1. Portal SESCSP Página 1 de 2
cadastre-se
meusesc nome senha
esqueci a senha
na programação das unidades no conteúdo editorial
enviar para um amigo | | sugestão de pauta
: : sesc são paulo > revistas > problemas brasileiros
nº 335
capa edições anteriores artigo anterior próximo artigo
set/out 1999
A ferrovia perdida
Registro fotográfico documenta a saga da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, engolida
pela selva amazônica
RODRIGO ARCO E FLEXA
É uma história fantástica, mas inteiramente real. Em plena selva amazônica, no começo do século, uma estrada de
ferro de quase 400 quilômetros é construída por 30 mil trabalhadores de países da Europa, Ásia e América Latina.
Cerca de 6 mil homens morrem durante a empreitada, até a própria ferrovia ser engolida pela floresta. Essa saga é
um episódio singular da história brasileira: a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, também conhecida
como a Ferrovia da Morte.
Existe apenas um registro visual dessa aventura, a coleção de fotografias realizadas pelo norte-americano Dana
Merrill, entre 1907 e 1912. A partir de janeiro de 2000, essas imagens serão exibidas ao grande público pelo Museu
Paulista da Universidade de São Paulo (o Museu do Ipiranga). O material pertencia ao jornalista e sertanista Manoel
Rodrigues Ferreira. Em 1957, ele localizou os negativos das fotografias na redação do jornal "A Gazeta". A descoberta
incentivou o jornalista a escrever uma série de artigos sobre a estrada de ferro, além de publicar o livro A ferrovia do
diabo. Depois de guardar a coleção por décadas, porém, Ferreira não via mais condições de manter o acervo. Com o
apoio de um grupo de pesquisadores da USP, o material foi adquirido pelo BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social), que doou a coleção para o Museu Paulista no começo deste ano.
São 189 negativos originais de Merrill, a maior parte deles em vidro. As imagens foram produzidas sob encomenda da
construtora responsável pelo projeto, a empresa americana May, Jekyll & Randolph. Mas as fotos não são um registro
burocrático da obra. Mostram o cotidiano dos trabalhadores durante a construção da ferrovia, destacando, entre
outros aspectos, o embate do homem com a natureza. "É um material valioso, que documenta com propriedade esse
momento da história do Brasil", afirma o historiador José Sebastião Witter, diretor do Museu Paulista. Ele enfatiza a
importância de o acervo ter permanecido no país: "Se não ocorresse a doação, provavelmente o material seria
vendido para o exterior", diz.
Já estão programadas mostras do material a partir de janeiro de 2000, no Rio de Janeiro, em São Paulo e outras
cidades. O material será ainda digitalizado e disponibilizado na Internet, abrindo campo para novas pesquisas. "As
fotografias permitem pensar desde a maneira como eram concebidas as ferrovias, até a ecologia da região", aponta
Witter.
As imagens colocam ainda em evidência aspectos sociais e econômicos da ocupação da região, onde foi criado o
estado de Rondônia. Esse, aliás, será o tema de um seminário que deve ocorrer paralelamente à exposição.
"Pretendemos discutir questões como o destino dos descendentes dos imigrantes que trabalharam na ferrovia, além
dos conflitos sociais e o problema da malária na região", diz a socióloga Sílvia Maria do Espírito Santo, pós-graduanda
da Escola de Comunicações e Artes da USP e responsável pelo evento, juntamente com o fotógrafo Pedro Ribeiro,
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=95&breadcrum... 13/05/2011
2. Portal SESCSP Página 2 de 2
doutorando em história pela USP. Envolvidos com o assunto desde 1993, quando promoveram uma exposição da
coleção de Merrill em São Paulo, eles participaram do processo que resultou na doação das imagens para o Museu
Paulista. Além do seminário, os pesquisadores pretendem lançar um livro com o conteúdo das discussões e um CD-
ROM sobre a história da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
A Ferrovia da Morte
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi construída com o objetivo de facilitar o transporte de borracha na região,
ligando os povoados de Porto Velho (atual capital de Rondônia) e Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia. A opção
pela construção da ferrovia deveu-se ao grande número de cachoeiras ao longo dos rios Madeira e Mamoré, que
impossibilitava o transporte fluvial. O projeto remonta à década de 1870, quando houve as primeiras tentativas de
construção da ferrovia. Os investimentos iniciais foram realizados por empresas inglesas e americanas, mas
acabaram interrompidos devido às inúmeras dificuldades técnicas para a execução do trabalho na região. A
insalubridade do terreno, infestado de doenças tropicais, também foi decisiva para o fracasso das tentativas. A
situação mudou, no entanto, com a virada do século. Em 1903, Brasil e Bolívia assinaram o Tratado de Petrópolis,
encerrando a disputa fronteiriça na região. O acordo incorporou ao Brasil terras bolivianas que estavam ocupadas por
seringueiros brasileiros. Em contrapartida, o Brasil assumiu o compromisso de construir uma estrada de ferro que
viabilizasse o acesso da Bolívia ao Atlântico.
Em 1905, foi publicado o edital de concorrência para a construção, vencida pela construtora americana May, Jekyll &
Randolph. Para a grande empreitada, realizada entre 1907 e 1912, a empresa contratou cerca de 30 mil trabalhadores
em diferentes países. Além de brasileiros, o exército de operários foi integrado por italianos, gregos, dinamarqueses,
poloneses, húngaros, indianos, jamaicanos, colombianos e panamenhos. Submetidos a intensas jornadas de trabalho,
eles ainda enfrentaram as condições adversas da vida no mato. O que inclui doenças tropicais, calor intenso, falta de
medicamentos e alimentação inadequada, além das péssimas condições sanitárias. Cerca de 6 mil homens morreram
ao longo da empreitada, fato que originou a lenda de que existiria um trabalhador morto para cada dormente da
ferrovia.
Trem fantasma
Mesmo com tantas baixas, a operação foi levada adiante. Em 1912, foi inaugurado o último trecho da ferrovia,
totalizando 364 quilômetros de extensão (mais dois quilômetros foram incorporados em 1923). A estrada de ferro
entrou em operação comercial, mas sua vida foi curta. A função estratégica da estrada de ferro foi reduzida com a
construção de duas ferrovias, uma argentina e outra chilena, que criaram novas saídas marítimas para a Bolívia.
A produção de borracha entrou também em decadência, sofrendo a concorrência do Oriente. A situação agravou-se
ainda mais com a Primeira Guerra Mundial, em 1914, e a abertura do Canal do Panamá, em 1915, culminando com a
crise econômica de 1929. Esse conjunto de fatores gerou enormes dificuldades financeiras para a empresa
responsável pela ferrovia, cuja conseqüência foi o arrendamento da estrada de ferro por parte do governo brasileiro,
em 1931. Nas décadas seguintes, o sucateamento da ferrovia foi gradual, refletindo a acelerada valorização do
transporte rodoviário no Brasil. O encerramento oficial das atividades da Madeira-Mamoré aconteceu em 10 de julho
de 1972. Investimento milionário, a ferrovia virou um trem fantasma, gerando toda sorte de lendas. Viajantes
começaram a visitar as ruínas da ferrovia, o que levou à reativação de um trecho de sete quilômetros para atender ao
turismo.
Embora só existam ruínas do megaprojeto inicial, a Madeira-Mamoré se transformou num símbolo da tentativa do
homem de dominar a natureza. "A história da ferrovia tem muito do espírito da modernidade que marcou o final do
século 19. A idéia de que o homem não tem limites e a tecnologia é capaz de transformar a natureza. Uma euforia
derrubada pela crise de 1929 e pelas duas guerras mundiais", diz Solange Ferraz de Lima, curadora da coleção de
fotografias.
Comentários Assinaturas
A Revista Problemas Brasileiros pode ser adquirida na rede de lojas SESCSP, nas unidades da Capital e Interior, a R$5,00 cada exemplar. É possível
também comprar online pela Loja SESC Virtual.
SESC São Paulo 2009 - Todos os direitos reservados | Créditos | Politica de Privacidade
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=95&breadcrum... 13/05/2011