.
Não se trata apenas de arrumar e integrar os sistemas dentro de casa, mas tornar
claro e transparente, para todos os cidadãos e para o mercado das tecnologias em
particular, o âmbito, as prioridades e os requisitos a que deverá obedecer a
modernização da Administração Pública, através da introdução das tecnologias da
informação e comunicação.
Tal como no meio físico, um engenheiro ou um construtor civil deverão reconhecer
a importância de um arquitecto para conceber e mapear o espaço, assim também
no espaço simbólico, que constituem os sistemas de informação, deverão ser
obrigatórias as respectivas arquitecturas prévias, para que não se continue a
“construir clandestinamente” e para que se construam e reaproveitem recursos
estruturantes e serviços comuns.
Os CIO podem percorrer cinco estágios de maturidade ou de credibilidade
segundo o grau de confiança e aceitação que as respectivas estruturas e funções
merecem perante os mais altos níveis de governação. A gestão dos SI/TI inicia-se
quase sempre em fases segregadas de incerteza e cepticismo, aspirando a
conquistar progressivamente fases mais maduras de aceitação e confiança, para
finalmente atingir o respeito por parte de todos os seus pares e em particular por
parte da direcção de topo, que, no caso das administrações públicas, é o próprio
Governo.
Associadas a cada um destes estágios, podemos encontrar percepções e formas
de   gestão   diferenciadas,   progressivamente   mais   comprometidas     com   a
organização como um todo. Há medida que se vai progredindo na maturidade da
gestão dos SI/TI estes passam a ser capazes de acrescentar cada vez mais valor
ao negócio e em contrapartida merecer a aceitação e o reconhecimento de todos
os parceiros envolvidos.


5. Defende que deverá existir uma arquitectura de dados/informação
   comum, gerida de forma centralizada por um órgão equidistante de todos
   os sectores e dotado de competências reguladoras. Em que aspectos
   esta arquitectura é essencial para o bom funcionamento da AP?
Confesso que cada vez mais tenho uma obsessão pela qualidade dos dados na
AP. Nos anos 90 lancei em várias línguas e países um manifesto contra a
“Burocracia Electrónica” e contra os silos verticais, chamando à atenção para a
necessidade reengenharia, orientação para processos horizontais e reutilização da
informação, mas nos últimos anos tenho denunciado a redundância de informação
que resulta dos silos horizontais entretanto criados na desmaterialização de alguns
processos.
Não basta ter uma orientação para processos, mesmo tratando-se de automatizar
cadeias de valor interdepartamentais orientadas às necessidades dos cidadãos e
agentes económicos. Torna-se cada vez mais necessário criar uma arquitectura de
dados/informação comum, capaz de servir de referência a todas as iniciativas de
informatização da administração pública.
Com a falência da administração reguladora e a multiplicação da administração
“empresarial” paralela, ouvem-se alguns “rolos compressores” dizer que, se
ninguém normaliza e regula, estabelecendo referenciais e boas práticas, inventam-
se dados e arquitecturas apressadamente para cada circunstância, porque o
espectáculo tem que continuar - “The show must go on”.
Se a informação não existe recolhe-se de novo, se o organismo não respeita
normas nem possui dicionários de dados inventam-se tabelas para a circunstância,
evitando-se o incómodo e o risco de ir à procura de dados e semânticas comuns e
partilháveis noutras entidades nacionais e internacionais.
É urgente efectuar um diagrama CRUD (Create, Retrieve, Update, Delete),
identificando todos os processos básicos e a sua relação com as macro-entidades
informacionais do Estado. A criação de repositórios únicos de dados reutilizáveis
deverá ser um desígnio nacional, para todos quantos se preocupam pela qualidade
e disponibilidade de dados e consequente viabilização de uma administração
pública em tempo real.


6. Qual a relação dessa Arquitectura com o CIO?
A Arquitectura é a ponte entre a estratégia e a implementação e é indispensável à
gestão da mudança e modernização do aparelho do Estado. A chamada
Arquitectura de Empresa inclui, de acordo com os vários níveis de Spewak, não
apenas a Arquitectura de Dados/Informação, mas também as arquitecturas de
Negócio, Aplicacional e Tecnológica.
O conceito de Arquitectura de Empresa é de difícil percepção na Administração
Pública dado o elevado número de entidades que giram em torno de si próprias e
que têm dificuldade em partilhar com outros parceiros a globalidade de uma
arquitectura global do Estado orientada a serviços destinados aos cidadãos e às
empresas.    Trata-se   de    um   desafio   para   o   alargamento    do   espaço
interdepartamental, que raramente é percebido pelos próprios membros do
Governo intervenientes, mais preocupados que estão em protagonizar-se a si
próprios e à sua área de intervenção política.
Esta é a tónica de maturidade proposta inicialmente pelo Gartner e por governos
como o do Canadá e só mais recentemente adoptada pela União Europeia.
O sucesso e a fluidez dos processos dependem do domínio que se conseguir ter
da totalidade do espaço envolvido na sua prestação e não é fácil aos organismos
envolvidos, aceitar a externalização, mesmo no interior do sistema, do
planeamento, arquitectura e gestão de um processo global e integrado.
Paradoxalmente os fornecedores externos, ao tentarem reduzir o risco e definir o
âmbito da sua actuação no seu contrato com o cliente, também contribuem para
esta fragmentação da Arquitectura de SI/TI do Estado.
Por tudo isto, a Arquitectura é sem dúvida um instrumento privilegiado na actuação
e credibilização do CIO e para a integração do sistema Estado.


7. Na sua opinião, de que padece a actual AP no que a SI/TI diz respeito? O
   que podia ser melhorado, que lacunas há por preencher?
A administração Pública está mais informatizada do que a generalidade do país, o
problema não está na quantidade de tecnologia, mas no seu mau aproveitamento.
A Administração Pública está dividida e fechada em múltiplos casulos
tecnológicos, autoprotegidos e virados de costas uns para os outros.
Existe uma carência estrutural de competências de gestão, planeamento e
concepção de arquitecturas de sistemas e tecnologias da informação. O Estado
tem muito pouca consciência do que é e do que precisa e ainda não é capaz de
alargar o espaço e o tempo da sua transformação através do uso intensivo e
partilhado das tecnologias.
A estratégia ainda está centrada no aprovisionamento tecnológico e menos na
concepção de um espaço arquitectónico ordenado e regulado para todo o sector
público.
Não excluo a necessidade de técnicos altamente qualificados do ponto de vista
tecnológico como forma de manter a credibilidade na relação com fornecedores
externos, trata-se de preservar um escol de peritos em áreas de ponta diferente do
que se passa actualmente, em que se entrega a inovação e os desafios
tecnológicos ao exterior e mantém-se a tecnologia ultrapassada nas mãos dos
técnicos que ainda restam nos organismos do Estado. Actualmente o mercado
“come o lombo” enquanto o Estado “rói os ossos”, quando deveria ser o contrário.
Ainda se está longe de uma clarificação das missões e competências no âmbito
dos sistemas e tecnologias da informação, que deveremos proteger de forma
soberana e aquelas que se devem externalizar de forma mais eficiente e
económica.
Temos vindo a lutar com alguma veemência nos últimos dez anos pela criação de
competências e departamentos orientados às arquitecturas de sistemas e
tecnologias de informação, capazes de dar corpo às novas funções de soberania
de um Estado que passe a ser mais um regulador equitativo e transparente, um
bom gestor e um comprador competente de SI/TI e cada vez menos um medíocre
implementador e um crónico reinventor da roda incapaz de competir em qualidade
com um mercado mais globalizado e auto-regulado por critérios sempre mais
exigentes do ponto de vista normativo e metodológico à escala mundial.
Se o Estado, no domínio da prestação estrita de serviços de concepção,
desenvolvimento e exploração de aplicações informáticas, tende a ser cada vez
menos competitivo, tanto na eficácia e prontidão dos resultados, como na
eficiência da utilização interna dos seus recursos técnicos, humanos e financeiros,
deverá fazer convergir quanto antes os seus esforços e os seus cada vez mais
limitados recursos para outras competências e prioridades progressivamente mais
centradas na protecção da sua soberania exclusiva.


8. Qual acredita que deverá ser a principal componente no desenvolvimento
   de uma Arquitectura de Sistema de Informação?
Antes de mais nada, a Arquitectura deverá ter uma preocupação pela
racionalização e alinhamento dos processos com a estratégia de médio e longo
prazo de uma modernização administrativa sem constrangimentos de qualquer
legislatura política e transversal a todo o aparelho do Estado.
Por outro lado deverá existir uma preocupação constante pela consistência e
qualidade de dados através de estruturas adequadas de gestão da informação.
A interoperabilidade semântica, tecnológica e aplicacional deverá ser também uma
prioridade na Arquitectura de Sistema de Informação do Estado.
Destacamos os seguintes benefícios espectáveis da Arquitectura de Sistemas de
Informação:
       Flexibilidade na mudança e adequação aos novos desafios, com redução
       de tempo de implementação de novas funções;
       Sistemas e tecnologias de informação alinhados com a estratégia dos
       vários governos, o que facilita e racionaliza as decisões de investimentos
       em SI/TI;
       Permite controlar a redundância e inconsistência da informação;
       Permite eliminar / reduzir a proliferação de sistemas de informação
       departamentais desintegrados que obrigam ao desenvolvimento de
       inúmeros interfaces difíceis e caros de manter;
       Facilita a integração e a interoperabilidade entre sistemas de informação,
       garantido a maior fluidez dos processos que conduzem à prestação de
       serviços à sociedade;
       Permite gerir a diversidade e complexidade dos sistemas de informação em
       toda a administração pública;
       Fornece um guia para a estrutura e localização da informação dentro do
       sistema Estado.
Tem-se falado e investido muito em plataformas de serviços comuns como forma
de integrar sistemas e aplicações, mas tem-se feito muito pouco na criação de uma
arquitectura e desígnio comum, onde a generalidade dos organismos se reveja e
acredite.
As plataformas são muitas vezes “soluções à procura de problemas” em que os
organismos ainda não se revêem nem apostam estrategicamente. A Arquitectura
de Sistemas de Informação é sem dúvida um instrumento vivo e agregador para a
implementação da estratégia de modernização administrativa com recurso às TIC.


9. Quais deverão ser as principais características de um CIO para a actual
   AP?
Como em qualquer organização pública ou privada um CIO deverá ser, não
apenas um entusiasta por tecnologias inovadoras, mas sobretudo um estratega
conhecedor da administração pública, um agente de mudança, um líder de
pessoas, um comunicador nato, um integrador de sistemas, um empreendedor
corajoso, um cidadão responsável e alguém capaz de dinamizar redes e
comunidades humanas.
É fundamental saber criar, manter e desenvolver uma complexa rede de parceiros
e intervenientes no sistema de informação aos vários níveis do aparelho do
Estado, através de atitudes de negociação e concertação, bem como
competências interpessoais, informacionais e decisórias muito acima da média.
Um bom CIO deverá ser capaz de navegar na complexidade organizacional,
possuir pensamento estratégico e táctico, garantindo um balanceamento adequado
entre planeamento e execução e um grande aproveitamento de recursos e
competências.
No caso da administração pública o CIO deverá ser capaz de quebrar
constrangimentos temporais e espaciais característicos do sistema Estado, pois
não se pode deixar aprisionar por euforias legislativas nem tão pouco por vaidades
departamentais.
Um político ou um membro de qualquer governo poderá ser um bom patrono
(sponsor) nas várias intervenções no âmbito do sistema de informação do Estado,
mas dificilmente será um bom CIO capaz de ter uma visão estratégica para além
da legislatura para que está comprometido.
Quando falamos de governação dos SI/TI na Administração Pública temos de
avaliar as áreas de competência requeridas para prosseguir as missões nucleares
do Estado, deixando de intervir em áreas de baixa soberania, as quais podem ser
melhor asseguradas pelo mercado em livre e sã concorrência. As tecnologias da
informação e comunicação não serão garantidamente funções nucleares do
Estado e o seu exercício mais ou menos profissional por parte de múltiplos
organismos públicos merece uma avaliação cada vez mais cuidada.
À partida existem dois grandes grupos de competências e de actividades que não
devemos misturar em termos orgânicos e funcionais – As áreas de Coordenação
(mais perto da estratégia de negócio) e as áreas de Prestação de Serviços (mais
perto das tecnologias). Trata-se de intervenções em planos que convém manter
segregados e que se traduzem em relacionamentos e subordinações totalmente
diferentes em relação ao ambiente operacional onde actuam: relações de parceria
e relações de cliente-fornecedor, particularmente difíceis de conciliar num sistema
fortemente hierarquizado como é a Administração Pública.
De acordo com a Lei nº 4/2004, neste momento a chamada administração directa
do Estado (direcções gerais) integra os únicos órgãos capazes de exercer
legalmente “poderes de soberania, autoridade e representação política do Estado”.
São também os únicos órgãos capazes de garantir “o estudo e concepção,
coordenação, apoio e controlo ou fiscalização de outros serviços administrativos”.
No entanto, cada vez é menos possível exercer a soberania quando o dinheiro e a
competência técnica estão a fugir para a administração indirecta do Estado
(agências, institutos e fundos autónomos), tentando deste modo garantir
“flexibilidade de gestão” através da fuga do direito público para o direito privado.
Apesar dos últimos governos terem destruído sistematicamente grande parte das
estruturas de coordenação e regulação específicas da administração directa do
Estado e ter retirado a independência e a neutralidade que distinguiam os
funcionários públicos dos restantes trabalhadores, acredito que o tempo irá
demonstrar a importância e a especificidade do papel do CIO no ordenamento do
sistema de informação do Estado e na adequada utilização dos seus recursos
humanos e tecnológicos. Caso contrário é o próprio país que irá pagar caro a
actual displicência da gestão dos recursos informacionais da administração pública
portuguesa.


Publicado em Fevereiro de 2010

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Entrevista Interface Vidigal Cio

  • 1. Entrevista da Revista Interface a Luís Vidigal sobre o papel do CIO no Estado 1. Qual deve ser o papel de um CIO (Chief Information Officer) na Administração Pública (AP)? Poderá ele ser equiparado a um responsável máximo de informática? Existe uma enorme confusão entre o conceito de CIO (Chief Information Officer) e de CTO (Chief Technology Officer), pois o que encontramos na maioria das organizações são CTO, enquanto responsáveis máximos de informática, mais concentrados na gestão das tecnologias do que na gestão dos recursos informacionais, incluindo a infraestrutura tecnológica de suporte. O próprio conceito de Informática, enquanto tratamento automático da informação foi, ao longo dos últimos 20 anos, perdendo importância e dando lugar ao binómio sistemas e tecnologias da informação (SI/TI), procurando-se valorizar cada vez mais o recurso informação e não apenas as tecnologias que lhe dão suporte. Deste modo, o papel do CIO na AP, como em qualquer organização, vai muito para além de ser um responsável máximo da informática e deverá constituir um gestor de topo dos recursos informacionais, com capacidade de influenciar estrategicamente a evolução do negócio numa perspectiva verdadeiramente inovadora, transformadora e de incorporação de valor com recurso a tecnologias adequadas. 2. Que importância atribui à existência de um CIO na AP? A administração pública não escapou à chamada “espiral das commodities ”de Nicholas Carr, em que 70 a 90% dos gastos em TI são feitos em infra-estrutura indiferenciada e pouco estratégica. O fascínio pela tecnologia tem-nos feito esquecer o propósito chave da informação e a sua relação com as pessoas e os processos. O CIO na AP deverá ser capaz de se concentrar na informação enquanto recurso e ter uma nova perspectiva tecnológica, pois o que conta nos dias de hoje não é tanto a escolha de tecnologias de informação mas a gestão da integração da sua enorme diversidade e a sua capacidade de alinhamento com as necessidades dos cidadãos e agentes económicos. Por isso, as práticas e os procedimentos actuais para gerir informação e tecnologia têm que ser profundamente alterados.
  • 2. Infelizmente ainda são apenas as decisões relacionadas com as grandes obras do betão que merecem o alargamento do tempo e do espaço, comprometendo deste modo alguns governos futuros. Ainda não se percebeu a importância de tomar decisões estratégicas de médio e longo prazo e de âmbito interministerial no domínio dos SI/TI. Ainda não se reconhece o papel estruturante dos SI/TI, enquanto obra pública que também deverá perdurar no tempo para além de uma legislatura. A importância do CIO na AP é decisiva, sobretudo quando as prateleiras dos membros dos últimos governos estão cheias de estudos concebidos por task forces, consultores e vendedores de sonhos. Por isso o papel independente e equidistante dos impulsos políticos apenas poderá ser assegurado por um verdadeiro CIO. 3. O CIO existe na actual AP? (Se sim, estará a cumprir o seu papel? / Se não, porque ainda não existe?) Em meu entender não existe actualmente ninguém a desempenhar adequadamente o papel de um CIO, por duas razões principais: Nos últimos anos assistiu-se a uma grande contracção e devastação das estruturas da Administração Directa do Estado (Direcções Gerais) e à sua migração para a Administração Indirecta do Estado (Empresas, Fundações, Agências, Institutos, etc.), como forma de iludir a contracção do défice e fugir ao controlo orçamental. Consequentemente, diminuiu-se a capacidade de gestão estratégica e criaram-se psudo-empresas mais preocupadas em cumprir calendários políticos do que em assegurar uma arquitectura de SI/TI coerente e integradora de todo o sistema de informação do Estado. Em vez de um comportamento estratégico estas entidades preferem desenvolver competências executórias e sobrepor-se desta forma ao mercado privado ou nalguns casos deixar-se capturar por ele. A segunda razão foi a desvalorização e, nalguns casos, a eliminação do estatuto de funcionário público independente e comprometido acima de tudo com o serviço ao cidadão. Perante o desfilar de governos sedentos de reinventar tudo de novo em cada período de quatro anos e perante um sistema de avaliação que privilegia sobretudo os resultados de curto prazo, a obediência cega à cadeia de comando e a competição individual, os actuais trabalhadores contratados em funções públicas são incapazes de ter uma atitude independente e comprometida acima de tudo com o serviço público.
  • 3. Não é fácil exercer o papel de CIO no Estado. Trata-se de um papel verdadeiramente paradoxal, uma vez que, ao mesmo tempo que deverá ser capaz de participar e influenciar as estruturas políticas em cada momento, terá de ser capaz de ultrapassar as barreiras do tempo (sobreviver às mudanças de legislatura) e ultrapassar as barreiras do espaço, ou seja da tutela em que se encontra integrado, mantendo uma visão holística do sistema de informação do Estado. As funções de governação (Governance) dos SI/TI não são iguais em todas as organizações, pois dependem da fase de maturidade em que se encontram os gestores dos recursos informacionais e tecnológicos. As funções de governação tanto podem ser asseguradas por solucionadores reactivos de problemas centrados nas tecnologias, do tipo CTO, como por autênticos CIO que são capazes de agir proactivamente e influenciar a transformação do negócio através da utilização adequada dos SI/TI, de forma co-optada com os seus pares nos níveis mais elevados da gestão e da governação. Pode dizer-se que actualmente existem na AP alguns CTO mas ninguém desempenha o papel de CIO. Mesmo em sectores como as Finanças, a Justiça a Saúde ou a Segurança Social, o que existem são CTO mais preocupados na prestação de serviços do que no pensamento estratégico e arquitectural. Por tudo isto, precisamos de um CIO do Estado que seja capaz de exercer funções de soberania, com força, credibilidade e independência suficientes, para ultrapassar as barreiras de cada legislatura (Tempo) e as barreiras ministeriais (Espaço) e capaz de se libertar das obsessões estritamente tecnológicas e dos autismos tecnocráticos, em favor de uma gestão do sistema de informação do Estado. 4. Utiliza o termo “Arquitecturas de SI/TI do Estado”, como “um instrumento de coordenação e um testemunho de maturidade no desempenho do CIO, que deixa de corresponder simplesmente ao paradigma de prestção de serviços tecnológicos, para passar a uma relação de parceria e envolvimento conjunto e cooptado na transformação do aparelho do Estado e na incorporação de valor através das tecnologias de informação”. Acredita que esta relação de parceria e envolvimento conjunto na transformação do aparelho do Estado existe, de facto, na actual AP? Em que aspectos?
  • 4. Utilizo a palavra parceria principalmente na transformação das relações no interior do aparelho do Estado e tenho muitas reticências na banalização deste conceito aplicado aos relacionamentos com o mercado. A concertação e cooptação de princípios e valores para o desenvolvimento de uma estratégia comum é uma condição essencial para a transformação do aparelho do Estado e para a incorporação de valor através das tecnologias de informação. A Arquitectura de SI/TI consiste num referencial indispensável a todos os agentes envolvidos na modernização da administração pública. Concerta iniciativas, define caminhos comuns, normaliza conceitos, identifica repositórios partilhados, disciplina e orienta as opções do mercado, etc. O esforço de transformação das estruturas actuais de SI/TI na Administração Pública deve ser dirigido ao planeamento, às arquitecturas e à gestão, num quadro de competências inovadoras, orientadas à mudança dos processos através do uso intensivo dos SI/TI pelos organismos públicos e pela sociedade em geral. Não se trata apenas de arrumar e integrar os sistemas dentro de casa, mas tornar claro e transparente, para todos os cidadãos e para o mercado das tecnologias em particular, o âmbito, as prioridades e os requisitos a que deverá obedecer a modernização da Administração Pública, através da introdução das tecnologias da informação e comunicação. Tal como no meio físico, um engenheiro ou um construtor civil deverão reconhecer a importância de um arquitecto para conceber e mapear o espaço, assim também no espaço simbólico, que constituem os sistemas de informação, deverão ser obrigatórias as respectivas arquitecturas prévias, para que não se continue a “construir clandestinamente” e para que se construam e reaproveitem recursos estruturantes e serviços comuns. Os CIO podem percorrer cinco estágios de maturidade ou de credibilidade segundo o grau de confiança e aceitação que as respectivas estruturas e funções merecem perante os mais altos níveis de governação. A gestão dos SI/TI inicia-se quase sempre em fases segregadas de incerteza e cepticismo, aspirando a conquistar progressivamente fases mais maduras de aceitação e confiança, para finalmente atingir o respeito por parte de todos os seus pares e em particular por parte da direcção de topo, que, no caso das administrações públicas, é o próprio Governo. Associadas a cada um destes estágios, podemos encontrar percepções e formas de gestão diferenciadas, progressivamente mais comprometidas com a organização como um todo. Há medida que se vai progredindo na maturidade da gestão dos SI/TI estes passam a ser capazes de acrescentar cada vez mais valor
  • 5. ao negócio e em contrapartida merecer a aceitação e o reconhecimento de todos os parceiros envolvidos. 5. Defende que deverá existir uma arquitectura de dados/informação comum, gerida de forma centralizada por um órgão equidistante de todos os sectores e dotado de competências reguladoras. Em que aspectos esta arquitectura é essencial para o bom funcionamento da AP? Confesso que cada vez mais tenho uma obsessão pela qualidade dos dados na AP. Nos anos 90 lancei em várias línguas e países um manifesto contra a “Burocracia Electrónica” e contra os silos verticais, chamando à atenção para a necessidade reengenharia, orientação para processos horizontais e reutilização da informação, mas nos últimos anos tenho denunciado a redundância de informação que resulta dos silos horizontais entretanto criados na desmaterialização de alguns processos. Não basta ter uma orientação para processos, mesmo tratando-se de automatizar cadeias de valor interdepartamentais orientadas às necessidades dos cidadãos e agentes económicos. Torna-se cada vez mais necessário criar uma arquitectura de dados/informação comum, capaz de servir de referência a todas as iniciativas de informatização da administração pública. Com a falência da administração reguladora e a multiplicação da administração “empresarial” paralela, ouvem-se alguns “rolos compressores” dizer que, se ninguém normaliza e regula, estabelecendo referenciais e boas práticas, inventam- se dados e arquitecturas apressadamente para cada circunstância, porque o espectáculo tem que continuar - “The show must go on”. Se a informação não existe recolhe-se de novo, se o organismo não respeita normas nem possui dicionários de dados inventam-se tabelas para a circunstância, evitando-se o incómodo e o risco de ir à procura de dados e semânticas comuns e partilháveis noutras entidades nacionais e internacionais. É urgente efectuar um diagrama CRUD (Create, Retrieve, Update, Delete), identificando todos os processos básicos e a sua relação com as macro-entidades informacionais do Estado. A criação de repositórios únicos de dados reutilizáveis deverá ser um desígnio nacional, para todos quantos se preocupam pela qualidade e disponibilidade de dados e consequente viabilização de uma administração pública em tempo real. 6. Qual a relação dessa Arquitectura com o CIO?
  • 6. A Arquitectura é a ponte entre a estratégia e a implementação e é indispensável à gestão da mudança e modernização do aparelho do Estado. A chamada Arquitectura de Empresa inclui, de acordo com os vários níveis de Spewak, não apenas a Arquitectura de Dados/Informação, mas também as arquitecturas de Negócio, Aplicacional e Tecnológica. O conceito de Arquitectura de Empresa é de difícil percepção na Administração Pública dado o elevado número de entidades que giram em torno de si próprias e que têm dificuldade em partilhar com outros parceiros a globalidade de uma arquitectura global do Estado orientada a serviços destinados aos cidadãos e às empresas. Trata-se de um desafio para o alargamento do espaço interdepartamental, que raramente é percebido pelos próprios membros do Governo intervenientes, mais preocupados que estão em protagonizar-se a si próprios e à sua área de intervenção política. Esta é a tónica de maturidade proposta inicialmente pelo Gartner e por governos como o do Canadá e só mais recentemente adoptada pela União Europeia. O sucesso e a fluidez dos processos dependem do domínio que se conseguir ter da totalidade do espaço envolvido na sua prestação e não é fácil aos organismos envolvidos, aceitar a externalização, mesmo no interior do sistema, do planeamento, arquitectura e gestão de um processo global e integrado. Paradoxalmente os fornecedores externos, ao tentarem reduzir o risco e definir o âmbito da sua actuação no seu contrato com o cliente, também contribuem para esta fragmentação da Arquitectura de SI/TI do Estado. Por tudo isto, a Arquitectura é sem dúvida um instrumento privilegiado na actuação e credibilização do CIO e para a integração do sistema Estado. 7. Na sua opinião, de que padece a actual AP no que a SI/TI diz respeito? O que podia ser melhorado, que lacunas há por preencher? A administração Pública está mais informatizada do que a generalidade do país, o problema não está na quantidade de tecnologia, mas no seu mau aproveitamento. A Administração Pública está dividida e fechada em múltiplos casulos tecnológicos, autoprotegidos e virados de costas uns para os outros. Existe uma carência estrutural de competências de gestão, planeamento e concepção de arquitecturas de sistemas e tecnologias da informação. O Estado tem muito pouca consciência do que é e do que precisa e ainda não é capaz de alargar o espaço e o tempo da sua transformação através do uso intensivo e partilhado das tecnologias.
  • 7. A estratégia ainda está centrada no aprovisionamento tecnológico e menos na concepção de um espaço arquitectónico ordenado e regulado para todo o sector público. Não excluo a necessidade de técnicos altamente qualificados do ponto de vista tecnológico como forma de manter a credibilidade na relação com fornecedores externos, trata-se de preservar um escol de peritos em áreas de ponta diferente do que se passa actualmente, em que se entrega a inovação e os desafios tecnológicos ao exterior e mantém-se a tecnologia ultrapassada nas mãos dos técnicos que ainda restam nos organismos do Estado. Actualmente o mercado “come o lombo” enquanto o Estado “rói os ossos”, quando deveria ser o contrário. Ainda se está longe de uma clarificação das missões e competências no âmbito dos sistemas e tecnologias da informação, que deveremos proteger de forma soberana e aquelas que se devem externalizar de forma mais eficiente e económica. Temos vindo a lutar com alguma veemência nos últimos dez anos pela criação de competências e departamentos orientados às arquitecturas de sistemas e tecnologias de informação, capazes de dar corpo às novas funções de soberania de um Estado que passe a ser mais um regulador equitativo e transparente, um bom gestor e um comprador competente de SI/TI e cada vez menos um medíocre implementador e um crónico reinventor da roda incapaz de competir em qualidade com um mercado mais globalizado e auto-regulado por critérios sempre mais exigentes do ponto de vista normativo e metodológico à escala mundial. Se o Estado, no domínio da prestação estrita de serviços de concepção, desenvolvimento e exploração de aplicações informáticas, tende a ser cada vez menos competitivo, tanto na eficácia e prontidão dos resultados, como na eficiência da utilização interna dos seus recursos técnicos, humanos e financeiros, deverá fazer convergir quanto antes os seus esforços e os seus cada vez mais limitados recursos para outras competências e prioridades progressivamente mais centradas na protecção da sua soberania exclusiva. 8. Qual acredita que deverá ser a principal componente no desenvolvimento de uma Arquitectura de Sistema de Informação? Antes de mais nada, a Arquitectura deverá ter uma preocupação pela racionalização e alinhamento dos processos com a estratégia de médio e longo prazo de uma modernização administrativa sem constrangimentos de qualquer legislatura política e transversal a todo o aparelho do Estado.
  • 8. Por outro lado deverá existir uma preocupação constante pela consistência e qualidade de dados através de estruturas adequadas de gestão da informação. A interoperabilidade semântica, tecnológica e aplicacional deverá ser também uma prioridade na Arquitectura de Sistema de Informação do Estado. Destacamos os seguintes benefícios espectáveis da Arquitectura de Sistemas de Informação: Flexibilidade na mudança e adequação aos novos desafios, com redução de tempo de implementação de novas funções; Sistemas e tecnologias de informação alinhados com a estratégia dos vários governos, o que facilita e racionaliza as decisões de investimentos em SI/TI; Permite controlar a redundância e inconsistência da informação; Permite eliminar / reduzir a proliferação de sistemas de informação departamentais desintegrados que obrigam ao desenvolvimento de inúmeros interfaces difíceis e caros de manter; Facilita a integração e a interoperabilidade entre sistemas de informação, garantido a maior fluidez dos processos que conduzem à prestação de serviços à sociedade; Permite gerir a diversidade e complexidade dos sistemas de informação em toda a administração pública; Fornece um guia para a estrutura e localização da informação dentro do sistema Estado. Tem-se falado e investido muito em plataformas de serviços comuns como forma de integrar sistemas e aplicações, mas tem-se feito muito pouco na criação de uma arquitectura e desígnio comum, onde a generalidade dos organismos se reveja e acredite. As plataformas são muitas vezes “soluções à procura de problemas” em que os organismos ainda não se revêem nem apostam estrategicamente. A Arquitectura de Sistemas de Informação é sem dúvida um instrumento vivo e agregador para a implementação da estratégia de modernização administrativa com recurso às TIC. 9. Quais deverão ser as principais características de um CIO para a actual AP? Como em qualquer organização pública ou privada um CIO deverá ser, não apenas um entusiasta por tecnologias inovadoras, mas sobretudo um estratega conhecedor da administração pública, um agente de mudança, um líder de
  • 9. pessoas, um comunicador nato, um integrador de sistemas, um empreendedor corajoso, um cidadão responsável e alguém capaz de dinamizar redes e comunidades humanas. É fundamental saber criar, manter e desenvolver uma complexa rede de parceiros e intervenientes no sistema de informação aos vários níveis do aparelho do Estado, através de atitudes de negociação e concertação, bem como competências interpessoais, informacionais e decisórias muito acima da média. Um bom CIO deverá ser capaz de navegar na complexidade organizacional, possuir pensamento estratégico e táctico, garantindo um balanceamento adequado entre planeamento e execução e um grande aproveitamento de recursos e competências. No caso da administração pública o CIO deverá ser capaz de quebrar constrangimentos temporais e espaciais característicos do sistema Estado, pois não se pode deixar aprisionar por euforias legislativas nem tão pouco por vaidades departamentais. Um político ou um membro de qualquer governo poderá ser um bom patrono (sponsor) nas várias intervenções no âmbito do sistema de informação do Estado, mas dificilmente será um bom CIO capaz de ter uma visão estratégica para além da legislatura para que está comprometido. Quando falamos de governação dos SI/TI na Administração Pública temos de avaliar as áreas de competência requeridas para prosseguir as missões nucleares do Estado, deixando de intervir em áreas de baixa soberania, as quais podem ser melhor asseguradas pelo mercado em livre e sã concorrência. As tecnologias da informação e comunicação não serão garantidamente funções nucleares do Estado e o seu exercício mais ou menos profissional por parte de múltiplos organismos públicos merece uma avaliação cada vez mais cuidada. À partida existem dois grandes grupos de competências e de actividades que não devemos misturar em termos orgânicos e funcionais – As áreas de Coordenação (mais perto da estratégia de negócio) e as áreas de Prestação de Serviços (mais perto das tecnologias). Trata-se de intervenções em planos que convém manter segregados e que se traduzem em relacionamentos e subordinações totalmente diferentes em relação ao ambiente operacional onde actuam: relações de parceria e relações de cliente-fornecedor, particularmente difíceis de conciliar num sistema fortemente hierarquizado como é a Administração Pública. De acordo com a Lei nº 4/2004, neste momento a chamada administração directa do Estado (direcções gerais) integra os únicos órgãos capazes de exercer legalmente “poderes de soberania, autoridade e representação política do Estado”.
  • 10. São também os únicos órgãos capazes de garantir “o estudo e concepção, coordenação, apoio e controlo ou fiscalização de outros serviços administrativos”. No entanto, cada vez é menos possível exercer a soberania quando o dinheiro e a competência técnica estão a fugir para a administração indirecta do Estado (agências, institutos e fundos autónomos), tentando deste modo garantir “flexibilidade de gestão” através da fuga do direito público para o direito privado. Apesar dos últimos governos terem destruído sistematicamente grande parte das estruturas de coordenação e regulação específicas da administração directa do Estado e ter retirado a independência e a neutralidade que distinguiam os funcionários públicos dos restantes trabalhadores, acredito que o tempo irá demonstrar a importância e a especificidade do papel do CIO no ordenamento do sistema de informação do Estado e na adequada utilização dos seus recursos humanos e tecnológicos. Caso contrário é o próprio país que irá pagar caro a actual displicência da gestão dos recursos informacionais da administração pública portuguesa. Publicado em Fevereiro de 2010