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Raquel Oliveira de Morais
Trabalho de Conclusão de Curso
Universidade Federal do Pará
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Belém – Pará
Abril de 2018
Foto capa: Roberto Pereira, 2009.
RAQUEL OLIVEIRA DE MORAIS
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
ENTRE O URBANO E A ÁGUA:
UMPLANO DE INTERVENÇÃO PARA O ENTORNO DO RIO CAJUEIRO
NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM – PA.
Belém – PA | 2018
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL DO PARÁ
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE TECNOLOGIA
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
RAQUEL OLIVEIRA DE MORAIS
ENTRE O URBANO E A ÁGUA:
UMPLANO DE INTERVENÇÃO PARA O ENTORNO DO RIO CAJUEIRO
NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM – PA.
Trabalho de Conclusão de Curso II apresentado à
Universidade Federal do Pará, como requisito final para
a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e
Urbanismo, sob a orientação do PhD. José Júlio Ferreira
Lima.
Belém – PA | 2018
RAQUEL OLIVEIRA DE MORAIS
ENTRE O URBANO E A ÁGUA:
UMPLANO DE INTERVENÇÃO PARA O ENTORNO DO RIO CAJUEIRO
NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM – PA.
Trabalho de Conclusão de Curso II apresentado à
Universidade Federal do Pará, como requisito final para
a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e
Urbanismo, sob a orientação do PhD. José Júlio Ferreira
Lima.
Belém – PA | 2018
BANCA EXAMINADORA
Profº PhD. José Júlio Ferreira Lima (FAU/UFPA) - Orientador
Profª PhD. Ana Claúdia Duarte Cardoso (FAU/UFPA) – Avaliadora
Profª MSc. Taynara do Vale Gomes (Arquitetura e Urbanismo/FACI) - Avaliadora
A minha mãe, Profa. Marinete Oliveira.
Que é a base do meu conhecimento e pensamento crítico
“Cidades têm a capacidade de prover algo para cada um de seus habitantes,
somente porque,
e somente quando,
são criadas para todos”.
Jane Jacobs
A Deus, obrigada pela oportunidade da vida e por sempre nos
conduzir nas nossas missões. Todos esses anos me perguntei se
eu estaria no caminho certo e hoje, percebo que sempre estais a
nos auxiliar independente dos caminhos que escolhemos.
Aos meus pais, Marinete e Raimundo Morais: vocês são o pilar da
minha vida. Sem vossos conselhos, cuidados e esforços em me
proporcionar uma boa educação, não teria me tornado o que sou.
Ao José Júlio, te agradeço imensamente por embarcar comigo
nessa jornada desafiadora. Sou imensamente honrada de ter sido
sua aluna. Jamais esquecerei todas as nossas orientações,
conselhos e conversas. Obrigada por ter me proporcionado
literalmente em 2013, o meu primeiro vôo rumo ao conhecimento.
À Emília Farias, filha de Mosqueiro, tia do coração que o meu
eterno tio Cláudio pôs em nosso caminho. Ele não está mais aqui,
mas tudo que tens feito por nós, eu tenho certeza de que ele está
muito feliz.
Aos amigos amados que a vida me deu: Martha, Sarine, Jéssica,
Juliana, Anne, Natália, Luana, Daniele, Gian, Adriana, George,
Hana e Juliane. O apoio, conselhos, os gestos mesmo que
pequenos e momentos de desestresse esse ano com vocês pra
mim foi muito importante. Obrigada por tudo sempre.
Á Delly, grande amiga da FAU que me deu várias forças, inclusive
nessa reta final do trabalho. Confia em ti mesma e tenha sempre o
pensamento positivo que você vai longe.
Aos amigos de faculdade, que de não amados só leva o nome do
grupo: Kamila, Romário, Marília, Barbara, Larissa, Cristhian e Bia.
Não foi fácil, mas a gente conseguiu! Aprendi muito com cada um
de vocês. Desejo tudo de bom nas suas trajetórias profissionais.
Tenho certeza que vocês serão brilhantes.
À Comunidade do Rio Cajueiro que foram fundamentais na
construção deste trabalho e que me acolheram com toda atenção.
Para vocês eu dedico os mes sinceros agradecimentos. Lutem pelo
bem de sua comunidade .
À equipe do LABCAM, obrigada por sempre me acolherem, por
tirarem todas as minhas dúvidas, pelos livros emprestados e por
todo conhecimento repassado. Thales, Letícia e Rafaela, obrigada
por me acompanharem nas visitas à comunidade e pelos conselhos
dados durante a fase final deste trabalho.
E por fim, Márcia Barros e Mara Coelho: as nossas amadas
secretárias da FAU. Muito obrigada por toda a ajuda e por serem
tão prestativas e generosas conosco. Vocês são exemplos de
profissionais competentes, eficientes, honestas e simples que todos
nós deveriamos ser.
AGRADECIMENTOS
Figuras:
Figura 01: Comunidade do Rio Cajueiro.
Figura 02: Rio Cajueiro.
Figura 03: Bacia do Rio Cajueiro e bairros que compõem a mesma.
Figura 04: Recorte e localização da Comunidade do Rio Cajueiro
Figura 05: Antes da consolidação os bairros de Carananduba e São
Francisco eram ligados por uma ponte em estrutura de ferro.
Figura 06: Projeto de consolidação da Ponte Rio Cajueiro já em
estrutura de concreto armado depois de 1976.
Figura 07: Ponte do Rio Cajueiro atualmente.
Figura 08: Empreendimentos imobiliários implantados Mosqueiro.
Figura 09: Ocupação do Rio Cajueiro em solo de terra firme.
Figura 10: Ocupaçao do Rio Cajueiro em solo semi-alagado
Figura 11: Ocupação do Rio Cajueiro em solo permanentemente
alagado
Figura 12: Espaços ribeirinhos na comunidade do Rio Cajueiro.
Figura 13: Espaços de transição na comunidade do Rio Cajueiro.
Figra 14: Uso e ocupação do solo no entorno do Rio Cajueiro.
Figura 15: Palafitas no Rio Cajueiro.
Figura 16: A relação entre cidade e natureza no mundo como
contexto o Delaware Park, projeto de Olmsted em Nova York.
Figura 17: Sistemas de parques e corredores verdes em Buffalo,
Nova York.
Figura 18: A relação entre cidade e natureza do contexto brasileiro
na comunidade de Afuá-PA.
Figura 19: Exemplo do território e o potencial de integração da sua
biodiversidade.
Figura 20: Exemplo da Trama Verde e Azul aplicada no território.
Figura 21: Exemplo como a TVA seria usada na integração dos
múltiplos espaços.
Figura 22: A vizinhança da comunidade do Rio Cajueiro
comumente possui laços parentescos.
Figura 23: Confuguração espacial nas áreas mais densas no
interior da comunidade.
Figura 24: De acordo com o aumento das famílias os moradores
ampliam suas moradias.
Figura 25: porto pesqueiro da comunidade do Rio Cajueiro.
Figura 26: Os pescadores atracam em pequenos galpões ao longo
do rio.
Figura 27: Atelier de manejo do pescado.
Figura 28: Entreposto privado que foi identificado pelos moradores
no Rio Cajueiro.
LISTA DE FIGURAS E ESQUEMAS
Figura 29: Embarcações construídas pelos trabalhadores do
entreposto privado
Figura 30: Skyline da feira do Pescado.
Figura 31: Skyline da feira de hortaliças.
Figura 32: Varanda como elemento de transição entre o espaço
público e o espaço rural.
Figura 33: Diferentes formas de espacialidade na comunidade.
Figura 34: A comunidade do Rio Cajueiro e a sua paisagem urbana.
Figura 35: Mapa Setorização da área de intervenção.
Figura 36: Mapa de novo acesso viário.
Mapa 37: Recorte do desenho de consolidação das Vias
Compartilhadas.
Figura 38: Entrada da Comunidade do Rio Cajueiro.
Figura 39: Ferfil Viário Rua da feira.
Figura 40: Corte da feira e associação da Comunidade do Rio
Cajueiro
Figura41: Implantação da feira e da associação dos pescadores e
comerciantes do Cajueiro.
Figura 42: Plantas do setor de comércio varejo da Feira e
Associação da Comunidade do Rio Cajueiro
Figura 43: Plantas do setor de peixes e mariscos.
Figura 44: Plantas do setor de frutas e hortaliças.
Figura 45: Plantas do setor de venda de açaí.
Figura 46: Plantas dos pavilhões da Associação da Comunidade do
Rio Cajueiro.
Figura 47: Vista tridimensional da implantação da Feira e
Associação do Rio Cajueiro.
Figura 48: Vista tridimensional da Feira e Associação e o percurso
do Rio Cajueiro.
Figura 49: Corte da orla do Cajueiro.
Figura50: Implantação da Orla do Cajueiro.
Figura 51: Plantas dos toaletes públicos e dos quiosqes da orla.
Figura 52 Perfil Viário Ponte do Cajueiro.
Figura 53: Perfil Viário Av. 16 de Novembro.
Figura 54: Perfil Viário Rua da Orla
Figura 55: Implantação do Porto Auxiliar.
Figura 56: Corte do porto auxiliar
Figura57: Implantação da praça interna na comunidade.
Figura 58: Corte da praça interna na comunidade.
Figura59: Implantação dos trapiches públicos.
Figura 60: Corte dos trapiches públicos.
Figura 61: Situação da regularização das edificações da quadra 01
na área de assentamento A.
Figura 62: Mapa esquemático das áreas de remoção.
Figura 63: Recorte esquemático da área de reassentamento A.
Figura 64: Recorte esquemático da área de reassentamento B.
Figura 65: Perfil Viário Local 01.
Figura 66: Perfil Viário Local 02.
Figura 67: Simulação dos parâmetros de ocupação no lote.
Figura 68: Corte esquematico do processo de assoreamento dos
rios.
Figura 69: Corte esquemático dos tipos de solo na Amazônia
Figrura 70: Pavimentação proposta para as calçadas.
Figura 71: Sistema dos tipos de pavimentação.
Figura 72: Detalhe do sistema de gabião na orla.
Figura 73: Esquema do sistema de contenção por gabião.
Figura 74: Uso do Gabião em encosta de rios.
Figura 75: Esquema do sistema fossa Biodigestora.
Figura 76: Adaptação do sistema de Biodigestão na comunidade da
Ilha das Cinzas no Pará.
Figura 77: Esquema da composição de um sistema BET.
Figura 78: Exemplo de fossa no sistema BET.
Esquemas:
Esquema 01: Inserção da comunidade no processo de ocupação
de Mosqueiro.
Esquema 02: Linha do tempo de como se sucedeu a relação entre
o homem com a natureza.
Esquema 03: Mudanças nos limites das APPs entre 1965 a 1989
Gráficos:
Gráfico 01: Origem dos residentes no Cajueiro.
Gráfico 02: Motivos de migração para o Rio Cajueiro
Gráfico 03: Tipos de uso do Rio Cajueiro.
Gráfico 04: Principais problemas ambientais que os moradores
reportaram.
Foto 05: Percentagem de edificações em área de remoção.
Quadros:
Quadro 01: Quadro metodológico das incursões em campo no Rio
Cajueiro.
Quadro 02: Quadro síntese dos dispositivos legais.
Quadro 03: Quadro reduzido das zonas do Plano Diretor Urbano de
Belém que contemplam o Cajueiro.
Quadro 04: Principais questões ambientais encontradas durante as
visitas de campo no entorno do Rio Cajueiro.
Quadro 05: Produtos extrativistas comercializados no Rio Cajueiro
identificados durante a visita de campo.
Quadro 06: Diferentes tipologias habitacionais do Cajueiro.
Quadro 07: Um comparativo das diferentes leituras do espaço de
outras comunidades com a do Rio Cajueiro.
Quadro 08: Quadro de diretrizes do plano.
Quadro 09: Quadro de áreas Centro Armazenagem e Manutenção.
Quadro 10: Quadro de áreas Centro de Apoio e Administração.
Quadro 11: Quadro de parâmetros de ocupação nos novos lotes.
Quadro 12: Quadro de espécimes de plantas nativas.
Quadro 13: Quadro de espécies arbóreas.
LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS
ALPAC – Associação Livre dos Pescadores da Área do Cajueiro
APP – Áreas de Preservação Permanente
BET – Bacida de Evapotranspiração
CODEM – Companhia de Desenvolvimento e Administração da
Área Metropolitana de Belém
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
COSANPA – Companhia de Saneamento do Pará
CIFOR – Centro Internacional de Investigação Florestal
CFB – Código Florestal Brasileiro
CF/88 – Constituição Federal de 1988
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPA – Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia
ISA – Instituto Socioambiental
IMAZON – Instituto Homem e Meio Ambiente na Amazônia
LCCU – Lei Complementar de Controle Urbanístico
PDU BELÉM – Plano Diretor Urbano de Belém
PDDI-RMBH – Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado Região
Metropolitana de Belo Horizonte
PMB – Prefeitura Municipal de Belém
RMB – Região Metropolitana de Belém
PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida
SEAP/PR – Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da
Presidência da República
SEGEP – Secretaria Municipal de Coordenação Geral de Gestão e
Planejamento
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAR – Serniço Nacional de Aprendizagem Rural
TVA – Trama Verde e Azul
MMA – Ministério do Meio ambiente
MCidades – Ministério das Cidades
MZAU – Macrozona do Ambiente Urbano
ZAU II – Zona do Ambiente Urbano II
ZEIA – Zonas Especiais de Interesse Ambiental
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO......................................................................................................16
1. CONTEXTUALIZAÇÃO ............................................................................19
1.1. Entre Urbano e Água: o Rio Cajueiro e o processo de ocupação
de suas margens............................................................................................ 19
1.2. Um fractal do espaço periurbano na região amazônica ............ 30
2. UMA ANÁLISE SOBRE AS ÁREAS DE APP E OS INSTRUMENTOS
LEGAIS DE REGULAÇÃO URBANÍSTICA .....................................................33
2.1. Habitar nas margens dos cursos d’água no Brasil e no Mundo. 33
2.2. A legislação e a gestão pública em face aos desafios da questão
fundiária no Brasil e na Amazônia ............................................................. 38
2.4. APP Urbana: Por que ainda um grande desafio? ........................ 40
2.5. Plano Diretor pra quem? ................................................................ 45
4. DIAGNÓSTICO ............................................................................................48
4.1. As relações sociais entre a comunidade e a questão ambiental
do Rio Cajueiro ............................................................................................. 48
4.2. A importância das atividades econômicas ligadas ao Rio
Cajueiro ......................................................................................................... 53
4.3. A comunidade do Rio Cajueiro e a sua relação com espaço
ribeirinho na Amazônia............................................................................... 60
5. PROPOSIÇÕES PARA UM PLANO DE INTERVENÇÃO URBANO-
AMBIENTAL ............................................................................................................66
5.1. Das disposições gerais do proposta de Intervenção....................66
5.2. Dos Eixos Conceituais......................................................................66
5.3. Das Diretrizes de Ação....................................................................67
5.3.1. Setor de Apoio Econômico............................................................. 69
5.3.2. Setor de Ocupação Residencial Densa ........................................... 69
5.3.3. Setor de Ocupação Residencial Esparsa ......................................... 70
5.3.4. Faixa de Área de Preservação Permanente..................................... 70
5.4. Dos Estudos Projetuais e Parâmetros de Intervenção ...............72
5.4.1. Acesso Viário e Conectividade ....................................................... 72
5.4.2. Espaços Públicos e Equipamentos Urbanos .................................... 75
5.4.3. Parâmetros de Remoções ............................................................... 92
5.4.4. Parâmetros de Ocupação................................................................ 97
5.4.5. Ações de Integração Ambiental ...................................................... 98
5.4.6. Sistemas de Infraestrutura Verde.................................................. 101
5.4.7. Recomendações para Adequação Sanitária................................... 103
CONCLUSÃO.......................................................................................................105
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................107
ANEXOS.................................................................................................................113
SUMÁRIO
Figura 01: Comunidade do Rio
Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017.
| entre urbano e água |
16
INTRODUÇÃO
O processo de ocupação na região Amazônica se consolidou diante
das delimitações de seu território e a formação natural do seu sítio.
Entende-se também que o modo de vida da população está direta
ou indiretamente relacionado ao bioma marcante da região,
incluindo os núcleos urbanos mais ou menos consolidados. O
Amazônida vive cercado por água, e deste elemento, de alguma
forma ele depende.
A forma como o espaço é ocupado no território e o modo de vida da
população que se encontra no espaço, influenciam nas
transformações do solo urbano e também na paisagem natural. Na
Amazônia, diversas formas de ocupações no espaço urbano e rural
coexistem. Essas ocupações possuem suas próprias características
que são traduzidas a partir de suas atividades econômicas, suas
relações sociais, das particularidades do sítio e pelas relações de
vínculo que as pessoas dessas oocupações criam com o lugar onde
vivem.
A ocupação humana em áreas periurbanas na Amazônia se
caracteriza pela formação das comunidades ribeirinhas, tradicionais
ou rurais, influenciadas pelas transformações do território. Essas
comunidades são representativas de um processo cultural, social e
histórico, intrínsecas as características da região. Em contrapartida,
estas comunidades sofrem estigma pela forma de implantação dos
assentamentos não se enquadrarem no padrão de urbanização
hegemônicodo capital. E tão pouco o Estado consegue articular
políticas públicas e leis que atendam às necessidades das mesmas.
A negação ao direito de reconhecimento dessas comunidades em
áreas periurbanas levam as mesmas a se afastarem cada vez mais
do seu modo de vida tradicional rural e adotarem um estilo de vida
mais urbano. Ou de alguma forma, elas também podem coexistir em
ambas realidades. Porém estando ainda à fronteira do que se impõe
como padrão de urbanização formal, estas comunidades se
transformam e modificam seus espaços muitas das vezes de forma
autônoma. É diante deste problema que essas comunidades, podem
sofrer o processo de favelização quando lhes é negado pelo Estado,
a assistência técnica necessária para auxiliar na transformação
desses assentamentos.
Quando Maricato (1996, p.:45) cita que “a exclusão é um todo”, ela
explica que essa exclusão abrange todas as esferas. Tanto
ambiental, quanto urbana, social, cultural e econômica. É a negação
ao direito pleno à cidadania, a moradia e a qualidade de vida. É de
grande relevância entender que toda e qualquer ação no território,
impacta nas relações sociais e no modo de vida da população.
Modifica a paisagem, o espaço e transforma as relações do homem
com a terra. Quando se assume a postura de incapacidade para
| entre urbano e água |
17
atender essas questões, posterga ainda mais a adoção de medidas
que possam garantir a produção sustentável e a inclusão dessas
comunidades que vivem marginalizadas.
O Rio Cajueiro localizado na Ilha de Mosqueiro e a comunidade que
habita no seu entorno, é uma amostra desses conflitos
anteriormente expostos. Está situado na fronteira entre os bairros de
Carananduba e São Francisco e faz parte da área urbana da ilha.
Para as comunidades que ocupam as proximidades do rio, a área é
um importante ponto de comercialização da pesca e de outros
produtos extraídos da floresta, o que caracteriza a principal atividade
econômica do local. Pela importância de suas atividades para a ilha
e pela particularidade do local, a comunidade do Rio Cajueiro foi
escolhida como recorte de pesquisa deste trabalho.
O rio é cortado pela Ponte do Cajueiro e pela Av. 16 de Novembro,
via que dá acesso ao eixo sul, região central da ilha. É nessa via
que se concentra boa parte do fluxo de pessoas e mercadorias. A
venda do pescado entre outros produtos acontece nesse mesmo
local e é feita a céu aberto, sem condições adequadas para a
comercialização e manejo.
O Distrito de Mosqueiro, embora se constitua um distrito municipal,
encontra-se distante 70 quilômetros do centro urbano de Belém
(SEGEP, 2012), ali também há efeitos do processo de expansão
urbana e especulação do capital imobiliário, mesmo que o meio rural
e as práticas das comunidades tradicionais sejam ainda fortemente
presentes na ilha.
Diante da realidade descrita, este trabalho busca apresentar os
seguintes problemas:
I. O que se tem de aparato legal é suficiente para garantir a
adequação socioambiental de comunidades em áreas de
preservação permanente?
II. Como garantir a continuidade das atividades nas
comunidades tradicionais e a sua permanência, quando o
processo de urbanização e o estágio de degradação
ambiental tem pressionado transformação do espaço em que
vivem?
III. Que ações devem ser tomadas, a fim de mitigar o processo
de degradação do Rio Cajueiro e controlar o uso e a
ocupação do solo de forma sustentável?
A metodologia deste trabalho consiste em um estudo de caso e a
análise de dados preexistentes da área, visando entender a
realidade do processo de ocupação nas margens do Rio Cajueiro no
Distrito de Mosqueiro em Belém/Pará. A coleta dos dados para o
estudo de caso foi feita por meio de incursões em campo realizadas
entre os períodos de julho a novembro de 2017. Os recursos
| entre urbano e água |
18
metodológicos utilizados durantes as incursões foram entrevistas
semiestruturadas, registros fotográficos e a utilização de um mapa
esquemático para a composição das características da área pelos
moradores durante as entrevistas. As pessoas entrevistadas foram
residentes e trabalhadores do local com idades entre 20 a 60 anos.
Se propôs uma investigação qualitativa e a reflexão a partir da
bibliografia de apoio para que seja realizada uma avaliação dos
problemas existentes pelo viés crítico e observador.
O trabalho se estruturou da seguinte forma: a primeira parte do
trabalho apresenta o tema em questão a área estudada e sua
contextualização. A segunda parte, propõe uma análise sobre as
áreas de preservação permanente e os instrumentos legais de
regulação urbanística e explica brevemente como se sucedeu o
processo de ocupação das margens dos cursos d’água no Brasil e
num contexto mundial. A terceira parte traz um diagnóstico e detalha
os processos dinâmicos que caracterizam a área.
Com base no levantamento previamente feito nos capítulos
anteriores, na parte final será apresentado proposições para um
plano de intervenção no entorno do Rio Cajueiro. A partir das
diretrizes estabelecidas, este plano pretende sugerir ações de
intervenção e recomendações que poderão minimizar alguns dos
problemas pertinentes na área em relação infraestrutura de apoio a
prática econômica local; acessibilidade e mobilidade; regulação
urbanística; saneamento e qualidade ambiental.
| entre urbano e água |
19
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
1.1. Entre Urbano e Água: o Rio Cajueiro e o processo
de ocupação de suas margens.
O Cajueiro (figura 02) é um dos rios que compõe a rede hídrica da
Ilha de Mosqueiro. Sua bacia é composta por outros afluentes,
sendo o Rio Cajueiro o principal e o que nomeia bacia, que é
formada por parte dos bairros de São Francisco, Carananduba e
Bonfim (Figura 03). “Dentre as bacias hidrográficas de Belém, nove
encontram-se na ilha de Mosqueiro, como a bacia do Rio Cajueiro
que possui uma área de 21,61 Km² de drenagem com
desembocadura na Baía do Guajará” (LUZ, et al. 2014, apud LEÃO,
2016, p: 28).
Leão (2016, p.21), cita que “O Rio apresenta 33% de sua área com
cota menor que 5m, além de baixa densidade”, portanto seu sítio é
praticamente plano, baixo, alagável, e suscetível a constantes
inundações. A bacia é predominantemente caracterizada por boa
parte de sua cobertura vegetal ainda preservada, mas também
conta com a presença de uma crescente área já urbanizada como
nos bairros do Carananduba e São Francisco (Figura 03).
De acordo com os dados do último censo (IBGE, 2010; SEGEP,
2012), o bairro de Carananduba apresenta uma área de 3,4824 km²
Figura 02: Rio Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017.
| entre urbano e água |
20
Figura03: Bacia do Rio Cajueiro e bairros que
compõem a mesma. Fonte: CODEM, 2012
(Adaptado pelo autor).
e sua população é estimada em torno de 5.5445 habitantes, o que
constitui um dos bairros mais populosos da ilha. A bacia é formada
boa parte por assentamentos informais e ocupações irregulares.
No entorno das margens do rio situa-se a comunidade do Rio
Cajueiro concentrada em sua maior parte no bairro do
Carananduba. A principal atividade dos moradores é a extração de
produtos naturais como peixe, o açaí e da comercialização destes, e
de outros produtos. Portanto, o entreposto do Rio Cajueiro é
conhecido como um dos principais pontos de desembarque e de
venda na rota da pesca e na comercialização na ilha de Mosqueiro.
Segundo Leão (2016), o rio tem relação direta com assentamentos
do seu entorno, fazendo parte do cotidiano da vida dos moradores
(figura 04).
É nessa área onde ficam localizadas as comunidades dos
pescadores, extrativistas, comerciantes e feirantes. Os comerciantes
e feirantes se concentram nas margens da Av. 16 de Novembro
próximo a ponte do Rio Cajueiro, pela visibilidade em relação ao
fluxo de pessoas que circula na área. Já as famílias ribeirinhas de
pescadores e extrativistas se concentram mais no interior da
comunidade nas áreas de várzea do rio onde eles tem acesso direto
com o mesmo.
Os pescadores atracam seus barcos próximo a ponte por conta da
proximidade com a feira e nos trapiches/ateliês de pesca ao longo
do Rio Cajueiro. Os feirantes se organizam em estandes de madeira
onde vendem seus produtos. E os demais comerciantes possuem
pequenos pontos comerciais ao longo da avenida. Há
| entre urbano e água |
21
Figura 04: Recorte e localização da
Comunidade do Rio Cajueiro Fonte: Google
Earth, 2017 (Adaptado pelo autor).
| entre urbano e água |
22
também uma fábrica de gelo que dá suporte para os pescadores e
comerciantes locais na manutenção de seus produtos frescos.
Sobre o processo de caracterização da ocupação, é preciso
entender um pouco sobre a formação histórica da Ilha Mosqueiro e
dos processos que levaram a migração das famílias dos pesqueiros
para o Rio Cajueiro.
Mosqueiro é marcada por 4 períodos de ocupação (Esquema 01). A
primeira com as aldeias missionárias controladas pelos jesuítas a
pedido da Coroa Portuguesa no século XVII o que conferiu as
primeiras ocupações na ilha ao nome de “Freguesias” e
posteriormente de “Vilas” (CORRÊA, 2006). A segunda fase foi
marcada pelo período do Ciclo da Borracha ao final do século XIX e
início do século XX. Com a chegada de estrangeiros na região, a
visita aos balneários da ilha se tornou mais frequente e assim, a
demanda por uma infraestrutura mais consolidada na ilha trouxe
transformações e o aumento populacional em Mosqueiro. Aqui a Vila
de Mosqueiro passa a ser oficialmente um dos núcleos urbanos da
Região Insular de Belém. (FURTADO E SILVA, 2006).
Até a década de 60, Mosqueiro era considerado balneário das
classes mais altas de Belém, tinha a infraestrutura consolidada até a
praia do Chapéu-Virado que até então, os deslocamentos da Belém
Continental para a Ilha eram feitos por rota fluvial que fora
estabelecida no período da borracha. O sistema rodoviário só veio
Ciclo da Borracha:
Demanda por infraestrutura
na região e balneário da
populaçao belenense.
Planos de Integração
Nacional: construção de
conexões rodoviárias.
Aumento da população na ilha
Formação das aldeias
missionárias controladas
pela Coroa Portuguesa.
Freguesia – Vila
SÉCULO XVII SÉC. XIX – SÉC.
XX
ANOS 60-
70
ANOS 70 - ATUAL
Vetor de expansão urbana
da capital.
ILHADEMOSQUEIRO
Comunidade Pesqueira do Rio Cajueiro
Final Início
Esquema 01: Inserção da comunidade no
processo de ocupação de Mosqueiro. Fonte:
Elaborado pela Autora.
Vila – Núcleo
Urbano
Núcleo Urbano – Subúrbio
| entre urbano e água |
23
a se consolidar já na terceira fase, com o período dos grandes
planos de integração nacional no período da Ditadura Militar que
influenciaram fortemente na configuração espacial da RMB a partir
desse período (CARDOSO E LIMA, 2015). A PA-391 e a ponte
Belém-Mosqueiro que conecta a ilha com a parte continental, foram
feitas a partir da pressão de grupos sociais ligados a administração
estadual, e por extensão as ideias rodoviaristas desses planos. Tal
fator permitiu que a população da Belém continental tivesse maior
acesso a ilha, sendo assim um dos motivos que provocou o maior
fluxo de pessoas e o aumento populacional nas décadas seguintes.
Foi a partir da década de 70 também que as conexões viárias e o
processo de ocupação na ilha se estabeleceram e se intensificaram.
A Avenida 16 de Novembro, ou Rodovia Beira-Mar, que é a principal
via de acesso em direção ao bairro da Vila, centro de Mosqueiro foi
consolidada também nesse período. Ela atravessa o Rio Cajueiro
através da ponte de mesmo nome. Segundo, Meira Filho (1978) a
ponte, hoje de concreto armado, foi construída no fim da década de
70 e substituiu uma antiga estrutura de ferro que existia
anteriormente ligando os bairros de carananduba e São Francisco
(figuras 05,06 e 07).
A partiir da década de 70, houve o aumento da migração massiva da
população de baixa renda, tornando atualmente a Ilha de Mosqueiro
um dos balneários populares de Belém e da Região Metropolitana.
Figura 05: Antes da
consolidação os
bairros de
Carananduba e São
Francisco eram
ligados por uma
ponte em estrutura
de ferro. Fonte:
Meira Filho, 1978.
Figura 06: Projeto de
consolidação da
Ponte Rio Cajueiro já
em estrutura de
concreto
armadodepois de
1976. Fonte: Meira
Filho, 1978.
Figura 07: Ponte Rio
Cajueiro como se
encontra
atualmente. Fonte:
Pedro Leão, 2011.
| entre urbano e água |
24
O processo de expansão de Belém também levou Mosqueiro a se
tornar subúrbio da capital e a ser um dos possíveis vetores de
especulação imobiliária da RMB (Figura 08).
A comunidade do Rio Cajueiro reside na região por volta de 40 a 50
anos, mas segundo relatos dos moradores a ocupação na
comunidade somente se intensificou a partir da década de 70, após
a construção da ponte do Cajueiro. A comunidade possui cerca de
700 habitantes e além dos habitantes nativos, é composta boa parte
por famílias vindas do interior de Abaetetuba e Barcarena (gráfico
01), locais que possuem forte tradição com a pesca e com o cultivo
extrativista (LEÃO, 2011; SILVA, 2015).
As famílias que migraram para o Cajueiro foram se estabelecendo
aos poucos, por conta do processo de ocupação que se sucedeu a
partir da prática do pescado. É também uma das comunidades
pesqueiras que mais tem se desenvolvido na ilha por conta da sua
localização estratégica às margens do Rio Cajueiro, da ponte do Rio
Cajueiro e da Avenida 16 de Novembro, via terreste de principal
acesso da comunidade.
Silva (2015) ao estudar o processo de formação da comunidade,
ressalta que, muitos dos pescadores que migraram para região,
Gráfico 01: Origem dos
residentes no Cajueiro.
Fonte: Isabelle Silva, 2015.
(adaptado pela autora)
Gráfico 02: Motivos da
migração para o Cajueiro.
Fonte: Isabelle Silva, 2015.
(adaptado pela autora)
Figura 08: Empreendimentos imobiliários implantados
Mosqueiro. Fonte: Google Imagens, 2018.
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25
vieram em busca de melhores condições de trabalho e de acesso a
serviços para suas respectivas famílias já que as condições de vida
no interior estavam mais difíceis. Outro fator, consiste na
necessidade dos pescadores de encontrar um local próximo a
capital para o manejo e comercialização dos produtos que eles
produzem, já que eles mesmos tinham que se deslocar de suas
regiões para vender sua produção (gráfico 02).
Para explicar em escalas gerais um pouco mais sobre a decorrência
desse processo de migração que ocorre da população do interior
para cidade – como no caso do Rio Cajueiro – no século XX, a
estrutura da divisão social do trabalho sofreu profunda alteração em
consequência das transformações na estrutura produtiva que
vinham sido pautadas pelo capital. Singer (1973) afirma que a
cidade passa a abranger parte dos serviços de consumo e produção
na região e acaba também por concentrar grande parte das
atividades econômicas inclusive a assimilar atividades que antes
estavam concentradas nas áreas rurais.
Diante disso, a migração dessas famílias para cidade, parte de uma
deteorização das condições de vida no campo por fatores de
estagnação que nos países subdesenvolvidos com um grande porte
fundiário como o Brasil, esses fluxos migratórios se dirigem de áreas
rurais mais antigas para as proximidades nos centros urbanos.
Esses grupos, quando não se encaixam na economia urbana,
reproduzem as atividades de subsistência do campo ou atuam em
atividades autônomas informais. No entanto, mesmo que essas
atividades se que se acham sendo reproduzidas na cidade não são
totalmente integradas a economia urbana formal do capital
(SINGER, 1974).
Em um estudo sobre o processo de assentamento de famílias de
origem rural em APPs em São Luís/ MA, Silva (2016), analisa que
alguns dos motivos que resultam nesse processo de migração da
população do interior para os grandes centros urbanos partiu da
falta de assistência pública e baixa obtenção de renda nas regiões
rurais. Isso resultou nas décadas de 70/80 a migração massiva do
contigente populacional do interior para o centro urbano na
esperança de ter acesso a melhores condições estruturais de
assistência e serviços. Entretanto a condição de renda dessas
famílias não era o suficiente para garantir o acesso a qualidade de
vida nas cidades e o resultante desse processo levou-as a se
assentarem nas áreas mais distantes do centro, em terrenos de
cotas baixas, alagáveis, próximas de cursos d’água.
Entre julho e novembro de 2017 foram feitas quatro incursões para
estudo de campo na comunidade do Rio Cajueiro em conjunto com
a equipe do LABCAM-FAU-UFPA. A metodologia aplicada para a
coleta de dados foi por meio de entrevistas semiestruturadas com os
moradores, feirantes, comerciantes e pescadores que vivem e/ou
| entre urbano e água |
26
trabalham no local. Para auxilio nas entrevistas foi usado um
desenho esquemático da área onde, foi sendo descrito as
características, os problemas e as necessidades da área de acordo
com as informações dos entrevistados. Durante as incursões
também foram feitos registros fotográficos na Av. 16 de novembro,
ponte e comunidade do Rio Cajueiro (Quadro 01).
Segundo informações coletadas dos moradores mais antigos
entrevistados, no início do processo de ocupação, as tipologias
habitacionais na comunidade eram casas de madeira que se
dispunham ao longo de trapiches e estivas nas áreas mais alagáveis
das margens do rio e que formam caminhos até o solo de terra
firme. Como a área é caracterizada como solo de várzea, a cota é
mais baixa e em períodos de cheia, tende a inundar quase todo o
terreno ocupado pela comunidade. Por isso os moradores
construíram suas casas em tipologias palafíticas acima do nível das
cheias, para tentar evitar as inundações dentro das casas (figuras
09, 10 e 11).
Ao longo do tempo os moradores substituíram algumas das estivas
principais de madeira que davam acesso as áreas mais afastadas,
pelas passarelas de concreto. Nas áreas de solo mais firme, há
também pavimentação cimentada ou de terra batida. De acordo com
os relatos dos moradores, os motivos que levaram a essas
Quadro 01: Quadro metodológico das incursões em campo
no Rio Cajueiro. Fonte: Elaborado pela autora
| entre urbano e água |
27
mudanças foi principalmente por problemas de saneamento e a
durabilidade do material empregado na infraestrutura do local.
É possível perceber que além da estrutura de acesso, as casas
também estão sendo modificadas por estruturas de alvenaria. Os
moradores indicaram que só puderam ter condições de realizar
essas modificações recorrendo ao Programa Cheque Moradia, do
Governo do Estado, a partir destes recursos as famílias de baixas
rendas contempladas, recebem subsídios financeiros do governo
para reforma ou construção de suas casas. No entanto, essas obras
geralmente são feitas sem nenhum apoio técnico especializado e
muitas das vezes a autoconstrução é a alternativa mais barata e
menos burocrática que prevalece dentro das limitações financeiras
dessas famílias.
Na comunidade, as tipologias de uso em sua maioria são unidades
habitacionais onde podem morar uma ou mais famílias. Também se
identifica tipologias de uso misto (residência + comércio) nas
proximidades da avenida 16 de Novembro. Nas margens do Rio
Cajueiro, as tipologias mistas são compostas por residências e
bares ou ateliês de pesca, divergindo das tipologias na Av. 16 de
Novembro, já que o rio funciona como uma via de acesso para os
pescadores (figura12).
Figura 09: Ocupação
do Rio Cajueiro em
solo de terra firme.
Fonte: LABCAM, 2017.
Figura 10: Ocupação
do Rio Cajueiro em
solo de semi-alagado.
Fonte: LABCAM, 2017.
Figura 11: Ocupação do
Rio Cajueiro em solo de
permanentemente
alagado. Fonte:
LABCAM, 2017.
| entre urbano e água |
28
A comunidade usa constantemente a várzea como estação de
trabalho para a armazenagem dos equipamentos e atracação dos
barcos. Por isso é na margens do rio que se situa os trapiches,
galpões de armazenagem e ateliês de pesca (figura12). Como não
havia um local específico pra eles atracarem os barcos, os
pescadores sentiram a necessidade de construir um entreposto
comunitário perto da ponte, já que pra acesso seria mais fácil para
descarregar a mercadoria.
Alguns pescadores relataram que recentemente um dos galpões nas
proximidades do rio cajueiro foi negociado e transformado em
entreposto privado no qual um grupo de pescadores trabalha para
uma rede de supermercados da RMB. Este fica ao lado oposto da
margem do rio (figura12).
Os moradores ressaltaram que o processo de assentamento da
comunidade nunca teve um acompanhamento ou intermediação de
fato do poder público. As áreas privadas se identificam como
demarcadas apenas pela edificação e somente nas áreas de terra
firme é que se pode identificar alguma forma de demarcação de
lotes com cercas de madeira ou até mesmo muretas de alvenaria.
Pela base cadastral de dados da CODEM (2012), é possível
identificar apenas os terrenos próximos a avenida como demarcados
(figura 12). No entanto, não há conhecimento de que esses terrenos
já estejam regularizados ou que a própria comunidade tenha algum
registro de assentamento.
O moradores também mencionaram que há indícios de ocupações
por apropriação de imóveis, já que na ilha há muitos imóveis vazios
e o poder público não regula os assentamentos na área. Outro
problema que ocorre é sobre a questão dos pontos comerciais, e
principalmente a feira do pescado do Cajueiro que se localiza às
margens da rodovia. A estrutura é pouco adequada para a sua
permanência e compromete tanto a segurança dos consumidores e
feirantes quanto o risco de contaminação dos produtos (figura 12).
Segundo relatos dos próprios feirantes que antes ficavam na própria
ponte do Cajueiro, foram relocados pela prefeitura para as margens
da rodovia. Como o espaço é limitado, outros feirantes que
chegaram posteriormente, ficaram na frente dos terrenos privados.
Esses feirantes negociam sua permanência muitas das vezes
através de aluguel ou escambo.
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29
Figura 12: Esquema de Uso do
Solo no entorno do Rio Cajueiro
Fonte: CODEM, 2002; LABCAM,
2017. (Adaptado pela autora)
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30
1.2. Um fractal do espaço periurbano na região
amazônica
O perfil da ocupação urbana e do espaço periurbano na Amazônia
se compôs por fatores históricos da região. Os aldeamentos se
assentaram estrategicamente próximos da população nativa a fim de
explorar o território. Depois de assentados, foram base para o
surgimento das urbes amazônicas que tinham entre si como meio de
conexão o transporte fluvial por conta do posicionamento dos
núcleos de povoamento às margens dos rios (CORRÊA, 2006;
BECKER, 2013). É nesse contexto que surge a figura do ribeirinho,
grupo humano que possui forte dependência com o rio, com as
atividades de exploração dos recursos naturais e que também
pratica a troca e comercialização destes produtos nas cidades. Eles
são os povos que mais transitam entre a cidade e a floresta.
As cidades na Amazônia foram se articulando naturalmente com as
florestas, permeados e rodeados pela água. O transporte fluvial e as
construções suspensas (figura 13) são elementos que foram
cruciais durante suas adaptações (PONTE; RODRIGUES; LIMA,
2016). As comunidades ribeirinhas remanescentes mostram bem
essa conexão com o meio natural e mesmo com a urbanização
massiva das cidades, ainda fazem parte da realidade local. Contudo,
com o crescimento das cidades e a pressão da urbanização, as
comunidades ribeirinhas estão cada vez mais próximas da realidade
urbana. Por consequência, eles estão incorporando o modo de vida
e também os
problemas das urbes
(figura 14).
Figura 13: Espaços
ribeirinhos na
comunidade do Rio
Cajueiro. Fonte:
LABCAM, 2017.
Figura 14: Espaços de
transição na
comunidade do Rio
Cajueiro. Fonte:
LABCAM, 2017.
| entre urbano e água |
31
Cardoso e Lima (2006) explicam que antes dessa mudança de
lógica, a relação entre o habitante e o espaço na Amazônia era
fortemente relacionado a uma prática de atividade econômica mais
autônoma na qual a relação com a natureza ainda podia ser
respeitada. Depois que esses processos foram alterados, essa
relação passou a ter um viés de produção massiva, numa tentativa
de inserção da própria força de trabalho dessas comunidades dentro
do capital, em detrimento de um convívio harmonioso com o meio
ambiente. O que de fato acontece com o processo de transformação
das comunidades que vivem e dependem do Rio Cajueiro.
Cardoso e Lima (2006) também citam que esse processo é parte
das políticas de desenvolvimento que foram aplicadas na própria
região Amazônica. A Amazônia era considerada como fronteira
econômica no discurso dos governos vigentes da época. Entretanto,
o espaço intra-urbano não era vinculado a essas políticas como um
suporte ao desenvolvimento local. A ação da gestão dos municípios
se resumia apenas na execução dos programas que seriam
impostos sem um olhar mais voltado as questões locais.
Acredita-se que essas novas estruturas adotadas geraram uma
“contraposição entre as novas formas de trabalho rural e urbano”
(HÉRBETTE, 1989. apud CARDOSO E LIMA, 2006 p. 62). Seguindo
essa lógica, pode-se dizer também que houve uma contraposição
nas formas de ocupação entre o espaço rural e urbano. A estrutura
das competências administrativas municipais eram fortemente
baseadas na lógica do espaço urbano das cidades. Mesmo quando
houve a mudança na Constituição em 1988e novas leis foram
deferidas, as políticas públicas municipais ainda eram fortemente
voltadas para esse tipo de espaço. Até os dias atuais, essas
políticas públicas não atendemtotalmente as necessidades das
demais populações locais (CARDOSO E LIMA, 2006).
Durante desenvolvimento competências territoriais, a instância
estadual se manteve como concessora das terras urbanas e
rurais,mesmo que pudesse ainda ter controle sobre os processos de
expansão urbana. Já a instância municipal se incubiu de assumir a
maior parte da provisão de infraestrutura tanto para as áreas
urbanas quanto para as áreas rurais do município. Houve também
pressão dos movimentos sociais por garantia aos serviços públicos
a partir dessa provisão de infraestrutura (CARDOSO E LIMA, 2006).
A exigência que esses benefícios pudessem chegar nos lugares que
estão à fronteira do perímetro urbano e que até então não eram
contemplados, se mostrou cada vez mais em evidência. Contudo, a
infraestrutura que chega no campo pode ser perniciosa, por não
reconhecer as demandas locais. É partir desse contexto que se
percebe o padrão de urbanização da cidade passando a influenciar
fortemente nas transformações do modo de vida fora da cidade, em
| entre urbano e água |
32
áreas rurais ou ainda em processo de urbanização (CARDOSO E
LIMA, 2006).
A partir dessa análise, percebe-se que a comunidade do Rio
Cajueiro é uma amostra das dinâmicas entre o urbano e o rural na
Amazônia. Mesmo próxima do perímetro urbano, possui um modo
de vida ainda atrelado as práticas tradicionais de comunidades
rurais. Ao se relacionar fortemente com o rio pela diversidade de
usos ainda atribuídos a ele e pela própria extração dos recursos
naturais existentes na área, o espaço natural ainda é importante
para a resistência da comunidade no local.
Por outro lado, não se pode negar que a comunidade é marcada por
essa proximidade com o urbano através da sua conexão com a
avenida e com a ponte do Rio Cajueiro, que inclusive é um elemento
de suma importância para a dinâmica da economia local. Também é
uma comunidade que está se adaptando a lógica do espaço
urbanizado, no entanto, com sérios problemas de infraestrutura
precária, péssimas condições de saneamento, problemas
ambientais e irregularidades nas atividades de renda das famílias do
local.
As pressões dos grupos sociais e a luta pela permanência e pelo
acesso a terra, têm conseguido a viabilizar regularização do uso e
ocupação do solo em várias comunidades na região amazônica por
meio de alguns programas governamentais promovidos pelos
orgãos federais, estaduais e municipais mesmo com muitos
desafios.
No entanto, enquanto os problemas que ocorrem no espaço
periurbano da Amazônia, seainda não forem tratadas sob a forma de
políticas públicas consistentes e específicas para esses conflitos na
região, essas comunidades continuarão sendo excluídas do
processo de planejamento dos municípios. Isto reforça e agrava as
condições de vida precárias não só nos municípios do interior do
estado mas também na própria capital, como se comprova com o
caso da Comunidade do Rio Cajueiro sendo um exemplo tão
próximo do que as diversas comunidades nos municípios da
Amazônia enfrentam.
| entre urbano e água |
33
Figura 15: Palafitas no Rio Cajueiro. Fonte: José C. Oliveira, 2014.
2. UMA ANÁLISE SOBRE AS ÁREAS DE APP E OS
INSTRUMENTOS LEGAIS DE REGULAÇÃO
URBANÍSTICA
2.1. Habitar nas margens dos cursos d’água no Brasil e
no Mundo
A formação das cidades no mundo sempre dependeu dos cursos
d’água para sua consolidação no território (GORSKI, 2010). Estes,
por muito tempo eram tidos como elementos que referenciavam o
espaço. Os rios eram, e ainda são vitais para o cultivo e produção
de alimentos, tráfego de pessoas e mercadorias, elementos de
integração do espaço público. Também são importantes para a
preservação do espaço natural nas cidades (esquema 02).
Durante a história do urbanismo, os cursos d’água, mesmo
assumindo grande importância para a configuração das cidades,
tiveram momentos em que ficaram a parte do processo de
transformação dos espaços urbanos (esquema 02). Tal
marginalização da paisagem natural, atingiu níveis tão críticos onde
a paisagem urbana ainda que fosse cortada pelos cursos d’agua,
estes eram tidos como enclaves que deveriam ser erradicados em
| entre urbano e água |
34
detrimento de interesses do capital em um novo modelo de
desenvolvimento no período da Revolução Industrial.
Benévolo (2001) relembra que o surgimento dos grandes projetos
sanitaristas estiveram diretamente associados os diversos
problemas que o período da Revolução Industrial (Esquema
02)provocou nas cidades da Europa e América, permeando entre os
séculos XIII e XIX. O crescimento desordenado da população nas
cidades, a carência de provisão de infraestrutura e saneamento pra
toda a cidade e as transformações massivas do uso do solo, afastou
a paisagem natural do espaço das cidadades. Somente no final do
século XIX e durante o século XX, surgem os grandes planos e
projetos percussores que de alguma forma buscaram reaproximar a
paisagem natural dos espaços públicos, com o foco mais para as
questões sanitaristas e de drenagem, do que para a forma como a
população se apropriava das margens dos rios e dos espaços
naturais.
Autor de um dos projetos mais emblemáticos como o Central Park e
um dos primeiros sistemas de parques e corredores verdes de
Buffalo, NY(figura 16 e 17); Olmsted atuou extensivamente no
planejamento paisagístico nos EUA. Olmsted foi um dos que tentou
resgatar essa relação entre a paisagem natural com o espaço
urbano dentro do planejamento, com ações de saneamento e
infraestrutura (GORSKI, 2010).
De fato, o entendimento da paisagem natural no meio urbano, à
priori era assumida apenas como um elemento físico a ser moldado
no espaço durante o processo de planejamento (McHarg, 1969). A
ideia de que o resgate da paisagem natural no espaço urbano
deveria considerar também os aspectos sociais, ecológicos e
econômicos (Lyle, 1985;1994), foi inserido posteriormente.
Figura 16: A relação entre cidade e natureza no mundo
como contexto o Delaware Park, projeto de Olmsted em
Nova York. Fonte: Stepout Buffalo, 2016.
| entre urbano e água |
35
Figura 17: Sistemas de parques e
corredores verdes em Buffalo,
Nova York. Fonte: Sergey
Semenov, 2012.
A preocupação com o desenvolvimento de metodologias de
planejamento no desenho da paisagem vinculados a ecologia e
sustentabilidade, motivou outros estudiosos a observarem e
proporem metodologias que desenvolvessem esses aspectos, na
tentativa de quebrar esse paradigma entre o Homem e o Meio
Ambiente (figura 16 e 17).
Natentativa de inserção dos componentes dapaisagem natural no
espaço urbano, outras correntes de pensamento se formaram na
busca por estratégias, ações, que a própria natureza seria a solução
dos problemas causados pelas ações do homem e que o homem
poderia ajudar a reconstituí-la. Spirn (1995) faz um apelo que na
medida em que as cidades se desenvolvessem, elas deveriam ser
conduzidas de forma a serem planejadas considerando o bioma em
que estão intrisecamente inseridas. No entanto, pelo descompasso
com que a relação entre o Homem e a Natureza e sempre foi
tratada, se não houver um real entendimento em como as
ocupações humanas estão ali inseridas, tentar articular esse desafio
poderá cair no mesmo erro.
No contexto brasileiro a água é sem dúvida um elemento marcante
na formação das cidades, no campo e nas ocupações de diversos
povos tradicionais. A maior parte das cidades brasileiras sempre
tiveram uma ligação forte com os rios e as costas marítimas, ainda
que ao longo do tempo, estes tenham perdido o protagonismo no
| entre urbano e água |
36
desenvolvimento das cidades. Gorski (2010, p.: 33) relembra que,
em algumas regiões brasileiras “as populações ribeirinhas tiveram e
ainda têm seu cotidiano associado ou abastecido pelos rios e
córregos”. Nesses casos a população tem um grau de dependência
ainda maior, considerando que suas atividades como a pesca
artesanal, o extrativismo, a mobilidade, as tarefas domésticas e a
recreação, estão todas ligadas em função do elemento água (figura
18).
No entanto, segundo Gorski (2010), mesmo que essa relação entre
o urbano e a água seja evidente, deixou de ser harmonioso de fato
após meados do século XX. Nesse contexto, o surgimento dos
grandes planos desenvolvimentistas conflitaram fortemente com o
modo de vida da sociedade local e com a formação natural dos
sítios. Passou-se então a considerar uma lógica extremamente
subversiva ao convívio da paisagem natural e dos espaços urbanos.
Faixas litorâneas foram esquecidas, rios foram ocupados,
modificados e muitos até deixaram de existir na paisagem em
detrimento dos projetos de infraestrutura e higienistas. A relação da
população com os espaços naturais se modifica completamente.
Na Amazônia, com a inserção econômica no cenário nacional, a
relação da espaço natural e dos assentamentos humanos ficaram
cada vez mais paradoxal. Onde anteriomente se viam populações
tradicionais que se relacionavam de forma harmoniosa com o bioma
da região, perde-se cada vez mais essa forma de olhar para o
espaço natural como elemento intríseco a formação das cidades na
região. À medida em que se aproxima do espaço urbanizado,
assimila-se a leitura de cidade que deve estar inserida a hegemonia
do mercado formal e ignora-se o modo de habitar das populações
locais que tem forte ligação com seus rios e florestas (PONTES;
CARDOSO; GOMES E BIBAS, 2014).
Figura 18: A relação entre cidade e natureza
do contexto brasileiro na comunidade de
Afuá-PA. Fonte: Frederico Lobo, 2013.
| entre urbano e água |
37
As populações que se situam na fronteira dessa lógica da cidade
formal são as mais afetadas por esses processos. Por ocuparem
sítios de difícil acesso e ambientalmente frágeis, as comunidades
tradicionais que tinham e ainda tem o domínio sustentável de uso e
ocupação do solo acabam sendo tão marginalizadas quanto as
comunidades informais que já estão inseridas em um espaço
plenamente urbanizado, mas que também não tem acesso aos
serviços básicos para uma boa qualidade de vida. E o rio, a
paisagem natural, que antes era visto como elemento vital no
espaço dessas comunidades tradicionais, também passa a ser
encarado pelos mesmos moradores como um problema diante de
um discursso pré-fixado do progresso em que eles tem sido
expostos (PONTES; CARDOSO; GOMES E BIBAS, 2014).
A dificuldade de articulação das políticas públicas urbanas e
ambientais em contornar tais questões, contribuem ainda mais para
a exclusão social dessas comunidades e a degradação de seus
espaços. O avanço da urbanização e a manutenção das práticas de
convívio que as comunidades tradicionais têm com o meio ambiente
deve-se ter um olhar especial voltado para suas questões de modo
que o planejamento possa agregar as características e saberes
tanto das próprias comunidades, quanto utilizar também os recursos
técnicos formais para o arranjo de possíveis soluções.
Natureza considerada
como elemento
selvagem, místico,
estando fora da
cidade.
O homem como
centro de tudo passa a
ter pleno domínio da
natureza, estando apto
a explorar e se
apropriar da mesma.
Formação das
primeiras cidades
próximas dos cursos
d’água para o cultivo da
agricultura e
deslocamento. Manejo
da natureza para
consolidação das
cidades.
(Aprox. 3500
a.C)
INÍCIO DAS
CIVILIZAÇÕES
CIDADE
MEDIEVAL
REVOLUÇÃO
INDUSTRIAL
Afastamento do
espaço natural nass
cidades. Cidade
mecanizada, funcional.
Natureza amplamente
explorada para
obtenção de lucro.
Esquema 02: Linha do tempo de como se
sucedeu a relação entre o homem com a
natureza. Fonte: Elaborado pela Autora.
(Aprox. 4000 a.C.)
PRÉ-HISTÓRIA
Homem e natureza
faziam parte de um
todo. Não se
observavam relações
de posse de terra ou
domínio da natureza
pelo ser humano.
CIDADE DO
RENASCIMENTO
A busca pela convivência
entre natureza e cidade.
Planos de melhoramento
tecnicistas. Natureza
congelada por
zoneamento e
interpretada como
espaço de contemplação
e preservação.
VIRADA
AMBIENTALISTA DIAS ATUAIS
Final Início
(Séc. XIX - Séc. XX)
O avanço das cidades
para o campo e a
extração desenfreada
dos recursos naturais
ascendem o debate
socioambiental.
| entre urbano e água |
38
2.2. A legislação e a gestão pública em face aos desafios
da questão fundiária no Brasil e na Amazônia
Os diversos problemas decorrentes da forma como o Estado aplica
leis no solo urbano-rural no Brasil acentua as consequências da
profunda desigualdade social existente no país. Ferreira (2003, p.:
01) cita tal fator como parte dos “desajustes históricos e estruturais”
que o Brasil sempre enfrentou. Os grupos de elite e dos agentes
públicos nas cidades brasileiras estão em certa medida interligados
pelos interesses capitalistas. Isto leva as cidades ao
desenvolvimento desajustado pela sobre posição de situações de
precarização e pelo modelo adotado de uma matriz que geralmente
não se compatibiliza com a realidade local.
Ainda dentro dessa concepção, as cidades brasileiras se
estabeleceram pautadas em um plano de desenvolvimento no qual
os vícios da sociedade colonial ainda eram presentes (Maricato,
1996; id., 2003). A forma com que as diferenças de renda e de
classe social; a aplicação iníqua da legislação aliado à disputa
fundiária na cidade e no campo que se sucederam, não garantiu
dignidade social e muito menos o acesso a terra para todos os
povos. Isto refletiu em uma realidade conflituosa, pautada nos
interesses de uma camada beneficiária da população eventualmente
apoiados pelos promotores de políticas públicas (Villaça, 2000).
Na contra mão do modelo vigente das cidades desiguais no Brasil, a
elaboração de ferramentas que viabilizam o acesso a terra, passam
a ser de grande importância para reverter tais processos. Entretanto,
é fundamental que o Estado ao aplicar as leis tenha consciência de
que há uma parcela da população inserida em espaços que fogem
da lógica dos padrões formais do capital as leis devem ser
adequadas para essas situações.
Mesmo que o art. 5°, inciso XXIII da Constituição Federal (1988),
estabeleça a função social da propriedade como direito e garantia
individual a todos, e que outros instrumentos legislativos tenham
surgido pela pressão para promover a reforma fundiária, esta é uma
questão que não se consegue resolver apenas pelo aparato legal.
Diante dos problemas históricos e sabendo que existem questões
que ainda são desafiadoras para Estado; se não há uma gestão que
promova políticas públicas com uma visão menos genérica e mais
sensibilizada para a compreensão da dinâmica regional dos
municípios, não há como se fazer cumprir o que se prevê na
Constituição Federal (MARICATO, 2003).
| entre urbano e água |
39
O papel da gestão do Estado nesse processo é fundamental para
regulamentar e prover o acesso a terra, principalmente para as
populações de baixa renda nos municípios. Na região Amazônica,
existe uma dificuldade de se aplicar as leis fundiárias e de proteção
ambiental por diversos motivos: forte pressão dos atores sociais na
disputa fundiária, pouca adequação da legislação diante da
dinâmica regional, o sistema de divisão fundiária ainda baseado em
uma lógica que pouco respeita e não compreende a relação dos
povos com a terra, certa negligência nas questões ambientais em
relação ao impacto da produção e transformação massiva do solo.
A legislação deve ser o instrumento que possa promover a
regularização fundiária para o assentamento das comunidades
urbanas e rurais dos municípios e também garantir a sua adequação
em ambiental (Quadro 02). A chave para se pensar em estratégias
no desenvolvimento deste processo de regularização, não se
viabilizará apenas pela parte técnica e aparato legal. O
entendimento sobre a própria dinâmica espacial dessas
comunidades, carrega grande escopo para um planejamento de
base endógena. O grande desafio é: contornar o aparato legal
burocrático para que esta outra forma de se pensar na garantia de
assentamento destas comunidades possam prevalecer.
Quadro 02: Quadro síntese
dos dispositivos legais. Fonte:
Elaborado pela Autora.
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40
2.4. APP Urbana: Por que ainda um grande desafio?
A discussão sobre áreas de preservação permanente em meio
urbano no Brasil ainda não é posta como assunto de grande
urgência. Tampouco é tratada em conjunto ao planejamento urbano
das cidades brasileiras. O debate sobre as transformações campo-
cidade também é recente. Da mesma forma, políticas públicas e os
dispositivos legais que se tem no Brasil sobre as questões
ambientais ainda são limitados e desarticulados diante do desafio
em face ao rápido processo de urbanização.
A conversão de áreas naturais ou rurais em terra urbanizada já é
uma realidade concreta no mundo inteiro. No Brasil e especialmente
na Amazônia, a questão da tensão fundiária, torna esse processo de
expansão urbana ainda mais voraz. As áreas fragilizadas
ambientalmente são as mais afetadas por este processo. O Código
Florestal Brasileiro (2012)1
é o texto legislativo que institui regras
sobre as áreas verdes e cursos d’água no território. O primeiro texto
referente ao assunto, surgiu em 1934, foi revogado em 1965 e em
2012, sendo o último, atualmente vigente.
A questão sobre Código Florestal acerca das áreas de preservação
permanente em meio urbano é que esta lei foi engendrada a partir
1
Lei Federal º 12.651 de 25 de maio de 2012
do conceito de proteção dos ecossistemas naturais numa
perspectiva excepcionalmente ambientalista (Gass et al., 2016).
Dentro da discussão da lei, pouco se considera que o processo de
ocupação do território é inerente sobre a forma da relação que o
homem tem com a natureza. A matriz do problema sobre a
legislação ambiental, limita a própria questão do uso do solo:
A proteção de que trata a lei foi estabelecida em
caráter de preservação, o que confere a estas
áreas restrições de uso mais severas do que o
regime de conservação previsto, por exemplo,
para as áreas de reserva legal, as quais preveem
possibilidade de “uso sustentável dos elementos
naturais” que abrigam (GASS et al., 2016).
Diante deste debate, os conceitos de preservação e conservação da
natureza estabelecidos dentro do direito ambiental brasileiro, e
explicados por Peters e Pires (2002), definem a preservação da
natureza sendo a proteção integral das características naturais do
meio e a conservação da natureza como a proteção por meio do uso
sustentável e racional desta.Isto implica em duas questões em
âmbito legal: a definição de Áreas de Preservação Permanente
(APPs) no seu sentido mais literal, ora sendo pautada num conceito
preservacionista, limita estritamente qualquer ação que interfira na
natureza destas áreas (COSTA, 2007).
| entre urbano e água |
41
Esquema 03: Mudanças nos limites
das APPs entre 1965 a 1989. Fonte:
Senado Federal, 2012.
Desde sua primeira formulação, o Código Florestal estabelece as
faixas de APP como uma das principais medidas proteção ambiental.
Na medida em que a lei foi sendo reformulada as faixas de APP
foram alteradas para fins de maior rigidez da preservação da
vegetação nativa e dos cursos d’água, principalmente no que
confere as propriedades rurais (esquema 03). As faixas à princípio,
estabeleciam a largura mínima de 5m para cursos d’agua com
largura de 10m e 100m para larguras acima de 200m. Até
reformulação mais recente, a largura mínima passou a ser de 30m
para cursos d’agua com até 10m de largura e 500m para as larguras
acima de 600m (SENADO, 2012).
No entanto, ao aplicar a legislação em áreas de hidrografia de médio
e grande porte como na região Amazônica, ocupações inteiras e
municípios se desenvolveram e consolidaram sobre porções
estabelecidas no dispositivos de proteção dessa lei (Sepe; Pereira;
Bellenzani, 2014). O dispositivo desconsidera todo um debate
acerca de comunidades tradicionais em áreas de transição urbana
ou de ocupações urbanas em áreas de risco com regras ainda
pouco flexíveis (PONTE; RODRIGUES; LIMA, 2016).
| entre urbano e água |
42
O Código Florestal não considera as particularidades das regiões e
as diversidades nas formas de uso e ocupação do solo. Da mesma
forma que trata as Áreas de Preservação Permanente em meio rural,
a regra ainda se aplica as APPs em solo urbano. A lei também
pouco prevê a articulação entre esses mesmos espaços, como se a
realidade do espaço urbano e o rural fossem dicotômicas e
dissociadas.
Na legislação francesa, dentro do seu próprio contexto e
diferentemente do Brasil, estabeleceu seu código ambiental com
uma outra lógica de conceituação. Em 2010, a França detinha
apenas 1,2% dos espaços naturais (Gass et al., 2016). Foi então
introduzida uma nova política de gestão do espaço ajustada com a
legislação ambiental que visasse proteger essas áreas
remanescentes e que pudesse buscar estratégias para recuperar os
ambientes interferidos pela ação humana, reinserindo os processos
naturais nesses ambientes (GASS et al., 2016).
Tal ferramenta legal inserida diante dessa problemática, surgiu em
2009 com o amplo debate Grenelle de L’environnement onde foi
apresentada a Trama Verde e Azul (TVA) ou Trame Vert et Bleue
(figuras 19 e 20), conceito que propõe o processo de recuperação e
Figura 19: Esquema do território e o potencial de
integração da sua biodiversidade. Fonte: Europe
Ecologie-Les Verts de Saint Orens, 2012.
Figura 20: Esquema da Trama Verde e Azul
aplicada no território. Fonte: Europe
Ecologie-Les Verts de Saint Orens, 2012.
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43
conservação de corredores ecológicos modificados no território
(França, 2010). As ações que seguem o conceito da TVA, são
voltadas para necessidade de se recuperar o bom estado do habitat
para as espécies, para vegetação e principalmente para os recursos
hídricos (GASS et al., 2016).
O conceito permite a implementação de várias ações desde as
setoriais até em escala macro integradas no território e está acima
das políticas públicas abrangendo o tema. Gass et al., (2016)
descreve que a proposta é incorporar o conceito em todas as
legislações que organizam a gestão do espaço e a sua
implementação coordenada por todas as áreas envolvidas nestas
ações, atuando de forma integrada, na transição do espaço urbano-
rural.
A discussão que é focada principalmente nos recursos hídricos na
França, se deve ao fato de que os corredores fluviais foram bastante
modificados ao longo da história, principalmente nas cidades, com a
ocupação das margens. Entretanto, na França é bem mais difícil de
encontrar áreas que não sofreram ações diretas do homem,
diferentemente do Brasil que ainda possui uma parte desses
recursos preservadas ou em processo de transição.
As Tramas Verde e Azul levam em consideração esses fatores.
Estabelece uma gestão onde se assume a ocupação humana já
consolidada, mas também procura resgatar as áreas naturais
fazendo conexões entre a paisagem urbana e a paisagem rural.
Busca garantir a proteção do espaço para os corredores biológicos,
mas ao mesmo tempo, objetiva não impedir o uso se socialmente
sustentável (GASS et al., 2016).
É nesse quesito que a conhecimento científico e técnico pode trazer
uma nova abordagem de atuação para os espaços verdes e as
diversas ocupações que permeiam entre cidade e campo (figura 21).
O conceito de infraestrutua verde integradas no planejamento e
Figura 21: Esquema de como a TVA seria usada na
integração dos múltiplos espaços. Fonte: Asociación de
Desenvolvemento Rural Mariñas-Betanzos, 2017.
| entre urbano e água |
44
gestão aparece como uma das possibilidades ecológicas de ação
nesses espaços, consolidando assim, um dos objetivos da Trama
Verde e Azul que é de integralidade sustentável do território e a
“recomposição dos diversos elementos que integram o mosaico da
paisagem” (BENINI, 2015. p.:42).
Mesmo com ações parecidas como essas sendo aplicadas no Brasil,
ainda há certas barreiras para tentar trazer esse debate de forma
mais ampla. A dificuldade de reconhecimento por lei das ocupações
humanas no território e a abordagem das leis, mesmo com as
brechas permitidas, ainda são restritivas e comumente se
sobrepõem (GASS et al., 2016).
Na tentativa de se consolidar os debates sobre a inserção de um
pensamento socioambiental na legislação brasileira, durante as
revisões do texto, no cap. II, sec. I, Artigo 8 no Código Florestal
Brasileiro (BRASIL, 2012), se insere a possibilidade de
excepcionalidade ao manejo das áreas de APP, mediante a uma
declaração de Utilidade Pública pelos órgãos estaduais e federais
ou se a área for comprovada como de interesse social ou de baixo
impacto ambiental permitindo assim, certa flexibilização do
instrumento legal (SENADO FEDERAL, 2012).
Além do Código Florestal, a legislação 11.977/2009 que dispõe
sobre o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), também traz
essa abordagem na tentativa de viabilizar a regularização fundiária
de interesse social em Áreas de Preservação Permanente tanto
em meio urbano quanto rural, considerando as características da
ocupação, do entorno e sua inserção para a definição dos
parâmetros urbanísticos e ambientais (BRASIL, 2009)
Todavia, de acordo com Costa (2007) o que se consta como casos
de excepcionalidade diante da regra deixa de ser excessão, pois se
considerar que o processo de ocupação do território sempre foi
conectado aos cursos d’água, esses casos ditos de utilidade pública
ou de interesse social seriam então a regra. Dito isso, Costa (2007)
ressalta que seria difícil ainda sustentar uma ideia de que “a
proteção destas áreas objetiva a preservação, mas sim, apenas a
sua conservação”.
É um grande desafio aplicar normativas que ainda seguem um
formato que pouco se articulam e priorizam integralmente a
paisagem natural onde somente depois incluiram a discussão
socioambiental na agenda. Sepe, Pereira e Bellenzani (2014),
acreditam que mesmo com as tentativas de adequação da lei, o
ideal seria a produção de uma nova legislação que pudesse inserir
de forma real o debate das APPs no espaço urbano e essa relação
em transição do rural-urbano. Porém, mesmo que tal proposição nas
atuais condições sejam ainda remotas, as discussões não deixam
de se fazer urgentes.
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45
2.5. Plano Diretor pra quem?
A inserção do debate socioambiental e da ideia de integração entre
os espaços devem ser inseridas como eixo transversal no
planejamento das diferentes escalas do território. Desde a macro até
a microescala, as políticas públicas e instrumentos à serem
aplicados precisam estar sempre alinhados a essas novas
perspectivas de planejamento do espaço. Na escala do múnicípio, o
Plano Diretor é a ferramenta fundamental para o nivelamento das
ações no território.
No Brasil, os Planos Diretores passam a ser obrigatórios para
ospara os municípios com mais de 20.000 habitantes a partir da
Constituição Federal de 1988. Após a criação do Estatuto das
Cidades em 2001, a obrigatoriedade da formulação e atualização
dos planos diretores se tornou ainda mais imprescindível para as
gestões públicas, vistos que estes possuem a autonomia efetiva das
decisões de planejamento dos municípios (BRASIL, 2001).
Um exemplo interessante que se tem no Brasil dessa tentativa de
articulação e que insere fortemente o debate socioambiental no
planejamento, consta na formulação do Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo
Horizonte (PDDI-RMBH). Numa escala metropolitana, procurou-se
articular eixos tranversais na estruturação do território para que os
zoneamentos dos municípios pudessem ser reestruturados a partir
desses grandes temas. A Trama Verde e Azul se insere nesse
debate como um dos grandes temas atuantes nesse processo.
A partir dessa forma de planejamento é que as políticas públicas
urbanas e ambientais, e os diferentes orgãos gestores atuam de
forma integrada para o desenvolvimento da metrópole. Os Planos
Diretores dos municípios que compõem a Região Metropolitana de
Belo Horizonte (RMBH) são desenhados para abranger a
multiplicidade de funções da TVA criando diretrizes no zoneamento,
que sejam capazes de integrar os diferentes espaços no território.
Além de otimizar o espaço urbano restringindo sua dispersão,
contribui para a conservação das áreas ambientais e assegura a
manutenção das áreas de produção rural (Agência RMBH, 2017).
No entanto, apesar de se terem experiências positivas na tentativa
de inserir o conceito de integralidade dos diferentes espaços, as
gestões públicas ainda encontram certa dificuldade de procurar
articular o debate sobre as transformações sociais, econômicas e
ambientais nas diferentes formas de ocupação no território. E nesse
conflito, o atual Plano Diretor Urbano de Belém é um dos que
possuem essa deficiência.
Elaborado em 1993 e revisado em 2008, o PDU se insere no
contexto em que Belém se caracteriza pelo adensamento e
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46
dispersão populacional visto nas últimas décadas; pelas diferenças
físicas nítidas no território; e pelos diversos tipos de assentamentos
urbanos, sendo em sua maioria precárias, com baixas condições de
infraestrutura, transporte e saneamento(SOUZA E SILVA, 2010).
A proposição da descentralização administrativa no município seria
uma das ferramentas que se forem articuladas com essas diretrizes
de planejamento integrado que a TVA propõe – como no caso do
PDDI da Região metropolitana de Belo Horizonte – poderia facilitar
na tomada de decisões para o desenvolvimento de planos de
intervenção local. Belém se expressa de forma diferenciada no
território e essas ferramentas citadas acima, poderiam auxiliar no
planejamento participativo e no entendimento dos problemas
específicos de cada área.
O PDU/93, dentro dessa lógica de descentralização administrativa,
chegou inclusive a prever um plano diretor para as ilhas de
Mosqueiro e Caratateua, os quais foram aprovados como leis,
visavam dispor sobre a organização do espaço urbano das ilhas,
entretanto, com a revisão do PDU Belém/2008 os planos diretores
de Belém e das Ilhas foram revogados, e o dispositivo legal que
Quadro 03: Quadro reduzido das zonas do Plano
Diretor Urbano de Belém que contemplam a localidade
do Rio Cajueiro em Mosqueiro. Fonte: PMB, 2008.
| entre urbano e água |
47
amparava em específico a situação das ilhas, foi suprimido,
passando a valer somente o plano atual e a Lei de Complementar
de Controle Urbanístico (LCCU).
De acordo com atual PDU de Belém (Quadro 03), a comunidade do
Rio Cajueiro se insere especificamente dentro da Macrozona e Zona
do Ambiente Urbano (ZAU II), e da Zona Especial de Interesse
Ambiental (ZEIA), setor B – Área de Interesse Ambiental
Arqueológico e Histórico (PMB, 2008). Entre as principais diretrizes
presentes na ZAU e na ZEIA que o estudo de caso se enquadraria,
o texto da lei visa a promoção de dispositivos para a regularização
fundiária, o estímulo a economia local, a garantia da permanência
das comunidades que já vivem em áreas de interesse ambiental, a
recuperação das áreas degradas e a preservação das áreas verdes
e cursos d’água.
Ainda assim, frágil nas estruturas legais de como essas diretrizes
seriam aplicadas, o PDU – Belém específica apenas o quadro de
parâmetros e modelos urbanísticos de acordo com as diretrizes da
ZAU, mas que pouco condiz com a realidade das ocupações nas
ilhas. Se restringe aos espaços de urbanização mais consolidada
como na Belém continental e não trata a ocupação das áreas
insulares do município nas suas especificidades (quadro 03). Na
ZEIA, propõe diretrizes de restrição quanto ao uso e ocupação de
áreas ambientais, porém pouco contempla uma realidade
socioambiental. Não especifica e tampouco pouco articula os
instrumentos que poderiam viabilizar a adequação de comunidades
como a comunidade do Rio Cajueiro em áreas de transição urbano-
rural.
Por fim, há a necessidade real de se repensar os Planos Diretores
para além do seu aspecto funcional. Os Planos Diretores devem
privilegiar as diversidades e buscar novas estratégias em conjunto
com a comunidade, para o desenvolvimento dos diferentes tipos de
ocupações no território, articulando-os de forma sustentável com
meio ambiente, sendo assim ações necessárias para a
democratização das cidades.
| entre urbano e água |
48
Figura 22: A vizinhança da comunidade do
Rio Cajueiro comumente possui laços
parentescos. Fonte: LABCAM, 2017.
4. DIAGNÓSTICO
4.1. As relações sociais entre a comunidade e a questão
ambiental do Rio Cajueiro
Um estudo feito por Silva (2015), sobre as relações sociais na
comunidade do Rio Cajueiro, demonstra que, a relação que se
sucedeu entre integrantes de duas famílias ou mais na comunidade
permitiu que os núcleos familiares criassem laços afetivos. Isso
influencia nas relações locais entre moradores e de certa maneira,
na forma do espaço onde habitam.
Silva (2015) também afirma que os parentescos são muito comuns
em comunidades tradicionais (figura 22). Para a autora, o valor dado
ao lugar onde habitam, tende a ser intrínseco a relação que se tem
entre eles, com seu espaço de vivência e com sua forma de
sustento. Essa relação da comunidade com a pesca e a tendência
de repassar a atividade para as gerações posteriores culminam na
permanência das famílias e o sentimento de pertencimento ao lugar.
| entre urbano e água |
49
Durante as entrevistas uma moradora do local contou que o
crescimento das famílias influenciou na forma como as casas foram
se distribuindo na área. A moradora disse que é bem difícil haver
algum tipo de demarcação de terrenos pois, na medida em que o
número de pessoas foi aumentando na comunidade e as famílias se
associaram, eles cederam áreas próximas das suas casas para
novos núcleos familiares construírem as suas próprias casas.
Assim, justifica-se o fato de a forma espacial da comunidade ser
orgânica e em certas áreas mais densas, as casas tendem a ser
menores e mais estreitas (figura 23). Pode-se observar também a
verticalização de algumas tipologias, mesmo nas áreas mais
alagadas. A moradora explica que não há mais espaço horizontal
para ampliação das casas, os moradores constroem mais um
pavimento para abrigar mais de uma família (figura 24).
Apesar do processo de ocupação em áreas de várzea ocorrer dessa
forma espontânea, a auto-construção quando esta se soma ao
avanço da urbanização, sem a participação de Estado para regular e
dar suporte técnico, se reflete em mudanças na paisagem local e no
surgimento de vários problemas ambientais e sanitários.
Figura 24: De acordo
com o aumento das
famílias os moradores
ampliam suas
moradias. Fonte:
LABCAM, 2017
Figura 23:
Confuguração espacial
nas áreas mais densas
no interior da
comunidade. Fonte:
LABCAM, 2017
| entre urbano e água |
50
Mesmo as atividades de pesca e a extração dos recursos naturais,
serem de suma importância para subexistência da comunidade,
foram praticadas de forma desenfreada. Tal fator resultou no quase
esgotamento dos peixes no Rio Cajueiro e influenciou inclusive na
mudança dos usos do rio (gráfico 03). Justificando esses fatores,
durante as entrevistas, uma das moradoras (informação verbal)² nos
contou que para aumentar a produção:
Muitos dos pescadores não procuram respeitar o
tempo de maturação do pescado durante a entre-
safra e interrompem o seu ciclo de reprodução,
isso fez com que diminuísse a quantidade e o
tamanho dos peixes. Por esse motivo, e também
por conta da poluição, o Rio Cajueiro não é mais
abundante como antigamente. Os pescadores
cada vez mais tiveram que ir pra lugares distantes
mesmo nos períodos de safra. Assim o rio se
transformou mais como rota dos pescadores para
as áreas onde a pesca ainda é abundante na
Baía do Guajará, Marajó e outros lugares
(informação verbal).
2
Quanto ao problema da poluição no rio, um estudo de campo feito
por Leão (2016), conta que os moradores reconhecem que o estado
de conservação do Rio Cajueiro não é atualmente bom por conta da
deposição de resíduos diretamente no rio (gráfico 04). O lixo e as
águas residuais, são despejadas, segundo os moradores,
diretamente no rio, nas canaletas de rua ou nos quintais das suas
2
Entrevista concedida pela moradora COSTA, Camilla. Entrevista I [Jul. 2017].
Entrevistador: Raquel Morais. Belém, 2017.
casas já que a maioria das residências não possuem a fossa
séptica. Há também a deposição de resíduos de pescado quando os
feirantes fazem a limpeza do produto. Além da falta de consciência
dos moradores e usuários da ilha que despejam o lixo nas praias,
nas ruas e rios. Esse lixo é levado pela maré e nos períodos de
Gráfico 04: Principais problemas
ambientais que os moradores
reportaram. Fonte: Pedro Leão,
2016. (Adaptado pela autora)
Gráfico 03: Tipos de uso do Rio
Cajueiro. Fonte: Pedro Leão,
2016. (Adaptado pela autora)
| entre urbano e água |
51
cheia o lixo retorna contaminando a várzea dos rios (Quadro 04).
Os moradores também relatam que a coleta de lixo acontece uma
vez por semana e reconheceram que as condições de mal
acondicionamento do lixo ainda são evidentes. Por não haver
limpeza pública regular, a presença de lixo na comunidade e na
ponte do Rio Cajueiro é bastante evidente. Estes fatores são um
grande entrave na questão da drenagem da bacia hidrográfica
(LEÃO, 2016).
O rio também enfrenta um sério problema de assoreamento das
margens. Como há trapiches, galpões e ateliers de pesca, os
barqueiros costumam a atracar junto a esses lugares, contribuindo
com o desmatamento da várzea do rio e consequentemente o seu
assoreamento. O acúmulo dos sedimentos e detritos no fundo do
rio, tende a alterar o volume do mesmo, o que facilita ainda mais os
alagamentos durante o período das cheias (Quadro 04).
Mesmo com o despejo de lixo, assoreamento e a crescente poluição
do Rio Cajueiro, os moradores ainda têm forte interação com o rio.
Além de ser usado como hidrovia dos pescadores, como porto, área
de pesca, o rio também é usado como uma opção de lazer. Os
moradores ainda o usam para banho, inclusive nas margens do rio,
Quadro 04: Principais questões ambientais
encontradas durante as visitas de campo no
entorno do Rio Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017
| entre urbano e água |
52
também há bares onde eles se reúnem nos finais de semana.
Contudo, alguns moradores também relataram que o banho como
recreação acontecia com mais frequência antes do rio ser poluído. O
receio de contrair doenças tem os afastado desse tipo de uso, mas
eles ainda reconhecem a importância que o rio tem no cotidiano da
comunidade.
O fornecimento de água também se configura como um problema.
Essa distribuição é feita pela COSANPA, Os moradores relataram
que a qualidade da água ainda é bastante insatisfatória. A rede de
distribuição e abastecimento é bastante precária e como está
“sujeita ao fluxo e refluxo das marés, potencializa o risco de sua
contaminação e de ocorrências de infecções relacionadas à água
imprópria para o consumo humano” (LEÃO, 2016. P.: 48-49).
A conexão e a idenficação da comunidade como moradores da
margem do Rio Cajueiro ainda é muito forte, mas o entendimento
que é preciso manter e preservar o rio ainda não é bem clara pros
moradores. Alguns possuem consciência de que seria preciso ter
programas de educação ambiental para conscientização da
importância do rio para o local, mas para isso seria preciso resgatar
o senso de comunidade.
Apesar de todos os problemas, a maioria dos moradores dizem
estar satisfeitos com o lugar onde vivem. Isso se deve a diversos
fatores: muitos relataram sobre a tranquilidade que eles tem no local
e a segurança que eles sentem na comunidade. Outros também
disseram que eles estando próximos a capital ainda conseguem ter
mais acesso a serviços públicos do que se morassem em regiões
mais afastadas.
Há também o fato de que a prática do pescado e demais produtos
extrativistas ainda é a grande fonte de renda das famílias. Para eles,
todos esses fatores ainda são suficientes para a permanência no
lugar. Realidade que ainda está relativamente fora dos padrões de
moradia impostos pelo mercado, porém próximo de uma área
minimamente urbanizada e ao mesmo tempo em um local que eles
ainda mantém essa conexão com a natureza, com suas atividades
de pesca e extração dos recursos naturais.
| entre urbano e água |
53
4.2. A importância das atividades econômicas ligadas ao
Rio Cajueiro
A localização da comunidade é estratégica e essencial para as
atividades econômicas no entorno do Rio Cajueiro. Segundo os
pescadores, o rio funciona como hidrovia e porto quando eles saem
para outras regiões e retornam trazendo as cargas da produção
para manejo e negociação. A Avenida 16 de Novembro também é
uma impotante via, pois é por onde parte dessa carga é escoada. A
carga abastece os pontos de venda que se situam às margens
dessa mesma avenida, abastece os mercados, as feiras da Ilha e
supermercados da Belém continental.
Durante um levantamento feito em 2006, na época a então
Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da
República (SEAP/PR), registrou que dos mais de 700 moradores da
comunidade, 450 trabalhavam com a atividade de pesca. Tal
atividade é o pilar principal da comunidade e tem grande visibilidade
na ilha de Mosqueiro, pois segundo Leão (2011), a maior parte do
pescado se concentra nessa região e detém sozinho cerca de de
mais de 60% da produção total de pescado da ilha,
Quadro 05: Produtos extrativistas comercializados
no Rio Cajueiro identificados durante a visita de
campo. Fonte: Elaborado pela autora, 2017
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54
configurando assim um importante entreposto pesqueiro no local
(Quadro 05).
A segunda atividade mais importante é o comércio tanto dos
produtos extrativistas na feira, como de produtos a varejo
revendidos nos pontos comerciais ao longo da avenida. Apesar do
pescado ser o produto mais forte na atividade econômica da
comunidade, não é o único produto de origem extrativista
comercializado na área. O açaí, camarão, frutas, ervas e temperos
são comercializados tanto por moradores da área como de
moradores vindos de outros bairros da ilha (Quadro 05).
Quanto a estrutura física dessas atividades, mesmo com grande
porte de captura do pescado, o modus operandi da atividade
extrativista no Rio Cajueiro enfrenta sérios problemas de
infraestrutura. Em relação ao desembarque, manejo do peixe, essas
estruturas não são adequadas às necessidades da comunidade
para a realização da atividade. Os pescadores manejam os produtos
nos ateliers de pesca, galpões e trapiches existentes ao longo do rio
(figuras 25, 26 e 27).
A pesca na Ilha de Mosqueiro acontece em sua grande maioria pela
prática essencialmente artesanal e depende da manutenção de
técnicas conhecidas pela população tradicional para a continuidade
de tal atividade nas comunidades locais. Leão ao fazer um estudo
Figura 25: porto
pesqueiro da
comunidade do Rio
Cajueiro. Fonte:
LABCAM, 2017.
Figura 26: Os
pescadores atracam
em pequenos
galpões ao longo do
rio. Fonte: LABCAM,
2017.
Figura 27: Atelier de
manejo do pescado.
Fonte: LABCAM, 2017.
| entre urbano e água |
55
sobre indicadores de parâmetros de sustentabilidade na pesca,
descreve que:
As áreas e o sistema de desembarque do
pescado em Mosqueiro são quase seculares,
colaborando com a atividade pesqueira artesanal
local. Porém, às deficientes infraestruturas
técnicas e legais nas áreas de desembarque,
somam-se a ausência de fiscalização sanitária
sobre o pescado desembarcado e comercializado
e a inexistência de contabilização estatística da
produção pelos órgãos competentes o que torna
o indicador econômico, impedidor da
sustentabilidade em parâmetros ideais. (LEAO,
2012. p.: 50)
É inegável que as comunidades ali assentadas, há décadas
praticam suas atividades. No entanto a ausência de uma
regulamentação adequada para que elas possam exercer o direito
de uso e ocupação do local de forma sustentável, acarreta na
precarização das atividades desses trabalhadores. A atividade da
pesca artesanal e a extração dos recursos naturais é um importante
meio que define o sustento de muitas comunidades tradicionais na
Amazônia. Portanto se faz extremamente necessária a promoção de
uma estrutura de apoio adequada a fim de garantir boas condições
de operacionalização de suas atividades.
Cotrim (2008) em um estudo sobre o perfil das atividades
econômicas das comunidades pesqueiras artesanais afirma que
como as demais atividades agrárias comunitárias, eles utilizam o
espaço que ocupam de forma coletiva, estabelecendo entre eles as
próprias regras que seguem em conjunto. Cotrim e Lavois (2008)
ainda explicam que os pescadores de comunidades tradicionais
geralmente comandam seus meios de produção por possuírem seus
próprios equipamentos. O processo de captura e manejo do
pescado ainda pode ser feito pelos mesmos pescadores. A força de
trabalho das famílias também pode estar dentro desse processo,
geralmente participando das atividades de manejo, conservação e
até a comercialização do pescado. Portanto caracterizando essas
comunidades como extrativistas artesanais de renda familiar.
De acordo com Leão (2011), em 1994 foi criada a Associação Livre
dos Pescadores Artesanais do Cajueiro (ALPAC), com o intuito de
fortalecer a atividade pesqueira na área, entretanto segundo os
relatos dos pescadores a associação se desfez depois de um tempo
por conta de alguns desentendimentos entre grupos dos mesmos.
Contudo a negociação informal entre grupos de pesqueiros ainda
permanece mesmo sem uma estrutura formal de organização
No caso do Cajueiro, pode-se dizer que esse processo de produção
é híbrido onde parte da produção ainda se configura como familiar e
a outra parte através da associação informal entre os atores que
podem ou não serem moradores do local. A produção extrativista
possui uma estrutura de atividades com funções definidas, mas não
| entre urbano e água |
56
necessariamente uma hierarquia entre elas. A dinâmica da atividade
gira no entorno de três atores principais que são:
Pescador/Extrativista: Capturam os produtos na área ou em
outros lugares (Marajó, Barcarena, Abaetetuba);
Balanceiro/Atravessador: Intermediam a negociação,
pesam os produtos e os selecionam para a distribuição;
Comerciante/Marreteiro/Feirante: Comercializam o
produto diretamente para o consumidor.
Os pescadores mais antigos da área possuem seus próprios
equipamentos e trabalham por conta própria, deixando a
distribuição somente para os atravessadores. Os balanceiros e
atravessadores, também são donos de embarcações e
equipamentos pesagem e captura. Quando os pescadores não
possuem seus próprios equipamentos de pesca ou embarcações
eles consignam com os balanceiros sendo descontado do preço do
volume de produção.
Quando os pescadores capturam os peixes, retornam e
desembarcam nos portos ou nos ateliers de pesca com o pescado.
Eles repassam os peixes para os balanceiros que pesam o produto
e o selecionam pro manejo e venda. Uma vez selecionado o
pescado, repassam para os carregadores que distribuem a
mercadoria de carro ou de barco para outras áreas da cidade.
Esses balanceiros/atravessadores selecionam os produtos,
negociam o preço com os pescadores e revendem para os
marreteiros por um valor mais alto. Os extrativistas explicaram que o
sistema funciona dessa forma, pois os atravessadores são os que
conhecem mais os pontos de distribuição e porque para muitos
deles é mais cômodo exercer apenas a atividade da extração,
devido a cansativa jornada de trabalho da função.
No entanto, durante as visitas de campo, pôde-se identificar novas
dinâmicas de produção que se diferenciam dessa estrutura
independente da atividade econômica no Rio Cajueiro. Segundo os
relatos dos moradores, alguns atravessadores negociaram terrenos
próximos ao rio para uma rede de supermercados que construiu um
entreposto privado. Os pescadores da área chegaram a fazer
negociações com essa rede privada, mas o mesmo oferece um valor
baixo ao volume de produção do pescado. Pelo prejuízo, alguns
deles preferiram seguir com a estrutura de produção independente.
O entreposto privado então busca mão-de-obra externa para
trabalhar na área e segundo os moradores, o movimento de
embarcações tem sido mais intenso e a dinâmica de produção tem
mudado por estes fatores (figuras 28 e 29).
| entre urbano e água |
57
Figura 28: Entreposto
privado que foi
identificado pelos
moradores no
Cajueiro. Fonte:
LABCAM, 2017.
Figura 29:
Embarcações
construídas pelos
trabalhadores do
entreposto privado.
Fonte: LABCAM, 2017.
Por conta do decréscimo da produção pesqueira nos últimos anos,
do crescimento da concorrência entre pescadores no local e dos
períodos de entre safra, os mesmos acabam por exercer outras
atividades durante as épocas em que o arrendamento com a pesca
não é suficiente para manter as famílias. Em uma análise
relacionada a lógica da estrutura familiar de comunidades agrárias e
tradicionais, Cotrim (2008), com base nos estudos de Schneider
(2003) e outros autores sobre o termo pluriatividade nas suas
diversas classificações, tenta explicar as múltiplas atividades que as
famílias agrícolas assumem dentro e fora de suas atividades
principais para fins de complementação da renda. Para tentar
entender o que acontece também nas comunidades pesqueiras:
(...), considerando a classificação proposta por
Schneider para pluriatividade em agricultores familiares,
poderíamos identificar alguns tipos de pluriatividade em
famílias pesqueiras. A grosso modo, a pluriatividade de
base agrária é uma noção que aplicável aos pescadores
que manufaturam e consertam redes para eles e outros,
ou mesmo aqueles que são mecânicos dos motores de
popa e barcos. A pluriatividade para-agrícola poderia
abarcar as famílias pescadoras que possuem pontos de
vendas ou pequenas peixarias em suas casas,
processando e vendendo seu produto diretamente ao
consumidor. E a pluriatividade informal explicaria aos
trabalhos temporários de pedreiro ou jardineiro que os
pescadores têm em certas épocas do ano. (COTRIM,
2008 apud SCHNEIDER, 2003 p.: 11).
Diante dessa instabilidade e das condições desvalorizadas do
trabalho, a necessidade das famílias extrativistas como a do Rio
| entre urbano e água |
58
Cajueiro de buscarem outras fontes de renda é uma realidade que
tende a acontecer nessas comunidades. No entanto, ainda que
essas famílias busquem outras atividades de complemento na renda
familiar, a pesca artesanal persiste como principal atividade.
Sem dúvida há um vínculo muito forte com a tradição da pesca. Esta
se apresenta no Rio Cajueiro não somente como atividade
econômica, mas também como identidade social. Há um repasse
desses conhecimentos empíricos de pai para filho. Por conta disso
que as atividades da população na comunidade em relação ao
trabalho, estudo e lazer, ainda é mais vinculada a ilha do que com a
capital. No entanto, é importante perceber que há também uma
motivação muito forte das próprias famílias de quererem conduzir
seus filhos a buscarem outras atividades que eles consideram mais
estáveis que o extrativismo. Por isso, os pais incentivam seus filhos
a buscarem melhores condições de renda fora do local para que
Figura 30: Skyline da feira do Pescado. Fonte: LABCAM, 2017.
Figura 31: Skyline da feira de hortaliças. Fonte: LABCAM, 2017.
| entre urbano e água |
59
eles não tenham que enfrentar as mesmas dificuldades de trabalho
que seus antecessores.
Geralmente, os filhos procuram o comércio ou as profissões de base
assalariadas no ramo da construção ou dos serviços domésticos
fora da comunidade, devido as suas baixas escolaridades. Alguns
moradores chegaram a dizer que trabalham como pedreiros,
mecânicos, domésticas entre outros postos de trabalho para garantir
a renda extra. Outros trabalham no comércio e na feira do próprio
Rio Cajueiro.
A situação em que se encontra a feira e o comércio no entorno do
Rio Cajueiro é outro problema que os moradores do local mais
questionam. Como também não houve a regularização da atividade,
os feirantes ocupam o linderio da avenida em estruturas
improvisadas onde comercializam o produto em condições de
higiene bastante precárias, expostos livremente nas margens da via
(Figura 30 e 31). Além de também comprometer a segurança e a
mobilidade na área, tanto para pedestres, veículos como para os
próprios feirantes.
Sem dúvida, entende-se que é de grande importância a
permanência da atividade comercial e da feira dos produtos
extrativistas. Essas atividades servem como apoio econômico para
muitos moradores tanto da comunidade quanto também de outros
locais que trazem seus produtos de outras hortas comunitárias e
vendem no local. Além de a feira do pescado ser um importante
ponto de consumo de peixe na ilha, a população local também só
reconhece a comunidade através pela visibilidade que a feira
proporciona. No entanto, é preciso que se promova a adequação,
regularização, incentivo e apoio das atividades locais e das
condições de trabalho para que os trabalhadores que atuam no local
possam ter mais dignidade ao exercer suas atividades.
MORAIS, R. O. Entre Urbano e Água. Um Plano de Intervenção para o entorno do Rio Cajueiro, Ilha de Mosqueiro, Belém Pará
MORAIS, R. O. Entre Urbano e Água. Um Plano de Intervenção para o entorno do Rio Cajueiro, Ilha de Mosqueiro, Belém Pará
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  • 1. 3
  • 2. Raquel Oliveira de Morais Trabalho de Conclusão de Curso Universidade Federal do Pará Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Belém – Pará Abril de 2018 Foto capa: Roberto Pereira, 2009.
  • 3. RAQUEL OLIVEIRA DE MORAIS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO ENTRE O URBANO E A ÁGUA: UMPLANO DE INTERVENÇÃO PARA O ENTORNO DO RIO CAJUEIRO NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM – PA. Belém – PA | 2018
  • 4. SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL DO PARÁ UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE TECNOLOGIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO RAQUEL OLIVEIRA DE MORAIS ENTRE O URBANO E A ÁGUA: UMPLANO DE INTERVENÇÃO PARA O ENTORNO DO RIO CAJUEIRO NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM – PA. Trabalho de Conclusão de Curso II apresentado à Universidade Federal do Pará, como requisito final para a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo, sob a orientação do PhD. José Júlio Ferreira Lima. Belém – PA | 2018
  • 5. RAQUEL OLIVEIRA DE MORAIS ENTRE O URBANO E A ÁGUA: UMPLANO DE INTERVENÇÃO PARA O ENTORNO DO RIO CAJUEIRO NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM – PA. Trabalho de Conclusão de Curso II apresentado à Universidade Federal do Pará, como requisito final para a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo, sob a orientação do PhD. José Júlio Ferreira Lima. Belém – PA | 2018 BANCA EXAMINADORA Profº PhD. José Júlio Ferreira Lima (FAU/UFPA) - Orientador Profª PhD. Ana Claúdia Duarte Cardoso (FAU/UFPA) – Avaliadora Profª MSc. Taynara do Vale Gomes (Arquitetura e Urbanismo/FACI) - Avaliadora
  • 6. A minha mãe, Profa. Marinete Oliveira. Que é a base do meu conhecimento e pensamento crítico
  • 7. “Cidades têm a capacidade de prover algo para cada um de seus habitantes, somente porque, e somente quando, são criadas para todos”. Jane Jacobs
  • 8. A Deus, obrigada pela oportunidade da vida e por sempre nos conduzir nas nossas missões. Todos esses anos me perguntei se eu estaria no caminho certo e hoje, percebo que sempre estais a nos auxiliar independente dos caminhos que escolhemos. Aos meus pais, Marinete e Raimundo Morais: vocês são o pilar da minha vida. Sem vossos conselhos, cuidados e esforços em me proporcionar uma boa educação, não teria me tornado o que sou. Ao José Júlio, te agradeço imensamente por embarcar comigo nessa jornada desafiadora. Sou imensamente honrada de ter sido sua aluna. Jamais esquecerei todas as nossas orientações, conselhos e conversas. Obrigada por ter me proporcionado literalmente em 2013, o meu primeiro vôo rumo ao conhecimento. À Emília Farias, filha de Mosqueiro, tia do coração que o meu eterno tio Cláudio pôs em nosso caminho. Ele não está mais aqui, mas tudo que tens feito por nós, eu tenho certeza de que ele está muito feliz. Aos amigos amados que a vida me deu: Martha, Sarine, Jéssica, Juliana, Anne, Natália, Luana, Daniele, Gian, Adriana, George, Hana e Juliane. O apoio, conselhos, os gestos mesmo que pequenos e momentos de desestresse esse ano com vocês pra mim foi muito importante. Obrigada por tudo sempre. Á Delly, grande amiga da FAU que me deu várias forças, inclusive nessa reta final do trabalho. Confia em ti mesma e tenha sempre o pensamento positivo que você vai longe. Aos amigos de faculdade, que de não amados só leva o nome do grupo: Kamila, Romário, Marília, Barbara, Larissa, Cristhian e Bia. Não foi fácil, mas a gente conseguiu! Aprendi muito com cada um de vocês. Desejo tudo de bom nas suas trajetórias profissionais. Tenho certeza que vocês serão brilhantes. À Comunidade do Rio Cajueiro que foram fundamentais na construção deste trabalho e que me acolheram com toda atenção. Para vocês eu dedico os mes sinceros agradecimentos. Lutem pelo bem de sua comunidade . À equipe do LABCAM, obrigada por sempre me acolherem, por tirarem todas as minhas dúvidas, pelos livros emprestados e por todo conhecimento repassado. Thales, Letícia e Rafaela, obrigada por me acompanharem nas visitas à comunidade e pelos conselhos dados durante a fase final deste trabalho. E por fim, Márcia Barros e Mara Coelho: as nossas amadas secretárias da FAU. Muito obrigada por toda a ajuda e por serem tão prestativas e generosas conosco. Vocês são exemplos de profissionais competentes, eficientes, honestas e simples que todos nós deveriamos ser. AGRADECIMENTOS
  • 9. Figuras: Figura 01: Comunidade do Rio Cajueiro. Figura 02: Rio Cajueiro. Figura 03: Bacia do Rio Cajueiro e bairros que compõem a mesma. Figura 04: Recorte e localização da Comunidade do Rio Cajueiro Figura 05: Antes da consolidação os bairros de Carananduba e São Francisco eram ligados por uma ponte em estrutura de ferro. Figura 06: Projeto de consolidação da Ponte Rio Cajueiro já em estrutura de concreto armado depois de 1976. Figura 07: Ponte do Rio Cajueiro atualmente. Figura 08: Empreendimentos imobiliários implantados Mosqueiro. Figura 09: Ocupação do Rio Cajueiro em solo de terra firme. Figura 10: Ocupaçao do Rio Cajueiro em solo semi-alagado Figura 11: Ocupação do Rio Cajueiro em solo permanentemente alagado Figura 12: Espaços ribeirinhos na comunidade do Rio Cajueiro. Figura 13: Espaços de transição na comunidade do Rio Cajueiro. Figra 14: Uso e ocupação do solo no entorno do Rio Cajueiro. Figura 15: Palafitas no Rio Cajueiro. Figura 16: A relação entre cidade e natureza no mundo como contexto o Delaware Park, projeto de Olmsted em Nova York. Figura 17: Sistemas de parques e corredores verdes em Buffalo, Nova York. Figura 18: A relação entre cidade e natureza do contexto brasileiro na comunidade de Afuá-PA. Figura 19: Exemplo do território e o potencial de integração da sua biodiversidade. Figura 20: Exemplo da Trama Verde e Azul aplicada no território. Figura 21: Exemplo como a TVA seria usada na integração dos múltiplos espaços. Figura 22: A vizinhança da comunidade do Rio Cajueiro comumente possui laços parentescos. Figura 23: Confuguração espacial nas áreas mais densas no interior da comunidade. Figura 24: De acordo com o aumento das famílias os moradores ampliam suas moradias. Figura 25: porto pesqueiro da comunidade do Rio Cajueiro. Figura 26: Os pescadores atracam em pequenos galpões ao longo do rio. Figura 27: Atelier de manejo do pescado. Figura 28: Entreposto privado que foi identificado pelos moradores no Rio Cajueiro. LISTA DE FIGURAS E ESQUEMAS
  • 10. Figura 29: Embarcações construídas pelos trabalhadores do entreposto privado Figura 30: Skyline da feira do Pescado. Figura 31: Skyline da feira de hortaliças. Figura 32: Varanda como elemento de transição entre o espaço público e o espaço rural. Figura 33: Diferentes formas de espacialidade na comunidade. Figura 34: A comunidade do Rio Cajueiro e a sua paisagem urbana. Figura 35: Mapa Setorização da área de intervenção. Figura 36: Mapa de novo acesso viário. Mapa 37: Recorte do desenho de consolidação das Vias Compartilhadas. Figura 38: Entrada da Comunidade do Rio Cajueiro. Figura 39: Ferfil Viário Rua da feira. Figura 40: Corte da feira e associação da Comunidade do Rio Cajueiro Figura41: Implantação da feira e da associação dos pescadores e comerciantes do Cajueiro. Figura 42: Plantas do setor de comércio varejo da Feira e Associação da Comunidade do Rio Cajueiro Figura 43: Plantas do setor de peixes e mariscos. Figura 44: Plantas do setor de frutas e hortaliças. Figura 45: Plantas do setor de venda de açaí. Figura 46: Plantas dos pavilhões da Associação da Comunidade do Rio Cajueiro. Figura 47: Vista tridimensional da implantação da Feira e Associação do Rio Cajueiro. Figura 48: Vista tridimensional da Feira e Associação e o percurso do Rio Cajueiro. Figura 49: Corte da orla do Cajueiro. Figura50: Implantação da Orla do Cajueiro. Figura 51: Plantas dos toaletes públicos e dos quiosqes da orla. Figura 52 Perfil Viário Ponte do Cajueiro. Figura 53: Perfil Viário Av. 16 de Novembro. Figura 54: Perfil Viário Rua da Orla Figura 55: Implantação do Porto Auxiliar. Figura 56: Corte do porto auxiliar Figura57: Implantação da praça interna na comunidade. Figura 58: Corte da praça interna na comunidade. Figura59: Implantação dos trapiches públicos. Figura 60: Corte dos trapiches públicos. Figura 61: Situação da regularização das edificações da quadra 01 na área de assentamento A. Figura 62: Mapa esquemático das áreas de remoção. Figura 63: Recorte esquemático da área de reassentamento A. Figura 64: Recorte esquemático da área de reassentamento B. Figura 65: Perfil Viário Local 01.
  • 11. Figura 66: Perfil Viário Local 02. Figura 67: Simulação dos parâmetros de ocupação no lote. Figura 68: Corte esquematico do processo de assoreamento dos rios. Figura 69: Corte esquemático dos tipos de solo na Amazônia Figrura 70: Pavimentação proposta para as calçadas. Figura 71: Sistema dos tipos de pavimentação. Figura 72: Detalhe do sistema de gabião na orla. Figura 73: Esquema do sistema de contenção por gabião. Figura 74: Uso do Gabião em encosta de rios. Figura 75: Esquema do sistema fossa Biodigestora. Figura 76: Adaptação do sistema de Biodigestão na comunidade da Ilha das Cinzas no Pará. Figura 77: Esquema da composição de um sistema BET. Figura 78: Exemplo de fossa no sistema BET. Esquemas: Esquema 01: Inserção da comunidade no processo de ocupação de Mosqueiro. Esquema 02: Linha do tempo de como se sucedeu a relação entre o homem com a natureza. Esquema 03: Mudanças nos limites das APPs entre 1965 a 1989
  • 12. Gráficos: Gráfico 01: Origem dos residentes no Cajueiro. Gráfico 02: Motivos de migração para o Rio Cajueiro Gráfico 03: Tipos de uso do Rio Cajueiro. Gráfico 04: Principais problemas ambientais que os moradores reportaram. Foto 05: Percentagem de edificações em área de remoção. Quadros: Quadro 01: Quadro metodológico das incursões em campo no Rio Cajueiro. Quadro 02: Quadro síntese dos dispositivos legais. Quadro 03: Quadro reduzido das zonas do Plano Diretor Urbano de Belém que contemplam o Cajueiro. Quadro 04: Principais questões ambientais encontradas durante as visitas de campo no entorno do Rio Cajueiro. Quadro 05: Produtos extrativistas comercializados no Rio Cajueiro identificados durante a visita de campo. Quadro 06: Diferentes tipologias habitacionais do Cajueiro. Quadro 07: Um comparativo das diferentes leituras do espaço de outras comunidades com a do Rio Cajueiro. Quadro 08: Quadro de diretrizes do plano. Quadro 09: Quadro de áreas Centro Armazenagem e Manutenção. Quadro 10: Quadro de áreas Centro de Apoio e Administração. Quadro 11: Quadro de parâmetros de ocupação nos novos lotes. Quadro 12: Quadro de espécimes de plantas nativas. Quadro 13: Quadro de espécies arbóreas. LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS
  • 13. ALPAC – Associação Livre dos Pescadores da Área do Cajueiro APP – Áreas de Preservação Permanente BET – Bacida de Evapotranspiração CODEM – Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente COSANPA – Companhia de Saneamento do Pará CIFOR – Centro Internacional de Investigação Florestal CFB – Código Florestal Brasileiro CF/88 – Constituição Federal de 1988 EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPA – Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia ISA – Instituto Socioambiental IMAZON – Instituto Homem e Meio Ambiente na Amazônia LCCU – Lei Complementar de Controle Urbanístico PDU BELÉM – Plano Diretor Urbano de Belém PDDI-RMBH – Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado Região Metropolitana de Belo Horizonte PMB – Prefeitura Municipal de Belém RMB – Região Metropolitana de Belém PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida SEAP/PR – Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República SEGEP – Secretaria Municipal de Coordenação Geral de Gestão e Planejamento SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAR – Serniço Nacional de Aprendizagem Rural TVA – Trama Verde e Azul MMA – Ministério do Meio ambiente MCidades – Ministério das Cidades MZAU – Macrozona do Ambiente Urbano ZAU II – Zona do Ambiente Urbano II ZEIA – Zonas Especiais de Interesse Ambiental LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
  • 14. INTRODUÇÃO......................................................................................................16 1. CONTEXTUALIZAÇÃO ............................................................................19 1.1. Entre Urbano e Água: o Rio Cajueiro e o processo de ocupação de suas margens............................................................................................ 19 1.2. Um fractal do espaço periurbano na região amazônica ............ 30 2. UMA ANÁLISE SOBRE AS ÁREAS DE APP E OS INSTRUMENTOS LEGAIS DE REGULAÇÃO URBANÍSTICA .....................................................33 2.1. Habitar nas margens dos cursos d’água no Brasil e no Mundo. 33 2.2. A legislação e a gestão pública em face aos desafios da questão fundiária no Brasil e na Amazônia ............................................................. 38 2.4. APP Urbana: Por que ainda um grande desafio? ........................ 40 2.5. Plano Diretor pra quem? ................................................................ 45 4. DIAGNÓSTICO ............................................................................................48 4.1. As relações sociais entre a comunidade e a questão ambiental do Rio Cajueiro ............................................................................................. 48 4.2. A importância das atividades econômicas ligadas ao Rio Cajueiro ......................................................................................................... 53 4.3. A comunidade do Rio Cajueiro e a sua relação com espaço ribeirinho na Amazônia............................................................................... 60 5. PROPOSIÇÕES PARA UM PLANO DE INTERVENÇÃO URBANO- AMBIENTAL ............................................................................................................66 5.1. Das disposições gerais do proposta de Intervenção....................66 5.2. Dos Eixos Conceituais......................................................................66 5.3. Das Diretrizes de Ação....................................................................67 5.3.1. Setor de Apoio Econômico............................................................. 69 5.3.2. Setor de Ocupação Residencial Densa ........................................... 69 5.3.3. Setor de Ocupação Residencial Esparsa ......................................... 70 5.3.4. Faixa de Área de Preservação Permanente..................................... 70 5.4. Dos Estudos Projetuais e Parâmetros de Intervenção ...............72 5.4.1. Acesso Viário e Conectividade ....................................................... 72 5.4.2. Espaços Públicos e Equipamentos Urbanos .................................... 75 5.4.3. Parâmetros de Remoções ............................................................... 92 5.4.4. Parâmetros de Ocupação................................................................ 97 5.4.5. Ações de Integração Ambiental ...................................................... 98 5.4.6. Sistemas de Infraestrutura Verde.................................................. 101 5.4.7. Recomendações para Adequação Sanitária................................... 103 CONCLUSÃO.......................................................................................................105 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................107 ANEXOS.................................................................................................................113 SUMÁRIO
  • 15. Figura 01: Comunidade do Rio Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017.
  • 16. | entre urbano e água | 16 INTRODUÇÃO O processo de ocupação na região Amazônica se consolidou diante das delimitações de seu território e a formação natural do seu sítio. Entende-se também que o modo de vida da população está direta ou indiretamente relacionado ao bioma marcante da região, incluindo os núcleos urbanos mais ou menos consolidados. O Amazônida vive cercado por água, e deste elemento, de alguma forma ele depende. A forma como o espaço é ocupado no território e o modo de vida da população que se encontra no espaço, influenciam nas transformações do solo urbano e também na paisagem natural. Na Amazônia, diversas formas de ocupações no espaço urbano e rural coexistem. Essas ocupações possuem suas próprias características que são traduzidas a partir de suas atividades econômicas, suas relações sociais, das particularidades do sítio e pelas relações de vínculo que as pessoas dessas oocupações criam com o lugar onde vivem. A ocupação humana em áreas periurbanas na Amazônia se caracteriza pela formação das comunidades ribeirinhas, tradicionais ou rurais, influenciadas pelas transformações do território. Essas comunidades são representativas de um processo cultural, social e histórico, intrínsecas as características da região. Em contrapartida, estas comunidades sofrem estigma pela forma de implantação dos assentamentos não se enquadrarem no padrão de urbanização hegemônicodo capital. E tão pouco o Estado consegue articular políticas públicas e leis que atendam às necessidades das mesmas. A negação ao direito de reconhecimento dessas comunidades em áreas periurbanas levam as mesmas a se afastarem cada vez mais do seu modo de vida tradicional rural e adotarem um estilo de vida mais urbano. Ou de alguma forma, elas também podem coexistir em ambas realidades. Porém estando ainda à fronteira do que se impõe como padrão de urbanização formal, estas comunidades se transformam e modificam seus espaços muitas das vezes de forma autônoma. É diante deste problema que essas comunidades, podem sofrer o processo de favelização quando lhes é negado pelo Estado, a assistência técnica necessária para auxiliar na transformação desses assentamentos. Quando Maricato (1996, p.:45) cita que “a exclusão é um todo”, ela explica que essa exclusão abrange todas as esferas. Tanto ambiental, quanto urbana, social, cultural e econômica. É a negação ao direito pleno à cidadania, a moradia e a qualidade de vida. É de grande relevância entender que toda e qualquer ação no território, impacta nas relações sociais e no modo de vida da população. Modifica a paisagem, o espaço e transforma as relações do homem com a terra. Quando se assume a postura de incapacidade para
  • 17. | entre urbano e água | 17 atender essas questões, posterga ainda mais a adoção de medidas que possam garantir a produção sustentável e a inclusão dessas comunidades que vivem marginalizadas. O Rio Cajueiro localizado na Ilha de Mosqueiro e a comunidade que habita no seu entorno, é uma amostra desses conflitos anteriormente expostos. Está situado na fronteira entre os bairros de Carananduba e São Francisco e faz parte da área urbana da ilha. Para as comunidades que ocupam as proximidades do rio, a área é um importante ponto de comercialização da pesca e de outros produtos extraídos da floresta, o que caracteriza a principal atividade econômica do local. Pela importância de suas atividades para a ilha e pela particularidade do local, a comunidade do Rio Cajueiro foi escolhida como recorte de pesquisa deste trabalho. O rio é cortado pela Ponte do Cajueiro e pela Av. 16 de Novembro, via que dá acesso ao eixo sul, região central da ilha. É nessa via que se concentra boa parte do fluxo de pessoas e mercadorias. A venda do pescado entre outros produtos acontece nesse mesmo local e é feita a céu aberto, sem condições adequadas para a comercialização e manejo. O Distrito de Mosqueiro, embora se constitua um distrito municipal, encontra-se distante 70 quilômetros do centro urbano de Belém (SEGEP, 2012), ali também há efeitos do processo de expansão urbana e especulação do capital imobiliário, mesmo que o meio rural e as práticas das comunidades tradicionais sejam ainda fortemente presentes na ilha. Diante da realidade descrita, este trabalho busca apresentar os seguintes problemas: I. O que se tem de aparato legal é suficiente para garantir a adequação socioambiental de comunidades em áreas de preservação permanente? II. Como garantir a continuidade das atividades nas comunidades tradicionais e a sua permanência, quando o processo de urbanização e o estágio de degradação ambiental tem pressionado transformação do espaço em que vivem? III. Que ações devem ser tomadas, a fim de mitigar o processo de degradação do Rio Cajueiro e controlar o uso e a ocupação do solo de forma sustentável? A metodologia deste trabalho consiste em um estudo de caso e a análise de dados preexistentes da área, visando entender a realidade do processo de ocupação nas margens do Rio Cajueiro no Distrito de Mosqueiro em Belém/Pará. A coleta dos dados para o estudo de caso foi feita por meio de incursões em campo realizadas entre os períodos de julho a novembro de 2017. Os recursos
  • 18. | entre urbano e água | 18 metodológicos utilizados durantes as incursões foram entrevistas semiestruturadas, registros fotográficos e a utilização de um mapa esquemático para a composição das características da área pelos moradores durante as entrevistas. As pessoas entrevistadas foram residentes e trabalhadores do local com idades entre 20 a 60 anos. Se propôs uma investigação qualitativa e a reflexão a partir da bibliografia de apoio para que seja realizada uma avaliação dos problemas existentes pelo viés crítico e observador. O trabalho se estruturou da seguinte forma: a primeira parte do trabalho apresenta o tema em questão a área estudada e sua contextualização. A segunda parte, propõe uma análise sobre as áreas de preservação permanente e os instrumentos legais de regulação urbanística e explica brevemente como se sucedeu o processo de ocupação das margens dos cursos d’água no Brasil e num contexto mundial. A terceira parte traz um diagnóstico e detalha os processos dinâmicos que caracterizam a área. Com base no levantamento previamente feito nos capítulos anteriores, na parte final será apresentado proposições para um plano de intervenção no entorno do Rio Cajueiro. A partir das diretrizes estabelecidas, este plano pretende sugerir ações de intervenção e recomendações que poderão minimizar alguns dos problemas pertinentes na área em relação infraestrutura de apoio a prática econômica local; acessibilidade e mobilidade; regulação urbanística; saneamento e qualidade ambiental.
  • 19. | entre urbano e água | 19 1. CONTEXTUALIZAÇÃO 1.1. Entre Urbano e Água: o Rio Cajueiro e o processo de ocupação de suas margens. O Cajueiro (figura 02) é um dos rios que compõe a rede hídrica da Ilha de Mosqueiro. Sua bacia é composta por outros afluentes, sendo o Rio Cajueiro o principal e o que nomeia bacia, que é formada por parte dos bairros de São Francisco, Carananduba e Bonfim (Figura 03). “Dentre as bacias hidrográficas de Belém, nove encontram-se na ilha de Mosqueiro, como a bacia do Rio Cajueiro que possui uma área de 21,61 Km² de drenagem com desembocadura na Baía do Guajará” (LUZ, et al. 2014, apud LEÃO, 2016, p: 28). Leão (2016, p.21), cita que “O Rio apresenta 33% de sua área com cota menor que 5m, além de baixa densidade”, portanto seu sítio é praticamente plano, baixo, alagável, e suscetível a constantes inundações. A bacia é predominantemente caracterizada por boa parte de sua cobertura vegetal ainda preservada, mas também conta com a presença de uma crescente área já urbanizada como nos bairros do Carananduba e São Francisco (Figura 03). De acordo com os dados do último censo (IBGE, 2010; SEGEP, 2012), o bairro de Carananduba apresenta uma área de 3,4824 km² Figura 02: Rio Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017.
  • 20. | entre urbano e água | 20 Figura03: Bacia do Rio Cajueiro e bairros que compõem a mesma. Fonte: CODEM, 2012 (Adaptado pelo autor). e sua população é estimada em torno de 5.5445 habitantes, o que constitui um dos bairros mais populosos da ilha. A bacia é formada boa parte por assentamentos informais e ocupações irregulares. No entorno das margens do rio situa-se a comunidade do Rio Cajueiro concentrada em sua maior parte no bairro do Carananduba. A principal atividade dos moradores é a extração de produtos naturais como peixe, o açaí e da comercialização destes, e de outros produtos. Portanto, o entreposto do Rio Cajueiro é conhecido como um dos principais pontos de desembarque e de venda na rota da pesca e na comercialização na ilha de Mosqueiro. Segundo Leão (2016), o rio tem relação direta com assentamentos do seu entorno, fazendo parte do cotidiano da vida dos moradores (figura 04). É nessa área onde ficam localizadas as comunidades dos pescadores, extrativistas, comerciantes e feirantes. Os comerciantes e feirantes se concentram nas margens da Av. 16 de Novembro próximo a ponte do Rio Cajueiro, pela visibilidade em relação ao fluxo de pessoas que circula na área. Já as famílias ribeirinhas de pescadores e extrativistas se concentram mais no interior da comunidade nas áreas de várzea do rio onde eles tem acesso direto com o mesmo. Os pescadores atracam seus barcos próximo a ponte por conta da proximidade com a feira e nos trapiches/ateliês de pesca ao longo do Rio Cajueiro. Os feirantes se organizam em estandes de madeira onde vendem seus produtos. E os demais comerciantes possuem pequenos pontos comerciais ao longo da avenida. Há
  • 21. | entre urbano e água | 21 Figura 04: Recorte e localização da Comunidade do Rio Cajueiro Fonte: Google Earth, 2017 (Adaptado pelo autor).
  • 22. | entre urbano e água | 22 também uma fábrica de gelo que dá suporte para os pescadores e comerciantes locais na manutenção de seus produtos frescos. Sobre o processo de caracterização da ocupação, é preciso entender um pouco sobre a formação histórica da Ilha Mosqueiro e dos processos que levaram a migração das famílias dos pesqueiros para o Rio Cajueiro. Mosqueiro é marcada por 4 períodos de ocupação (Esquema 01). A primeira com as aldeias missionárias controladas pelos jesuítas a pedido da Coroa Portuguesa no século XVII o que conferiu as primeiras ocupações na ilha ao nome de “Freguesias” e posteriormente de “Vilas” (CORRÊA, 2006). A segunda fase foi marcada pelo período do Ciclo da Borracha ao final do século XIX e início do século XX. Com a chegada de estrangeiros na região, a visita aos balneários da ilha se tornou mais frequente e assim, a demanda por uma infraestrutura mais consolidada na ilha trouxe transformações e o aumento populacional em Mosqueiro. Aqui a Vila de Mosqueiro passa a ser oficialmente um dos núcleos urbanos da Região Insular de Belém. (FURTADO E SILVA, 2006). Até a década de 60, Mosqueiro era considerado balneário das classes mais altas de Belém, tinha a infraestrutura consolidada até a praia do Chapéu-Virado que até então, os deslocamentos da Belém Continental para a Ilha eram feitos por rota fluvial que fora estabelecida no período da borracha. O sistema rodoviário só veio Ciclo da Borracha: Demanda por infraestrutura na região e balneário da populaçao belenense. Planos de Integração Nacional: construção de conexões rodoviárias. Aumento da população na ilha Formação das aldeias missionárias controladas pela Coroa Portuguesa. Freguesia – Vila SÉCULO XVII SÉC. XIX – SÉC. XX ANOS 60- 70 ANOS 70 - ATUAL Vetor de expansão urbana da capital. ILHADEMOSQUEIRO Comunidade Pesqueira do Rio Cajueiro Final Início Esquema 01: Inserção da comunidade no processo de ocupação de Mosqueiro. Fonte: Elaborado pela Autora. Vila – Núcleo Urbano Núcleo Urbano – Subúrbio
  • 23. | entre urbano e água | 23 a se consolidar já na terceira fase, com o período dos grandes planos de integração nacional no período da Ditadura Militar que influenciaram fortemente na configuração espacial da RMB a partir desse período (CARDOSO E LIMA, 2015). A PA-391 e a ponte Belém-Mosqueiro que conecta a ilha com a parte continental, foram feitas a partir da pressão de grupos sociais ligados a administração estadual, e por extensão as ideias rodoviaristas desses planos. Tal fator permitiu que a população da Belém continental tivesse maior acesso a ilha, sendo assim um dos motivos que provocou o maior fluxo de pessoas e o aumento populacional nas décadas seguintes. Foi a partir da década de 70 também que as conexões viárias e o processo de ocupação na ilha se estabeleceram e se intensificaram. A Avenida 16 de Novembro, ou Rodovia Beira-Mar, que é a principal via de acesso em direção ao bairro da Vila, centro de Mosqueiro foi consolidada também nesse período. Ela atravessa o Rio Cajueiro através da ponte de mesmo nome. Segundo, Meira Filho (1978) a ponte, hoje de concreto armado, foi construída no fim da década de 70 e substituiu uma antiga estrutura de ferro que existia anteriormente ligando os bairros de carananduba e São Francisco (figuras 05,06 e 07). A partiir da década de 70, houve o aumento da migração massiva da população de baixa renda, tornando atualmente a Ilha de Mosqueiro um dos balneários populares de Belém e da Região Metropolitana. Figura 05: Antes da consolidação os bairros de Carananduba e São Francisco eram ligados por uma ponte em estrutura de ferro. Fonte: Meira Filho, 1978. Figura 06: Projeto de consolidação da Ponte Rio Cajueiro já em estrutura de concreto armadodepois de 1976. Fonte: Meira Filho, 1978. Figura 07: Ponte Rio Cajueiro como se encontra atualmente. Fonte: Pedro Leão, 2011.
  • 24. | entre urbano e água | 24 O processo de expansão de Belém também levou Mosqueiro a se tornar subúrbio da capital e a ser um dos possíveis vetores de especulação imobiliária da RMB (Figura 08). A comunidade do Rio Cajueiro reside na região por volta de 40 a 50 anos, mas segundo relatos dos moradores a ocupação na comunidade somente se intensificou a partir da década de 70, após a construção da ponte do Cajueiro. A comunidade possui cerca de 700 habitantes e além dos habitantes nativos, é composta boa parte por famílias vindas do interior de Abaetetuba e Barcarena (gráfico 01), locais que possuem forte tradição com a pesca e com o cultivo extrativista (LEÃO, 2011; SILVA, 2015). As famílias que migraram para o Cajueiro foram se estabelecendo aos poucos, por conta do processo de ocupação que se sucedeu a partir da prática do pescado. É também uma das comunidades pesqueiras que mais tem se desenvolvido na ilha por conta da sua localização estratégica às margens do Rio Cajueiro, da ponte do Rio Cajueiro e da Avenida 16 de Novembro, via terreste de principal acesso da comunidade. Silva (2015) ao estudar o processo de formação da comunidade, ressalta que, muitos dos pescadores que migraram para região, Gráfico 01: Origem dos residentes no Cajueiro. Fonte: Isabelle Silva, 2015. (adaptado pela autora) Gráfico 02: Motivos da migração para o Cajueiro. Fonte: Isabelle Silva, 2015. (adaptado pela autora) Figura 08: Empreendimentos imobiliários implantados Mosqueiro. Fonte: Google Imagens, 2018.
  • 25. | entre urbano e água | 25 vieram em busca de melhores condições de trabalho e de acesso a serviços para suas respectivas famílias já que as condições de vida no interior estavam mais difíceis. Outro fator, consiste na necessidade dos pescadores de encontrar um local próximo a capital para o manejo e comercialização dos produtos que eles produzem, já que eles mesmos tinham que se deslocar de suas regiões para vender sua produção (gráfico 02). Para explicar em escalas gerais um pouco mais sobre a decorrência desse processo de migração que ocorre da população do interior para cidade – como no caso do Rio Cajueiro – no século XX, a estrutura da divisão social do trabalho sofreu profunda alteração em consequência das transformações na estrutura produtiva que vinham sido pautadas pelo capital. Singer (1973) afirma que a cidade passa a abranger parte dos serviços de consumo e produção na região e acaba também por concentrar grande parte das atividades econômicas inclusive a assimilar atividades que antes estavam concentradas nas áreas rurais. Diante disso, a migração dessas famílias para cidade, parte de uma deteorização das condições de vida no campo por fatores de estagnação que nos países subdesenvolvidos com um grande porte fundiário como o Brasil, esses fluxos migratórios se dirigem de áreas rurais mais antigas para as proximidades nos centros urbanos. Esses grupos, quando não se encaixam na economia urbana, reproduzem as atividades de subsistência do campo ou atuam em atividades autônomas informais. No entanto, mesmo que essas atividades se que se acham sendo reproduzidas na cidade não são totalmente integradas a economia urbana formal do capital (SINGER, 1974). Em um estudo sobre o processo de assentamento de famílias de origem rural em APPs em São Luís/ MA, Silva (2016), analisa que alguns dos motivos que resultam nesse processo de migração da população do interior para os grandes centros urbanos partiu da falta de assistência pública e baixa obtenção de renda nas regiões rurais. Isso resultou nas décadas de 70/80 a migração massiva do contigente populacional do interior para o centro urbano na esperança de ter acesso a melhores condições estruturais de assistência e serviços. Entretanto a condição de renda dessas famílias não era o suficiente para garantir o acesso a qualidade de vida nas cidades e o resultante desse processo levou-as a se assentarem nas áreas mais distantes do centro, em terrenos de cotas baixas, alagáveis, próximas de cursos d’água. Entre julho e novembro de 2017 foram feitas quatro incursões para estudo de campo na comunidade do Rio Cajueiro em conjunto com a equipe do LABCAM-FAU-UFPA. A metodologia aplicada para a coleta de dados foi por meio de entrevistas semiestruturadas com os moradores, feirantes, comerciantes e pescadores que vivem e/ou
  • 26. | entre urbano e água | 26 trabalham no local. Para auxilio nas entrevistas foi usado um desenho esquemático da área onde, foi sendo descrito as características, os problemas e as necessidades da área de acordo com as informações dos entrevistados. Durante as incursões também foram feitos registros fotográficos na Av. 16 de novembro, ponte e comunidade do Rio Cajueiro (Quadro 01). Segundo informações coletadas dos moradores mais antigos entrevistados, no início do processo de ocupação, as tipologias habitacionais na comunidade eram casas de madeira que se dispunham ao longo de trapiches e estivas nas áreas mais alagáveis das margens do rio e que formam caminhos até o solo de terra firme. Como a área é caracterizada como solo de várzea, a cota é mais baixa e em períodos de cheia, tende a inundar quase todo o terreno ocupado pela comunidade. Por isso os moradores construíram suas casas em tipologias palafíticas acima do nível das cheias, para tentar evitar as inundações dentro das casas (figuras 09, 10 e 11). Ao longo do tempo os moradores substituíram algumas das estivas principais de madeira que davam acesso as áreas mais afastadas, pelas passarelas de concreto. Nas áreas de solo mais firme, há também pavimentação cimentada ou de terra batida. De acordo com os relatos dos moradores, os motivos que levaram a essas Quadro 01: Quadro metodológico das incursões em campo no Rio Cajueiro. Fonte: Elaborado pela autora
  • 27. | entre urbano e água | 27 mudanças foi principalmente por problemas de saneamento e a durabilidade do material empregado na infraestrutura do local. É possível perceber que além da estrutura de acesso, as casas também estão sendo modificadas por estruturas de alvenaria. Os moradores indicaram que só puderam ter condições de realizar essas modificações recorrendo ao Programa Cheque Moradia, do Governo do Estado, a partir destes recursos as famílias de baixas rendas contempladas, recebem subsídios financeiros do governo para reforma ou construção de suas casas. No entanto, essas obras geralmente são feitas sem nenhum apoio técnico especializado e muitas das vezes a autoconstrução é a alternativa mais barata e menos burocrática que prevalece dentro das limitações financeiras dessas famílias. Na comunidade, as tipologias de uso em sua maioria são unidades habitacionais onde podem morar uma ou mais famílias. Também se identifica tipologias de uso misto (residência + comércio) nas proximidades da avenida 16 de Novembro. Nas margens do Rio Cajueiro, as tipologias mistas são compostas por residências e bares ou ateliês de pesca, divergindo das tipologias na Av. 16 de Novembro, já que o rio funciona como uma via de acesso para os pescadores (figura12). Figura 09: Ocupação do Rio Cajueiro em solo de terra firme. Fonte: LABCAM, 2017. Figura 10: Ocupação do Rio Cajueiro em solo de semi-alagado. Fonte: LABCAM, 2017. Figura 11: Ocupação do Rio Cajueiro em solo de permanentemente alagado. Fonte: LABCAM, 2017.
  • 28. | entre urbano e água | 28 A comunidade usa constantemente a várzea como estação de trabalho para a armazenagem dos equipamentos e atracação dos barcos. Por isso é na margens do rio que se situa os trapiches, galpões de armazenagem e ateliês de pesca (figura12). Como não havia um local específico pra eles atracarem os barcos, os pescadores sentiram a necessidade de construir um entreposto comunitário perto da ponte, já que pra acesso seria mais fácil para descarregar a mercadoria. Alguns pescadores relataram que recentemente um dos galpões nas proximidades do rio cajueiro foi negociado e transformado em entreposto privado no qual um grupo de pescadores trabalha para uma rede de supermercados da RMB. Este fica ao lado oposto da margem do rio (figura12). Os moradores ressaltaram que o processo de assentamento da comunidade nunca teve um acompanhamento ou intermediação de fato do poder público. As áreas privadas se identificam como demarcadas apenas pela edificação e somente nas áreas de terra firme é que se pode identificar alguma forma de demarcação de lotes com cercas de madeira ou até mesmo muretas de alvenaria. Pela base cadastral de dados da CODEM (2012), é possível identificar apenas os terrenos próximos a avenida como demarcados (figura 12). No entanto, não há conhecimento de que esses terrenos já estejam regularizados ou que a própria comunidade tenha algum registro de assentamento. O moradores também mencionaram que há indícios de ocupações por apropriação de imóveis, já que na ilha há muitos imóveis vazios e o poder público não regula os assentamentos na área. Outro problema que ocorre é sobre a questão dos pontos comerciais, e principalmente a feira do pescado do Cajueiro que se localiza às margens da rodovia. A estrutura é pouco adequada para a sua permanência e compromete tanto a segurança dos consumidores e feirantes quanto o risco de contaminação dos produtos (figura 12). Segundo relatos dos próprios feirantes que antes ficavam na própria ponte do Cajueiro, foram relocados pela prefeitura para as margens da rodovia. Como o espaço é limitado, outros feirantes que chegaram posteriormente, ficaram na frente dos terrenos privados. Esses feirantes negociam sua permanência muitas das vezes através de aluguel ou escambo.
  • 29. | entre urbano e água | 29 Figura 12: Esquema de Uso do Solo no entorno do Rio Cajueiro Fonte: CODEM, 2002; LABCAM, 2017. (Adaptado pela autora)
  • 30. | entre urbano e água | 30 1.2. Um fractal do espaço periurbano na região amazônica O perfil da ocupação urbana e do espaço periurbano na Amazônia se compôs por fatores históricos da região. Os aldeamentos se assentaram estrategicamente próximos da população nativa a fim de explorar o território. Depois de assentados, foram base para o surgimento das urbes amazônicas que tinham entre si como meio de conexão o transporte fluvial por conta do posicionamento dos núcleos de povoamento às margens dos rios (CORRÊA, 2006; BECKER, 2013). É nesse contexto que surge a figura do ribeirinho, grupo humano que possui forte dependência com o rio, com as atividades de exploração dos recursos naturais e que também pratica a troca e comercialização destes produtos nas cidades. Eles são os povos que mais transitam entre a cidade e a floresta. As cidades na Amazônia foram se articulando naturalmente com as florestas, permeados e rodeados pela água. O transporte fluvial e as construções suspensas (figura 13) são elementos que foram cruciais durante suas adaptações (PONTE; RODRIGUES; LIMA, 2016). As comunidades ribeirinhas remanescentes mostram bem essa conexão com o meio natural e mesmo com a urbanização massiva das cidades, ainda fazem parte da realidade local. Contudo, com o crescimento das cidades e a pressão da urbanização, as comunidades ribeirinhas estão cada vez mais próximas da realidade urbana. Por consequência, eles estão incorporando o modo de vida e também os problemas das urbes (figura 14). Figura 13: Espaços ribeirinhos na comunidade do Rio Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017. Figura 14: Espaços de transição na comunidade do Rio Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017.
  • 31. | entre urbano e água | 31 Cardoso e Lima (2006) explicam que antes dessa mudança de lógica, a relação entre o habitante e o espaço na Amazônia era fortemente relacionado a uma prática de atividade econômica mais autônoma na qual a relação com a natureza ainda podia ser respeitada. Depois que esses processos foram alterados, essa relação passou a ter um viés de produção massiva, numa tentativa de inserção da própria força de trabalho dessas comunidades dentro do capital, em detrimento de um convívio harmonioso com o meio ambiente. O que de fato acontece com o processo de transformação das comunidades que vivem e dependem do Rio Cajueiro. Cardoso e Lima (2006) também citam que esse processo é parte das políticas de desenvolvimento que foram aplicadas na própria região Amazônica. A Amazônia era considerada como fronteira econômica no discurso dos governos vigentes da época. Entretanto, o espaço intra-urbano não era vinculado a essas políticas como um suporte ao desenvolvimento local. A ação da gestão dos municípios se resumia apenas na execução dos programas que seriam impostos sem um olhar mais voltado as questões locais. Acredita-se que essas novas estruturas adotadas geraram uma “contraposição entre as novas formas de trabalho rural e urbano” (HÉRBETTE, 1989. apud CARDOSO E LIMA, 2006 p. 62). Seguindo essa lógica, pode-se dizer também que houve uma contraposição nas formas de ocupação entre o espaço rural e urbano. A estrutura das competências administrativas municipais eram fortemente baseadas na lógica do espaço urbano das cidades. Mesmo quando houve a mudança na Constituição em 1988e novas leis foram deferidas, as políticas públicas municipais ainda eram fortemente voltadas para esse tipo de espaço. Até os dias atuais, essas políticas públicas não atendemtotalmente as necessidades das demais populações locais (CARDOSO E LIMA, 2006). Durante desenvolvimento competências territoriais, a instância estadual se manteve como concessora das terras urbanas e rurais,mesmo que pudesse ainda ter controle sobre os processos de expansão urbana. Já a instância municipal se incubiu de assumir a maior parte da provisão de infraestrutura tanto para as áreas urbanas quanto para as áreas rurais do município. Houve também pressão dos movimentos sociais por garantia aos serviços públicos a partir dessa provisão de infraestrutura (CARDOSO E LIMA, 2006). A exigência que esses benefícios pudessem chegar nos lugares que estão à fronteira do perímetro urbano e que até então não eram contemplados, se mostrou cada vez mais em evidência. Contudo, a infraestrutura que chega no campo pode ser perniciosa, por não reconhecer as demandas locais. É partir desse contexto que se percebe o padrão de urbanização da cidade passando a influenciar fortemente nas transformações do modo de vida fora da cidade, em
  • 32. | entre urbano e água | 32 áreas rurais ou ainda em processo de urbanização (CARDOSO E LIMA, 2006). A partir dessa análise, percebe-se que a comunidade do Rio Cajueiro é uma amostra das dinâmicas entre o urbano e o rural na Amazônia. Mesmo próxima do perímetro urbano, possui um modo de vida ainda atrelado as práticas tradicionais de comunidades rurais. Ao se relacionar fortemente com o rio pela diversidade de usos ainda atribuídos a ele e pela própria extração dos recursos naturais existentes na área, o espaço natural ainda é importante para a resistência da comunidade no local. Por outro lado, não se pode negar que a comunidade é marcada por essa proximidade com o urbano através da sua conexão com a avenida e com a ponte do Rio Cajueiro, que inclusive é um elemento de suma importância para a dinâmica da economia local. Também é uma comunidade que está se adaptando a lógica do espaço urbanizado, no entanto, com sérios problemas de infraestrutura precária, péssimas condições de saneamento, problemas ambientais e irregularidades nas atividades de renda das famílias do local. As pressões dos grupos sociais e a luta pela permanência e pelo acesso a terra, têm conseguido a viabilizar regularização do uso e ocupação do solo em várias comunidades na região amazônica por meio de alguns programas governamentais promovidos pelos orgãos federais, estaduais e municipais mesmo com muitos desafios. No entanto, enquanto os problemas que ocorrem no espaço periurbano da Amazônia, seainda não forem tratadas sob a forma de políticas públicas consistentes e específicas para esses conflitos na região, essas comunidades continuarão sendo excluídas do processo de planejamento dos municípios. Isto reforça e agrava as condições de vida precárias não só nos municípios do interior do estado mas também na própria capital, como se comprova com o caso da Comunidade do Rio Cajueiro sendo um exemplo tão próximo do que as diversas comunidades nos municípios da Amazônia enfrentam.
  • 33. | entre urbano e água | 33 Figura 15: Palafitas no Rio Cajueiro. Fonte: José C. Oliveira, 2014. 2. UMA ANÁLISE SOBRE AS ÁREAS DE APP E OS INSTRUMENTOS LEGAIS DE REGULAÇÃO URBANÍSTICA 2.1. Habitar nas margens dos cursos d’água no Brasil e no Mundo A formação das cidades no mundo sempre dependeu dos cursos d’água para sua consolidação no território (GORSKI, 2010). Estes, por muito tempo eram tidos como elementos que referenciavam o espaço. Os rios eram, e ainda são vitais para o cultivo e produção de alimentos, tráfego de pessoas e mercadorias, elementos de integração do espaço público. Também são importantes para a preservação do espaço natural nas cidades (esquema 02). Durante a história do urbanismo, os cursos d’água, mesmo assumindo grande importância para a configuração das cidades, tiveram momentos em que ficaram a parte do processo de transformação dos espaços urbanos (esquema 02). Tal marginalização da paisagem natural, atingiu níveis tão críticos onde a paisagem urbana ainda que fosse cortada pelos cursos d’agua, estes eram tidos como enclaves que deveriam ser erradicados em
  • 34. | entre urbano e água | 34 detrimento de interesses do capital em um novo modelo de desenvolvimento no período da Revolução Industrial. Benévolo (2001) relembra que o surgimento dos grandes projetos sanitaristas estiveram diretamente associados os diversos problemas que o período da Revolução Industrial (Esquema 02)provocou nas cidades da Europa e América, permeando entre os séculos XIII e XIX. O crescimento desordenado da população nas cidades, a carência de provisão de infraestrutura e saneamento pra toda a cidade e as transformações massivas do uso do solo, afastou a paisagem natural do espaço das cidadades. Somente no final do século XIX e durante o século XX, surgem os grandes planos e projetos percussores que de alguma forma buscaram reaproximar a paisagem natural dos espaços públicos, com o foco mais para as questões sanitaristas e de drenagem, do que para a forma como a população se apropriava das margens dos rios e dos espaços naturais. Autor de um dos projetos mais emblemáticos como o Central Park e um dos primeiros sistemas de parques e corredores verdes de Buffalo, NY(figura 16 e 17); Olmsted atuou extensivamente no planejamento paisagístico nos EUA. Olmsted foi um dos que tentou resgatar essa relação entre a paisagem natural com o espaço urbano dentro do planejamento, com ações de saneamento e infraestrutura (GORSKI, 2010). De fato, o entendimento da paisagem natural no meio urbano, à priori era assumida apenas como um elemento físico a ser moldado no espaço durante o processo de planejamento (McHarg, 1969). A ideia de que o resgate da paisagem natural no espaço urbano deveria considerar também os aspectos sociais, ecológicos e econômicos (Lyle, 1985;1994), foi inserido posteriormente. Figura 16: A relação entre cidade e natureza no mundo como contexto o Delaware Park, projeto de Olmsted em Nova York. Fonte: Stepout Buffalo, 2016.
  • 35. | entre urbano e água | 35 Figura 17: Sistemas de parques e corredores verdes em Buffalo, Nova York. Fonte: Sergey Semenov, 2012. A preocupação com o desenvolvimento de metodologias de planejamento no desenho da paisagem vinculados a ecologia e sustentabilidade, motivou outros estudiosos a observarem e proporem metodologias que desenvolvessem esses aspectos, na tentativa de quebrar esse paradigma entre o Homem e o Meio Ambiente (figura 16 e 17). Natentativa de inserção dos componentes dapaisagem natural no espaço urbano, outras correntes de pensamento se formaram na busca por estratégias, ações, que a própria natureza seria a solução dos problemas causados pelas ações do homem e que o homem poderia ajudar a reconstituí-la. Spirn (1995) faz um apelo que na medida em que as cidades se desenvolvessem, elas deveriam ser conduzidas de forma a serem planejadas considerando o bioma em que estão intrisecamente inseridas. No entanto, pelo descompasso com que a relação entre o Homem e a Natureza e sempre foi tratada, se não houver um real entendimento em como as ocupações humanas estão ali inseridas, tentar articular esse desafio poderá cair no mesmo erro. No contexto brasileiro a água é sem dúvida um elemento marcante na formação das cidades, no campo e nas ocupações de diversos povos tradicionais. A maior parte das cidades brasileiras sempre tiveram uma ligação forte com os rios e as costas marítimas, ainda que ao longo do tempo, estes tenham perdido o protagonismo no
  • 36. | entre urbano e água | 36 desenvolvimento das cidades. Gorski (2010, p.: 33) relembra que, em algumas regiões brasileiras “as populações ribeirinhas tiveram e ainda têm seu cotidiano associado ou abastecido pelos rios e córregos”. Nesses casos a população tem um grau de dependência ainda maior, considerando que suas atividades como a pesca artesanal, o extrativismo, a mobilidade, as tarefas domésticas e a recreação, estão todas ligadas em função do elemento água (figura 18). No entanto, segundo Gorski (2010), mesmo que essa relação entre o urbano e a água seja evidente, deixou de ser harmonioso de fato após meados do século XX. Nesse contexto, o surgimento dos grandes planos desenvolvimentistas conflitaram fortemente com o modo de vida da sociedade local e com a formação natural dos sítios. Passou-se então a considerar uma lógica extremamente subversiva ao convívio da paisagem natural e dos espaços urbanos. Faixas litorâneas foram esquecidas, rios foram ocupados, modificados e muitos até deixaram de existir na paisagem em detrimento dos projetos de infraestrutura e higienistas. A relação da população com os espaços naturais se modifica completamente. Na Amazônia, com a inserção econômica no cenário nacional, a relação da espaço natural e dos assentamentos humanos ficaram cada vez mais paradoxal. Onde anteriomente se viam populações tradicionais que se relacionavam de forma harmoniosa com o bioma da região, perde-se cada vez mais essa forma de olhar para o espaço natural como elemento intríseco a formação das cidades na região. À medida em que se aproxima do espaço urbanizado, assimila-se a leitura de cidade que deve estar inserida a hegemonia do mercado formal e ignora-se o modo de habitar das populações locais que tem forte ligação com seus rios e florestas (PONTES; CARDOSO; GOMES E BIBAS, 2014). Figura 18: A relação entre cidade e natureza do contexto brasileiro na comunidade de Afuá-PA. Fonte: Frederico Lobo, 2013.
  • 37. | entre urbano e água | 37 As populações que se situam na fronteira dessa lógica da cidade formal são as mais afetadas por esses processos. Por ocuparem sítios de difícil acesso e ambientalmente frágeis, as comunidades tradicionais que tinham e ainda tem o domínio sustentável de uso e ocupação do solo acabam sendo tão marginalizadas quanto as comunidades informais que já estão inseridas em um espaço plenamente urbanizado, mas que também não tem acesso aos serviços básicos para uma boa qualidade de vida. E o rio, a paisagem natural, que antes era visto como elemento vital no espaço dessas comunidades tradicionais, também passa a ser encarado pelos mesmos moradores como um problema diante de um discursso pré-fixado do progresso em que eles tem sido expostos (PONTES; CARDOSO; GOMES E BIBAS, 2014). A dificuldade de articulação das políticas públicas urbanas e ambientais em contornar tais questões, contribuem ainda mais para a exclusão social dessas comunidades e a degradação de seus espaços. O avanço da urbanização e a manutenção das práticas de convívio que as comunidades tradicionais têm com o meio ambiente deve-se ter um olhar especial voltado para suas questões de modo que o planejamento possa agregar as características e saberes tanto das próprias comunidades, quanto utilizar também os recursos técnicos formais para o arranjo de possíveis soluções. Natureza considerada como elemento selvagem, místico, estando fora da cidade. O homem como centro de tudo passa a ter pleno domínio da natureza, estando apto a explorar e se apropriar da mesma. Formação das primeiras cidades próximas dos cursos d’água para o cultivo da agricultura e deslocamento. Manejo da natureza para consolidação das cidades. (Aprox. 3500 a.C) INÍCIO DAS CIVILIZAÇÕES CIDADE MEDIEVAL REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Afastamento do espaço natural nass cidades. Cidade mecanizada, funcional. Natureza amplamente explorada para obtenção de lucro. Esquema 02: Linha do tempo de como se sucedeu a relação entre o homem com a natureza. Fonte: Elaborado pela Autora. (Aprox. 4000 a.C.) PRÉ-HISTÓRIA Homem e natureza faziam parte de um todo. Não se observavam relações de posse de terra ou domínio da natureza pelo ser humano. CIDADE DO RENASCIMENTO A busca pela convivência entre natureza e cidade. Planos de melhoramento tecnicistas. Natureza congelada por zoneamento e interpretada como espaço de contemplação e preservação. VIRADA AMBIENTALISTA DIAS ATUAIS Final Início (Séc. XIX - Séc. XX) O avanço das cidades para o campo e a extração desenfreada dos recursos naturais ascendem o debate socioambiental.
  • 38. | entre urbano e água | 38 2.2. A legislação e a gestão pública em face aos desafios da questão fundiária no Brasil e na Amazônia Os diversos problemas decorrentes da forma como o Estado aplica leis no solo urbano-rural no Brasil acentua as consequências da profunda desigualdade social existente no país. Ferreira (2003, p.: 01) cita tal fator como parte dos “desajustes históricos e estruturais” que o Brasil sempre enfrentou. Os grupos de elite e dos agentes públicos nas cidades brasileiras estão em certa medida interligados pelos interesses capitalistas. Isto leva as cidades ao desenvolvimento desajustado pela sobre posição de situações de precarização e pelo modelo adotado de uma matriz que geralmente não se compatibiliza com a realidade local. Ainda dentro dessa concepção, as cidades brasileiras se estabeleceram pautadas em um plano de desenvolvimento no qual os vícios da sociedade colonial ainda eram presentes (Maricato, 1996; id., 2003). A forma com que as diferenças de renda e de classe social; a aplicação iníqua da legislação aliado à disputa fundiária na cidade e no campo que se sucederam, não garantiu dignidade social e muito menos o acesso a terra para todos os povos. Isto refletiu em uma realidade conflituosa, pautada nos interesses de uma camada beneficiária da população eventualmente apoiados pelos promotores de políticas públicas (Villaça, 2000). Na contra mão do modelo vigente das cidades desiguais no Brasil, a elaboração de ferramentas que viabilizam o acesso a terra, passam a ser de grande importância para reverter tais processos. Entretanto, é fundamental que o Estado ao aplicar as leis tenha consciência de que há uma parcela da população inserida em espaços que fogem da lógica dos padrões formais do capital as leis devem ser adequadas para essas situações. Mesmo que o art. 5°, inciso XXIII da Constituição Federal (1988), estabeleça a função social da propriedade como direito e garantia individual a todos, e que outros instrumentos legislativos tenham surgido pela pressão para promover a reforma fundiária, esta é uma questão que não se consegue resolver apenas pelo aparato legal. Diante dos problemas históricos e sabendo que existem questões que ainda são desafiadoras para Estado; se não há uma gestão que promova políticas públicas com uma visão menos genérica e mais sensibilizada para a compreensão da dinâmica regional dos municípios, não há como se fazer cumprir o que se prevê na Constituição Federal (MARICATO, 2003).
  • 39. | entre urbano e água | 39 O papel da gestão do Estado nesse processo é fundamental para regulamentar e prover o acesso a terra, principalmente para as populações de baixa renda nos municípios. Na região Amazônica, existe uma dificuldade de se aplicar as leis fundiárias e de proteção ambiental por diversos motivos: forte pressão dos atores sociais na disputa fundiária, pouca adequação da legislação diante da dinâmica regional, o sistema de divisão fundiária ainda baseado em uma lógica que pouco respeita e não compreende a relação dos povos com a terra, certa negligência nas questões ambientais em relação ao impacto da produção e transformação massiva do solo. A legislação deve ser o instrumento que possa promover a regularização fundiária para o assentamento das comunidades urbanas e rurais dos municípios e também garantir a sua adequação em ambiental (Quadro 02). A chave para se pensar em estratégias no desenvolvimento deste processo de regularização, não se viabilizará apenas pela parte técnica e aparato legal. O entendimento sobre a própria dinâmica espacial dessas comunidades, carrega grande escopo para um planejamento de base endógena. O grande desafio é: contornar o aparato legal burocrático para que esta outra forma de se pensar na garantia de assentamento destas comunidades possam prevalecer. Quadro 02: Quadro síntese dos dispositivos legais. Fonte: Elaborado pela Autora.
  • 40. | entre urbano e água | 40 2.4. APP Urbana: Por que ainda um grande desafio? A discussão sobre áreas de preservação permanente em meio urbano no Brasil ainda não é posta como assunto de grande urgência. Tampouco é tratada em conjunto ao planejamento urbano das cidades brasileiras. O debate sobre as transformações campo- cidade também é recente. Da mesma forma, políticas públicas e os dispositivos legais que se tem no Brasil sobre as questões ambientais ainda são limitados e desarticulados diante do desafio em face ao rápido processo de urbanização. A conversão de áreas naturais ou rurais em terra urbanizada já é uma realidade concreta no mundo inteiro. No Brasil e especialmente na Amazônia, a questão da tensão fundiária, torna esse processo de expansão urbana ainda mais voraz. As áreas fragilizadas ambientalmente são as mais afetadas por este processo. O Código Florestal Brasileiro (2012)1 é o texto legislativo que institui regras sobre as áreas verdes e cursos d’água no território. O primeiro texto referente ao assunto, surgiu em 1934, foi revogado em 1965 e em 2012, sendo o último, atualmente vigente. A questão sobre Código Florestal acerca das áreas de preservação permanente em meio urbano é que esta lei foi engendrada a partir 1 Lei Federal º 12.651 de 25 de maio de 2012 do conceito de proteção dos ecossistemas naturais numa perspectiva excepcionalmente ambientalista (Gass et al., 2016). Dentro da discussão da lei, pouco se considera que o processo de ocupação do território é inerente sobre a forma da relação que o homem tem com a natureza. A matriz do problema sobre a legislação ambiental, limita a própria questão do uso do solo: A proteção de que trata a lei foi estabelecida em caráter de preservação, o que confere a estas áreas restrições de uso mais severas do que o regime de conservação previsto, por exemplo, para as áreas de reserva legal, as quais preveem possibilidade de “uso sustentável dos elementos naturais” que abrigam (GASS et al., 2016). Diante deste debate, os conceitos de preservação e conservação da natureza estabelecidos dentro do direito ambiental brasileiro, e explicados por Peters e Pires (2002), definem a preservação da natureza sendo a proteção integral das características naturais do meio e a conservação da natureza como a proteção por meio do uso sustentável e racional desta.Isto implica em duas questões em âmbito legal: a definição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) no seu sentido mais literal, ora sendo pautada num conceito preservacionista, limita estritamente qualquer ação que interfira na natureza destas áreas (COSTA, 2007).
  • 41. | entre urbano e água | 41 Esquema 03: Mudanças nos limites das APPs entre 1965 a 1989. Fonte: Senado Federal, 2012. Desde sua primeira formulação, o Código Florestal estabelece as faixas de APP como uma das principais medidas proteção ambiental. Na medida em que a lei foi sendo reformulada as faixas de APP foram alteradas para fins de maior rigidez da preservação da vegetação nativa e dos cursos d’água, principalmente no que confere as propriedades rurais (esquema 03). As faixas à princípio, estabeleciam a largura mínima de 5m para cursos d’agua com largura de 10m e 100m para larguras acima de 200m. Até reformulação mais recente, a largura mínima passou a ser de 30m para cursos d’agua com até 10m de largura e 500m para as larguras acima de 600m (SENADO, 2012). No entanto, ao aplicar a legislação em áreas de hidrografia de médio e grande porte como na região Amazônica, ocupações inteiras e municípios se desenvolveram e consolidaram sobre porções estabelecidas no dispositivos de proteção dessa lei (Sepe; Pereira; Bellenzani, 2014). O dispositivo desconsidera todo um debate acerca de comunidades tradicionais em áreas de transição urbana ou de ocupações urbanas em áreas de risco com regras ainda pouco flexíveis (PONTE; RODRIGUES; LIMA, 2016).
  • 42. | entre urbano e água | 42 O Código Florestal não considera as particularidades das regiões e as diversidades nas formas de uso e ocupação do solo. Da mesma forma que trata as Áreas de Preservação Permanente em meio rural, a regra ainda se aplica as APPs em solo urbano. A lei também pouco prevê a articulação entre esses mesmos espaços, como se a realidade do espaço urbano e o rural fossem dicotômicas e dissociadas. Na legislação francesa, dentro do seu próprio contexto e diferentemente do Brasil, estabeleceu seu código ambiental com uma outra lógica de conceituação. Em 2010, a França detinha apenas 1,2% dos espaços naturais (Gass et al., 2016). Foi então introduzida uma nova política de gestão do espaço ajustada com a legislação ambiental que visasse proteger essas áreas remanescentes e que pudesse buscar estratégias para recuperar os ambientes interferidos pela ação humana, reinserindo os processos naturais nesses ambientes (GASS et al., 2016). Tal ferramenta legal inserida diante dessa problemática, surgiu em 2009 com o amplo debate Grenelle de L’environnement onde foi apresentada a Trama Verde e Azul (TVA) ou Trame Vert et Bleue (figuras 19 e 20), conceito que propõe o processo de recuperação e Figura 19: Esquema do território e o potencial de integração da sua biodiversidade. Fonte: Europe Ecologie-Les Verts de Saint Orens, 2012. Figura 20: Esquema da Trama Verde e Azul aplicada no território. Fonte: Europe Ecologie-Les Verts de Saint Orens, 2012.
  • 43. | entre urbano e água | 43 conservação de corredores ecológicos modificados no território (França, 2010). As ações que seguem o conceito da TVA, são voltadas para necessidade de se recuperar o bom estado do habitat para as espécies, para vegetação e principalmente para os recursos hídricos (GASS et al., 2016). O conceito permite a implementação de várias ações desde as setoriais até em escala macro integradas no território e está acima das políticas públicas abrangendo o tema. Gass et al., (2016) descreve que a proposta é incorporar o conceito em todas as legislações que organizam a gestão do espaço e a sua implementação coordenada por todas as áreas envolvidas nestas ações, atuando de forma integrada, na transição do espaço urbano- rural. A discussão que é focada principalmente nos recursos hídricos na França, se deve ao fato de que os corredores fluviais foram bastante modificados ao longo da história, principalmente nas cidades, com a ocupação das margens. Entretanto, na França é bem mais difícil de encontrar áreas que não sofreram ações diretas do homem, diferentemente do Brasil que ainda possui uma parte desses recursos preservadas ou em processo de transição. As Tramas Verde e Azul levam em consideração esses fatores. Estabelece uma gestão onde se assume a ocupação humana já consolidada, mas também procura resgatar as áreas naturais fazendo conexões entre a paisagem urbana e a paisagem rural. Busca garantir a proteção do espaço para os corredores biológicos, mas ao mesmo tempo, objetiva não impedir o uso se socialmente sustentável (GASS et al., 2016). É nesse quesito que a conhecimento científico e técnico pode trazer uma nova abordagem de atuação para os espaços verdes e as diversas ocupações que permeiam entre cidade e campo (figura 21). O conceito de infraestrutua verde integradas no planejamento e Figura 21: Esquema de como a TVA seria usada na integração dos múltiplos espaços. Fonte: Asociación de Desenvolvemento Rural Mariñas-Betanzos, 2017.
  • 44. | entre urbano e água | 44 gestão aparece como uma das possibilidades ecológicas de ação nesses espaços, consolidando assim, um dos objetivos da Trama Verde e Azul que é de integralidade sustentável do território e a “recomposição dos diversos elementos que integram o mosaico da paisagem” (BENINI, 2015. p.:42). Mesmo com ações parecidas como essas sendo aplicadas no Brasil, ainda há certas barreiras para tentar trazer esse debate de forma mais ampla. A dificuldade de reconhecimento por lei das ocupações humanas no território e a abordagem das leis, mesmo com as brechas permitidas, ainda são restritivas e comumente se sobrepõem (GASS et al., 2016). Na tentativa de se consolidar os debates sobre a inserção de um pensamento socioambiental na legislação brasileira, durante as revisões do texto, no cap. II, sec. I, Artigo 8 no Código Florestal Brasileiro (BRASIL, 2012), se insere a possibilidade de excepcionalidade ao manejo das áreas de APP, mediante a uma declaração de Utilidade Pública pelos órgãos estaduais e federais ou se a área for comprovada como de interesse social ou de baixo impacto ambiental permitindo assim, certa flexibilização do instrumento legal (SENADO FEDERAL, 2012). Além do Código Florestal, a legislação 11.977/2009 que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), também traz essa abordagem na tentativa de viabilizar a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente tanto em meio urbano quanto rural, considerando as características da ocupação, do entorno e sua inserção para a definição dos parâmetros urbanísticos e ambientais (BRASIL, 2009) Todavia, de acordo com Costa (2007) o que se consta como casos de excepcionalidade diante da regra deixa de ser excessão, pois se considerar que o processo de ocupação do território sempre foi conectado aos cursos d’água, esses casos ditos de utilidade pública ou de interesse social seriam então a regra. Dito isso, Costa (2007) ressalta que seria difícil ainda sustentar uma ideia de que “a proteção destas áreas objetiva a preservação, mas sim, apenas a sua conservação”. É um grande desafio aplicar normativas que ainda seguem um formato que pouco se articulam e priorizam integralmente a paisagem natural onde somente depois incluiram a discussão socioambiental na agenda. Sepe, Pereira e Bellenzani (2014), acreditam que mesmo com as tentativas de adequação da lei, o ideal seria a produção de uma nova legislação que pudesse inserir de forma real o debate das APPs no espaço urbano e essa relação em transição do rural-urbano. Porém, mesmo que tal proposição nas atuais condições sejam ainda remotas, as discussões não deixam de se fazer urgentes.
  • 45. | entre urbano e água | 45 2.5. Plano Diretor pra quem? A inserção do debate socioambiental e da ideia de integração entre os espaços devem ser inseridas como eixo transversal no planejamento das diferentes escalas do território. Desde a macro até a microescala, as políticas públicas e instrumentos à serem aplicados precisam estar sempre alinhados a essas novas perspectivas de planejamento do espaço. Na escala do múnicípio, o Plano Diretor é a ferramenta fundamental para o nivelamento das ações no território. No Brasil, os Planos Diretores passam a ser obrigatórios para ospara os municípios com mais de 20.000 habitantes a partir da Constituição Federal de 1988. Após a criação do Estatuto das Cidades em 2001, a obrigatoriedade da formulação e atualização dos planos diretores se tornou ainda mais imprescindível para as gestões públicas, vistos que estes possuem a autonomia efetiva das decisões de planejamento dos municípios (BRASIL, 2001). Um exemplo interessante que se tem no Brasil dessa tentativa de articulação e que insere fortemente o debate socioambiental no planejamento, consta na formulação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI-RMBH). Numa escala metropolitana, procurou-se articular eixos tranversais na estruturação do território para que os zoneamentos dos municípios pudessem ser reestruturados a partir desses grandes temas. A Trama Verde e Azul se insere nesse debate como um dos grandes temas atuantes nesse processo. A partir dessa forma de planejamento é que as políticas públicas urbanas e ambientais, e os diferentes orgãos gestores atuam de forma integrada para o desenvolvimento da metrópole. Os Planos Diretores dos municípios que compõem a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) são desenhados para abranger a multiplicidade de funções da TVA criando diretrizes no zoneamento, que sejam capazes de integrar os diferentes espaços no território. Além de otimizar o espaço urbano restringindo sua dispersão, contribui para a conservação das áreas ambientais e assegura a manutenção das áreas de produção rural (Agência RMBH, 2017). No entanto, apesar de se terem experiências positivas na tentativa de inserir o conceito de integralidade dos diferentes espaços, as gestões públicas ainda encontram certa dificuldade de procurar articular o debate sobre as transformações sociais, econômicas e ambientais nas diferentes formas de ocupação no território. E nesse conflito, o atual Plano Diretor Urbano de Belém é um dos que possuem essa deficiência. Elaborado em 1993 e revisado em 2008, o PDU se insere no contexto em que Belém se caracteriza pelo adensamento e
  • 46. | entre urbano e água | 46 dispersão populacional visto nas últimas décadas; pelas diferenças físicas nítidas no território; e pelos diversos tipos de assentamentos urbanos, sendo em sua maioria precárias, com baixas condições de infraestrutura, transporte e saneamento(SOUZA E SILVA, 2010). A proposição da descentralização administrativa no município seria uma das ferramentas que se forem articuladas com essas diretrizes de planejamento integrado que a TVA propõe – como no caso do PDDI da Região metropolitana de Belo Horizonte – poderia facilitar na tomada de decisões para o desenvolvimento de planos de intervenção local. Belém se expressa de forma diferenciada no território e essas ferramentas citadas acima, poderiam auxiliar no planejamento participativo e no entendimento dos problemas específicos de cada área. O PDU/93, dentro dessa lógica de descentralização administrativa, chegou inclusive a prever um plano diretor para as ilhas de Mosqueiro e Caratateua, os quais foram aprovados como leis, visavam dispor sobre a organização do espaço urbano das ilhas, entretanto, com a revisão do PDU Belém/2008 os planos diretores de Belém e das Ilhas foram revogados, e o dispositivo legal que Quadro 03: Quadro reduzido das zonas do Plano Diretor Urbano de Belém que contemplam a localidade do Rio Cajueiro em Mosqueiro. Fonte: PMB, 2008.
  • 47. | entre urbano e água | 47 amparava em específico a situação das ilhas, foi suprimido, passando a valer somente o plano atual e a Lei de Complementar de Controle Urbanístico (LCCU). De acordo com atual PDU de Belém (Quadro 03), a comunidade do Rio Cajueiro se insere especificamente dentro da Macrozona e Zona do Ambiente Urbano (ZAU II), e da Zona Especial de Interesse Ambiental (ZEIA), setor B – Área de Interesse Ambiental Arqueológico e Histórico (PMB, 2008). Entre as principais diretrizes presentes na ZAU e na ZEIA que o estudo de caso se enquadraria, o texto da lei visa a promoção de dispositivos para a regularização fundiária, o estímulo a economia local, a garantia da permanência das comunidades que já vivem em áreas de interesse ambiental, a recuperação das áreas degradas e a preservação das áreas verdes e cursos d’água. Ainda assim, frágil nas estruturas legais de como essas diretrizes seriam aplicadas, o PDU – Belém específica apenas o quadro de parâmetros e modelos urbanísticos de acordo com as diretrizes da ZAU, mas que pouco condiz com a realidade das ocupações nas ilhas. Se restringe aos espaços de urbanização mais consolidada como na Belém continental e não trata a ocupação das áreas insulares do município nas suas especificidades (quadro 03). Na ZEIA, propõe diretrizes de restrição quanto ao uso e ocupação de áreas ambientais, porém pouco contempla uma realidade socioambiental. Não especifica e tampouco pouco articula os instrumentos que poderiam viabilizar a adequação de comunidades como a comunidade do Rio Cajueiro em áreas de transição urbano- rural. Por fim, há a necessidade real de se repensar os Planos Diretores para além do seu aspecto funcional. Os Planos Diretores devem privilegiar as diversidades e buscar novas estratégias em conjunto com a comunidade, para o desenvolvimento dos diferentes tipos de ocupações no território, articulando-os de forma sustentável com meio ambiente, sendo assim ações necessárias para a democratização das cidades.
  • 48. | entre urbano e água | 48 Figura 22: A vizinhança da comunidade do Rio Cajueiro comumente possui laços parentescos. Fonte: LABCAM, 2017. 4. DIAGNÓSTICO 4.1. As relações sociais entre a comunidade e a questão ambiental do Rio Cajueiro Um estudo feito por Silva (2015), sobre as relações sociais na comunidade do Rio Cajueiro, demonstra que, a relação que se sucedeu entre integrantes de duas famílias ou mais na comunidade permitiu que os núcleos familiares criassem laços afetivos. Isso influencia nas relações locais entre moradores e de certa maneira, na forma do espaço onde habitam. Silva (2015) também afirma que os parentescos são muito comuns em comunidades tradicionais (figura 22). Para a autora, o valor dado ao lugar onde habitam, tende a ser intrínseco a relação que se tem entre eles, com seu espaço de vivência e com sua forma de sustento. Essa relação da comunidade com a pesca e a tendência de repassar a atividade para as gerações posteriores culminam na permanência das famílias e o sentimento de pertencimento ao lugar.
  • 49. | entre urbano e água | 49 Durante as entrevistas uma moradora do local contou que o crescimento das famílias influenciou na forma como as casas foram se distribuindo na área. A moradora disse que é bem difícil haver algum tipo de demarcação de terrenos pois, na medida em que o número de pessoas foi aumentando na comunidade e as famílias se associaram, eles cederam áreas próximas das suas casas para novos núcleos familiares construírem as suas próprias casas. Assim, justifica-se o fato de a forma espacial da comunidade ser orgânica e em certas áreas mais densas, as casas tendem a ser menores e mais estreitas (figura 23). Pode-se observar também a verticalização de algumas tipologias, mesmo nas áreas mais alagadas. A moradora explica que não há mais espaço horizontal para ampliação das casas, os moradores constroem mais um pavimento para abrigar mais de uma família (figura 24). Apesar do processo de ocupação em áreas de várzea ocorrer dessa forma espontânea, a auto-construção quando esta se soma ao avanço da urbanização, sem a participação de Estado para regular e dar suporte técnico, se reflete em mudanças na paisagem local e no surgimento de vários problemas ambientais e sanitários. Figura 24: De acordo com o aumento das famílias os moradores ampliam suas moradias. Fonte: LABCAM, 2017 Figura 23: Confuguração espacial nas áreas mais densas no interior da comunidade. Fonte: LABCAM, 2017
  • 50. | entre urbano e água | 50 Mesmo as atividades de pesca e a extração dos recursos naturais, serem de suma importância para subexistência da comunidade, foram praticadas de forma desenfreada. Tal fator resultou no quase esgotamento dos peixes no Rio Cajueiro e influenciou inclusive na mudança dos usos do rio (gráfico 03). Justificando esses fatores, durante as entrevistas, uma das moradoras (informação verbal)² nos contou que para aumentar a produção: Muitos dos pescadores não procuram respeitar o tempo de maturação do pescado durante a entre- safra e interrompem o seu ciclo de reprodução, isso fez com que diminuísse a quantidade e o tamanho dos peixes. Por esse motivo, e também por conta da poluição, o Rio Cajueiro não é mais abundante como antigamente. Os pescadores cada vez mais tiveram que ir pra lugares distantes mesmo nos períodos de safra. Assim o rio se transformou mais como rota dos pescadores para as áreas onde a pesca ainda é abundante na Baía do Guajará, Marajó e outros lugares (informação verbal). 2 Quanto ao problema da poluição no rio, um estudo de campo feito por Leão (2016), conta que os moradores reconhecem que o estado de conservação do Rio Cajueiro não é atualmente bom por conta da deposição de resíduos diretamente no rio (gráfico 04). O lixo e as águas residuais, são despejadas, segundo os moradores, diretamente no rio, nas canaletas de rua ou nos quintais das suas 2 Entrevista concedida pela moradora COSTA, Camilla. Entrevista I [Jul. 2017]. Entrevistador: Raquel Morais. Belém, 2017. casas já que a maioria das residências não possuem a fossa séptica. Há também a deposição de resíduos de pescado quando os feirantes fazem a limpeza do produto. Além da falta de consciência dos moradores e usuários da ilha que despejam o lixo nas praias, nas ruas e rios. Esse lixo é levado pela maré e nos períodos de Gráfico 04: Principais problemas ambientais que os moradores reportaram. Fonte: Pedro Leão, 2016. (Adaptado pela autora) Gráfico 03: Tipos de uso do Rio Cajueiro. Fonte: Pedro Leão, 2016. (Adaptado pela autora)
  • 51. | entre urbano e água | 51 cheia o lixo retorna contaminando a várzea dos rios (Quadro 04). Os moradores também relatam que a coleta de lixo acontece uma vez por semana e reconheceram que as condições de mal acondicionamento do lixo ainda são evidentes. Por não haver limpeza pública regular, a presença de lixo na comunidade e na ponte do Rio Cajueiro é bastante evidente. Estes fatores são um grande entrave na questão da drenagem da bacia hidrográfica (LEÃO, 2016). O rio também enfrenta um sério problema de assoreamento das margens. Como há trapiches, galpões e ateliers de pesca, os barqueiros costumam a atracar junto a esses lugares, contribuindo com o desmatamento da várzea do rio e consequentemente o seu assoreamento. O acúmulo dos sedimentos e detritos no fundo do rio, tende a alterar o volume do mesmo, o que facilita ainda mais os alagamentos durante o período das cheias (Quadro 04). Mesmo com o despejo de lixo, assoreamento e a crescente poluição do Rio Cajueiro, os moradores ainda têm forte interação com o rio. Além de ser usado como hidrovia dos pescadores, como porto, área de pesca, o rio também é usado como uma opção de lazer. Os moradores ainda o usam para banho, inclusive nas margens do rio, Quadro 04: Principais questões ambientais encontradas durante as visitas de campo no entorno do Rio Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017
  • 52. | entre urbano e água | 52 também há bares onde eles se reúnem nos finais de semana. Contudo, alguns moradores também relataram que o banho como recreação acontecia com mais frequência antes do rio ser poluído. O receio de contrair doenças tem os afastado desse tipo de uso, mas eles ainda reconhecem a importância que o rio tem no cotidiano da comunidade. O fornecimento de água também se configura como um problema. Essa distribuição é feita pela COSANPA, Os moradores relataram que a qualidade da água ainda é bastante insatisfatória. A rede de distribuição e abastecimento é bastante precária e como está “sujeita ao fluxo e refluxo das marés, potencializa o risco de sua contaminação e de ocorrências de infecções relacionadas à água imprópria para o consumo humano” (LEÃO, 2016. P.: 48-49). A conexão e a idenficação da comunidade como moradores da margem do Rio Cajueiro ainda é muito forte, mas o entendimento que é preciso manter e preservar o rio ainda não é bem clara pros moradores. Alguns possuem consciência de que seria preciso ter programas de educação ambiental para conscientização da importância do rio para o local, mas para isso seria preciso resgatar o senso de comunidade. Apesar de todos os problemas, a maioria dos moradores dizem estar satisfeitos com o lugar onde vivem. Isso se deve a diversos fatores: muitos relataram sobre a tranquilidade que eles tem no local e a segurança que eles sentem na comunidade. Outros também disseram que eles estando próximos a capital ainda conseguem ter mais acesso a serviços públicos do que se morassem em regiões mais afastadas. Há também o fato de que a prática do pescado e demais produtos extrativistas ainda é a grande fonte de renda das famílias. Para eles, todos esses fatores ainda são suficientes para a permanência no lugar. Realidade que ainda está relativamente fora dos padrões de moradia impostos pelo mercado, porém próximo de uma área minimamente urbanizada e ao mesmo tempo em um local que eles ainda mantém essa conexão com a natureza, com suas atividades de pesca e extração dos recursos naturais.
  • 53. | entre urbano e água | 53 4.2. A importância das atividades econômicas ligadas ao Rio Cajueiro A localização da comunidade é estratégica e essencial para as atividades econômicas no entorno do Rio Cajueiro. Segundo os pescadores, o rio funciona como hidrovia e porto quando eles saem para outras regiões e retornam trazendo as cargas da produção para manejo e negociação. A Avenida 16 de Novembro também é uma impotante via, pois é por onde parte dessa carga é escoada. A carga abastece os pontos de venda que se situam às margens dessa mesma avenida, abastece os mercados, as feiras da Ilha e supermercados da Belém continental. Durante um levantamento feito em 2006, na época a então Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP/PR), registrou que dos mais de 700 moradores da comunidade, 450 trabalhavam com a atividade de pesca. Tal atividade é o pilar principal da comunidade e tem grande visibilidade na ilha de Mosqueiro, pois segundo Leão (2011), a maior parte do pescado se concentra nessa região e detém sozinho cerca de de mais de 60% da produção total de pescado da ilha, Quadro 05: Produtos extrativistas comercializados no Rio Cajueiro identificados durante a visita de campo. Fonte: Elaborado pela autora, 2017
  • 54. | entre urbano e água | 54 configurando assim um importante entreposto pesqueiro no local (Quadro 05). A segunda atividade mais importante é o comércio tanto dos produtos extrativistas na feira, como de produtos a varejo revendidos nos pontos comerciais ao longo da avenida. Apesar do pescado ser o produto mais forte na atividade econômica da comunidade, não é o único produto de origem extrativista comercializado na área. O açaí, camarão, frutas, ervas e temperos são comercializados tanto por moradores da área como de moradores vindos de outros bairros da ilha (Quadro 05). Quanto a estrutura física dessas atividades, mesmo com grande porte de captura do pescado, o modus operandi da atividade extrativista no Rio Cajueiro enfrenta sérios problemas de infraestrutura. Em relação ao desembarque, manejo do peixe, essas estruturas não são adequadas às necessidades da comunidade para a realização da atividade. Os pescadores manejam os produtos nos ateliers de pesca, galpões e trapiches existentes ao longo do rio (figuras 25, 26 e 27). A pesca na Ilha de Mosqueiro acontece em sua grande maioria pela prática essencialmente artesanal e depende da manutenção de técnicas conhecidas pela população tradicional para a continuidade de tal atividade nas comunidades locais. Leão ao fazer um estudo Figura 25: porto pesqueiro da comunidade do Rio Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017. Figura 26: Os pescadores atracam em pequenos galpões ao longo do rio. Fonte: LABCAM, 2017. Figura 27: Atelier de manejo do pescado. Fonte: LABCAM, 2017.
  • 55. | entre urbano e água | 55 sobre indicadores de parâmetros de sustentabilidade na pesca, descreve que: As áreas e o sistema de desembarque do pescado em Mosqueiro são quase seculares, colaborando com a atividade pesqueira artesanal local. Porém, às deficientes infraestruturas técnicas e legais nas áreas de desembarque, somam-se a ausência de fiscalização sanitária sobre o pescado desembarcado e comercializado e a inexistência de contabilização estatística da produção pelos órgãos competentes o que torna o indicador econômico, impedidor da sustentabilidade em parâmetros ideais. (LEAO, 2012. p.: 50) É inegável que as comunidades ali assentadas, há décadas praticam suas atividades. No entanto a ausência de uma regulamentação adequada para que elas possam exercer o direito de uso e ocupação do local de forma sustentável, acarreta na precarização das atividades desses trabalhadores. A atividade da pesca artesanal e a extração dos recursos naturais é um importante meio que define o sustento de muitas comunidades tradicionais na Amazônia. Portanto se faz extremamente necessária a promoção de uma estrutura de apoio adequada a fim de garantir boas condições de operacionalização de suas atividades. Cotrim (2008) em um estudo sobre o perfil das atividades econômicas das comunidades pesqueiras artesanais afirma que como as demais atividades agrárias comunitárias, eles utilizam o espaço que ocupam de forma coletiva, estabelecendo entre eles as próprias regras que seguem em conjunto. Cotrim e Lavois (2008) ainda explicam que os pescadores de comunidades tradicionais geralmente comandam seus meios de produção por possuírem seus próprios equipamentos. O processo de captura e manejo do pescado ainda pode ser feito pelos mesmos pescadores. A força de trabalho das famílias também pode estar dentro desse processo, geralmente participando das atividades de manejo, conservação e até a comercialização do pescado. Portanto caracterizando essas comunidades como extrativistas artesanais de renda familiar. De acordo com Leão (2011), em 1994 foi criada a Associação Livre dos Pescadores Artesanais do Cajueiro (ALPAC), com o intuito de fortalecer a atividade pesqueira na área, entretanto segundo os relatos dos pescadores a associação se desfez depois de um tempo por conta de alguns desentendimentos entre grupos dos mesmos. Contudo a negociação informal entre grupos de pesqueiros ainda permanece mesmo sem uma estrutura formal de organização No caso do Cajueiro, pode-se dizer que esse processo de produção é híbrido onde parte da produção ainda se configura como familiar e a outra parte através da associação informal entre os atores que podem ou não serem moradores do local. A produção extrativista possui uma estrutura de atividades com funções definidas, mas não
  • 56. | entre urbano e água | 56 necessariamente uma hierarquia entre elas. A dinâmica da atividade gira no entorno de três atores principais que são: Pescador/Extrativista: Capturam os produtos na área ou em outros lugares (Marajó, Barcarena, Abaetetuba); Balanceiro/Atravessador: Intermediam a negociação, pesam os produtos e os selecionam para a distribuição; Comerciante/Marreteiro/Feirante: Comercializam o produto diretamente para o consumidor. Os pescadores mais antigos da área possuem seus próprios equipamentos e trabalham por conta própria, deixando a distribuição somente para os atravessadores. Os balanceiros e atravessadores, também são donos de embarcações e equipamentos pesagem e captura. Quando os pescadores não possuem seus próprios equipamentos de pesca ou embarcações eles consignam com os balanceiros sendo descontado do preço do volume de produção. Quando os pescadores capturam os peixes, retornam e desembarcam nos portos ou nos ateliers de pesca com o pescado. Eles repassam os peixes para os balanceiros que pesam o produto e o selecionam pro manejo e venda. Uma vez selecionado o pescado, repassam para os carregadores que distribuem a mercadoria de carro ou de barco para outras áreas da cidade. Esses balanceiros/atravessadores selecionam os produtos, negociam o preço com os pescadores e revendem para os marreteiros por um valor mais alto. Os extrativistas explicaram que o sistema funciona dessa forma, pois os atravessadores são os que conhecem mais os pontos de distribuição e porque para muitos deles é mais cômodo exercer apenas a atividade da extração, devido a cansativa jornada de trabalho da função. No entanto, durante as visitas de campo, pôde-se identificar novas dinâmicas de produção que se diferenciam dessa estrutura independente da atividade econômica no Rio Cajueiro. Segundo os relatos dos moradores, alguns atravessadores negociaram terrenos próximos ao rio para uma rede de supermercados que construiu um entreposto privado. Os pescadores da área chegaram a fazer negociações com essa rede privada, mas o mesmo oferece um valor baixo ao volume de produção do pescado. Pelo prejuízo, alguns deles preferiram seguir com a estrutura de produção independente. O entreposto privado então busca mão-de-obra externa para trabalhar na área e segundo os moradores, o movimento de embarcações tem sido mais intenso e a dinâmica de produção tem mudado por estes fatores (figuras 28 e 29).
  • 57. | entre urbano e água | 57 Figura 28: Entreposto privado que foi identificado pelos moradores no Cajueiro. Fonte: LABCAM, 2017. Figura 29: Embarcações construídas pelos trabalhadores do entreposto privado. Fonte: LABCAM, 2017. Por conta do decréscimo da produção pesqueira nos últimos anos, do crescimento da concorrência entre pescadores no local e dos períodos de entre safra, os mesmos acabam por exercer outras atividades durante as épocas em que o arrendamento com a pesca não é suficiente para manter as famílias. Em uma análise relacionada a lógica da estrutura familiar de comunidades agrárias e tradicionais, Cotrim (2008), com base nos estudos de Schneider (2003) e outros autores sobre o termo pluriatividade nas suas diversas classificações, tenta explicar as múltiplas atividades que as famílias agrícolas assumem dentro e fora de suas atividades principais para fins de complementação da renda. Para tentar entender o que acontece também nas comunidades pesqueiras: (...), considerando a classificação proposta por Schneider para pluriatividade em agricultores familiares, poderíamos identificar alguns tipos de pluriatividade em famílias pesqueiras. A grosso modo, a pluriatividade de base agrária é uma noção que aplicável aos pescadores que manufaturam e consertam redes para eles e outros, ou mesmo aqueles que são mecânicos dos motores de popa e barcos. A pluriatividade para-agrícola poderia abarcar as famílias pescadoras que possuem pontos de vendas ou pequenas peixarias em suas casas, processando e vendendo seu produto diretamente ao consumidor. E a pluriatividade informal explicaria aos trabalhos temporários de pedreiro ou jardineiro que os pescadores têm em certas épocas do ano. (COTRIM, 2008 apud SCHNEIDER, 2003 p.: 11). Diante dessa instabilidade e das condições desvalorizadas do trabalho, a necessidade das famílias extrativistas como a do Rio
  • 58. | entre urbano e água | 58 Cajueiro de buscarem outras fontes de renda é uma realidade que tende a acontecer nessas comunidades. No entanto, ainda que essas famílias busquem outras atividades de complemento na renda familiar, a pesca artesanal persiste como principal atividade. Sem dúvida há um vínculo muito forte com a tradição da pesca. Esta se apresenta no Rio Cajueiro não somente como atividade econômica, mas também como identidade social. Há um repasse desses conhecimentos empíricos de pai para filho. Por conta disso que as atividades da população na comunidade em relação ao trabalho, estudo e lazer, ainda é mais vinculada a ilha do que com a capital. No entanto, é importante perceber que há também uma motivação muito forte das próprias famílias de quererem conduzir seus filhos a buscarem outras atividades que eles consideram mais estáveis que o extrativismo. Por isso, os pais incentivam seus filhos a buscarem melhores condições de renda fora do local para que Figura 30: Skyline da feira do Pescado. Fonte: LABCAM, 2017. Figura 31: Skyline da feira de hortaliças. Fonte: LABCAM, 2017.
  • 59. | entre urbano e água | 59 eles não tenham que enfrentar as mesmas dificuldades de trabalho que seus antecessores. Geralmente, os filhos procuram o comércio ou as profissões de base assalariadas no ramo da construção ou dos serviços domésticos fora da comunidade, devido as suas baixas escolaridades. Alguns moradores chegaram a dizer que trabalham como pedreiros, mecânicos, domésticas entre outros postos de trabalho para garantir a renda extra. Outros trabalham no comércio e na feira do próprio Rio Cajueiro. A situação em que se encontra a feira e o comércio no entorno do Rio Cajueiro é outro problema que os moradores do local mais questionam. Como também não houve a regularização da atividade, os feirantes ocupam o linderio da avenida em estruturas improvisadas onde comercializam o produto em condições de higiene bastante precárias, expostos livremente nas margens da via (Figura 30 e 31). Além de também comprometer a segurança e a mobilidade na área, tanto para pedestres, veículos como para os próprios feirantes. Sem dúvida, entende-se que é de grande importância a permanência da atividade comercial e da feira dos produtos extrativistas. Essas atividades servem como apoio econômico para muitos moradores tanto da comunidade quanto também de outros locais que trazem seus produtos de outras hortas comunitárias e vendem no local. Além de a feira do pescado ser um importante ponto de consumo de peixe na ilha, a população local também só reconhece a comunidade através pela visibilidade que a feira proporciona. No entanto, é preciso que se promova a adequação, regularização, incentivo e apoio das atividades locais e das condições de trabalho para que os trabalhadores que atuam no local possam ter mais dignidade ao exercer suas atividades.