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SURGIMENTO DO ESPORTE MODERNO E O PROCESSO CIVILIZADOR
Fernando Augusto Starepravo; Ricardo Sonoda Nunes (CEPELS/DEF/UFPR)

RESUMO

Dentre os inúmeros trabalhos sociológicos referentes ao esporte e lazer, destacamos o
trabalho de Norbert Elias sobre o surgimento dos esportes, sua interdependência com o
contexto social e as necessidades e motivações das atividades de lazer nas sociedades
contemporâneas. O texto está baseado principalmente na obra “A Busca da Excitação”, escrita
por Norbert Elias e Eric Dunning. Acreditamos ser de extrema importância o entendimento da
teoria de Elias referentes a este tema, para que se possa avançar apoiado em um referencial
teórico bastante consistente. Estabelecendo as relações entre esporte, lazer e o processo
civilizador, buscaremos discutir o surgimento do esporte moderno, sustentados pela teoria de
Elias, preocupados principalmente na relação com a diminuição dos níveis de violência
praticados na sociedade e a crescente intervenção do Estado como monopolizador da
violência.

Palavras-chave: esporte, sociedade, Norbert Elias.

INTRODUÇÃO

Este trabalho buscará discutir o surgimento do esporte moderno, sob a ótica da teoria
do processo civilizador de Norbert Elias. Há algum tempo, a teoria dos processos
civilizadores elaborada por Elias vem chamando atenção de diversos estudiosos (LUCENA,
2002; MARCHI JR, 2001; MEZZADRI, 2000), na busca de entender como e quanto à prática
do esporte se apresenta como uma questão relevante para o entendimento das relações sociais.
Este texto buscará fazer emergir aspectos da teoria que nos permita lançar novos feixes de
analise sobre o esporte como pratica social de uma sociedade que passa por um processo
continuo de normatização das condutas.
O texto está baseado principalmente na obra “A Busca da Excitação”1 , escrito por
Norbert Elias e Eric Dunning. Estabelecendo as relações entre esporte, lazer e o processo
civilizador, buscaremos discutir o surgimento do esporte moderno, sustentados pela teoria de
Elias, preocupados principalmente na relação com a diminuição dos níveis de violência
praticados na sociedade e a crescente intervenção do Estado como monopolizador da
violência.

A GÊNESE DO ESPORTE E O PROCESSO CIVILIZADOR

Durante muito tempo o termo esporte, ou desporto, foi usado para designar uma
variedade de passatempos e divertimentos. No decurso do tempo, o termo desporto passou a
ser padronizado como um termo para formas específicas de recreação na qual o desempenho
físico desempenhava fator principal, com a presença de regras para manter as disputas sob
controle. Estas atividades se desenvolveram primeiramente na Inglaterra e a partir daí se
espalharam por todo o mundo. A difusão a partir da Inglaterra de modelos de produção
industrial, de organização, de trabalho e das formas de ocupação do tempo livre do tipo
conhecido como desporto foi notável. Parece razoável imaginar que as formas segundo a qual
as pessoas utilizavam seu tempo livre seguiu de mãos dadas com a transformação da maneira
segundo a qual trabalhavam.
É possível que, tanto a industrialização como a desportivização 2 , tenham sido
sintomáticas de uma transformação mais profunda das sociedades européias, que exigia de
seus membros uma maior regularidade e diferenciação de comportamento. É neste sentido que
Elias conduz seus estudos, considerando o esporte como conseqüência/produto do processo de
civilização que a sociedade européia começou a sofrer a partir do século XV.
A sociedade européia sofreu, a partir do século XV, uma transformação que forçou
os seus membros a uma lenta e crescente regularidade de conduta e de sensibilidade. Elias
demonstra em seus estudos3 , que os modelos sociais de conduta e de sensibilidade,
particularmente em alguns círculos das classes sociais altas, começam a transformar-se
drasticamente a partir deste período. O domínio da conduta e da sensibilidade tornou-se mais
1

ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1987.
Transformação dos passatempos em desportos, ocorrida na sociedade inglesa a partir do século XVIII, com a
introdução de regras.
3
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. 2 volumes. Ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1992.
2
rigoroso, banindo quer excessos de punição e de complacência. A mudança encontrou a sua
expressão em um termo novo, lançado por Erasmo de Roterdão (ELIAS e DUNNING, 1987)
e utilizado em muitos outros países como símbolo de um novo refinamento de maneiras, o
termo civilidade, que mais tarde deu origem ao verbo civilizar.
Da mesma forma, as investigações sobre o desenvolvimento do desporto mostraram
que existia uma transformação global do código de conduta e de sensibilidade na mesma
direção. Se compararmos os jogos populares realizados com bola nos finais da Idade Média
com o futebol e o rugby, os dois ramos do futebol inglês que emergiram no século XIX, pode
notar-se que existe um aumento da sensibilidade em relação à violência. A mesma mudança
de orientação pode ser verificada no boxe. As formas mais antigas de pugilismo não eram
totalmente desprovidas de regras. Porém, os punhos eram desprotegidos e muitas vezes as
pernas eram utilizadas nas lutas. A luta assumiu as características de desporto pela primeira
vez na Inglaterra com a introdução de regras que limitavam os danos físicos aos adversários,
eliminando o uso das pernas nos combates. Além disso, o aumento da sensibilidade foi
verificado com a introdução das luvas e, com o tempo, pelo acolchoamento destas, para
amenizar os danos físicos aos adversários.
No decurso do século XIX, e em alguns casos, na segunda metade do século XVIII,
tendo a Inglaterra como exemplo, algumas atividades de lazer adquiriram características de
desporto também em outros países. São características dos desportos modernos: regras
escritas; sanções intrajogo bem definidas; presença de árbitros para conduzir as disputas;
órgão centralizador de elaboração e fiscalização das regras.
O quadro de regras, incluindo aquelas que eram orientadas pelos ideais de justiça, de
igualdade de oportunidades de êxito para todos os participantes, tornou-se mais rígido. As
regras passaram a ser mais rigorosas, mais exp lícitas e mais diferenciadas. Em outras
palavras, sob a forma de desportos, os confrontos atingiram um nível de ordem e
autodisciplina nunca alcançados até então. Além disso, as competições integraram um
conjunto de regras que asseguravam o equilíbrio entre a possível obtenção de uma elevada
tensão na luta e uma razoável proteção contra os ferimentos físicos.
O aumento das restrições quanto à aplicação da força física e, em especial ao ato de
matar, podem ser observados como sintomas de um impulso de civilização em muitas outras
esferas da atividade humana. Todos estão relacionados com movimento no sentido da maior
pacificação de um país, em ligação com a crescente eficácia da monopolização da força física
por representantes das instituições centrais do Estado. Além disso, estão relacionados com um
dos aspectos mais cruciais da pacificação interna e da civilização de um país – a exclusão do
uso da violência das lutas periódicas pelo controle destas instituições centrais, com a
correspondente formação da consciência.

A GÊNESE DO ESPORTE E A PARLAMENTARIZAÇÃO DA POLÍTICA INGLESA

A transição dos passatempos ou atividades de lazer a esportes, ocorrida na sociedade
inglesa em meados do século XIX, encontra-se relacionado com o desenvolvimento da
sociedade sob uma perspectiva global, se observarmos como se deu o desenvolvimento da
estrutura de poder da sociedade inglesa. Estudos do desporto que não sejam simultaneamente
estudos da sociedade são analises desprovidas de contexto. Neste período, os ciclos de
violência abrandam, e os conflitos de interesses passaram a ser resolvidos de um modo que
permitia aos principais contendores de poder governamental solucionarem suas diferenças,
por intermédio de processos inteiramente não violentos, e segundo regras acertadas por ambas
as partes.
Os ciclos de violência são configurações formadas por dois ou mais grupos,
processos de sujeições recíprocas que situam estes grupos numa posição de medo e de
desconfiança mútua, passando cada um a assumir como coisa natural o fato de os seus
membros poderem estar armados ou serem mortos pelo outro grupo caso este tenha a
oportunidade e os meios para efetuar (ELIAS e DUNNING, 1987).
Na Inglaterra, o que resultou do período mais violento de conflitos sociais, foi um
equilíbrio de tensões moderadamente estável, entre vários grupos dirigentes em competição,
dos quais nenhum desejava, ou parecia ser suficientemente poderoso para intimidar as forças
conjugadas dos outros por meio de um teste direto de força física.

Em vez disso,

desenvolveu-se, de modo gradual, um acordo tático entre os rivais na sociedade em geral.
Estes acordaram um conjunto de regras segundo o qual podiam fazer rotações na constituição
de governos e na administração ou utilização dos instrumentos centrais de todas as funções do
governo – o monopólio da força física e do lançamento de impostos.
Certamente, a elaboração destas regras não ocorreu de um dia para o outro.
Verificaram-se lutas esporádicas e choques entre os que seguiam os diferentes grupos até,
pelo menos, meados do século XVIII. Mas, de um modo progressivo, afastou-se o medo de
que um dos grupos rivais e seus adeptos agredissem fisicamente ou aniquilassem os outros.
O acordo de não lutar por meio da violência física por cargos governamentais e
pelos seus poderosos recursos, mas apenas de acordo com as regras estabelecidas por mútuo
consentimento, por meio de palavras, votos e dinheiro, começou a receber cada vez mais
apoio. Esta concordância integrava também um equilíbrio de tensões moderadamente estável
entre vários grupos. O estabelecimento gradual de um regime parlamentar representou um
avanço pacificador muito grande. Começa a ficar claro que não foi por acaso que os
passatempos relativamente mais violentos e menos regulamentados das classes proprietárias
de terra foram transformados em passatempos menos violentos e mais regulamentados, que
deram à expressão desporto o seu sentido moderno, no mesmo período em que essas classes
sociais renunciaram a violência e buscaram a forma de autodomínio mais elevada exigida pelo
controle parlamentar e pela mudança de governo pacífica.
De fato, os próprios confrontos parlamentares não eram desprovidos de
características dos desportos e de oportunidades para a tensão-excitação agradável (ELIAS e
DUNNING, 1987). Em outras palavras, existiram afinidades entre o desenvolvimento da
estrutura política da Inglaterra no século XVIII e a desportivização dos passatempos das
classes inglesas elevadas.
Progressivamente, a partir deste momento, não era mais aceitável socialmente que o
indivíduo cometesse atos violentos, cabendo ao Estado o controle e o uso da violência. O
controle da violência interna e a representação externa ficavam nas mãos dos militares, os
verdadeiros representantes do Estado para coibir a violência física. A presença do Estado no
cotidiano das pessoas foi sendo constituída de forma lenta e gradual, passando também pelas
relações sociais existentes entre os homens.
O desenvolvimento social está intimamente relacionado com a presença do Estado,
já que os mesmos constituem-se em redes de interdependência, onde a formação do Estado
depende do grau de complexidade nas suas estruturas, do estágio das relações humanas da
sociedade e vice- versa. Com o processo de civilização avançando nas sociedades ocidentais,
as relações humanas tornaram-se gradativamente mais complexas, ampliando a disputa de
poder através do parlamento, do jogo e não mais por intermédio da violência física.

REFERÊNCIAS

ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1987.
ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. São Paulo: Edições 70, 1980.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. V. 1 – 2. Ed. Rio de
Janeiro: J. Zahar, 1992.
_____________. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. V. 2 - 2. Ed. - Rio
de Janeiro: J. Zahar 1992.
LUCENA, Ricardo. O esporte na cidade. São Paulo: Autores Associados, 2001.
_______________. Elias – individualização e mimesis no esporte in Esporte, História e
Sociedade. Campinas: Autores Associados, 2002.
MARCHI JUNIOR, Wanderley. “Sacando” o voleibol: do amadorismo a espetacularização da
modalidade no Brasil (1970-2000). Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Educação
Física da Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2001.
MEZZADRI, Fernando Marinho. A estrutura esportiva no Estado do Paraná: da formação dos
clubes as atuais políticas governamentais. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de
Educação Física da Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2000.
PRONI, Marcelo Weishaupt.

Esporte-espetáculo futebol-empresa. Tese de doutorado

apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas:
Campinas, 1998.

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O surgimento do esporte moderno sob a ótica da teoria do processo civilizador de Norbert Elias

  • 1. SURGIMENTO DO ESPORTE MODERNO E O PROCESSO CIVILIZADOR Fernando Augusto Starepravo; Ricardo Sonoda Nunes (CEPELS/DEF/UFPR) RESUMO Dentre os inúmeros trabalhos sociológicos referentes ao esporte e lazer, destacamos o trabalho de Norbert Elias sobre o surgimento dos esportes, sua interdependência com o contexto social e as necessidades e motivações das atividades de lazer nas sociedades contemporâneas. O texto está baseado principalmente na obra “A Busca da Excitação”, escrita por Norbert Elias e Eric Dunning. Acreditamos ser de extrema importância o entendimento da teoria de Elias referentes a este tema, para que se possa avançar apoiado em um referencial teórico bastante consistente. Estabelecendo as relações entre esporte, lazer e o processo civilizador, buscaremos discutir o surgimento do esporte moderno, sustentados pela teoria de Elias, preocupados principalmente na relação com a diminuição dos níveis de violência praticados na sociedade e a crescente intervenção do Estado como monopolizador da violência. Palavras-chave: esporte, sociedade, Norbert Elias. INTRODUÇÃO Este trabalho buscará discutir o surgimento do esporte moderno, sob a ótica da teoria do processo civilizador de Norbert Elias. Há algum tempo, a teoria dos processos civilizadores elaborada por Elias vem chamando atenção de diversos estudiosos (LUCENA, 2002; MARCHI JR, 2001; MEZZADRI, 2000), na busca de entender como e quanto à prática do esporte se apresenta como uma questão relevante para o entendimento das relações sociais. Este texto buscará fazer emergir aspectos da teoria que nos permita lançar novos feixes de analise sobre o esporte como pratica social de uma sociedade que passa por um processo continuo de normatização das condutas.
  • 2. O texto está baseado principalmente na obra “A Busca da Excitação”1 , escrito por Norbert Elias e Eric Dunning. Estabelecendo as relações entre esporte, lazer e o processo civilizador, buscaremos discutir o surgimento do esporte moderno, sustentados pela teoria de Elias, preocupados principalmente na relação com a diminuição dos níveis de violência praticados na sociedade e a crescente intervenção do Estado como monopolizador da violência. A GÊNESE DO ESPORTE E O PROCESSO CIVILIZADOR Durante muito tempo o termo esporte, ou desporto, foi usado para designar uma variedade de passatempos e divertimentos. No decurso do tempo, o termo desporto passou a ser padronizado como um termo para formas específicas de recreação na qual o desempenho físico desempenhava fator principal, com a presença de regras para manter as disputas sob controle. Estas atividades se desenvolveram primeiramente na Inglaterra e a partir daí se espalharam por todo o mundo. A difusão a partir da Inglaterra de modelos de produção industrial, de organização, de trabalho e das formas de ocupação do tempo livre do tipo conhecido como desporto foi notável. Parece razoável imaginar que as formas segundo a qual as pessoas utilizavam seu tempo livre seguiu de mãos dadas com a transformação da maneira segundo a qual trabalhavam. É possível que, tanto a industrialização como a desportivização 2 , tenham sido sintomáticas de uma transformação mais profunda das sociedades européias, que exigia de seus membros uma maior regularidade e diferenciação de comportamento. É neste sentido que Elias conduz seus estudos, considerando o esporte como conseqüência/produto do processo de civilização que a sociedade européia começou a sofrer a partir do século XV. A sociedade européia sofreu, a partir do século XV, uma transformação que forçou os seus membros a uma lenta e crescente regularidade de conduta e de sensibilidade. Elias demonstra em seus estudos3 , que os modelos sociais de conduta e de sensibilidade, particularmente em alguns círculos das classes sociais altas, começam a transformar-se drasticamente a partir deste período. O domínio da conduta e da sensibilidade tornou-se mais 1 ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1987. Transformação dos passatempos em desportos, ocorrida na sociedade inglesa a partir do século XVIII, com a introdução de regras. 3 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. 2 volumes. Ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1992. 2
  • 3. rigoroso, banindo quer excessos de punição e de complacência. A mudança encontrou a sua expressão em um termo novo, lançado por Erasmo de Roterdão (ELIAS e DUNNING, 1987) e utilizado em muitos outros países como símbolo de um novo refinamento de maneiras, o termo civilidade, que mais tarde deu origem ao verbo civilizar. Da mesma forma, as investigações sobre o desenvolvimento do desporto mostraram que existia uma transformação global do código de conduta e de sensibilidade na mesma direção. Se compararmos os jogos populares realizados com bola nos finais da Idade Média com o futebol e o rugby, os dois ramos do futebol inglês que emergiram no século XIX, pode notar-se que existe um aumento da sensibilidade em relação à violência. A mesma mudança de orientação pode ser verificada no boxe. As formas mais antigas de pugilismo não eram totalmente desprovidas de regras. Porém, os punhos eram desprotegidos e muitas vezes as pernas eram utilizadas nas lutas. A luta assumiu as características de desporto pela primeira vez na Inglaterra com a introdução de regras que limitavam os danos físicos aos adversários, eliminando o uso das pernas nos combates. Além disso, o aumento da sensibilidade foi verificado com a introdução das luvas e, com o tempo, pelo acolchoamento destas, para amenizar os danos físicos aos adversários. No decurso do século XIX, e em alguns casos, na segunda metade do século XVIII, tendo a Inglaterra como exemplo, algumas atividades de lazer adquiriram características de desporto também em outros países. São características dos desportos modernos: regras escritas; sanções intrajogo bem definidas; presença de árbitros para conduzir as disputas; órgão centralizador de elaboração e fiscalização das regras. O quadro de regras, incluindo aquelas que eram orientadas pelos ideais de justiça, de igualdade de oportunidades de êxito para todos os participantes, tornou-se mais rígido. As regras passaram a ser mais rigorosas, mais exp lícitas e mais diferenciadas. Em outras palavras, sob a forma de desportos, os confrontos atingiram um nível de ordem e autodisciplina nunca alcançados até então. Além disso, as competições integraram um conjunto de regras que asseguravam o equilíbrio entre a possível obtenção de uma elevada tensão na luta e uma razoável proteção contra os ferimentos físicos. O aumento das restrições quanto à aplicação da força física e, em especial ao ato de matar, podem ser observados como sintomas de um impulso de civilização em muitas outras esferas da atividade humana. Todos estão relacionados com movimento no sentido da maior pacificação de um país, em ligação com a crescente eficácia da monopolização da força física por representantes das instituições centrais do Estado. Além disso, estão relacionados com um dos aspectos mais cruciais da pacificação interna e da civilização de um país – a exclusão do
  • 4. uso da violência das lutas periódicas pelo controle destas instituições centrais, com a correspondente formação da consciência. A GÊNESE DO ESPORTE E A PARLAMENTARIZAÇÃO DA POLÍTICA INGLESA A transição dos passatempos ou atividades de lazer a esportes, ocorrida na sociedade inglesa em meados do século XIX, encontra-se relacionado com o desenvolvimento da sociedade sob uma perspectiva global, se observarmos como se deu o desenvolvimento da estrutura de poder da sociedade inglesa. Estudos do desporto que não sejam simultaneamente estudos da sociedade são analises desprovidas de contexto. Neste período, os ciclos de violência abrandam, e os conflitos de interesses passaram a ser resolvidos de um modo que permitia aos principais contendores de poder governamental solucionarem suas diferenças, por intermédio de processos inteiramente não violentos, e segundo regras acertadas por ambas as partes. Os ciclos de violência são configurações formadas por dois ou mais grupos, processos de sujeições recíprocas que situam estes grupos numa posição de medo e de desconfiança mútua, passando cada um a assumir como coisa natural o fato de os seus membros poderem estar armados ou serem mortos pelo outro grupo caso este tenha a oportunidade e os meios para efetuar (ELIAS e DUNNING, 1987). Na Inglaterra, o que resultou do período mais violento de conflitos sociais, foi um equilíbrio de tensões moderadamente estável, entre vários grupos dirigentes em competição, dos quais nenhum desejava, ou parecia ser suficientemente poderoso para intimidar as forças conjugadas dos outros por meio de um teste direto de força física. Em vez disso, desenvolveu-se, de modo gradual, um acordo tático entre os rivais na sociedade em geral. Estes acordaram um conjunto de regras segundo o qual podiam fazer rotações na constituição de governos e na administração ou utilização dos instrumentos centrais de todas as funções do governo – o monopólio da força física e do lançamento de impostos. Certamente, a elaboração destas regras não ocorreu de um dia para o outro. Verificaram-se lutas esporádicas e choques entre os que seguiam os diferentes grupos até, pelo menos, meados do século XVIII. Mas, de um modo progressivo, afastou-se o medo de que um dos grupos rivais e seus adeptos agredissem fisicamente ou aniquilassem os outros. O acordo de não lutar por meio da violência física por cargos governamentais e pelos seus poderosos recursos, mas apenas de acordo com as regras estabelecidas por mútuo
  • 5. consentimento, por meio de palavras, votos e dinheiro, começou a receber cada vez mais apoio. Esta concordância integrava também um equilíbrio de tensões moderadamente estável entre vários grupos. O estabelecimento gradual de um regime parlamentar representou um avanço pacificador muito grande. Começa a ficar claro que não foi por acaso que os passatempos relativamente mais violentos e menos regulamentados das classes proprietárias de terra foram transformados em passatempos menos violentos e mais regulamentados, que deram à expressão desporto o seu sentido moderno, no mesmo período em que essas classes sociais renunciaram a violência e buscaram a forma de autodomínio mais elevada exigida pelo controle parlamentar e pela mudança de governo pacífica. De fato, os próprios confrontos parlamentares não eram desprovidos de características dos desportos e de oportunidades para a tensão-excitação agradável (ELIAS e DUNNING, 1987). Em outras palavras, existiram afinidades entre o desenvolvimento da estrutura política da Inglaterra no século XVIII e a desportivização dos passatempos das classes inglesas elevadas. Progressivamente, a partir deste momento, não era mais aceitável socialmente que o indivíduo cometesse atos violentos, cabendo ao Estado o controle e o uso da violência. O controle da violência interna e a representação externa ficavam nas mãos dos militares, os verdadeiros representantes do Estado para coibir a violência física. A presença do Estado no cotidiano das pessoas foi sendo constituída de forma lenta e gradual, passando também pelas relações sociais existentes entre os homens. O desenvolvimento social está intimamente relacionado com a presença do Estado, já que os mesmos constituem-se em redes de interdependência, onde a formação do Estado depende do grau de complexidade nas suas estruturas, do estágio das relações humanas da sociedade e vice- versa. Com o processo de civilização avançando nas sociedades ocidentais, as relações humanas tornaram-se gradativamente mais complexas, ampliando a disputa de poder através do parlamento, do jogo e não mais por intermédio da violência física. REFERÊNCIAS ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1987. ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. São Paulo: Edições 70, 1980. ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. V. 1 – 2. Ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1992.
  • 6. _____________. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. V. 2 - 2. Ed. - Rio de Janeiro: J. Zahar 1992. LUCENA, Ricardo. O esporte na cidade. São Paulo: Autores Associados, 2001. _______________. Elias – individualização e mimesis no esporte in Esporte, História e Sociedade. Campinas: Autores Associados, 2002. MARCHI JUNIOR, Wanderley. “Sacando” o voleibol: do amadorismo a espetacularização da modalidade no Brasil (1970-2000). Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2001. MEZZADRI, Fernando Marinho. A estrutura esportiva no Estado do Paraná: da formação dos clubes as atuais políticas governamentais. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2000. PRONI, Marcelo Weishaupt. Esporte-espetáculo futebol-empresa. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 1998.