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O GLOBO      ●   SEGUNDO CADERNO                ●   PÁGINA 1 - Edição: 10/04/2012 - Impresso: 9/04/2012 — 16: 47 h                                                             AZUL MAGENTA AMARELO PRETO




No Lollapalooza, em SP o DJ Skrillex rouba
                       ,                                                                                                                                           Mostra File, no Oi Futuro, traz o que há de
a noite que seria dos Arctic Monkeys • 3                                                                                                                           mais inovador entre arte e tecnologia • 10




                 SEGUNDO CADERNO
  O maldito dos malditos
                                                                                      TERÇA-FEIRA, 10 DE ABRIL DE 2012                                                                                      Fotos de divulgação




                                         “CIDADE DO MEDO” (1984), “Vício frenético” (1992), considerado a sua obra-prima, e “Go go tales” (2007): o cineasta, hoje com 60 anos, vem ao Rio para um debate no dia 21

                                                                                                                                 Franco Origlia/Getty Images
                                                                                                                                                               Diretor de filmes que
                                                                                                                                                               subvertem a moral e os
                                                                                                                                                               padrões de produção
                                                                                                                                                               do cinema americano,
                                                                                                                                                               Abel Ferrara é tema de
                                                                                                                                                               retrospectiva no CCBB

                                                                                                                                                                                Rodrigo Fonseca
                                                                                                                                                                            rodrigo.fonseca@oglobo.com.br




                                                                                                                                                               A
                                                                                                                                                                              pelidado de maldito até entre os
                                                                                                                                                                              diretores independentes, por diri-
                                                                                                                                                                              gir filmes que subvertem a moral e
                                                                                                                                                                              os padrões de produção do cine-
                                                                                                                                                                              ma americano, o nova-iorquino
                                                                                                                                                                              Abel Ferrara diz ser um homem de
                                                                                                                                                               fé, que acredita em muitas coisas. Acima de to-
                                                                                                                                                               das elas vem a liberdade. Foi a ela que ele rezou
                                                                                                                                                               ao rodar cada uma das 24 produções reunidas
                                                                                                                                                               na retrospectiva A Religião da Intensidade, que
                                                                                                                                                               acontece de hoje ao dia 22 no Centro Cultural
                                                                                                                                                               Banco do Brasil (CCBB). Para a sessão de aber-
                                                                                                                                                               tura, às 16h, o curador Julio Bezerra escolheu
                                                                                                                                                               os três primeiros curtas-metragens do cineas-
                                                                                                                                                               ta: “Nick’s film” (1971), “The hold up” (1972) e
                                                                                                                                                               “Could this be love” (1973). Na sequência, se-
                                                                                                                                                               rão projetados dois longas: às 17h30m, “Cidade
                                                                                                                                                               do medo” (1984), com Tom Berenger, e às 20h,
                                                                                                                                                               “Vício frenético” (1992), com Harvey Keitel,
                                                                                                                                                               considerado a obra-prima do diretor.
                                                                                                                                                                  Hoje com 60 anos, Ferrara participará de um
                                                                                                                                                               debate sobre suas reflexões estéticas no CCBB no
                                                                                                                                                               dia 21, às 18h, quando, diz, espera conhecer que
                                                                                                                                                               tipo de cinema é feito no Brasil com poucos re-
                                                                                                                                                               cursos. Ele chega acompanhado pela namorada, a
                                                                                                                                                               atriz Shanyn Leigh, estrela de seus últimos longas.
                                                                                                                                                               Na mostra, que projeta em tela grande produções
                                               ABEL FERRARA:                                                                                                   elogiadas como “Go go tales” (2007) e “O rei de
                                               vem aí filme com                                                                                                Nova York” (1990), só ficou de fora seu trabalho
                                                                                                                                                               mais recente, “4:44 Last day on Earth”, interditado
                                               Gérard Depardieu                                                                                                na América do Sul por problemas contratuais en-
                                               sobre Dominique                                                                                                 volvendo distribuidores hispano-americanos.
                                                                                                                                                                  Nesta entrevista, concedida por telefone ao
                                               Strauss-Kahn, o                                                                                                 GLOBO de sua casa em Nova York, Ferrara fala de
                                               ex-diretor-geral do                                                                                             sua aposta na autonomia criativa. Ele ainda adian-
                                                                                                                                                               ta detalhes de seus novos projetos, um filme so-
                                               FMI acusado de                                                                                                  bre o diretor italiano Pier Paolo Pasolini
                                               assédio sexual                                                                                                  (1922–1975) e outro sobre o escândalo sexual en-
                                                                                                                                                               volvendo o ex-diretor-geral do FMI Dominique
                                                                                                                                                               Strauss-Kahn.


      O GLOBO: A retrospectiva de sua           quando eu penso no projeto sobre        Bom, eu tenho origens italianas. Os      seus projetos. O que mudou na sua         Quando os filmes de Herzog, Wim
      carreira coincide com a preparação        Strauss-Kahn, classifico-o apenas       italianos têm raízes cristãs. Cresci     carreira com os meios digitais de         Wenders e Fassbinder chegaram da
      de seu novo projeto: uma ficção com       como uma narrativa que usa ato-         ouvindo falar nos Dez Mandamen-          filmagem e exibição?                      Alemanha, Hollywood foi virada do
      Gérard Depardieu sobre o ex-diretor-      res. Vou usar o mesmo modelo no         tos. Você não esquece esse papo de       Os cineastas que fizeram a cabeça         avesso. Aí a gente teve vez. Filmes
      geral do FMI Dominique Strauss-Kahn,      meu projeto sobre (o cineasta ita-      “trate ao próximo como a ti mes-         dos meus contemporâneos, como             como “Cidade das ilusões”, “Cami-
      acusado de agressão sexual pela ca-       liano Pier Paolo) Pasolini.             mo”. Hoje, devido às crenças da mi-      Buñuel, Rossellini e John Cassave-        nhos perigosos” e “Quando os ho-
      mareira Nafissatou Diallo. Qual será                                              nha namorada, estou me familiari-        tes, ensinaram a gente a valorizar a      mens são homens” mudaram qual-
      sua abordagem para o caso?                ● O senhor já anunciou que vai fil-     zando com o budismo.                     importância de ter o corte final so-      quer padrão que havia.
      ABEL FERRARA: Entrei nessa his-           mar a vida do diretor de “Teore-                                                 bre a montagem de um filme. Só as-
      tória de Strauss-Kahn porque ela é        ma” a partir do dia de seu assas-       ● Por filmar temas polêmicos com         sim ele exprime o que você quer. A        ● Apesar de todo o culto em torno
      uma metáfora para a questão do            sinato, em Roma, em novembro            orçamentos módicos, sem o apoio          tecnologia digital permitiu às pes-       da produção audiovisual america-
      poder. Ela mostra o quanto um ho-         de 1975. Quem será Pasolini?            de estúdios, usando os mesmos            soas que brigam para ter o corte fi-      na dos anos 1970, o cinema dos
      mem que já galgou as alturas do           Ainda não defini. Estou trabalhan-      atores, o senhor é considerado um        nal de seus filmes, garimpando ouro       anos 1980, inclusive seus primeiros
      poder econômico pode tombar por           do no roteiro, ainda. Para mim, Pa-     cineasta maldito mesmo para os           sozinhas, o direito de seguir em          longas, como “Cidade do medo”
      um vacilo e perder tudo. Além de          solini é o cineasta número 1 entre      padrões do cinema independente           frente. Nos últimos 40 anos, vi mui-      (1984), vêm sendo redescobertos.
      Depardieu, Isabelle Adjani também         todos os grandes diretores. Pasoli-     americano. Enfrenta até hoje difi-       tos artistas terem suas obras inter-      O que a década de 1980 trouxe?




                                                                                        “
      vai estar no projeto. É engraçado         ni foi o Santo Graal do cinema, e       culdades financeiras para levantar       rompidas por falta de dinheiro. E vi      A diferença é que a década de 1980
      você chamá-lo de ficção. Eu já não        não apenas porque fez filmes nos                                                 isso também na música, na pintura         aprendeu a filmar em escolas de ci-
      uso mais a diferenciação entre fic-       anos 1960 e 70 com uma cabeça de                                                 e na poesia. Hoje, só é preciso um        nema, com base no culto à inde-
      ções e documentários. Ela não faz         século XXII. Pasolini foi o maior                                                telefone celular, um computador e         pendência pregado nos anos 1970.
      mais sentido para mim.                    porque fez de sua morte um espe-                                                 um microfone para fazer um filme.         Quem veio a partir dos 1980 tinha
                                                táculo. Um espetáculo político pa-                                                                                         um modelo. Quem veio antes criou
      ● Mas seus filmes chegam ao               ra que se discutisse a liberdade.                                                ●  Quando o senhor menciona seus          o modelo. Um modelo baseado na
      mercado com essa distinção. Na                                                                                             contemporâneos, o senhor se refe-         percepção de que podíamos viver
      sua obra, como o senhor distin-           ● Assim como Pasolini passeou                                                    re à geração de diretores que mo-         à parte de Hollywood, como Cassa-
      gue formalmente um filme como             pela religião em “O evangelho               Os cineastas que                     dificaram o cinema americano              vetes fez, filmando com sua turma,
      “Mulberry St.” (2010), seu docu-          segundo São Mateus” (1964), to-                                                  nos anos 1970, como Brian De Pal-         em esquema de patota.
      mentário sobre a festa de São Ge-         dos os seus filmes abordam a fé             fizeram a cabeça dos                 ma, Scorsese e Coppola?
      naro, no Bronx, de “Invasores de
      corpos”, ficção científica sobre
                                                religiosa, do cultuado “Vício fre-
                                                nético” (1992) a “4:44 Last day
                                                                                            meus contemporâneos,                 Comecei nos curtas em 1971, época
                                                                                                                                 em que filmávamos inspirados pelos
                                                                                                                                                                           ● Por isso o senhor filma sempre
                                                                                                                                                                           com a mesma turma: Willem Da-
      ETs que lhe rendeu uma indica-            on Earth” (2011), seu longa mais            como Buñuel, Rossellini              movimentos artísticos e políticos         foe, Harvey Keitel, Asia Argento?
      ção à Palma de Ouro, em 1993?             recente. Que fé o senhor professa                                                iniciados na década de 1960. Depois       O cinema de turma aumenta o seu
      Na minha cabeça, todo filme é um          na vida e nos filmes?                       e Cassavetes,                        do sucesso de “Easy rider”, em 1969,      senso de liderança, pois aquelas
      documentário. A partir do momen-
      to que você tenta reproduzir uma
                                                Eu filmo histórias de pessoas que
                                                estão procurando entendimento,
                                                                                            ensinaram a valorizar                os estúdios começaram a dar opor-
                                                                                                                                 tunidade a um bando de cabeludos
                                                                                                                                                                           pessoas de quem você gosta só es-
                                                                                                                                                                           tão ali para experimentar as suas
      realidade, seja ela qual for, você es-    mesmo que seja o autoentendimen-            a importância de ter o               maltrapilhos e rebeldes, cheirando a      ideias. Na minha ida ao Brasil, que-
      tá documentando um registro hu-           to. Portanto, necessariamente, es-                                               flower power. No mesmo período, o         ro conhecer que filmes os jovens
      mano. Podem existir diferenças es-        tou falando da capacidade de crer.          corte final sobre a                  rock’n’roll branco começou a estou-       brasileiros estão fazendo hoje, e
      truturais entre filmes e filmes. Mas      Eu acredito que exista o Absoluto.          montagem de um filme                 rar. Todas as artes foram sacudidas.      como estão filmando. ■

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  • 1. O GLOBO ● SEGUNDO CADERNO ● PÁGINA 1 - Edição: 10/04/2012 - Impresso: 9/04/2012 — 16: 47 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO No Lollapalooza, em SP o DJ Skrillex rouba , Mostra File, no Oi Futuro, traz o que há de a noite que seria dos Arctic Monkeys • 3 mais inovador entre arte e tecnologia • 10 SEGUNDO CADERNO O maldito dos malditos TERÇA-FEIRA, 10 DE ABRIL DE 2012 Fotos de divulgação “CIDADE DO MEDO” (1984), “Vício frenético” (1992), considerado a sua obra-prima, e “Go go tales” (2007): o cineasta, hoje com 60 anos, vem ao Rio para um debate no dia 21 Franco Origlia/Getty Images Diretor de filmes que subvertem a moral e os padrões de produção do cinema americano, Abel Ferrara é tema de retrospectiva no CCBB Rodrigo Fonseca rodrigo.fonseca@oglobo.com.br A pelidado de maldito até entre os diretores independentes, por diri- gir filmes que subvertem a moral e os padrões de produção do cine- ma americano, o nova-iorquino Abel Ferrara diz ser um homem de fé, que acredita em muitas coisas. Acima de to- das elas vem a liberdade. Foi a ela que ele rezou ao rodar cada uma das 24 produções reunidas na retrospectiva A Religião da Intensidade, que acontece de hoje ao dia 22 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Para a sessão de aber- tura, às 16h, o curador Julio Bezerra escolheu os três primeiros curtas-metragens do cineas- ta: “Nick’s film” (1971), “The hold up” (1972) e “Could this be love” (1973). Na sequência, se- rão projetados dois longas: às 17h30m, “Cidade do medo” (1984), com Tom Berenger, e às 20h, “Vício frenético” (1992), com Harvey Keitel, considerado a obra-prima do diretor. Hoje com 60 anos, Ferrara participará de um debate sobre suas reflexões estéticas no CCBB no dia 21, às 18h, quando, diz, espera conhecer que tipo de cinema é feito no Brasil com poucos re- cursos. Ele chega acompanhado pela namorada, a atriz Shanyn Leigh, estrela de seus últimos longas. Na mostra, que projeta em tela grande produções ABEL FERRARA: elogiadas como “Go go tales” (2007) e “O rei de vem aí filme com Nova York” (1990), só ficou de fora seu trabalho mais recente, “4:44 Last day on Earth”, interditado Gérard Depardieu na América do Sul por problemas contratuais en- sobre Dominique volvendo distribuidores hispano-americanos. Nesta entrevista, concedida por telefone ao Strauss-Kahn, o GLOBO de sua casa em Nova York, Ferrara fala de ex-diretor-geral do sua aposta na autonomia criativa. Ele ainda adian- ta detalhes de seus novos projetos, um filme so- FMI acusado de bre o diretor italiano Pier Paolo Pasolini assédio sexual (1922–1975) e outro sobre o escândalo sexual en- volvendo o ex-diretor-geral do FMI Dominique Strauss-Kahn. O GLOBO: A retrospectiva de sua quando eu penso no projeto sobre Bom, eu tenho origens italianas. Os seus projetos. O que mudou na sua Quando os filmes de Herzog, Wim carreira coincide com a preparação Strauss-Kahn, classifico-o apenas italianos têm raízes cristãs. Cresci carreira com os meios digitais de Wenders e Fassbinder chegaram da de seu novo projeto: uma ficção com como uma narrativa que usa ato- ouvindo falar nos Dez Mandamen- filmagem e exibição? Alemanha, Hollywood foi virada do Gérard Depardieu sobre o ex-diretor- res. Vou usar o mesmo modelo no tos. Você não esquece esse papo de Os cineastas que fizeram a cabeça avesso. Aí a gente teve vez. Filmes geral do FMI Dominique Strauss-Kahn, meu projeto sobre (o cineasta ita- “trate ao próximo como a ti mes- dos meus contemporâneos, como como “Cidade das ilusões”, “Cami- acusado de agressão sexual pela ca- liano Pier Paolo) Pasolini. mo”. Hoje, devido às crenças da mi- Buñuel, Rossellini e John Cassave- nhos perigosos” e “Quando os ho- mareira Nafissatou Diallo. Qual será nha namorada, estou me familiari- tes, ensinaram a gente a valorizar a mens são homens” mudaram qual- sua abordagem para o caso? ● O senhor já anunciou que vai fil- zando com o budismo. importância de ter o corte final so- quer padrão que havia. ABEL FERRARA: Entrei nessa his- mar a vida do diretor de “Teore- bre a montagem de um filme. Só as- tória de Strauss-Kahn porque ela é ma” a partir do dia de seu assas- ● Por filmar temas polêmicos com sim ele exprime o que você quer. A ● Apesar de todo o culto em torno uma metáfora para a questão do sinato, em Roma, em novembro orçamentos módicos, sem o apoio tecnologia digital permitiu às pes- da produção audiovisual america- poder. Ela mostra o quanto um ho- de 1975. Quem será Pasolini? de estúdios, usando os mesmos soas que brigam para ter o corte fi- na dos anos 1970, o cinema dos mem que já galgou as alturas do Ainda não defini. Estou trabalhan- atores, o senhor é considerado um nal de seus filmes, garimpando ouro anos 1980, inclusive seus primeiros poder econômico pode tombar por do no roteiro, ainda. Para mim, Pa- cineasta maldito mesmo para os sozinhas, o direito de seguir em longas, como “Cidade do medo” um vacilo e perder tudo. Além de solini é o cineasta número 1 entre padrões do cinema independente frente. Nos últimos 40 anos, vi mui- (1984), vêm sendo redescobertos. Depardieu, Isabelle Adjani também todos os grandes diretores. Pasoli- americano. Enfrenta até hoje difi- tos artistas terem suas obras inter- O que a década de 1980 trouxe? “ vai estar no projeto. É engraçado ni foi o Santo Graal do cinema, e culdades financeiras para levantar rompidas por falta de dinheiro. E vi A diferença é que a década de 1980 você chamá-lo de ficção. Eu já não não apenas porque fez filmes nos isso também na música, na pintura aprendeu a filmar em escolas de ci- uso mais a diferenciação entre fic- anos 1960 e 70 com uma cabeça de e na poesia. Hoje, só é preciso um nema, com base no culto à inde- ções e documentários. Ela não faz século XXII. Pasolini foi o maior telefone celular, um computador e pendência pregado nos anos 1970. mais sentido para mim. porque fez de sua morte um espe- um microfone para fazer um filme. Quem veio a partir dos 1980 tinha táculo. Um espetáculo político pa- um modelo. Quem veio antes criou ● Mas seus filmes chegam ao ra que se discutisse a liberdade. ● Quando o senhor menciona seus o modelo. Um modelo baseado na mercado com essa distinção. Na contemporâneos, o senhor se refe- percepção de que podíamos viver sua obra, como o senhor distin- ● Assim como Pasolini passeou re à geração de diretores que mo- à parte de Hollywood, como Cassa- gue formalmente um filme como pela religião em “O evangelho Os cineastas que dificaram o cinema americano vetes fez, filmando com sua turma, “Mulberry St.” (2010), seu docu- segundo São Mateus” (1964), to- nos anos 1970, como Brian De Pal- em esquema de patota. mentário sobre a festa de São Ge- dos os seus filmes abordam a fé fizeram a cabeça dos ma, Scorsese e Coppola? naro, no Bronx, de “Invasores de corpos”, ficção científica sobre religiosa, do cultuado “Vício fre- nético” (1992) a “4:44 Last day meus contemporâneos, Comecei nos curtas em 1971, época em que filmávamos inspirados pelos ● Por isso o senhor filma sempre com a mesma turma: Willem Da- ETs que lhe rendeu uma indica- on Earth” (2011), seu longa mais como Buñuel, Rossellini movimentos artísticos e políticos foe, Harvey Keitel, Asia Argento? ção à Palma de Ouro, em 1993? recente. Que fé o senhor professa iniciados na década de 1960. Depois O cinema de turma aumenta o seu Na minha cabeça, todo filme é um na vida e nos filmes? e Cassavetes, do sucesso de “Easy rider”, em 1969, senso de liderança, pois aquelas documentário. A partir do momen- to que você tenta reproduzir uma Eu filmo histórias de pessoas que estão procurando entendimento, ensinaram a valorizar os estúdios começaram a dar opor- tunidade a um bando de cabeludos pessoas de quem você gosta só es- tão ali para experimentar as suas realidade, seja ela qual for, você es- mesmo que seja o autoentendimen- a importância de ter o maltrapilhos e rebeldes, cheirando a ideias. Na minha ida ao Brasil, que- tá documentando um registro hu- to. Portanto, necessariamente, es- flower power. No mesmo período, o ro conhecer que filmes os jovens mano. Podem existir diferenças es- tou falando da capacidade de crer. corte final sobre a rock’n’roll branco começou a estou- brasileiros estão fazendo hoje, e truturais entre filmes e filmes. Mas Eu acredito que exista o Absoluto. montagem de um filme rar. Todas as artes foram sacudidas. como estão filmando. ■