1) O documento discute as condições de acesso à água pelas comunidades quilombolas localizadas na região norte de Minas Gerais e como isso afeta sua saúde.
2) Essas comunidades dependem em grande parte das águas do rio São Francisco, mas enfrentam dificuldades para obter acesso à água de qualidade.
3) A falta de políticas públicas eficazes para garantir o acesso à água nas comunidades quilombolas durante as secas contribui para problemas de saúde e
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A LUTA PELA ÁGUA NO SEMIÁRIDO NORTE MINEIRO E AS CONDIÇÕES
DE SAÚDE NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DA REGIÃO
Thamyres Sabrina Gonçalves1
Resumo
Segundo o Guia de Políticas Sociais Quilombolas (2009), quilombos são grupos de pessoas
com características próprias determinadas por modo peculiar de vida extrapolando o conceito simplista
de serem negros fugitivos do antigo regime escravocrata. Inseridos em diversos e diferenciados
espaços, as várias comunidades espalharam-se entre os vales da mesorregião do Norte de Minas e
estabeleceram ao longo de suas vidas relações humanas, sociais e biológicas com os ambientes do
sertão, envolvendo valores, costumes e uma relação de pertencimento, sobretudo com o rio São
Francisco que faz parte de seus viveres. A problemática relacionada ao acesso da água é um assunto
que faz parte da historia de vida dessas populações tradicionais e que possui uma relação muito
grande com a saúde nos quilombos. O artigo busca analisar as condições de acesso à água por estas
comunidades não somente como um problema social, mas também como uma questão de saúde. A
estrutura do artigo se definirá com a Introdução abrangendo a discussão entre o rio São Francisco e as
relações socioambientais que o envolvem com as populações quilombolas viventes nas áreas
circundantes, focando-se nas comunidades quilombolas localizadas na região norte do Estado de
Minas Gerais. No desenvolvimento serão mencionadas algumas das diversas temáticas pertinentes. As
considerações finais reafirmarão o objetivo proposto. Para a realização deste trabalho foi adotado o
procedimento metodológico da pesquisa qualitativa, com aplicação de entrevista semiestruturada, visita
“in lócus” para contato direto com o objeto estudado e pesquisas bibliográficas nas mais diversas áreas
do conhecimento tais como: Antropogeografia, Gestão da Saúde, Hidrografia, Engenharia Sanitária e
Ambiental e Sociologia para construção do embasamento teórico.
Palavras Chave: Hidrografia. Quilombolas. Saúde Ambiental. Antropogeografia.
INTRODUÇÃO
É importante salientar que a qualidade de vida dessa população depende em grande parte das
águas do rio São Francisco, portanto a qualidade da ''vida'' do rio é também de certa forma a qualidade
de vida das comunidades quilombolas. Sendo assim um direito social dessa população o acesso às
1 Acadêmica do curso de Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.
sabrina5thamy@yahoo.com.br
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águas do rio, já que os direitos sociais são direitos fundamentais que visam à melhoria da qualidade de
vida das pessoas, torna-se, portanto a preservação do rio um fator de importância muito mais que
ambiental, já que envolve as lutas sociais pela água, e que dentro de uma análise aprofundada é até
mesmo uma questão de saúde pública.
O artigo busca analisar as condições de acesso à água por estas comunidades não somente
como um problema social, mas também como uma questão de saúde. A estrutura do artigo se definirá
com a Introdução abrangendo a discussão entre o rio São Francisco e as relações socioambientais que
o envolvem com as populações quilombolas viventes nas áreas circundantes, focando-se nas
comunidades quilombolas localizadas na região norte do Estado de Minas Gerais. No desenvolvimento
serão mencionadas algumas das diversas temáticas pertinentes. As considerações finais reafirmarão o
objetivo proposto. Para a realização deste trabalho foi adotado o procedimento metodológico da
pesquisa qualitativa, com aplicação de entrevista semiestruturada, visita “in lócus” para contato direto
com o objeto estudado e pesquisas bibliográficas nas mais diversas áreas do conhecimento tais como:
Antropogeografia, Gestão da Saúde, Hidrografia, Engenharia Sanitária e Ambiental e Sociologia para
construção do embasamento teórico. O aproveitamento das potencialidades do rio São Francisco
beneficia a todo o território brasileiro, por onde o rio corre todo o seu curso de drenagem, sendo
chamado, portanto, de rio da integração nacional. Contudo, a gestão das águas, que tem sido um
assunto cada vez mais discutido e com frequência relacionado às questões da saúde, demonstra certa
ineficiência administrativa, o que se torna perceptível pelo número de conflitos regionais em torno de tal
recurso, que prejudicam em primeira instância e com maior intensidade, a vida dos remanescentes
quilombolas e demais populações tradicionais que possuem às vezes sua fonte de renda no rio.
Situação que extrapola a necessidade da utilização do rio apenas para atividades de primeira
necessidade, como no caso dos pescadores onde a qualidade da água do são Francisco influenciará
de diversas formas em suas vidas e na qualidade com que irão viver.
Francisco, um rio com nome de santo, representa beleza e vida para o povo quilombola, que
segue castigado por agressões contínuas relacionadas aos conflitos pela água nos interiores regionais.
Por projetos que nem sempre vão de encontro à vida e a saúde dessas populações, onde são gastos
grandes volumes de recursos públicos, e que nem sempre ou quase nunca tem como beneficiárias
desses projetos populações quilombolas e ou demais povos tradicionais da região. O projeto de
transposição do São Francisco inaugura o acirramento da ''guerra'' pela água no Brasil que não nasceu
da ideia da transposição, entretanto foi um fator de intensificação de conflitos pela água tanto em
dispersão quanto em gravidade desses acontecimentos. Esses megaprojetos transformaram um
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verdadeiro oásis em um grande causador das regiões com altos índices de exclusão social e violência
do Brasil atingindo áreas de remanescentes de quilombos e demais populações tradicionais, tendo
destaque a região norte mineira, onde esses conflitos têm sido cada vez mais frequentes. Essencial
seria que todos pudessem ter água ''aos pés de casa''. A Organização das Nações Unidas afirma que
quando a água está a mais de um quilômetro já é um problema, então se o Brasil pretende de fato
assumir perante a comunidade internacional mundial uma posição de liderança política seja no âmbito
da América Latina ou mesmo enquanto país emergente é preciso pensar uma melhor gestão dos
recursos naturais em que a água se torna fator essencial para o direcionamento de políticas públicas
sociais. Não se pode, portanto pensar a gestão dos recursos naturais em geral e muito menos das
riquezas hidrológicas de uma visão onde não estejam inseridas as comunidades tradicionais e a
população do campo.
Populações quilombolas no Brasil enfrentam grandes dificuldades por problemas que são, em
nível de Estado, fáceis de resolver, portanto uma incapacidade em administrar a vida da população
nacional sem dúvidas reflete a comunidade internacional sobre as nossas condições de intermediar as
relações econômicas mundiais. A região Norte de Minas Gerais além de sofrer com as consequências
do clima semiárido sofre com a falta de recursos que se refletem claramente quando a discussão se
trata de comunidades tradicionais e pior fica a situação quando se trata de comunidades negras, que
se tornam bastante visíveis os reflexos da segregação social pela qual passou o negro no Brasil.
Estudos retratando a temática de acesso a água em comunidades quilombolas são quase inexistentes
na produção brasileira e mais escassos ainda são os esforços que existem para que a acessibilidade
aos recursos hídricos seja de melhor qualidade em comunidades quilombolas. A própria universidade
Brasileira que segundo Darcy Ribeiro (1995) possui uma dívida histórica com o povo é passível de
criticas quanto a sua função social, pois a atenção das Universidades aos problemas de comunidades
tradicionais é algo recente na academia científica, sendo esse tipo de pesquisa no âmbito da
graduação acadêmica uma discussão ainda muito pouco recorrente nos cursos de Geografia, por
exemplo.
Saúde e Meio Ambiente: Diagnosticando Comunidades Quilombolas
Nos estudos sobre a saúde pública, a incorporação de conceitos geográficos como espaço,
território e ambiente, vem sendo amplamente utilizados. Podemos dizer que o espaço geográfico onde
se localiza o quilombo está associado a uma porção específica da região da bacia hidrográfica sendo
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aqui abrangida pela população que ocupa as proximidades que margeiam o Rio São Francisco ao
Norte de Minas Gerais, identificada pela natureza, pelas marcas que aquela comunidade ali imprime.
Desse modo, a identificação e localização do quilombo em relação ao rio, seus usos pela população e
sua importância para a comunidade quilombola, são de grande relevância para o conhecimento da
dinâmica social, hábitos e costumes e para a determinação de vulnerabilidades de saúde dentro
daquele espaço geográfico. Essa “socialidade” no cotidiano será tanto mais intensa quanto maior a
proximidade entre as pessoas envolvidas (Santos 1996). Dessa maneira, a adoção de limites espaciais
para se estudar e atuar sobre as condições ambientais e de saúde é algo artificial. Pois nem o
ambiente pode ser completamente constrito dentro dos limites de um território, nem os processos vitais
se restringem a esses limites. "O ambiente não é a ecologia, mas a complexidade do mundo; é um
saber sobre as formas de apropriação do mundo e da natureza através das relações que se
inscreveram nas formas dominantes de conhecimento” (Leff, 2001). O histórico dessas comunidades
pode ajudar-nos a compreender a relação que possuem com a natureza, com o rio São Francisco, já
que essas populações descendem de escravos que buscavam áreas diferenciadas para se proteger. A
análise desses motivos da fixação de quilombos na região traz também informações sobre suas
relações entre saúde e meio ambiente e de que forma isso torna a identidade das populações
quilombolas norte mineiras histórica e culturalmente relacionadas do rio São Francisco, o que pode ter
importantes contribuições para o estudo da saúde da população quilombola no norte de Minas Gerais.
Na região Norte de Minas Gerais, os quilombos estão localizados em sua maioria, nos vales
do rio Verde Grande e do Gurutuba. Esses vales, situados à margem direita do rio São
Francisco, não foram habitados pela população “branca” nos primeiros séculos de ocupação
devido aos focos de malária existentes na região. A região era conhecida como “Mata da
Jaíba”. Como a população de origem africana apresentava maior resistência a essa doença
endêmica, a malária serviu como um escudo que permitiu a ocupação desse local por
escravos e outros negros. Considerando o bioma da região que ocupam ou a atividade
desenvolvida pela comunidade, as populações tradicionais da região Norte são conhecidas
como geraizeiros, caatingueiros, vazanteiros, chapadeiros e ribeirinhos e, muitas vezes, se
fundem com as comunidades quilombolas. Dessa forma, encontramos comunidades
quilombolas que são consideradas também ribeirinhas e/ou vazanteiras nos municípios de
Manga, Matias Cardoso, Itacarambi e Januária. (CEDEFES, 2008).
O Rio São Francisco na História das Comunidades Quilombolas
Além de ser, o Rio São Francisco a maior e mais próxima fonte de água perene da região,
estudos mostram que a água é o marco divisor entre a riqueza e a pobreza nas regiões que sofrem
com os problemas relacionados a seca. As comunidades de quilombos em tais épocas de seca ficam
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fadadas a manter-se no subdesenvolvimento que as caracteriza desde o império, pois não existem
políticas públicas eficazes que visam minimizar os efeitos causados pela seca em comunidades
quilombolas, que muitas vezes acabam por resultar-se em graves problemas de saúde na vida dessas
populações. Cabe aos órgãos responsáveis pela gestão da saúde em territórios de quilombos
legitimarem por meio de medidas institucionais que a água, essencial para a vida humana, constitui-se
indispensável para a qualidade de vida e a saúde nos quilombos, entretanto não se faz menção a tal
necessidade na maioria dos documentos públicos de saúde da população quilombola bem como
menores ainda se não inexistentes são as práticas e ações com intuito de garantir que a água de
qualidade chegue aos territórios quilombolas no norte de Minas Gerais situados em sua maioria nas
áreas rurais. Parece equívoco que comunidades quilombolas, mesmo estando às margens de um dos
maiores Rios do Brasil2, se encontram debilitadas por falta de água, na sua maior parte. Portanto, para
que haja desenvolvimento equilibrado e harmônico no Norte de Minas Gerais, será necessário distribuir
melhor a água local entre a população, sendo que tal atitude pensada no contexto regional remete a
uma compreensão de que não será possível resolver com eficiência esses problemas se eles não
forem pensados de maneira integrada entre os municípios que abrigam as diversas comunidades
quilombolas. Pois tais medidas prescindem da integração de bacias superavitárias às bacias
deficitárias, além da execução de projetos de distribuição da água em cada região não deixando de
lado essas populações. A gestão de recursos hídricos numa região de contrastes climáticos assume
um papel importante para eficiência do armazenamento de água e sua distribuição para as populações.
O Rio São Francisco recebe água de 168 afluentes dos quais 99 são perenes. Os índices pluviais da
bacia do São Francisco variam entre sua nascente e sua foz. Por sua vez, os índices relativos à
evaporação mudam inversamente e crescem de acordo com a distância das nascentes3. O Instituto
Mineiro de Gestão das Águas4, em termos de competências estabelecidas e organização, integrante do
Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA)5 é também o que possui o quadro
mais reduzido de funcionários, de acordo com o Diagnóstico apresentado pelo Ministério do Meio
Ambiente. Sua estrutura organizacional, bastante simplificada, é composta basicamente de duas
diretorias operacionais e cinco divisões técnicas. O que torna claro que acessibilidade aos recursos
hídricos não está entre as prioridades governamentais, sequer foi pensada de um ponto de vista de
2 http://www.brasil.gov.br/sobre/geografia/recursos-hidricos/principais-rios-e-bacias-do-brasil acesso em 23 de setembro de
2011.
3 http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/rio/index.asp acessoem23 de setembrode 2011.
4 http://www.igam.mg.gov.br/ acesso em12 de setembro de 2011.
5 Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos. http://www.semad.mg.gov.br/ acesso em 12 de setembro de
2011.
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que acesso à água é garantia de saúde e qualidade de vida. Os quilombos eram redutos de liberdade e
de resistência em selvas densas e distantes ou regiões elevadas ou alagadas, condições ambientais
estas que os condenara a viver em regiões de difícil acesso para se protegerem do antigo regime
escravocrata, em precárias condições de vida e suscetíveis a doenças e epidemias. Mais de um século
depois da abolição da escravatura, temos negros vivendo em condições que não se apresentam muito
diferentes das condições em que os negros viviam na época em que precisavam se esconder. De certo
modo, o mesmo sistema que os libertou incumbiu-se de escondê-los, contribuiu para que eles ficassem
de certa forma longe do alcance da urbanização, do saneamento básico, do Sistema Único de Saúde e
diversas outras políticas públicas de que tanto necessitam e têm direito. É necessário que os gestores
tomem conhecimento dessa especificidade e da existência desse enfoque diferenciado promovendo
ações de apoio para o desenvolvimento de ações voltadas para essas comunidades o que envolve o
acesso aos territórios tradicionais e aos recursos naturais, infraestrutura, inclusão social, fomento e
produção sustentável, buscando assegurar a autonomia sociopolítica e econômica dos povos e
comunidades tradicionais. Dentre um dos tópicos de suma importância para a vida desses povos está o
acesso aos recursos hídricos, pois água em uma comunidade quilombola principalmente pelo fato de a
maioria dos quilombos no Norte de Minas estarem em áreas rurais, significa saúde, qualidade de vida,
condições de plantar, pescar, dentre outras atividades que envolvem a economia e a saúde dessas
comunidades e dependem do acesso às águas, contudo precisam de água em abundância e que seja
também saudável para poder cumprir todas as funções que tem a água e o São Francisco na vida das
populações quilombolas em Minas Gerais.
Educação Ambiental nos Quilombos como forma de Promoção da Saúde
A preocupação com o meio ambiente se torna efetiva nas sociedades a partir do momento em
que os conhecimentos ecológicos encontram-se relacionados aos Direitos das pessoas. As
comunidades quilombolas que possuem grandes conhecimentos ecológicos mesmo que estes sejam
empíricos e embasados no seu cotidiano, essas populações muitas vezes não sabem qual a relação
entre os recursos naturais e as políticas públicas que afligem a vida no quilombo, portanto essa falta de
conhecimento torna-se prejudicial na luta pelos Direitos que possuem. Pois nem sempre conseguem os
quilombolas através de suas lideranças compreenderem quais as relações de poder existentes entre a
gestão do território e o meio ambiente. Mesmo no que se refere a qualidade de vida, os conhecimentos
sobre o ambiente natural em que se vive possui grande importância para qualquer comunidade, isso
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demonstra a importância da implantação de projetos de educação ambiental em comunidades de
quilombos. Dentro de uma visão simplista a sociedade tende a acreditar que pessoas que vivem em um
contato direto com o ambiente natural possuem plenos conhecimentos sobre como conviver no lugar e
as consequências provocadas pelas ações que se pratica a natureza local. Contudo o que se verifica é
que as comunidades quilombolas no Norte de Minas por não possuírem conhecimentos sobre a relação
existente entre a saúde e o meio ambiente, acabam por praticar ações prejudiciais a sua própria saúde
como a má destinação dos resíduos e a poluição dos rios, que provoca doenças na comunidade.
Projetos de educação ambiental seriam uma boa alternativa para minimizar essa situação, entretanto,
não existem por parte da iniciativa governamental projetos nacionais de educação ambiental em
comunidades quilombola, no Norte de Minas. Mais uma vez essas populações são deixadas de lado
quando o assunto é educação seja ela qual for, pois em muitas comunidades sequer existem escolas
que fiquem próximas a área do quilombo. Esse papel não pode ser resguardado somente ao poder
público na esfera federal, pois os municípios possuem capacidade para criar projetos de promoção da
educação ambiental nas comunidades quilombolas existentes na região. Atividades de educação
ambiental nos quilombos poderiam diminuir parcela considerável do índice de contaminações
prejudiciais à saúde ao mesmo tempo indo de encontro à questão do uso da água que precisa ser feita
de forma racional, no sentido de preservação ambiental e da prevenção de doenças, pois requer
práticas sanitárias simples para o consumo de uma água de qualidade. Prevenir é o melhor remédio,
dizem sempre os especialistas em saúde, educação ambiental mostra-se como uma forma viável de
prevenção. Assim, permanece a questão referente às possibilidades e dificuldades concretas
enfrentadas pelas comunidades quilombolas na região Norte de Minas Gerais voltadas a qualidade dos
sistemas naturais e falta de saúde nas comunidades rurais quilombolas. O amplo debate realizado em
várias partes do mundo tem realçado a determinação econômica e social da saúde, abrindo caminhos
para a busca de uma abordagem positiva nesse campo, onde as ações estejam centradas não no
controle das doenças, mas buscando mecanismos de prevenção. A proposta de uma educação
ambiental que esteja a serviço da saúde faz parte de um novo modelo de Saúde Pública que se integre
a Educação e ao combate a pobreza em comunidades tradicionais.
A Convivência com o Semiárido Norte Mineiro e as Políticas Públicas de Gestão das
Águas
É curioso observar como na teorização sobre as ''fronteiras'' ocorreu um fenômeno oposto ao
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que normalmente ocorre em relação às ciências sociais e as ciências da natureza, centrado na
mobilidade contextual de se analisar fronteiras, deixando de fazer-se a análise do ponto de vista
territorial para buscar uma visão focalizada na questão social em função da necessidade de
compreender o significado das fronteiras, as quais são evidentemente construídas pelos homens.
Neste sentido vamos de encontro às palavras de Ratzel, que escreve em sua obra Antropogeografia,
que: “fronteira é construída pelos inumeráveis pontos sobre os quais um movimento orgânico é
obrigado a parar”. (RATZEL, 1914)
Praticamente um século após a publicação de seu livro, essa definição permanece válida, e mais ainda,
vem se confirmando pelo desenvolvimento de pesquisas que possuem o domínio de técnicas que não
haviam sido alcançadas pela ciência da época de Friedrich Ratzel. Do mesmo modo, já estão mais
bem compreendidos os processos de formação e dissolução ocorrentes no espaço que abrange a vida
dos habitantes das comunidades de quilombos, e em ambos os casos, ou seja, considerando tanto os
aspectos sociais quanto aos territoriais, é possível falar sobre as ''fronteiras'' desses movimentos, bem
como identificar as forças que as determinam, individualizá-las e examiná-las separadamente, pois
todos os fatores condicionantes estão associados uns aos outros.
Aquela velha cena das mulheres carregando água na cabeça, ou mais propriamente das mulheres
negras, ao redor de um poço d'água ou ainda mulheres ribeirinhas caminhando para as beiras de rios
para lavarem suas roupas, é uma cena ainda muito visível ao longo do rio São Francisco, nas áreas
onde se situam as diversas comunidades quilombolas existente na região do Norte de Minas Gerais. A
paisagem no que se refere ao acesso a água em algumas comunidades quilombolas é, no Norte de
Minas, bastante parecida com a região Nordeste do país, onde encontramos os maiores índices de
precariedade de acesso e uso das águas. Na região semiárida brasileira a sociedade civil vem
desenvolvendo, há algumas décadas, projetos de construção de cisternas para o abastecimento
humano, atualmente diversas famílias já se beneficiam dessa tecnologia que pode proporcionar água
saudável, poupar esforços desumanos como ter de buscar água em áreas distantes, o que vai
contribuir para a melhoria da saúde da família em geral. Entretanto, a maior parte das famílias dentro
dessas comunidades, não possui condições financeiras de arcar com os custos da instalação desse
sistema de captação de água em seus domicílios o que demonstra novamente a necessidade de que
sejam implantados nas comunidades quilombolas Norte Mineiras programas de apoio técnico e
financeiro para as populações auxiliando na convivência com o sertão semiárido, ressaltando o fato de
que quase toda a região Norte Mineira se encontra inserida dentro da área delimitada como o polígono
das secas, sendo a região em Minas Gerais onde constatam-se os piores indicadores socioeconômicos
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do estado. Em algumas comunidades quilombolas da região enquanto medidas que contribuem para
uma melhor convivência com o semiárido no Norte de Minas Gerais podemos destacar ainda o avanço
incipiente da captação de chuva voltada para produção, onde são desenvolvidas pequenas hortas, com
a produção de hortaliças, plantas medicinais e até pequenas áreas de feijão.6 Muitas vezes essa
mesma água é ainda utilizada para saciar a sede de pequenos animais geralmente criados pelas
famílias no quilombo como galinhas e porcos. Assim sendo, o semiárido vai mostrando sua viabilidade
também em termos de água. O que falta são políticas de apoio a essas comunidades na criação de
projetos de captação de água.
Enfim, toda a problemática da água que parecia restrita aos países tropicais, sobretudo nas
Américas, na África e na Ásia, hoje se tornou uma discussão mundial e, o Brasil precisa assumir um
posicionamento firme na resolução desses problemas que se mostram muitas vezes como um entrave
ao desenvolvimento nacional. Contudo, não podemos permitir que a discussão seja feita apenas no
sentido economia versus meio ambiente, pois a questão envolve discussões maiores e mais complexas
e não se tratam só de meio ambiente e economia, tratam-se principalmente dos Direitos Humanos,
referem-se ao fato de que o Estado fere sua própria constituição quando se furta da responsabilidade
pela qualidade de vida e saúde das populações negras e quilombolas no país. Atualmente temos no
Norte de Minas Gerais os condicionantes fundamentais para aprofundar e acelerar os conflitos pela
água: apropriação privada, contaminação, consequente exclusão de comunidades tradicionais das
políticas de gestão dos recursos hídricos, áreas com pouca disponibilidade, agora agravados pela ideia
da implantação de indústrias mineradoras na região. Por isso um estudo da Embrapa Semiárido7,
diante dos vários cenários possíveis fala em diminuição no regime das chuvas e mesmo no volume de
água do rio São Francisco. Essas informações ilustram a discrepância entre o discurso oficial e a
realidade conflituosa de tantos projetos que envolvem o uso da água. Para os defensores da
transposição, por exemplo, ela “é uma obra que beneficia milhões de pessoas e que não prejudica
ninguém”. Se assim fosse não teríamos tantos conflitos ao longo do vale do São Francisco. Se hoje
mais de 1,2 bilhões de pessoas não têm segurança hídrica biológica, se em torno de 2,6 bilhões não
têm saneamento,8 se já existem tantas guerras pelo mundo em torno da água, o Brasil não está
favorecendo em muito a cultura da água pela paz, pelo contrário, para o negócio. A eminente política
6 Como no caso da comunidade de Vereda Grande localizada no município de Urucuia, onde foi feita uma visita durante o
período de 16 a 25 de julho de 2011 pelos acadêmicos da Universidade Estadual de Montes Claros através do Projeto
Unimontes Solidária.
7 http://www.cpatsa.embrapa.br/ Acesso em23 de setembrode 2011.
8 Segundo dados informados pela Comissão Pastoral da Terra durante seu III Congresso Nacional realizado entre os dias
17 e 21 de Maio de 2010 na cidade de Montes Claros.
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de não reconhecer a água como um direito humano, reiterada no último Fórum Mundial da Água, nos
dá um pouco dos rumos das águas brasileiras. Uma política integral da água, ambientalmente
sustentável, não pode focar apenas o consumo humano, mas todos os usos da água e é exatamente
onde nasce o conflito, pois, o uso econômico pressupõe o uso privado, através de outorgas, com
graves danos ambientais e grandes impactos sociais nas comunidades que dependem diretamente da
água. Os detentores do capital sabem; o governo também; agora mais do que nunca os setores que
pensam uma cultura de paz, de defesa da comunidade vida, terão de reiterar seus esforços para que a
água permaneça como um bem público e acessível patrimônio da humanidade, de todos os seres vivos
e para que seu uso possa ser feito com racionalidade e qualidade nos quilombos e demais
comunidades tradicionais no Brasil.
CONCLUSÃO
Sempre cabe ao se tratar de saúde, a discussão da água como bem publico. As águas
brasileiras constitucionalmente não podem ser privatizadas, então se privatiza seu uso; do ponto de
vista do acesso das populações quilombolas, o resultado é igual. O Norte de Minas Gerais é habitado
por diversas populações tradicionais, que muitas vezes não são consideradas nas políticas publicas
propostas para o manejo das águas. Neste sentido, não se pode mais negligenciar, no campo do
debate ambiental contemporâneo, a compreensão das relações de poder que sublinham a gestão das
águas e que orientam historicamente as políticas de acesso aos recursos hídricos na região. Nem
podemos continuar ignorando o fato de que essas populações tão importantes na ocupação da região
continuem vivendo tais situações de precariedade do acesso e do uso de uma água com qualidade.
Informações referentes às questões que informem sobre o ambiente de vivência das populações
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podem em muito contribuir para uma melhoria na atuação das equipes de saúde de tais comunidades.
A importância e o papel da informação já estão bem ressaltados no âmbito da informação nos sistemas
de saúde. Formalmente se fala em informação estratégica para a gestão, que seja capaz de apoiar as
tomadas de decisão, e nesse sentido procura-se abranger diferentes dimensões de avaliação e
qualidade. É de grande interesse que com isso seja possível valorizar e pautar a informação em seu
potencial de mobilizar as equipes das diversas áreas de atuação na busca de dados objetivos e demais
informações que emergem do processo de produção da saúde. Vale ressaltar, então que essa
perspectiva teórico-politica que está sendo proposta para a avaliação em saúde, parte dos princípios da
Política Nacional de Humanização (PNH). Em tal concepção, enfatiza-se a participação dos diferentes
sujeitos; gestores, trabalhadores, usuários, pesquisadores, apoiadores. Esses são essenciais em todas
as suas fases: identificação de situações a serem avaliadas e trabalhadas, conceitualização,
demarcação de objetivos, critérios de representação de indicadores, mensuração, interpretação e
validação de dados. Isso vem ressaltar o principio de indissociabilidade entre a atenção e a gestão,
onde se devem buscar indicadores representativos do que acontecem nessas faces e interfaces do
trabalho em saúde e como podemos dessa forma trabalhar com a relação entre saúde e meio
ambiente. Nossa responsabilidade torna-se tanto maior quando lidamos com a interferência do Estado
na gestão hídrica do país, visando a melhor distribuição das águas, pois estamos trabalhando não
somente com água, mas com um conjunto de ações e consequências complexas, que envolvem os
seres humanos e todo o ecossistema. Não há como negar, pois, que a não atuação dos organismos
governamentais, traz enormes prejuízos socioeconômicos e ambientais para as populações
quilombolas na região do Norte de Minas Gerais. Conclui-se que o Estado deve pensar a gestão hídrica
dentro de uma política que inclua melhores condições de convivência da população com os problemas
causados pela seca no semiárido norte mineiro reafirmando o objetivo proposto de que assim estará de
forma direta ou não garantindo uma melhoria na qualidade de vida e consequentemente na saúde das
populações quilombolas existentes na região dos vales da depressão sanfranciscana.
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