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EM BUSCA DE UMA
SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL
URBANA p ro p osição p ara o
b airro Ser viluz Simbóli co
EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL URBANA:

PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

Lara Barreira de Vasconcelos
Orientadora: Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas

Universidade Federal do Ceará
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Trabalho Final de Graduação
Fortaleza
maio/ 2013

3
4
EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA:
PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

Lara Barreira de Vasconcelos

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________
Profa. Dr. Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas (orientadora)
Universidade Federal do Ceará

________________________________________________
Prof. Dr. Luis Renato Bezerra Pequeno
Universidade Federal do Ceará

________________________________________________
Prof. Dr. Maria Águeda Pontes Caminha Muniz
Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza

Fortaleza, 16 de maio de 2013

5
6
Agradecimentos
Em primeiro lugar, gostaria agradecer a toda a minha família que me apoiou sempre, oferecendo, todos esses anos, as condições necessárias para que eu pudesse
me dedicar á minha formação de maneira responsável e engajada com os valores
que acredito e que também me foram passadas na convivência do seio familiar.
Sou grata também por todo amor que recebi e recebo todos os dias que, sem
dúvida, contribuem de forma decisiva para e pessoa que me tornei. Sobretudo
merece todos os agradecimentos a minha mãe pela dedicação carinhosa despendida na criação minha e da minha irmã.
Também ofereço minha imensa gratidão á Associação Boca do Golfinho, ao Carlos
Alexandre e Denise Lima que me acolheram durante vários dias em sua casa, me
mostraram o Serviluz e me colocando em contato com outros moradores. Desse contato, nasce uma amizade que desejo que possa permanecer para alem da
realização desse trabalho. Gostaria de parabenizar e expressar meu sentimento
de admiração a todos àqueles que fazem parte, ou contribuem de alguma forma, com a Associação Boca do Golfinho pelo trabalho social e educativo realizado
com os jovens da comunidade através da prática esportiva do surf e capoeira, e
dos momentos de formação cidadã e ética através dos filmes e conversas em sala.
Agradeço também á meu companheiro Gustavo Fernandes que alem de ter me
colocado em contato com a comunidade, pacientemente me passou seus conhecimentos de sociologia através de conversas e literatura indicada para que eu
pudesse elaborar a metodologia e realizar as entrevistas com os moradores do
Serviluz. Sendo essa etapa essencial para que a proposta projetual pudesse estar
o mais próximo possível das reais necessidades e anseios da população. Alem das
trocas intelectuais, sou grata também á compreensão e paciência que teve durante todo o tempo que precisei estar ausente durante os últimos meses.
Gostaria de registrar o meu imenso muito obrigada a todos os moradores do
Serviluz que foram entrevistados, que se disponibilizaram a ceder uma parte do
seu tempo corrido para dividir comigo um pouco de suas percepções acerca das
questões do “bairro”.
Não posso deixar de agradecer também a todos aqueles que se tornaram minha
segunda família durante os últimos anos: todos os mestres e colegas do curso
de Arquitetura e Urbanismo que com a convivência diária tive a oportunidade de
aprender e compartilhar um momento muito especial da minha vida que, sem
dúvida, ficará guardado com todo o carinho em minha memória.
Agradeço de coração a pessoa que, durante todo o trabalho, me incentivou, encorajou e apontou caminhos para que pudesse seguir em frente com segurança
e embasamento em todos os impasses e dúvidas surgidos no percurso. O meu
muito obrigada á profa. Clarissa Freitas.
Expresso minha gratidão também àquele que me mostrou uma realidade urbana
que me fez repensar meus caminhos acadêmicos e com seu exemplo de comprometimento profissional em passar conhecimentos que possam ser capazes de
transformar uma realidade urbana posta, despertou em mim a crença de que posso contribuir para essa mudança. Grata ao prof. Renato Pequeno.
Sou muito feliz e agradecida por fazer parte da turma que em minha geração ficou
conhecida como sendo a mais unida da faculdade e, pelos professores, como uma
das mais comprometidas. Aprendi a gostar e admirar todos os meus colegas, cada

7
um com sua forma de ser, inclusive aqueles que não eram da turma e foram adotados como sendo parte dessa nuvem de cumplicidade e carinho que nos envolveu
nesses anos de convivência.
Tive a oportunidade de fazer grandes amizades que ultrapassaram o coleguismo
e se tornaram pessoas essenciais na minha vida. Obrigada pelos risos, e aperreios
compartilhados. Por todo o aprendizado de nossas longas conversas que permeavam vida pessoal e construção de um mundo melhor através de nossa possível
atuação da cidade, na arquitetura e no design. Minha enorme admiração e gratidão a Ana Virgínea, Beatriz Rodrigues, Isabel Cavalcante e Sofia Carvalho.
O meu muito obrigado também ao colega e amigo José Otavio que me auxiliou
nas ultimas semanas com a edição das perspectivas ilustrativas do projeto. Ás
meninas do Pet-arquitetura que tiraram minhas dúvidas de arcGIS para o desenvolvimento dos mapas do diagnostico. E a todos meus outros amigos, professores e familiares que contribuíram direta ou indiretamente com a conclusão desse
trabalho.

8
Sumário
Introdução..............................................................................................................................................11

1.

		

Referencial Teórico
Referencial Teórico....................................................................................13

1.1. E essa tal sustentabilidade? ............................................................................................................15
1.2. A sustentabilidade no debate Urbano .........................................................................................20
1.3. Diversos Sentidos Atribuídos à Cidade Sustentável.....................................................................23
A representação técnico-material das cidades – cidades ecológicas.......................23
		
Cidade como espaço da qualidade de vida – urbanidade. .......................................26
		
Cidade como espaço de legitimação das políticas urbanas. ....................................36
		
Afinal, o que seria então a cidade sustentável? .......................................................39
		
1.4. A (in)sustentabilidade das Cidades Brasileiras ..........................................................................42
Dinâmica da cidade formal.........................................................................................42
		
Dinâmica da cidade informal......................................................................................45
		
1.5. Por Que Estamos Diante de um Momento Histórico Oportuno e Urgente? .............................52
Breve histórico da ocupação irregular e das políticas habitacionais no Brasil.........52
		
Momento atual............................................................................................................56
		
1.6. O Caso da Cidade de Fortaleza........................................................................................................61
Pressões imobiliárias...................................................................................................65
		

2.

		

Diagnóstico Participativo..................................................................67
Diagnóstico Participativo

2.1. O objeto de estudo: O Serviluz......................................................................................................69
2.2. Metodologia do Diagnóstico Participativo..................................................................................72
		
Pesquisa social Qualitativa. ........................................................................................72
2.3. Contexto Urbano............................................................................................................................79
2.4. História e Pertencimento..............................................................................................................83
2.5. Criminalidade e Violência...............................................................................................................93
2.6. Precariedades da Ocupação..........................................................................................................98
Saneamento básico ineficiente...................................................................................98
		
		
Precariedade por tamanho reduzido de lote............................................................99
		
Precariedade por coabitação....................................................................................100
Precariedade por acesso............................................................................................102
		
		
Precariedade por risco de soterramento..................................................................103
2.7. Vitalidade e Mobilidade das Ruas...............................................................................................108

9
2.8. Legislação Referente à Área........................................................................................................120
		
Plano Diretor Participativo de Fortaleza...................................................................120
		
Patrimônio..................................................................................................................127
2.9. Planejamento para a área em estudo..........................................................................................129
		
Projeto Orla................................................................................................................129
		
Descrição do Projeto Aldeia da Praia........................................................................133
		
Análise do Projeto Aldeia da Praia............................................................................138

3.
		

Proposta Projetual
Proposta projetual.................................................................................. 151

3.1 . Zoneamento de Aplicação dos Instrumentos dos Instrumentos do Estatuto da Cidade........153
3.2 Plano de Reestruturação Viária...................................................................................................156
3. 3. Plano de Remoções e Reassentamentos...................................................................................178
		
Remoção por reestruturação viária..........................................................................178
		
Remoção por proximidade do mar menor que 15 metros......................................179
		
Remoção por precariedade por tamanho................................................................179
		
Remoção por obstrução do patrimônio histórico Farol Velho................................180
		
Remoção em terreno de reassentamento................................................................181
3. 4. Tipologias Habitacionais Propostas para Reassentamento.....................................................183
		
Tipologia A – Unifamiliar sobrado.............................................................................188
		
Tipologia B – Unifamiliar térrea acessível..................................................................191
		
Tipologia C – Apartamento 2 quartos com ampliação.............................................193
		
Tipologia C – acessível...............................................................................................195
		
Tipologia D – Kitinete com ampliação......................................................................196
3. 4. Implantação dos reassentamentos............................................................................................198
		
Blocos Multifamiliares...............................................................................................198
		
Blocos de unidades Unifamiliares.............................................................................199
		
Implantação geral nos terrenos................................................................................199
3. 5. Plano de Espaços Livres e de Lazer.............................................................................................213
3. 6. Praça Campo do Paulista..............................................................................................................216
3. 7. Praça do Jangadeiro.....................................................................................................................222

4.
5.

		

Considerações Finais ......................................................................... 229
Considerações Finais

		

Referências Bibliográficas ............................................................. 233
Referências Bibliográficas

10
Introdução
Esse trabalho foi dividido em três etapas complementares: Referencial Teórico, Diagnóstico Participativo e Proposta Projetual. Embora na
sistematização aqui exposta essas etapas sejam separadas e bem delimitadas, a elaboração real do trabalho foi um processo rizomático,
em que as etapas estiveram sobrepostas durante vários momentos.
A primeira etapa correspondeu à construção do Referencial Teórico. Essa foi
uma fase de muita leitura e amadurecimento conceitual. O tema sustentabilidade urbana já havia sido previamente definido, por uma afinidade pessoal.
Embeber-me de vários autores na tentativa de definir, ou pelo menos apontar caminhos, para o que viria a ser a cidade sustentável, havia se tornado
uma necessidade pessoal que surgira em meados do curso de arquitetura e
urbanismo, em um momento em que, até então, meus interesses acadêmicos haviam se voltado ao estudo da arquitetura sustentável e bioclimática.
No momento em que as disciplinas de urbanismo me apresentaram uma
realidade brasileira desigual, injusta, e, contraditoriamente, cheia de vida,
a bolha da classe média em que eu habitava teve que ser rompida para
que eu pudesse ser apresentada ao mundo da cidade informal. Senti-me
atraída por aquela realidade espontânea e diversa, ao mesmo passo que
entendi que jamais poderia existir sustentabilidade sem justiça social.
Esse foi um momento de inquietude e redefinição dos meus interesses
acadêmicos. Eu já havia entrado em contato amplamente com conceitos
de sustentabilidade no ponto de vista mais tradicional e divulgado, mas
agora a questão era: e no Brasil que é um país extremante desigual? Separar o lixo, aproveitar a água da chuva, utilizar energia solar, andar de
bicicleta, de que tudo isso adiantaria se grande parte da população urbana brasileira vive sem saneamento básico? Por vezes sem casa, sem lazer?
Em outros casos, vivendo em alguma condição de precariedade ou risco?
Foi minha necessidade latente de desatar esse nó que motivou a construção do referencial teórico desse trabalho. E essa tal sustentabilidade? É a
temática que abre o meu texto. A partir desse mote houve um trabalho de
revisão bibliográfica sobre o tema sustentabilidade urbana, dando embasamento ao modo como eu direcionaria o diagnóstico e a proposta projetual.
A escolha do objeto de estudo e intervenção – a comunidade do Serviluz –,
se deu principalmente por dois motivos. O primeiro se relaciona ao momento em que essa comunidade se encontra como alvo de diversas propostas
e transformações. O segundo está relacionado a uma conveniência pessoal, pois essa era uma comunidade em que havia previamente uma possibilidade de aproximação através do conhecimento e acessibilidade a uma associação educativa dentro da comunidade: a Associação Boca do Golfinho.
Dessa forma, a segunda fase do trabalho foi o diagnóstico. Nessa etapa foram considerados tanto dados secundários como dados primários coletados in loco. Buscou-se entender a realidade local a partir dos depoimentos
EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

11
de moradores locais comuns, complementado a coleta de dados através
de documentos, análise cartográfica e trabalhos acadêmicos referentes
à área. O contato com a Associação Boca do Golfinho foi de fundamental importância para viabilidade dessa metodologia que será explicada
com detalhes mais adiante, dento do capitulo referente ao diagnóstico.
Denominei esse processo de diagnóstico participativo. Como o caráter do trabalho e o tempo disponível para realizá-lo impossibilitavam
que a elaboração da proposta projetual acontecesse de forma participativa, tentar chegar perto da comunidade na fase do diagnóstico foi
a forma que encontrei de driblar, pelo menos em parte, essa limitação.
A proposta projetual buscou levar amplamente em consideração o que
foi refletido durante a fase do diagnóstico. Dessa forma, o contato com a
comunidade antes e durante a elaboração do projeto foi de extrema importância para que a proposta buscasse ao máximo atender as reais demandas locais, mitigando precariedades e ampliando a qualidade de vida
no local, tudo isso em consonância com os anseios da população local.
A limitação, já mencionada, referente à realização da proposta de forma participativa, fez-me encarar a proposta projetual como um estudo preliminar. Dessa forma, assumo de antemão, que o que estará aqui
exposto não pretende ser uma versão final de projeto. O projeto aqui
apresentado se coloca como uma primeira proposta que deveria ser levada a avaliação pela comunidade do Serviluz. A ideia é que a partir de
uma primeira proposição possam surgir criticas e sugestões que sejam
capazes de lançar uma proposta final construída coletivamente. A importância aqui colocada à participação popular será mais adiante detalhada dentro do referencial teórico, que define o processo participativo como um dos pré-requisitos da construção da cidade sustentável.

12
1.

Referencial Teórico

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

13
14
1.1.

E essa tal Sustentabilidade ?

Esse tema tão discutido, divulgado, criticado e, sobretudo, vendido, já vem
fazendo parte do vocabulário da sociedade contemporânea há algumas
décadas. O conceito de sustentabilidade surgiu como uma crítica propositiva ao modelo moderno do crescimento sem limites, desconsiderando a capacidade de suporte dos recursos naturais existentes. Atualmente se percebe a ocorrência de uma certa “prostituição” do termo, conforme atesta
Leonardo Boff: “A maioria daquilo que vem anunciado por sustentável,
geralmente, não é. É uma etiqueta, um discurso que agrega valor.” (BOFF,
2012, p.09) Vale, para começar essa análise, entender o surgimento do conceito, sua crítica e suas novas perspectivas para reflexões atuais e futuras.
Quando de sua origem, o conceito de sustentabilidade estava relacionado primordialmente às questões ambientais frente à exploração da sociedade capitalista industrial. Somente em abordagens mais contemporâneas, as questões da justiça
social e da equidade ganham espaço de destaque, propondo um conceito mais abrangente denominado “responsabilidade socioambiental”.
Esse movimento questionador do modelo de produção e desenvolvimento moderno de caráter fortemente industrial se inicia no final da década e 1960, começo da década de 1970 a partir dos primeiros indícios
das mudanças climáticas e da crise do petróleo. Em 1968, um grupo internacional de intelectuais constitui o chamado Clube de Roma, o qual,
em 1972, viria a publicar uma forte crítica ao modelo econômico dos países industrializados. Elaborado por uma equipe do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), sob encomenda do referido Clube de Roma, o
relatório intitulado “Os limites do crescimento” trouxe à tona a necessidade de associar a natureza ao desenvolvimento econômico. A publicação pioneira vendeu mais de trinta milhões de cópias, em trinta idiomas, tornando-se o livro sobre meio ambiente mais vendido da história.
A publicação alarmante colocou a questão no centro das discussões da
ONU (Organização das Nações Unidas), que, no mesmo ano de 1972,
promoveu a “Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio
Ambiente” em Estocolmo. Na ocasião, foi constatada a necessidade da
criação do PNUMA (Programa das nações Unidas para Meio Ambiente).
Uma outra conferencia, realizada em 1984, deu origem à CMMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), com objetivo
de criar uma agenda global para mudança de postura global em relação
ao meio ambiente. Em 1987, um relatório intitulado “Nosso Futuro Comum” foi publicado pela primeira-ministra norueguesa Gro Haarlem Brundland como resultado dos trabalhos dessa comissão. Foi nesse relatório
que o termo “desenvolvimento sustentável”, tão difundido até os dias
atuais, foi definido pela primeira vez. A Sra. Brundland definiu desenvolvimento sustentável como “aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
atender suas necessidades e aspirações”. (Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e desenvolvimento, 1988, p.9 apud COMPANS, 2009, p.121)
EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

15
Nesse momento inicial, as preocupações e os debates estavam mais diretamente relacionados à questão ambiental e econômica. A constatação
da degradação ambiental e das mudanças climáticas provocadas pelo
modelo econômico vigente apontava para a necessidade de uma forma
de desenvolvimento que minimizasse os danos ambientais. Foi somente
na década de 1990 que a questão social passou a ser incluída dentro da
noção de desenvolvimento sustentável. Apesar de tal inclusão ter ocorrido há cerca de duas décadas, observamos que, em diversas abordagens
da mídia e do senso comum, e até em trabalhos acadêmicos contemporâneos, o termo sustentabilidade ainda é utilizado de modo a remeter
apenas – ou primordialmente – a questões ecológicas e econômicas.
	
A difundida noção de desenvolvimento sustentável ligada à
preocupação com os três pilares – econômico, social e ambiental – surgiu no ano de 1990, idealizada pelo britânico John Elking, fundador
da ONG SustainAbilility. O conceito é chamado de Triple Botton Line
ou principio dos três P’s: Profit, People, Planet. (BOOF, p.44, 2012)
Outra conferência internacional da ONU de grande relevância histórica ocorreu em 1992, no Rio de Janeiro, tendo ficado conhecida como
Eco-92. Esse evento teve grande repercussão nacional e mundial, divulgando e consolidando a necessidade de uma mudança de postura no
conceito de desenvolvimento. Um dos produtos mais importantes dessa conferência foi a Agenda 21: um abrangente plano de ação a ser implementado por governos, agências de desenvolvimento, a Organização
das Nações Unidas (e suas agências especializadas) e grupos setoriais
independentes em cada área. O mencionado documento representa
o primeiro esforço de sistematização de um amplo programa de ação
para a transição rumo ao alcance do “desenvolvimento sustentável”.
A agenda 21 confirmou e consolidou a noção de desenvolvimento sustentável ligado a preocupações tanto ambientais como sociais. Três de
seus capítulos foram dedicados a questões eminentemente sociais: Capítulo 3 - Combate a Pobreza, Capítulo 6- Proteção e promoção das condições de saúde humana, Capítulo 7- Promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos. Dessa forma, hoje já existe uma
clara diferença conceitual entre a abordagem ecológica, que pretende
albergar uma responsabilidade e respeito ao meio ambiente; e a abordagem sustentável, entendida como uma postura que almeja integrar o
desenvolvimento econômico a uma responsabilidade socioambiental.
Após essa marcante Conferencia (ECO-92), em que parecia haver um consenso mundial das nações quanto à necessidade de uma ética política em
que todos devem cooperar em um espírito de parceria global a fim de se alcançar o desenvolvimento sustentável, houve uma progressiva perda desse espírito de cooperação e comprometimento nas conferências a seguir.
Em 1997, na Rio+5, constatou-se que muitas das metas e compromissos assumidos pelas nações não estavam sendo cumpridos. Em 2000, em Haia,
na Holanda, a conferência sobre mudanças climáticas terminou em fracasso. Houve um impasse sobre a questão da diminuição de emissão dos GEE
(Gases Efeito Estufa). O compromisso acordado anteriormente no Protocolo de Kyoto, em 1997, foi questionado pelos Estados Unidos – país mais

16
poluente - que argumentaram a possibilidade de os países industrializados
concederem ajuda financeira a outros países para que estes reduzissem
sua emissão de GEE. A União Europeia insistiu que os próprios países industrializados deveriam reduzir suas emissões e, portanto, não houve acordo.
Depois desse ocorrido histórico, em que se acirrou o clima de disputa de poder entre as grandes potências, ficava cada vez mais
evidente que os interesses econômicos corporativos se sobrepunham ao sentido de sustentabilidade. O sonho do desenvolvimento sustentável começa, então, a ser colocado em cheque.
Para Leonardo Boff (2012, p.45), o próprio termo “desenvolvimento sustentável” é contraditório e incoerente em seu principio, pois, segundo
ele, desenvolvimento e sustentabilidade atendem a duas lógicas opostas e incompatíveis. Enquanto o desenvolvimento (capitalista) obedece a uma lógica linear, individualista, da acumulação, da exploração
da natureza e do homem, gerando profundas desigualdades – riqueza
de um lado, pobreza de outro; a lógica da sustentabilidade é circular,
holística, includente, valoriza a cooperação, a coevolução, a interdependência de todos com todos, busca a o equilíbrio dinâmico dos ecossistemas. Nesse sentido, na visão do autor, não é possível alcançar a
sustentabilidade dentro do atual paradigma de produção e consumo. Argumenta que o principal defeito de todas as definições dos organismos
da ONU é colocar o homem acima da natureza, não como parte dela.
Boff reconhece o valor de algumas medidas e posturas que foram tomadas em prol do desenvolvimento sustentável, como produção em
níveis de mais baixo carbono, utilização de energias alternativas, reflorestamento de regiões degradadas e criação de melhores sumidouros
de dejetos, mas afirma que tudo é realizado desde que não afetem os
lucros. No seu ponto de vista, a utilização da expressão desenvolvimento sustentável possui uma significação política importante: representa
uma maneira hábil de desviar a atenção para os reais problemas como
a injustiça social e o aquecimento global crescente, por exemplo. “Em
conclusão, no modelo de desenvolvimento que se quer sustentável,
o discurso da sustentabilidade é vazio e retórico.” (BOFF, 2012, p. 47)
Leonardo Boff (2012) defende um avanço face à compreensão convencional de sustentabilidade, propõe a reflexão sobre a criação de um novo paradigma que entenda Terra/humanidade/desenvolvimento como um único
e grande sistema. Para isso ele menciona a necessidade da criação de um
novo “software mental”, um design diferente da nossa forma de pensar e
ler a realidade. Não seria o mesmo pensamento que nos trouxe até a situação atual que nos vai tirar dela. Segundo o autor, para além da razão intelectual, é preciso inteligência emocional e cordial que nos faça perceber que
fazemos parte de um todo, que estamos conectados com os demais seres.
Boff menciona ainda um aspecto subjetivo que, para ele, é essencial para a verdadeira sustentabilidade: o cuidado essencial.
(...) Entendemos cuidado não como uma virtude ou uma simples
atitude de zelo e de preocupação por aquilo que amamos ou com
o qual nos sentimos envolvidos. Cuidado é também isso. Mas fundamentalmente configura um modelo de ser, uma relação nova

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

17
para com a realidade, a Terra, a natureza e o outro ser humano.
Ele comparece como um paradigma que se torna mais compreensível se o compararmos com o paradigma da modernidade.
Este se organiza sobre a vontade de poder, poder como dominação, como acumulação, como conquista da natureza e dos outros povos. O cuidado é o oposto do paradigma da conquista.
Tem haver como já dizíamos anteriormente, com um gesto amoroso, acolhedor, respeitador do outro, da natureza e da Terra.
Quem cuida não se coloca sobre o outro, dominando-o, mas junto dele, convivendo, dando-lhe conforto e paz. (BOFF, 2012, p. 93)

O autor faz um elogio à ética de vida dos povos andinos que vão desde a
Patagônia até o norte na América do Sul e do Caribe. O ideal de vida desses
povos é o “bem-viver” (sumak kawsay ou suma qamaña). Diferente do
nosso do conhecido conceito de ‘qualidade de vida’, o ‘bem viver’ visa à
ética da suficiência para toda a comunidade, não apenas do individuo. Busca o caminho de equilíbrio com Pacha (energia universal) que se concentra
na Pachamama (Mãe Terra). Pressupõe uma visão Holística e integradora
do ser humano inserido na grande comunidade terrena que inclui, além do
ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais.
Não restam dúvidas de que a abordagem de Boff tem sua parcela de
idealismo comparado ao modo de vida e organização das sociedades
atuais, mas a reflexão sobre os princípios com base nos quais estamos
construindo nossa sociedade e sobre de que forma nos relacionamos
com o mundo é bastante relevante, sobretudo no contexto em que estamos vivendo atualmente. Momento em que o sonho do desenvolvimento sustentável começa a se mostrar inviável diante da atual lógica
do capitalismo-industrial; em que os interesses econômicos se impõem
de forma esmagadora diante da tentativa de semear outros valores.
Momento também em que (desde 1998) grande parte dos países desenvolvidos e industrializados passam por uma assoladora crise financeira mundial decorrente do próprio sistema capitalista (insustentável).
Recentemente, mais uma vez a cidade do Rio de Janeiro, Brasil, foi palco de uma Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS). Também conhecido como Rio+20, o evento ocorreu
entre os dias 13 e 22 de junho de 2012. O documento oficial resultante da conferência - O Futuro que Nós Queremos – reafirma os compromissos anteriores, como a Agenda 21, por exemplo; define quais são os
próximos desafios; e reconhece o pouco avanço em algumas áreas.
É interessante perceber que a ideia dos três pilares (econômico, social e
ambiental) apresenta-se muito forte em todo o texto do documento, sendo essa definição de desenvolvimento sustentável a mais aceita atualmente. Outro dado relevante do documento é que as questões sociais estão
sendo colocadas com destaque cada vez maior. No tópico “Nossa Visão
Comum”, os dois primeiros enunciados demonstram claramente isso:
1.	 Nós, os chefes de Estado e de Governo e os representantes de alto nível, tendo nos reunido no Rio de Janeiro (Brasil)
do dia 20 a 22 de junho de 2012, com a plena participação da sociedade civil, renovamos nosso compromisso em favor do desenvolvimento sustentável e a promoção de um futuro sustentável desde o ponto de vista econômico, social e ambiental

18
para nosso planeta e para as gerações presentes e futuras.
2.	 A erradicação da pobreza é o maior problema que afronta o mundo na atualidade e uma condição indispensável de desenvolvimento sustentável. (CMMAD, 2009, p. 01)

Em trecho do próprio documento - O Futuro que Nós Queremos – é perceptível que foi dada uma grande liberdade aos Estados-Membros, enfatizando que cada um deve buscar o desenvolvimento sustentável dentro de
suas possibilidades e objetivos internos. A ênfase dada foi aos conceitos,
que por vezes se tornavam vagos por não indicar parâmetros ou metas concretas, havendo, dessa forma, uma menor cobrança de responsabilidades
e prazos. Talvez essa tenha sido uma estratégia de promover um evento
que voltasse a trazer a esperança da sustentabilidade, sem bater de frente
com os interesses opostos de algumas nações, em um contexto de tantos
acordos não cumpridos e conflitos de interesses dos últimos anos. Vejamos como essa falta de objetividade se reflete no texto do documento:
247. Também resaltamos que os objetivos do desenvolvimento
sustentável devem estar orientados a ação, ser concisos e fáceis
de comunicar, limitados em seu número e ambiciosos, ter um caráter global e ser universalmente aplicáveis a todos os países, levando em consideração as diferentes realidades, capacidade e
níveis de desenvolvimento nacionais e respeitando as políticas e
prioridades nacionais. Também reconhecemos que os objetivos
devem guardar relação com ambitos prioritários para alcançar o
desenvolvimento sustentável, e focar neles, segundo as orientações do presente documento final. Os governos devem impulsionar trabalhos relacionados, com a participação ativa de todos
os interessados, conforme apropriado. (CMMAD, 2009, p. 53)
Apesar de toda a crítica, o atual secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou o evento muito bem sucedido por ter conseguido equilibrar a visão de 193
Estados-Membros, reconhecendo a pobreza como principal desafio para o bemestar econômico, social e ambiental; e a necessidade de ir alem do PIB como medida de progresso, identificando a economia verde como um caminho de inclusão
social, crescimento econômico e preservação ambiental. (NAÇÕES UNIDAS, 2012)
Aparte todos os impasses e criticas acerca do tema desenvolvimento sustentável, ou apenas sustentabilidade, é importante entender que essa é uma discussão contemporânea, simboliza a constatação de que o modelo em que vivemos
necessita de mudanças, representa a esperança da construção de algo novo que
possa promover um futuro desejável. Em um sentido mais amplo, vale considerar
que o conceito de sustentabilidade é uma construção social, passível de evolução,
de diferentes interpretações e, também, de apropriações inadequadas do termo.
Segundo Henri Acselrad (2009, pp.44-45), sustentabilidade é um principio
em evolução, um conceito infinito. “Mas como definir algo que não existe?” (idem) E que ao existir será uma construção social passível de diversas interpretações e praticas que se pretendem legitimas, reivindicando
em seu nome? Para o autor, existe uma disputa pela expressão, pois “aquelas práticas que se legitimem como sustentáveis serão entendidas como
compatíveis com a qualidade futura postulada como desejável.” (idem)
Considerando a abordagem de Herri Acselrad, entendemos que o debate sobre sustentabilidade é válido justamente por representar aquilo que será compreendido como positivo para o futuro de nossa sociedade. Também por entender que a maquina do capital terá interesse sobre esse termo justamente

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

19
por ele legitimar aquilo que a sociedade e as lideranças mundiais consideram
como desejável. É preciso colocar em pauta o que será esse “desejável”, buscando uma coerência com o motivo pelo qual todo esse debate se iniciou: a
percepção que o modelo atual de desenvolvimento, que visa o crescimento sem limites e que coloca interesses da avassaladora busca pelo lucro acima
de todos os outros valores, acaba por gerar um ambiente desarmônico e contraditório com inúmeros impactos ambientais e desigualdades sociais. Avançaremos mais nessa discussão enfocando nosso objeto de estudo, as cidades.

1.2.

A Sustentabilidade no Debate Urbano

Desde que se iniciaram os debates acerca do desenvolvimento sustentável nas convenções e eventos internacionais, em grande parte fomentados pela ONU, vem sendo colocado em pauta também o conceito de
“cidades sustentáveis”. Influenciado pelas proposições da Agenda 21, o
conceito de cidade sustentável começa a ser elaborado com a perspectiva de dar durabilidade ao desenvolvimento urbano. Assim, de acordo
com Sanchez (2009), a imagem de cidade-modelo difundida internacionalmente “própria da virada do século” associa os ingredientes de competitividade e sustentabilidade a um mesmo ideal de cidade globalizada.
Essa relação de cidade sustentável associada à cidade global e competitiva está fortemente ligada ao que chamamos de city marketing, ou
seja, a sustentabilidade é tida como uma qualidade essencial para as
cidades serem bem vistas no mercado internacional, atraindo investimentos e autopromovendo sua imagem. Nesse contexto, o sentido
de sustentabilidade está relacionado mais fortemente à modernização
ecológica das cidades, neutralizando a crítica ambientalista e deixando de colocar em pauta as contradições sociais das grandes cidades.
O professor da UFRJ Henri Acselrad traduz muito bem esse cenário:
(...) Uma tendência forte, nesse debate, procura circunscrever a
questão de durabilidade das cidades à simples necessidade de um
ajuste ecológico dos fluxos urbanos. É visível o esforço de reduzir
os grandes desafios urbanos às possibilidades da chamada “modernização ecológica das cidades”, processo pelo qual as instituições
políticas procuram conciliar o crescimento urbano com a resolução
dos problemas ambientais, dando ênfase à adaptação tecnológica
, à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração
e no consenso. Tal abordagem é, em essência, compatível com o
chamado “pensamento único urbano” que exige das cidades que se
ajustem aos propósitos tidos por inelutáveis na globalização financeira. A chamada “inserção competitiva” é, neste ideário, evocada
para pressioná-las a se transformarem em espaços autônomos em
disputa – inclusive pela via da afirmação de seus atributos “ambientais” – por investimentos nos mercados internacionalizados. A cidade do “pensamento único” é, consequentemente, a cidade do “ambiente único” – o ambiente dos negócios. (ACSELRAD, 2009, p.38)

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Assim como o conceito de desenvolvimento sustentável vem passando por uma crise ideológica, o termo cidades sustentáveis colocado desta maneira também vem passando por diversos questionamentos. Para Acselrad (2009), o discurso puramente ambiental
desconsidera a complexidade social e a dimensão política do espaço
urbano. O pensamento do ambiente único propõe uma postura supraclassista: como o meio ambiente é de interesse de todos, devemos dar
as mãos para protegê-lo. No entanto, a sociedade é socialmente fragmentada, e será a política de uma classe dominante que ditará as regras.
A legitimação de políticas urbanas que utilizam o conceito de “cidade
sustentável” como instrumento do marketing city para promover as cidades no mercado mundial, muitas vezes, tende a acentuar a segregação sócio-espacial. Isso acontece em parte porque os benefícios desses
investimentos internacionais privilegia predominantemente a classe
dominante, as grandes empresas; em parte porque o esforço das cidades para se tornarem atraentes ao capital mundial demanda grandes investimentos, e acabam por reduzir os recursos que deveriam
ser direcionados para resolver os seus problemas mais graves: a segregação sócio-espacial, e a falta de infraestrutura da cidade informal.
A meu ver, a crítica à “cidade sustentável” possui a mesma raiz do questionamento do “desenvolvimento sustentável” e fazem parte de um
mesmo momento histórico de parada para reflexão acerca do sonho da
sustentabilidade. A literatura mais recente a respeito do tema - cidade
sustentável - reivindica uma abordagem mais abrangente, que envolva
não apenas questões ambientais, mas também questões de bem estar e
equidade social. Observemos a crítica propositiva de Henrique Rattner.
O maior desafio de nossa civilização urbano-industrial é o de
como transformar uma estratégia de crescimento econômico
direcionada contra a maioria pobre da população em um modelo de sustentabilidade baseado no bem-estar humano. Como,
então, podemos substituir o principio da competição por empregos, mercados, riqueza e poder – imposto a populações indefesas como condição de sobrevivência – pela cooperação,
como principal pilar de sustentação? (RATTNER, 2009, p.10)

Se analisarmos bem, é possível perceber um diálogo entre a visão de Rattner e o pensamento de Leonardo Boff colocado no item anterior (E essa
tal sustentabilidade?- p.06 E 07).
Outra critica que coloca em cheque a ambientalização das cidades que desconsidera a dimensão social é a percepção de que, na maioria dos casos, a
origem da degradação do meio ambiente está diretamente relacionada a
questões sociais. No caso brasileiro, essa relação se apresenta muito claramente. Por falta de alternativa do mercado formal, grande parte da população acaba ocupando irregularmente terrenos urbanos para construir
sua moradia. Como em terrenos de proteção ambiental não é permitido
haver construções licitamente, esses tornam-se, frequentemente, o alvo
das ocupações pelas populações excluídas. Trazendo maior gravame a tal
panorama, esses assentamentos demoram, ou nem chegam a ter saneamento básico e coleta de lixo, piorando ainda mais a situação ambiental e de salubridade. Para Acselrad, existe uma inseparabilidade analítica
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entre justiça e ecologia: “A raiz da degradação do meio ambiente seria a
mesma da desigualdade social.” (2009, p.50) Maria Lúcia Relinetti Martins faz uma ótima descrição da situação brasileira colocando em pauta
a globalização, e as questões sociais e ambientais nas cidades brasileiras:
(...) é preciso reconhecer que o impacto da chamada globalização no processo de empobrecimento das cidades tem suas raízes nos ajustes fiscais, com recuo nas políticas públicas sociais,
aumento do desemprego e precarização do trabalho e desregulamentação na ação do Estado priorizando o mercado privado.
Ainda que nos últimos anos esse quadro tenha apresentado alguma
recuperação, e o acesso a bens de consumo pela população mais
pobre tenha significativamente ampliado, a maioria dos brasileiros,
principalmente nas grandes cidades, não encontra oferta de solução
de moradia adequada, nem pelo mercado, nem pelos programas públicos, acabando banida da condição de cidadania, tanto pela condição econômica, quanto pelas restrições urbanísticas e ambientais. A
consequência é que a população se instale em loteamentos irregulares, ocupações informais e favelas, justamente nos lugares ambientalmente frágeis, “protegidos por lei”, portanto desconsiderados
pelo mercado imobiliário formal – assim como em edifícios que se
tornam obsoletos, perdem valor de locação, terminam abandonados
e se transformam em cortiços e ocupações com qualidade precária.
(...)
É nesse quadro que cabe aprofundar sobre forma da cidade do século XXI, densidade e condições ambientais do assentamento nas
grandes concentrações urbanas e desenvolver alternativas de desenho urbano que contemplem objetivos ambientais e sociais. (MARTINS, 2011, p. 144)

Até este ponto, fizemos um breve apanhado sobre quais são os principais questionamentos que o termo cidade sustentável vem sofrendo. Esse conceito pode ter diversas interpretações, e pode ser
apropriado por diversos atores que buscam, sob o manto do termo
“sustentabilidade”, conferir legitimidade às suas posturas. Porém, ainda não chegamos a definir em que propriamente consiste uma postura sustentável para cidades, que ações e medidas isso envolve.
Começamos pela crítica para mostrar o quão disputado é esse termo, para evidenciar que essa questão ultrapassa um conhecimento técnico ou acadêmico. Na realidade, esse é um debate que
envolve questões também políticas. Um debate no qual “certo número de atores envolvidos na produção do espaço urbano procura dar legitimidade as suas perspectivas.” (ACSELRAD, 2009, p.53)
Percebemos também que o termo sustentabilidade passa por um momento
em que se almeja romper com a noção de que a sustentabilidade deve estar
a serviço dos interesses econômicos e tenta se implementar uma postura
que aprofunde mais a complexa dinâmica da sociedade. Coloca questões
como equidade e bem estar social associadas à necessidade de um meio
ambiente equilibrado, ousando ainda propor que esses interesses devem
estar à frente do ideal de progresso ligado ao desenvolvimento econômico.
Aprofundaremos agora quais são as posturas que acredito estarem efetivamente relacionadas à cidade sustentável. Primeiramente, precisamos ter em vista que, como sustentabilidade está relacionado com tudo

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aquilo que representa o que se considera desejável para o espaço urbano, existem diversas abordagens que se apropriam do termo. Para Herri
Acselrad (2009, pp.54-64), existem três diferentes sentidos aos quais se
associa o conceito de ‘cidade sustentável’: a representação técnica material das cidades (relaciona-se à noção de racionalidade ecoenergética e
equilíbrio metabólico das cidades), a cidade como um espaço de qualidade
de vida (relaciona-se à noção de urbanidade, cidadania e patrimônio) e a
cidade como um espaço de legitimação das políticas urbanas (relacionase á noção de eficiência e promoção da equidade pelo poder público).
No próximo item, detalharemos esses conceitos considerando a abordagem de Acselrad e colocando também a visão de outros autores, na
tentativa de enriquecer e aprofundar o estudo. Impende ressaltar que
em todas essas abordagens existe um esforço técnico-teórico de repensar a cidades em que vivemos na tentativa de torná-las melhores e mais
duráveis, contudo, todos eles estão sujeitos a serem utilizados como
legitimadores de uma ou outra postura de diferentes atores sociais.

1.3.

Diversos sentidos atribuídos a
“cidade sustentável”.

A representação técnico-material das cidades – cidades ecológicas.
Esse primeiro sentido atribuído à cidade sustentável está relacionado mais
diretamente à base física e material das cidades, em grande parte influenciado pelas primeiras conferencias internacionais sobre clima e mudanças
climáticas. Naquele primeiro momento, houve um processo de elaboração de estratégias urbanas com foco predominantemente na racionalidade ecoenergética. Para Henri Acselrad (2009, p. 54), nesse aspecto,
“a cidade será vista em sua continuidade material de estoques e fluxos.”
É uma articulação que associa a transição para a sustentabilidade urbana com enfoque no ajustamento das bases técnicas das cidades, a partir
de modelos de racionalidade ecoenergética ou de metabolismo urbano.
Conforme registra Dominique Gauzin-Müller (2006,p.34), um dos primeiros a militar a favor da ecologia urbana foi o professor alemão Ekhart Hahn
que, em 1987 – mesmo ano de lançamento do relatório “Nosso Futuro Comum” da Sra. Brundland -, publicou sua obra Ökologische Stadtplanungn
(Planejamento Urbano Ecológico). Aprofundou seus estudos através da investigação teórica associada a estudos de caso, lançando, no inicio dos anos
1990, um informe intitulado Ökologischer Stadtumbau (Renovação Urbana Ecológica). Essa obra aponta medidas para o planejamento sustentável
das cidades, dividindo-as em três categorias: Concepção urbana e técnicas
urbanas; divulgação sobre ecologia e democracia local; e economia com
ecologia. Vejamos como se organizavam essas medidas na tabela abaixo.

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Concepção Urbana e
técnicas urbanas

Divulgação sobre ecologia e
democracia local

 Arquitetura e
Ecologia na
construção

 Participação e
responsabilidade das pessoas
envolvidas;

 Fornecimento de
calor e de
eletricidade;

 Informação e consulta sobre o
meio ambiente;

 Gestão da água;
 Gestão de
deslocamentos;
 Redução de resíduos
e reciclagem
ecológica;
 Zonas verdes e
proteção da
natureza;
 Clima urbano e
qualidade do ar;
 Proteção do solo e da
água;
 Proteção contra
ruído;

 Descentralização de
administração e da tomada de
decisões;

Economia e ecologia

 Imposto sobre a energia;
 Taxa sobre emissões
contaminantes;
 Cobrança segundo consumo;
 Contabilidade ecológica para
empresas e instituições;

 Formação sobre o meio
ambiente e programas sobre
assistência e qualificação;

 Adaptação das ferramentas de
planejamento, de normatização de
edificação e das normativas sobre
construção;

 Novos modelos de
cooperativas e de promoção
imobiliária

 Posta em marcha de medidas
impulsionadoras e de ajuda
econômica;

 Criação de ecocentros, centros
culturais e de divulgação sobre
ecologia descentralizados;

 Estratégias ecológicas para as
atividades artesanais, comerciais e
industriais;

 Criação de agencias para a
energia a água e os resíduos;

 Criação de centros de serviços,
comércios e atividades ecológicas;

 Novos modelos de habitação e
de convivência.

 Criação de postos de trabalho no
setor da ecologia.

 Saúde e alimentação.
Tabela 01. Medidas
para um planejamento sustentável para a
cidade em três ambitos
de intervenção. (fonte:
HAHN, Ekhart. Ökologischer Stadtumbau:
Theorie und Konzept.
1992. appud GauzinMuller, Dominic. Arquitetura Ecologica. 2006.)
Tradução da autora.

Hoje esse modelo de intervenção sofre intensas críticas de alguns autores (SANCHEZ, 2009; MOURA, 2009; ACSELRAD,2009) que consideram
que essa abordagem supervaloriza a base material das cidades esquecendo a complexidade social urbana. Os projetos de revitalização ou
renovação urbana provocam um processo de valorização do espaço urbano aumentando o preço dos terrenos e, em grande parte das vezes,
provocando um processo de “gentrificação” ou elitização do espaço.
Intencionalmente ou não, esses projetos têm, por vezes, acentuado as desigualdades sociais e territoriais. Fernanda Sanchez faz uma forte critica
aos projetos de revitalização justificados pela sustentabilidade, fazendo
uma associação direta desses projetos com o city marketing das cidades.
Em nome da sustentabilidade e da competitividade, muitos desses
projetos “revitalizadores” de regiões da cidade demarcam novas
fronteiras urbanas e desencadeiam processos de expulsão social e
de gentrificação, de conversão de segmentos da cidade às exigências e aos padrões de uma nova geografia, uma recodificação das relações sociais ao mesmo tempo inclusiva e excludente. Possivelmen-

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te a imagem esplendorosa do renascimento de uma área promovida
pelo city marketing não corresponda ao sentimento de espoliação
por parte dos cidadãos que veem nas empreitadas “revitalizadoras”
um séria ameaça à sua forma de vida social e à sua identidade urbana. Entretanto, os conflitos sociais gerados pela reestruturação
e as questões trazidas por qualquer movimento de resistência são
rapidamente minimizados pela e esvaziados de seu conteúdo político na linguagem oficial sobre cidades. (SANCHEZ, 2009, p.179-180)

Dominique Gauzin-Müller (2006, p.77) apresenta o projeto para o bairro
GWL, Ansterdan – bairro sem carros em uma zona industrial obsoleta –
como um bom exemplo de urbanismo sustentável, entretanto, ao final da
descrição do projeto, comenta que a ação teve por objetivo também atrair
um novo público residente para uma região anteriormente conhecida como
uma das mais pobres de Amsterdam e admite que o projeto sofreu algumas criticas justamente por essa mudança de composição social induzida.
A cidade de Curitiba no Paraná, famosa como cidade - modelo de sustentabilidade e qualidade de vida, por possuir um sistema de transporte público
e de espaços livres conhecido nacional e internacionalmente como exemplares, hoje sofre também diversas críticas. Rosa Moura (2009) denuncia
que o modelo é apoiado em uma política excludente e retórica com forte
apelo de marketing. Segundo ela, a Curitiba com infraestrutura e serviços
modernos de qualidade está restrita a uma população seleta, pois, além de
exercer um forte controle sobre o solo urbano dentro da cidade – evitando ocupações irregulares –, não oferece alternativas habitacionais à classe
de menor renda e à grande quantidade de migrantes. Dessa forma, essa
população acaba afastada para municípios vizinhos da região metropolitana com legislações flexíveis, ocupando muitas vezes áreas de mananciais.
Essas cidades-dormitório, não possuem arrecadação suficiente para prover condições de vida mínimas a seus habitantes. (MOURA, 2009, P. 240)
(...) Nesse sentido, a sustentabilidade pretendida por Curitiba é praticamente inatingível, pois mesmo que a gestão local
demonstre certa agilidade na satisfação das necessidades intramunicipais, a privação do entorno metropolitano aponta as
fragilidades nos elos entre as políticas urbanas e o espaço urbanizado sob abrangência direta do polo. (MOURA, 2009, P. 240)
Outra critica é a abertura da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) que atraiu
empresas de alta tecnologia, não absorvedoras de mão de obra local, em
um projeto em que o poder público ofereceu subsídios expressivos relativos à oferta de terreno e isenções tributárias. Moura (2009, p.228) pondera que o projeto segue uma política agressiva de industrialização forjada pelas elites locais para concretização dos interesses do capital industrial
local. Assim, “embora fortemente apoiado no discurso internacional, o modelo Curitiba mantém um envolvimento bastante seletivo dos diferentes atores urbanos no processo de planejamento e gestão.” (MOURA, 2009, P. 241)

A acrítica de que o argumento da sustentabilidade não pode legitimar a
ampliação da segregação sócio-espacial é bastante coerente neste debate.
Porem, nesse momento, faz-se válida uma reflexão. Será que as medidas tomadas por esses projetos tão reconhecidos e elogiados pelas organizações
internacionais e por grande parte da população não tem nenhuma validade?

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A priorização de pedestres, ciclistas e transportes públicos em detrimento
do carro; os aprofundados estudos sobre edificações de energia passiva e
de baixo impacto; a inserção de áreas verdes de lazer no espaço urbano;
nada disso significou nenhum avanço na disciplina do planejamento urbano?
A apropriação desse conhecimento por atores sociais no âmbito público
ou privado em prol de mecanismos de marketing, atração de investimentos ou inserção em mercados globais, ou ainda a gentrificação do espaço
urbano ocasionada por esse processo não significa dizer que os conceitos
ecológicos elaborados para as cidades tinham essa finalidade em sua essência quando foram idealizados. Está claro que a mudança da base técnico material das cidades não é suficiente para produzir a “realidade desejável” de Acserald, tampouco podemos desconsiderá-la como avanço.
Cidade como espaço da qualidade de vida – urbanidade.
“Uma nova matriz técnica das cidades é também pensada por razões de
‘qualidade de vida’ – componentes não mercantis da existência cotidiana e
cidadã da população urbana.” (Acserald, 2009, p. 59). Essa abordagem da
qualidade de vida resgata sentidos como cidadania, diálogo e patrimônio,
tanto material (arquitetônico), como imaterial – fortalecimento do sentimento de pertencimento dos habitantes que se relaciona tanto com a estrutura física como com a composição e dinâmica social dos lugares da cidade.
Um conceito que dialoga com esse debate é a noção de urbanidade. Embora na literatura esse conceito não esteja normalmente vinculado ao
termo sustentabilidade em si, os princípios de urbanidade se relacionam
com a ideia de duração das cidades, manutenção de cidades boas de viver – espaços urbanos vivos, com vitalidade representariam a imagem de
‘urbanidade’; e a destruição das cidades e morte dos espaços públicos representam a imagem de ‘desurbanidade’. “O desurbanismo, não se engane, é uma estratégia de destruição de cidades.” (FIGUEIREDO, 2010, p.21).
Aprofundaremos o tema concernente à urbanidade por considerá-lo
de grande relevância para o estudo da qualidade de vida nos espaços
urbanos. Porém, antes de adentrar conceitualmente em que praticas e formas urbanas consiste a urbanidade, proponho começar esse
debate por uma dimensão simbólica acerca o que seria o ‘sentimento de urbanidade’ dos lugares. Andrade (2010) em ensaio “Onde está
a urbanidade: num bairro central de Berlim ou em uma favela Carioca” descreve o sentimento que teve ao morar na cidade de Berlim:
(...) a minha facilidade de adaptação à cidade foi tal que, antes mesmo de eu conseguir pronunciar frases simples em alemão, já tinha
desenvolvido um domínio sobre ela que me permitia vivê-la como
se estivesse na minha própria pátria. Este sentimento de cidadania estava relacionado tanto ao espaço físico quanto ao social. Em
outras palavras, eu me sentia acolhida por estas duas dimensões
do espaço berlinense, que me davam uma liberdade para a vida
urbana que eu nunca tinha sentido antes. (Andrade, 2010, p. 3)

Completa seu pensamento afirmando que jamais sentira isso em sua própria
cidade natal, o Rio de Janeiro, embora tenha morado lá por maior parte de
sua vida. Essa constatação a deixou surpresa. O sentimento de cidadania,

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liberdade e conforto no espaço público de uma cidade se aproxima do que
se entende hoje por urbanidade. Conquanto subjetivo, podemos afirmar
que esse sentimento se relaciona diretamente com a arquitetura e o desenho urbano das cidades. Em que pese o conceito de urbanidade ter diversas definições, é principalmente nesse ponto que reside o aprofundamento da temática: pensar a cidade para ser boa e confortável para as pessoas.
Esse sentimento de urbanidade parece estar principalmente relacionado a algumas relações criadas entre os indivíduos e o espaço: o
quão as pessoas se sentem seguras (Jacobs, 2009 ; Andrade, 2010), o
quão se sentem acolhidas pela escala dos lugares (Gehl, 2012) , o quão
se sentem a vontade e convidadas a interagir socialmente no espaço (Andrade, 2010; Jacobs; 2009) e o quão o espaço público é capaz
de promover a convivência passiva ou ativa de pessoas de diversos interesses, idades e origens sociais (Holanda, 2010; Figueiredo, 2010).
Alcançar a qualidade dessas relações por sua vez está vinculado a algumas características do espaço urbano. Por exemplo, a constância de pessoas transitando pelas ruas e calçadas; a existência de espaços livres bem
estruturados e acolhedores, em lugares movimentados; e a facilidade e
conforto da realização de deslocamentos são colocados pela literatura
como características que favorecem que esses sentimentos de conforto e bem estar sejam garantidos nas cidades. Mas a questão é: como alcançar esses atributos para que as cidades sejam lugares bons de viver?
A mistura de usos é um quesito unânime dentre os estudiosos de urbanidade. A autora Jane Jacobs enfoca com muita propriedade essa questão
em sua célebre obra “Morte e Vida de Grandes Cidades”, publicada ainda
na década de 1960 foi pioneira ao estudar essas relações da população
com o espaço urbano. Embora não se refira ao conceito de urbanidade
especificamente, talvez ainda inexistente naquele momento, tem suas
ideias com grande aceitação e respaldo pelos atuais estudiosos do tema.
Segundo ela (Jacobs, 2009), a presença de pessoas transitando pelas
ruas e calçadas em diversas horas do dia é característica fundamental
para que os lugares sejam considerados seguros e a população se sinta à vontade de caminhar, interagir e desfrutar do espaço urbano sem
medo. Considera essa convivência urbana benéfica para todos, por criar
uma atmosfera de confiança e identidade. Afirma que, por mais que os
contatos urbanos sejam na maioria das vezes triviais, o resultado não é
nada trivial: “resulta na compreensão da identidade pública das pessoas,
uma rede de respeito e confiança mútuos”. (Jacobs, 2009, p.60) Para ela,
a possibilidade de sempre haver pessoas presentes nas ruas a todas as
horas do dia só pode ser alcançada através da diversidade de usos, pois
haverá as horas que pessoas estarão saindo ou chegando
em casa ou no trabalho, horas que mães estarão levando filhos para tomar sol ou brincar, horas que os boêmios estarão indo para um barzinho, enquanto apreciadores da arte
estarão indo ver um bom espetáculo ou exposição, e assim
por diante, a mistura de usos (habitacional, comercial, serviços,
institucional, etc.) torna os espaços urbanos vivos e diversos.
(...) Aparentemente despretensiosos, despropositados e aleatórios,os
contatos nas ruas constituem a pequena mudança a partir da qual pode

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florescer a vida pública exuberante da cidade.” (JACOBS, 2009, p.78).

Dessa forma, a autora coloca a mistura de usos como principal qualidade
a ser buscada no planejamento urbano:
Se tivermos como meta que a mistura de usos seja suficientemente complexa para prover a segurança urbana, o contato do público
e a interação de usos, ela precisa de uma quantidade enorme de
componentes. Nesse caso, a primeira pergunta sobre planejamento
urbano - a qual, acho eu que é, de longe, a mais importante seria
essa: como as cidades podem gerar uma mistura suficiente de usos
– uma diversidade suficiente -, por uma extensão suficiente de áreas
urbanas para preservar a própria civilização? (JACOBS, 2009, p.158)

Lucas Figueiredo (2010) também defende a necessidade do espaço público potencializar encontros, acrescentando ainda a importância do caráter
democrático que este deve assumir. Ele adota o conceito de co-presença,
ou seja, a presença simultânea de pessoas de classes ou estilos de vida
distintos para alcançar a verdadeira urbanidade:
Deste modo, urbanidade, numa definição mais restrita, acontece
quando o ambiente construído e suas estruturas auxiliares, sistemas
de transporte, dentre outros, permitem ou mesmo potencializam
encontros e a co-presença entre pessoas de classes ou estilos de
vida distintos em espaços legitimamente públicos, dentro de um sistema probabilístico no qual essas pessoas, em suas rotinas, tendem
a usar ou passar pelos mesmos lugares. (FIGUEIREDO, 2010, p.09)

Além da mistura de usos e do caráter democrático dos espaços públicos,
existem ainda outras características que proporcionam espaços públicos
de qualidade. Tais características têm sido denominadas “estruturas facilitadoras de urbanidade. Destacaremos aqui algumas delas como a prioridade ao pedestre, ciclista e transporte público como meio de locomoção;
a predominância de quadras curtas; densidade suficiente; fachadas ativas
das edificações e promoção de espaços públicos adequados e convidativos.
O principio de prioridade ao pedestre, ciclista e transporte público como
meio de locomoção vai na direção oposta à histórica postura das cidades
brasileiras que têm dado prioridade a políticas e investimentos favorecedores ao transito de carros particulares. Segundo Lucas Figueiredo (2010,
p. 11-12) essa postura resulta em espaços urbanos opostos ao que se deseja
segundo os princípios de urbanidade. Ao contrário de ruas vibrantes com
a presença de muitos pedestres, o uso crescente do automóvel produz
ruas engarrafadas, poluídas e barulhentas. Além disso, a presença de muitos automóveis não produz a integração social, pelo contrário, as pessoas
tendem a ficar isoladas.
Alerta também para o fato de que as adaptações que dão prioridade ao
uso do carro, na maioria das vezes, criam restrições à circulação de pedestres. O alargamento de vias muitas vezes significa o estreitamento de
calçadas; ao passo que vias de transito rápido funcionam como barreiras
físicas aos pedestres. Figueiredo completa seu pensamento afirmando
que quanto mais se tente resolver os problemas de trânsito, continuandose a dar prioridade ao carro, o problema só tende a agravar em um ciclo

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vicioso continuo:
O principal ciclo de realimentação do automóvel é conhecido: mais
automóveis circulando geram mais engarrafamentos, aumentando
os tempos de viagem, o que resulta numa queda da qualidade do
serviço do transporte público; visto que o principal modal utilizado
no Brasil é o ônibus. Por conseguinte, isto força os usuários do transporte público a migrar para o automóvel assim que possível, realimentando o ciclo. Ao mesmo tempo, intervenções como a construção de novas vias ou viadutos têm efeito paliativo. Elas atraem mais
tráfego e logo há necessidade de novas intervenções – outro ciclo
vicioso. (FIGUEIREDO, 2010, p.12)

O ponto de vista do autor afirma que o transporte público de qualidade,
por sua vez, favorece o surgimento de ruas vibrantes, pois, além de distribuir pessoas por vários locais das cidades, o usuário de transporte público também é um pedestre, pois caminha entre sua casa e a parada, e da
descida até seu destino, contribuindo com a vida urbana desses pequenos
trechos. (FIGUEIREDO, 2010, p.13)
A preferência pelo carro com a crença de que é um meio de transporte
mais rápido de locomoção é uma armadilha de políticas públicas elitistas,
pois os engarrafamentos, que são comuns nas grandes cidades brasileiras,
barram a capacidade de velocidade dos automóveis tirando-lhe as vantagens ilusórias da velocidade e praticidade. Ademais, invariavelmente, o
automóvel particular é um meio de transporte nada democrático, pois
apenas uma minoria da população tem acesso a ele, enquanto a grande
maioria fica a mercê de um transporte público sem qualidade. Como no
Brasil esse transporte é, na maioria das vezes o ônibus, que concorre com
o espaço dos carros particulares nas vias, os tempos de deslocamentos
se tornam ainda mais demorados devido ao congestionamento causado
principalmente por grande quantidade de carros particulares, na maioria
das vezes com um ou dois passageiros.
Jan Gehl é um dos maiores defensores de que seja dada prioridade
ao pedestre e a um eficiente sistema de ciclovias. Trabalhou durante
muito tempo de sua carreira profissional na prefeitura de Copenhague, tendo vindo a ser um dos idealizadores e responsáveis pelas
mudanças realizadas no transito, através das quais foi implanto um
sistema integrado de ciclovias, e importantes ruas da cidade tornaram-se exclusivas para pedestres. Hoje a cidade de Copenhague é
considerada a grande cidade europeia com menos congestionamento. Segundo entrevista dada à revista especializada AU (Gehl, 2012),
a convivência com sua esposa psicóloga, Ingrid Gehl, que sempre
perguntava por que os arquitetos não pensam nas pessoas somente
nos prédios, foi o que fez com que ele direcionasse sua carreira para
o estudo de uma arquitetura e um urbanismo focado nas pessoas
e na escala humana. Nessa mesma entrevista, fala da importância
de um sistema de ciclovias e transporte público eficiente e faz uma
crítica às cidades sul americanas:
Se todas as cidades desenvolverem um sistema de ciclovias e de
transporte público eficiente, se reduzirem a ênfase do transporte
privado, conseguirão reduzir o trânsito. É o que tem sido feito em
Copenhague. Aqui houve muito sucesso em transformar o trânsito

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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de carros em um trânsito de bicicletas. (...) Aqui em Copenhague,
há 40 ou 50 anos podemos dizer que o dia seguinte será sempre
um pouco melhor do que foi o dia anterior. Porque temos uma boa
política de tráfego. Mas em muitas cidades sul-americanas, há mais
e mais congestionamentos. Cada dia é um pouco pior do que o dia
anterior. Por anos e anos e anos. Para mim, é muito importante alcançar uma situação em que tudo fique melhor a cada dia. Que haja
um pouco menos de carros que ontem, e mais pessoas na rua, e
mais trens, trams, metrôs. Não é fácil. Mas muitas cidades já fizeram
e isso pode ser feito (...) (GEHL, 2012 )

Vamos, então, ao quarto quesito proposto aqui nessa abordagem. A “Urbanidade também parece depender de fachadas ativas, permeáveis e com
interfaces diretas entre o público e o privado (...).” (Figueiredo, 2010, p 15).
Jacobs (2009, p.35-43) descreve o papel da existência dos olhos da rua,
daqueles que estão dentro das edificações com contacto visual direto com
as ruas. O que dá a sensação de segurança de uma lugar não é exatamente
o número estatístico de ocorrências violentas, mas a sensação de espaço
deserto, sem vigilância ou presença de outros olhos. O que caracteriza um
espaço que nos sentimos seguros é a presença de movimento de pessoas
que por sua vez se sentem seguros somente em espaços que tem a presença dos olhos das ruas presentes nas edificações com fachadas ativas
adjacentes.
Um claro exemplo dessa relação é o quanto nós nos sentimos inseguros
em ruas com fachadas cegas ou muros extensos. É natural que ruas assim
sejam abandonadas e consideradas inseguras, pois ao mesmo tempo em
que as fachadas cegas não atraem nenhum uso àquele espaço, as pessoas
se sentem inseguras por não haver a vigilância natural dos olhos das ruas.
A tendência é que realmente espaços assim se tornem inseguros e marginalizados, pois a falta de movimento de pessoas e dos olhos da rua atraem para esses espaço pessoas que têm interesse exatamente em realizar
atividades que não devem ser vistas por ninguém, como o uso de drogas,
violência e assaltos. Nem sempre esses espaços se tornam concretamente
inseguros, mas ainda assim a imagem de insegurança permanece na mente da população.
Figueiredo (2010, p 15) considera as tipologias arquitetônicas que favorecem muros altos, torres e condomínios fechados como estruturas espaciais geradoras de desurbanidade. Afirma que o sentimento de insegurança compromete a liberdade das pessoas. “De fato, se o espaço urbano é
considerado um lugar hostil, não há possibilidade de haver urbanidade.”
(Figueiredo, 2010, p 15)
Fachadas cegas, entradas afastadas ou reservadas, sem acesso direto à rua; zoneamento estrito de usos; e escalas e espaços mais apropriados ao veículo do que ao pedestre, dentre outras características, parecem ir de encontro a todas as propriedades mais comuns
das cidades tradicionais, produzindo espaços públicos desérticos e
desprovidos de vida. (FIGUEIREDO, 2010, p.09)

Outra característica fundamental para o florescimento de ruas vivas e diversas, fundamentais para a urbanidade, é uma alta densidade urbana. É
muito simples deduzir que quanto maior o número de pessoas morando
ou trabalhando em um lugar, mais provável é que as ruas sejam movimen-

30
tadas e que haja demanda para o surgimento de um comércio intenso e
diversificado. Durante muito tempo, as altas densidades foram consideradas prejudiciais às cidades, por se ter a crença de que altas densidades
significariam insalubridade. Todavia, atualmente sabemos que existe uma
infinidade de formas de atingir altas densidades sem comprometer a saúde das pessoas.
(...) pessoas reunidas em concentrações de tamanho e densidade
típicos de cidades grandes podem ser considerados um bem positivo, na crença de que são desejáveis fontes de imensa vitalidade
e por representarem, num espaço geográfico pequeno, uma enorme exuberante riqueza de diferenças e opções, sendo muitas dessas diferenças singulares e imprevisíveis e acima de tudo valiosas
por existirem. Dado esse ponto de vista, segue-se que a presença
de grande quantidade de pessoas reunidas em cidades deveria não
somente ser aceita de braços abertos como um fato concreto. Elas
deveriam ser consideradas um trufo, e sua presença, comemorada
(...). (JACOBS, 2009, p.244)

Ainda nesse tema, vale salientar o quão os vazios urbanos são prejudiciais
à urbanidade. Um vazio urbano dentro de uma área com infraestruturas,
além de representar um desperdício dos investimentos públicos, também
representa uma forte estrutura de desurbanidade. Ao contrário da densidade, o vazio contribui para a destruição da vitalidade dos espaços, pois
além de não agregar nenhum uso ao espaço, o que promoveria o movimento e a atração de pessoas, ainda trata de repeli-las, por representar
necessariamente uma fachada não ativa, gerando insegurança e aumentando o percurso dos pedestres.
Quadras longas também aumentam os caminhos dos pedestres e bloqueiam o contacto de atividades complementares que podem até estar
próximas fisicamente, mas se tornam distantes por conta daquelas, impedindo “a formação de combinação razoavelmente complexas de usos
urbanos cruzados” (JACOBS, 2009, p.200). Quadras curtas são vantajosas
por multiplicar a possibilidade de caminhos para os pedestres, possibilitando que mais pessoas com interesses diferentes possam passar pelos
mesmos lugares; e multiplicando também as esquinas, lugares com grande potencial de pontos de encontro, surgimento de comercio ou de serviços diferenciados.

Figura 1.1
corte esquematico visibilidade da rua por pessoas
em edificios altos.
Fonte: GEHL, 2012

É importante nos darmos conta de que densidade em grandes cidades pode ser atingida de várias formas. Se olharmos Paris ou Barcelona, as duas têm grande densidade e não são cheias de edifícios
altos. O segredo é que, para fazer uma cidade com alta densidade e
prédios baixos você precisa ser um bom arquiteto. Se não é um bom
arquiteto, você sempre pode fazer um edifício mais alto. Torres altas
são a resposta preguiçosa à densidade. Pode-se, sim, ter uma área
com grande densidade, e com cuidadoso desenho da cidade e dos
edifícios.(GEHL, 2012)

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31
Figura 1.2
Esquema quadras longas e quadras curtas.
Fonte: JACOBS,

2009, p. 198 - 199
A alta densidade defendida anteriormente também tem vantagens quando associada à ideia de quadras curtas, pois, por maior que seja o nível de
ocupação do solo, a abertura de mais ruas proporciona clareiras e desobstrução visual. “Quadras longas com alta ocupação do solo são opressivas.
Ruas frequentes por serem aberturas na massa edificada, compensam o
alto índice de ocupação do solo á volta delas.” (JACOBS, 2009, pp.240)
O desenho urbano que prioriza o uso do automóvel naturalmente tende a
possuir longas quadras, pois o maior número de cruzamentos não é bem
visto por aumentar o tempo de deslocamento. Porém, em lugares que seja
realmente possível e desejável que pedestres e ciclistas sejam priorizados
em detrimento dos carros, as quadras curtas são ideais para fazer brotar
ainda mais vida e urbanidade nos lugares.
Um último ponto a ser abordado como crucial para a urbanidade das cidades é a existência de espaços públicos adequados e de qualidade. O termo ‘adequado’ não esta empregado aqui à toa, existem muitos espaços
públicos que são inadequados para a urbanidade. As ruas e calçadas, por
exemplo, são encaradas na maioria das vezes como espaços estritamente
de passagem. Segundo Jacobs (2009) esse é um grande erro. Para ela, os
espaços públicos mais vitais de uma cidade são justamente as ruas e calçadas. “Ao pensar em uma cidade, o que lhe vêm à cabeça? Suas ruas. Se as
ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecem monótonas, a cidade parecerá monótona.” (JACOBS,
2009, p.29)
Segundo a autora (JACOBS, 2009), é um erro pensar as ruas e calçadas
como meros espaços de circulação de pedestres e veículos. O dimensionamento e desenho urbano das calçadas devem considerar a função social
dessas de proporcionar encontros, conversas, jogos etc. As calçadas devem ser também continuação das edificações, permitindo colocação de
mesas e cadeiras em frente a barzinhos, restaurantes, ou até a casas, sem

32
que a circulação seja necessariamente prejudicada. O ideal seria que todas
as calçadas pudessem ter dimensão suficiente para proporcionar diversos
outros usos, além dos tradicionais usos de circulação, mas mesmo que não
possam ser largas o suficiente para isso, é importante que sejam lugares
agradáveis e bem estruturados para favorecer a urbanidade e a qualidade
de vida da população.
Outro tipo de espaço público muito importante são praças e parques. Esses espaços livres costumam ser sempre buscados e enaltecidos por planejadores urbanos, contudo Jane Jacobs (2009) alerta que existem algumas condições para que esses espaços sejam realmente benéficos para
a cidade. Segundo ela, se não houver uma mistura suficiente de usos nas
proximidades desses espaços para promover a constante circulação de
pessoas, esses tendem a se tornar espaços perigosos, abandonados e degradados, sendo, dessa forma, geradores de desurbanidade.
Como a autora Jane Jacobs é norte americana, tendo origem, portanto,
em país com clima temperado, alerta também para a importância da localização em relação à massa edificada permitir a incidência solar nos espaços
livres, com o escopo de atraiam as pessoas mesmo nos meses de inverno.
No nosso caso, tropical, acho de fundamental importância considerar o raciocínio da autora para buscarmos exatamente o oposto. A existência de
sombras nos espaços abertos é essencial para a permanência de pessoas
em praças e parques, mesmo durante o dia, e nos meses mais quentes.
Para essa qualidade, a intensa arborização, tanto de calçadas quanto de
praças, melhora o conforto térmico e fortalece o apelo visual e paisagístico, tornando os espaços mais interessantes e aconchegantes.
Jacobs também considera inadequados projetos que consistem em imensos espaços livres desproporcionais com edificações soltas, ou quando os
espaços livres resultam apenas nas sobras de lotes. Afirma que deve ser
clara a diferença entre o espaço público e o privado; e que os espaços
livres devem ter um espaço bem delimitado, considerando que a “existência de construções a volta deles é importante nos projetos. Elas os envolvem. Criam uma forma definida de espaço, de modo que ele se destaca
como um elemento importante no cenário urbano, em aspecto positivo
e não um excedente superfulo” (JACOBS, 2009, p.115). Acrescenta que
imensos espaços livres sem delimitação, ao invés de atrair as pessoas, acaba as repelindo, tornando-se espaços de mera contemplação, sem o uso e
apropriação da população.
Parte dos espaços livres das cidades tende a buscar características de monumentalidade. Federico Holanda (2010, p.09-10) faz uma diferença entre
a “monumentalidade formal” e a “monumentalidade urbana”. A formal,
embora tenha seu valor por remeter ao sublime, ao magnificente, não
promove urbanidade; não são espaços pensados para a convivência das
pessoas, mas para contemplação. Eles teriam sua existência justificada
apenas para criar grandes símbolos superestruturais da ordem social política ou ideológica. Algumas das características desses espaços são: áreas de grandes dimensões, edifícios soltos lidos como volumes claros na
paisagem, e ausência presença rotineira de habitantes. Exemplos desse
tipo de monumentalidade são as Pirâmides de Guiza (Egito antigo), o Mall
(Washington), a Avenida dos Mortos (Teotihuacán, México pré-Colombo),

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33
o centro cerimonial de Uxmal (maya, México pré-Colombo), a Cidade Proibida (Pequim, China) e a Esplanada dos Ministérios (Brasília).
Já a monumentalidade urbana, é exemplificada por espaços livres como
la Piazza San Marco (Veneza), Piazza della Signoria (Florença), Piazza del
Campo (Siena), Cinelândia (Rio de Janeiro) e Praça Tiradentes (Ouro Preto). Esses espaços possuem características que permitem a convivência
entre monumentalidade e urbanidade. “Essas praças incluem a vida rotineira da cidade, inclusive residências; estão sempre cheias de pessoas,
paradas ou em movimento; são pequenas clareiras cercadas pelo denso e
secular tecido da cidade.” (HOLANDA, 2010, p.09).
Embora existam fortes criticas à monumentalidade formal da Esplanada
dos Ministérios de Lúcio Costa por parte da literatura contemporânea,
Holanda (2010) a considera legitima por ser um lugar simbólico por excelência. Porém, devemos vislumbrar com clareza a diferença entre essas
duas categorias de monumentalidade para não confundi-las, promovendo
espaços de monumentalidade formal e esperando que deles brote espontaneamente a urbanidade. Vale observar que a ideia de monumentalidade urbana de Frederico Holanda é condizente com as recomendações de
Jane Jacobs para que os parques e praças tenham sucesso. Ambos descrevem espaços bem delimitados, inseridos na malha urbana, funcionado
como clareiras cercadas por usos e edificações diversas.
Grande parte dos estudiosos a respeito de urbanidade fazem fortes críticas ao movimento moderno. A setorização da cidade separando os usos
habitacional, comercial e institucional; o planejamento voltado para ao automóvel; a implantação de tipologias habitacionais soltas no lote e as extensas quadras são alguns exemplos de práticas incentivadas pela teoria
da arquitetura e urbanismo modernos que vão de encontro aos princípios
de urbanidade já descritos anteriormente.
Jan Gehl (2012) afirma que a escala humana foi perdida, isto é, que se consolidou uma maneira de projetar tecnocrata que não produz cidades boas
para viver:
O que mais me incomoda na arquitetura modernista é o fato de que
é uma arquitetura pensada de cima para baixo e não o contrário,
como devia ser. O exemplo de Brasília é emblemático – tanto que
costumo me referir a “síndrome de Brasília” quando vejo locais
muito grandiosos e sem nenhuma conexão com as necessidades de
seus habitantes. Brasília até impressiona vista de cima, da janela do
avião, mas lá embaixo, no nível do olho humano, ela não cumpre
nenhum dos critérios que fazem de uma cidade um lugar bom para
viver. Alguns dos espaços em Brasília estão entre os piores que já
vi na vida. A cidade é monumental demais, desagradável para caminhar. Nos anos 60, quando esse tipo de traçado se popularizou,
ninguém sabia nada sobre a interação das pessoas com o espaço
que elas habitavam. O que se sabia era como planejar uma cidade
tecnocrática. O viés modernista, que prioriza o prédio e ignora o que
está a sua volta, não produziu cidades boas para viver. (GEHL, 2012
In Revista Veja 29/08/2012, p.21)

Jane Jacobs também faz ácidas críticas ao movimento moderno. Afirma

34
que o planejamento urbano ortodoxo (moderno) considera as ruas um
lugar ruim para as pessoas, afastando as pessoas dos espaços públicos e
as colocando voltadas para dentro, para uma área verde cercada. Caracteriza sua obra ‘Morte e Vida de Grandes Cidades’ como um “ataque aos
fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes
(...), uma tentativa de introduzir novos princípios no planejamento urbano e na reurbanização, diferentes daqueles que hoje são ensinados em
todos os lugares” (JACOBS, 2009, p.01). Considera que Le Corbusier via as
cidades como um brinquedo mecânico maravilhoso e que a influência de
suas ideias no planejamento urbano das cidades resultou em um impacto
negativo:
A cidade dos sonhos de Le Corbusier teve enorme impacto em nossas cidades. Foi aclamada deliberadamente por arquitetos e acabou
assimilada em inúmeros projetos, de conjuntos habitacionais de baixa renda a edifícios de escritórios. Além de tornar pelo menos os
princípios superficiais da Cidade-Jardim superficialmente aplicáveis
a cidades densamente povoadas, o sonho de Le Corbisier continha
outras maravilhas. Ele procurou fazer do planejamento para automóveis um elemento essencial de seu projeto, e isso era uma ideia
nova e empolgante nos anos 20 e inicio dos anos 30. Ele traçou grandes artérias de mão única para transito expresso. Reduziu o número
de ruas, porque os cruzamentos são inimigos do tráfego. Propôs
ruas subterrâneas para veículos pesados e transportes de mercadoria, e claro, como os planejadores da Cidade-Jardim, manteve os pedestres fora das ruas e dentro dos parques. A cidade dele era como
um brinquedo mecânico maravilhoso. (JACOBS, 2009, p.23)

As cidades tradicionais, por sua vez, tendem a apresentar naturalmente
as características de urbanidade. A obra de Jane Jacobs é considerada um
elogio às estruturas das cidades tradicionais. Seria então o planejamento
que promove a desurbanidade? Figueiredo (2010, p. 08-09) discorda dessa
ideia. Admite que existe uma tendência a pensar dessa forma, mas considera esta uma falsa ruptura:
É comum descrever cidades que cresceram de maneira ‘orgânica’
ou não coordenada como geradoras de urbanidade, algo que as cidades planejadas não conseguiriam replicar. Essa, no entanto, é um
falsa ruptura. Os mesmos processos não coordenados que produzem lugares com urbanidade podem produzir desurbanidade. (FIGUEIREDO 2010, p.09)

Complementa seu pensamento afirmando que as cidades brasileiras são
exatamente o que deveriam ser de acordo com as decisões políticas e de
planejamento. Isto é, se as decisões forem diferentes, priorizando a urbanidade, o planejamento urbano pode sim produzir cidades cheias de vida
e de urbanidade.
Uma outra abordagem que articula muito bem conceitos de qualidade de
vida e eficiência ecoenergética na forma urbana é a ideia de ‘cidades compactas’, que tem como principais atributos a alta densidade associada a
usos mistos, argumentando a importância de reduzir distâncias de deslocamentos para aumentar a qualidade de vida e diminuir os gastos de
energia e emissão de gases poluentes. (Acserald, 2009, p. 60). Não nos deteremos a essa temática por entendermos que o conceito de urbanidade,

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

35
já explorado, é mais abrangente já tendo sido explorada a importância das
altas densidades e usos mistos.
Entretanto, nem sempre as ideias relacionadas à qualidade de vida estão
vinculadas à abordagem ecológica. Gehl (2012) faz crítica à cidade de Dubai
por aparentemente dar prioridade a preocupação com o meio ambiente,
porém de forma desvinculada com a preocupação de garantir a qualidade
de vida para as pessoas:
(...) O fato de uma cidade ter uma preocupação com o meio ambiente não é, absolutamente, garantia de que ela esteja voltada para a
necessidade de seus habitantes, que transcendem muito a questão
ecológica. Dubai, como já disse, retrata bem isso. Os edifícios de lá
foram quase todos erguidos para economizar energia, mas a cidade
como um todo, não é nada agradável. No fundo, não é nada verde.
Faltam áreas onde as pessoas possam caminhar, se esbarrar e se
falar, produzindo aquela efervescência típica dos locais bons para
viver. Há, em Dubai, áreas onde nem sequer existem calçadas, o que
força as pessoas a usar o carro. Não basta, portanto, adotar uma
cartilha de regras ecologicamente corretas e achar que isso fará um
lugar mais agradável. É preciso ir muito alem disso ao pensar centros urbanos modernos. Eles devem ser como uma boa festa. (...) Se
você fica em uma festa por mais tempo do que planejava, é porque
se divertiu. Toda cidade deveria ser como aquela festa que dá certo,
em que as pessoas se sentem tão bem e tão a vontade que acabam
ficando. (GEHL, 2012, p.21)

Podemos observar que esses dois sentidos atribuídos à sustentabilidade
urbana, técnico-material e busca pela qualidade de vida, são abordagens
conceitualmente diversas, mas que, na aplicação prática, possuem algumas interseções. A abordagem da cidade compacta é exemplo disso. Entraremos agora no terceiro sentido atribuído a sustentabilidade segundo
Acserald, trata-se da concepção de que a cidade é um espaço de legitimação de políticas públicas.
Cidade como espaço de legitimação das políticas urbanas.
Esse último sentido atribuído à “sustentabilidade urbana” está relacionado com a capacidade dos governos de atender as necessidades de sua população de forma equilibrada. “A insustentabilidade exprime, assim a incapacidade de as políticas urbanas adaptarem a oferta de serviços urbanos a
quantidade e a qualidade das demandas sociais”. (ACSELRAD, 2009, p.61)
Acredita-se que quando o crescimento urbano não é acompanhado
por investimentos em infraestrutura, a oferta de serviços urbanos
não acompanha o crescimento da demanda. A falta de investimentos
na manutenção dos equipamentos urbanos virá, por sua vez, acentuar o déficit na oferta de serviços, o que se refletirá espacialmente sobre forma de segmentação socioterritorial entre populações atendidas e não atendidas por tais serviços. Esse processo exprime-se sob
forma de uma “queda da produtividade política dos investimentos
urbanos”, incrementado os graus de conflito e incerteza no processo
de reprodução das estruturas urbanas. (...) (ACSELRAD, 2009, p.62)
A erosão da legitimidade das políticas urbanas pode fundarse assim, na insuficiente adesão à racionalidade econômica, causa suposta do desperdício da base de recursos, ou,

36
alternativamente, na ausência de priorização de mecanismos distributivos do acesso a tais serviços. (...) (ACSELRAD, 2009, p.63)

Dessa forma, esse aspecto da sustentabilidade coloca em pauta a questão da equidade no plano urbano. Entende que é dever
de uma boa governança fornecer boas condições de vida para todos, colocando a provisão de serviços e de infraestruturas urbanas de maneira justa e equilibrada como um quesito fundamental
para alcançar a situação desejável de “sustentabilidade urbana”.
No panorama urbano brasileiro, onde grande parte das grandes cidades
é marcada por uma escandalosa segregação sócio-espacial, caracterizada principalmente pelo contraste entre áreas com infraestrutura e acesso a serviços e outras completamente esquecidas pelo poder público,
esse debate ganha especial importância. Conceitos de grande relevância para esse tema referente ao papel da equidade social na noção de
sustentabilidade são as noções de justiça ambiental e direito à cidade.
O movimento de justiça ambiental nascido nos anos 1980, nos Estados Unidos, é uma corrente do ambientalismo diferente do movimento ambiental
preservacionista - que pensa na conservação dos ecossistemas virgens, e
da ideia da ecoeficiência - que tenta tornar o modo de produzir e utilizar
equipamentos humanos menos impactantes ambientalmente. A concepção de justiça ambiental coloca o acesso a um meio ambiente equilibrado e
com qualidade como um direito humano que todos devem poder usufruir.
Seu debate coloca em pauta a questão de que muitas vezes a produção
industrial e as dinâmicas sociais e territoriais do sistema capitalista acabam por privar populações do acesso e usufruto de ambientes físicos
saudáveis e seguros de moradia ou de subsistência. As reivindicações
por justiça ambiental se fazem pertinentes tanto em ambientes rurais
como urbanos. No primeiro, podemos exemplificar a luta de Chico Mendes contra o desmatamento da Floresta Amazônica, em defesa da criação de reservas extrativistas para subsistência e permanência de povos
indígenas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco e populações ribeirinhas. Já no debate urbano, foco de nossa abordagem, podemos colocar a situação de precariedade ambiental que se encontram milhares de famílias que, em consequência da segregação socioterritorial
e da exclusão do mercado imobiliário formal, vivem sob o risco de vida
e doenças em encostas de morros, áreas alagadiças, proximidade de indústrias ou lixões tóxicos, e em locais sem saneamento básico. Alier
(2007) apresenta com muita propriedade os princípios desse movimento:
O movimento pela justiça ambiental (...) explicitamente incorpora
uma noção distributiva da justiça. Poderia ser argumentado que a
justiça ambiental potencialmente intui um aspecto existencial, qual
seja, o de que todos os seres humanos necessitam de determinados recursos naturais e uma certa qualidade do meio ambiente para
asseguraram sua sobrevivência. Nessa perspectiva, o meio ambiente converte-se em um direito humano. (...) (ALIER, 2007, p.275)
(...) O eixo principal dessa corrente não é uma reverencia sagrada a natureza, mas, antes, um interesse material pelo meio
ambiente como fonte de condição para a subsistência; não em
razão de uma preocupação relacionada com os direitos das fu-

EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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turas gerações de humanos, mas, sim, pelos humanos pobres
de hoje. (...) Sua ética nasce por uma demanda de justiça social contemporânea entre os humanos. (...) (ALIER, 2007, p.34)

A grande importância da abordagem da justiça ambiental é justamente
unir princípios de inclusão social á lógica ambientalista. Segundo Clarissa
Freitas (2004), quando o movimento ambientalista não se preocupa em
entender a lógica da produção do espaço, acaba por legitimar processos
que beneficiam interesses particulares específicos e acentuam a segregação social. Isso ocorre porque, não raro, o mercado imobiliário e o poder
público utilizam o argumento da preservação ambiental para legitimar
ações e interesses que vão muito além da mera preocupação ambiental.
Exemplos dessa postura é o excesso de cuidado ambiental em áreas nobres, não por preocupações eminentemente ecológicas, mas como forma
valorizar ainda mais os terrenos adjacentes, em contraposição com o descaso com a situação de famílias que sofrem todos os anos com enchentes.
Este tipo de ambientalismo desconectado com a realidade social
da maioria dos moradores está fadado ao fracasso. Na melhor das
hipóteses, o movimento vai ser capaz de proteger os recursos naturais em situações que se encaixam na agenda desenvolvimentista,
não se tratando, portanto, de uma posição pró-ativa.
[...]
(...) Esta linha de raciocínio, não diminui a importância das causas
ambientais globais, mas sim apresenta a causa dos desfavorecidos
urbanos como uma causa de proporções globais, cuja solução pode
vir a ser a mais barata de todas. (FREITAS, 2004)

O ‘direito a cidade’ tem um viés semelhante ao da justiça ambiental, mas
é focado nas questões urbanas especificamente, colocando a questão de
provisão de terra urbana com infraestrutura e acesso a equipamentos de
maneira equitativa como essenciais para sustentabilidade das cidades.
Esse direito está legitimado no Brasil através da Lei nº 10.257, o Estatuto da
Cidade. Esta lei tem por objetivo garantir a função social da propriedade,
combater a especulação imobiliária e garantir o direito a cidade para todos
os habitantes urbanos. O inciso primeiro do artigo segundo do Estatuto da
Cidade enuncia:
Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infraestrutura urbana, ao transporte a aos serviços públicos,
ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
(SENADO FEDERAL, 2008, p.15)

De acordo com a noção de direito à Cidade contido na citada, o poder público teria o dever de garantir não apenas a moradia, ou seja, a
casa em si, mas o acesso às oportunidades e qualidade ambiental urbana em uma política de real inclusão territorial. Esse direito bate de
frente com os interesses imobiliários das elites urbanas brasileiras
que só vêem o direito a propriedade privada, retendo grande parte
dos terrenos urbanos vazios em áreas com infraestrutura disponível, enquanto milhares de pessoas ocupam áreas sem infraestrutura
em péssimas condições de salubridade ambiental e sanitária.

38
Uma reflexão teórica pertinente a essa questão é que até o principal
filosofo fundador das correntes políticas modernas do liberalismo,
que idealizou e introduziu a ideia de Estado Liberal e propriedade
privada na sociedade, John Locke, se oporia conceitualmente a essa
conduta de retenção especulativa de terras. Já em 1714, em “Segundo Tratado Sobre o Governo”, Locke (2005) institui e definiu a ideia
de propriedade privada, porém ressaltou que esta deve existir para
usufruirmos, de modo que, o que estiver além disso (do usufruto da
propriedade), excede a sua parte e pertence a outros.
Talvez a isso se objete que, se o ato de colher uma bolota ou outros
frutos da terra etc. dá direito a eles, qualquer um poderá açambarcar tanto quanto queira. Ao que eu respondo que não. A mesma lei
da natureza que por este meio nos concede a propriedade, também
limita essa propriedade. Deus deu-nos de tudo em abundancia é a
vossa razão confirmada em revelação. Mas ate que ponto ele nolo deu? Para usufruirmos. Tanto quanto qualquer pessoa possa fazer uso de qualquer vantagem da vida antes que se estrague, disso
pode por seu trabalho, fixar a propriedade. O que quer que esteja
além disso excede sua parte e pertence aos outros. Nada foi feito
por Deus para que o homem estrague ou destrua. E assim, considerando-se a abundancia de provisões naturais que por muito tempo
houve no mundo e quão poucos havia para gastá-las, e a que pequena parte dessa provisão o esforço de um único homem poderia
estender-se e açambarcá-la para prejuízo dos demais, especialmente mantendo-se nos limites fixados pela razão do que poderia servir
para seu uso, pouco espaço poderia haver para querelas ou contendas acerca da propriedade assim estabelecida. (LOCK, 2005)

Transcrevo essa passagem de Locke para enfatizar que a questão aqui
posta, da equidade urbana, não fere em nada o principio da propriedade,
contanto que se entenda esta com o bom senso que o próprio criador de
seu conceito teve. A propriedade é legitima desde que não se coloque acima da satisfação das necessidades de outros.
O conceito de função social da propriedade propõe que os terrenos urbanos devem cumprir uma função, não podendo estes ficaram sem uso apenas para valorização especulativa. O Estatuto da Cidade reconhece esse
conceito e legitima diversos instrumentos que tem por objetivo conter a
especulação imobiliária urbana e fazer cumprir a função social da propriedade. Mais adiante exploraremos melhor esses instrumentos.
Afinal, o que seria então a cidade sustentável?
Tentamos colocar ate aqui alguns sentidos que a concepção de cidade
sustentável possui na atualidade. Não é intenção deste trabalho, todavia,
eleger uma concepção que seja a mais correta ou conceber uma definição
fechada. A própria imagem de um “modelo de cidade” seria perigoso e
suspeito, tendo em vista que a própria cidade é um fenômeno social em
constante mudança. Portanto, o debate sobre a cidade desejável deve ser
continuo. Nada obstante, alguns princípios podem lhe ser norteadores. As
abordagens propostas por Acselrad (2009) - da sustentabilidade técnicoEM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ

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Em busca de uma sustentabilidade soioambiental urbana proposição para o bairro Serviluz simbólico

  • 1. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA p ro p osição p ara o b airro Ser viluz Simbóli co
  • 2.
  • 3. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ Lara Barreira de Vasconcelos Orientadora: Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas Universidade Federal do Ceará Departamento de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação Fortaleza maio/ 2013 3
  • 4. 4
  • 5. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ Lara Barreira de Vasconcelos BANCA EXAMINADORA: ________________________________________________ Profa. Dr. Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas (orientadora) Universidade Federal do Ceará ________________________________________________ Prof. Dr. Luis Renato Bezerra Pequeno Universidade Federal do Ceará ________________________________________________ Prof. Dr. Maria Águeda Pontes Caminha Muniz Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza Fortaleza, 16 de maio de 2013 5
  • 6. 6
  • 7. Agradecimentos Em primeiro lugar, gostaria agradecer a toda a minha família que me apoiou sempre, oferecendo, todos esses anos, as condições necessárias para que eu pudesse me dedicar á minha formação de maneira responsável e engajada com os valores que acredito e que também me foram passadas na convivência do seio familiar. Sou grata também por todo amor que recebi e recebo todos os dias que, sem dúvida, contribuem de forma decisiva para e pessoa que me tornei. Sobretudo merece todos os agradecimentos a minha mãe pela dedicação carinhosa despendida na criação minha e da minha irmã. Também ofereço minha imensa gratidão á Associação Boca do Golfinho, ao Carlos Alexandre e Denise Lima que me acolheram durante vários dias em sua casa, me mostraram o Serviluz e me colocando em contato com outros moradores. Desse contato, nasce uma amizade que desejo que possa permanecer para alem da realização desse trabalho. Gostaria de parabenizar e expressar meu sentimento de admiração a todos àqueles que fazem parte, ou contribuem de alguma forma, com a Associação Boca do Golfinho pelo trabalho social e educativo realizado com os jovens da comunidade através da prática esportiva do surf e capoeira, e dos momentos de formação cidadã e ética através dos filmes e conversas em sala. Agradeço também á meu companheiro Gustavo Fernandes que alem de ter me colocado em contato com a comunidade, pacientemente me passou seus conhecimentos de sociologia através de conversas e literatura indicada para que eu pudesse elaborar a metodologia e realizar as entrevistas com os moradores do Serviluz. Sendo essa etapa essencial para que a proposta projetual pudesse estar o mais próximo possível das reais necessidades e anseios da população. Alem das trocas intelectuais, sou grata também á compreensão e paciência que teve durante todo o tempo que precisei estar ausente durante os últimos meses. Gostaria de registrar o meu imenso muito obrigada a todos os moradores do Serviluz que foram entrevistados, que se disponibilizaram a ceder uma parte do seu tempo corrido para dividir comigo um pouco de suas percepções acerca das questões do “bairro”. Não posso deixar de agradecer também a todos aqueles que se tornaram minha segunda família durante os últimos anos: todos os mestres e colegas do curso de Arquitetura e Urbanismo que com a convivência diária tive a oportunidade de aprender e compartilhar um momento muito especial da minha vida que, sem dúvida, ficará guardado com todo o carinho em minha memória. Agradeço de coração a pessoa que, durante todo o trabalho, me incentivou, encorajou e apontou caminhos para que pudesse seguir em frente com segurança e embasamento em todos os impasses e dúvidas surgidos no percurso. O meu muito obrigada á profa. Clarissa Freitas. Expresso minha gratidão também àquele que me mostrou uma realidade urbana que me fez repensar meus caminhos acadêmicos e com seu exemplo de comprometimento profissional em passar conhecimentos que possam ser capazes de transformar uma realidade urbana posta, despertou em mim a crença de que posso contribuir para essa mudança. Grata ao prof. Renato Pequeno. Sou muito feliz e agradecida por fazer parte da turma que em minha geração ficou conhecida como sendo a mais unida da faculdade e, pelos professores, como uma das mais comprometidas. Aprendi a gostar e admirar todos os meus colegas, cada 7
  • 8. um com sua forma de ser, inclusive aqueles que não eram da turma e foram adotados como sendo parte dessa nuvem de cumplicidade e carinho que nos envolveu nesses anos de convivência. Tive a oportunidade de fazer grandes amizades que ultrapassaram o coleguismo e se tornaram pessoas essenciais na minha vida. Obrigada pelos risos, e aperreios compartilhados. Por todo o aprendizado de nossas longas conversas que permeavam vida pessoal e construção de um mundo melhor através de nossa possível atuação da cidade, na arquitetura e no design. Minha enorme admiração e gratidão a Ana Virgínea, Beatriz Rodrigues, Isabel Cavalcante e Sofia Carvalho. O meu muito obrigado também ao colega e amigo José Otavio que me auxiliou nas ultimas semanas com a edição das perspectivas ilustrativas do projeto. Ás meninas do Pet-arquitetura que tiraram minhas dúvidas de arcGIS para o desenvolvimento dos mapas do diagnostico. E a todos meus outros amigos, professores e familiares que contribuíram direta ou indiretamente com a conclusão desse trabalho. 8
  • 9. Sumário Introdução..............................................................................................................................................11 1. Referencial Teórico Referencial Teórico....................................................................................13 1.1. E essa tal sustentabilidade? ............................................................................................................15 1.2. A sustentabilidade no debate Urbano .........................................................................................20 1.3. Diversos Sentidos Atribuídos à Cidade Sustentável.....................................................................23 A representação técnico-material das cidades – cidades ecológicas.......................23 Cidade como espaço da qualidade de vida – urbanidade. .......................................26 Cidade como espaço de legitimação das políticas urbanas. ....................................36 Afinal, o que seria então a cidade sustentável? .......................................................39 1.4. A (in)sustentabilidade das Cidades Brasileiras ..........................................................................42 Dinâmica da cidade formal.........................................................................................42 Dinâmica da cidade informal......................................................................................45 1.5. Por Que Estamos Diante de um Momento Histórico Oportuno e Urgente? .............................52 Breve histórico da ocupação irregular e das políticas habitacionais no Brasil.........52 Momento atual............................................................................................................56 1.6. O Caso da Cidade de Fortaleza........................................................................................................61 Pressões imobiliárias...................................................................................................65 2. Diagnóstico Participativo..................................................................67 Diagnóstico Participativo 2.1. O objeto de estudo: O Serviluz......................................................................................................69 2.2. Metodologia do Diagnóstico Participativo..................................................................................72 Pesquisa social Qualitativa. ........................................................................................72 2.3. Contexto Urbano............................................................................................................................79 2.4. História e Pertencimento..............................................................................................................83 2.5. Criminalidade e Violência...............................................................................................................93 2.6. Precariedades da Ocupação..........................................................................................................98 Saneamento básico ineficiente...................................................................................98 Precariedade por tamanho reduzido de lote............................................................99 Precariedade por coabitação....................................................................................100 Precariedade por acesso............................................................................................102 Precariedade por risco de soterramento..................................................................103 2.7. Vitalidade e Mobilidade das Ruas...............................................................................................108 9
  • 10. 2.8. Legislação Referente à Área........................................................................................................120 Plano Diretor Participativo de Fortaleza...................................................................120 Patrimônio..................................................................................................................127 2.9. Planejamento para a área em estudo..........................................................................................129 Projeto Orla................................................................................................................129 Descrição do Projeto Aldeia da Praia........................................................................133 Análise do Projeto Aldeia da Praia............................................................................138 3. Proposta Projetual Proposta projetual.................................................................................. 151 3.1 . Zoneamento de Aplicação dos Instrumentos dos Instrumentos do Estatuto da Cidade........153 3.2 Plano de Reestruturação Viária...................................................................................................156 3. 3. Plano de Remoções e Reassentamentos...................................................................................178 Remoção por reestruturação viária..........................................................................178 Remoção por proximidade do mar menor que 15 metros......................................179 Remoção por precariedade por tamanho................................................................179 Remoção por obstrução do patrimônio histórico Farol Velho................................180 Remoção em terreno de reassentamento................................................................181 3. 4. Tipologias Habitacionais Propostas para Reassentamento.....................................................183 Tipologia A – Unifamiliar sobrado.............................................................................188 Tipologia B – Unifamiliar térrea acessível..................................................................191 Tipologia C – Apartamento 2 quartos com ampliação.............................................193 Tipologia C – acessível...............................................................................................195 Tipologia D – Kitinete com ampliação......................................................................196 3. 4. Implantação dos reassentamentos............................................................................................198 Blocos Multifamiliares...............................................................................................198 Blocos de unidades Unifamiliares.............................................................................199 Implantação geral nos terrenos................................................................................199 3. 5. Plano de Espaços Livres e de Lazer.............................................................................................213 3. 6. Praça Campo do Paulista..............................................................................................................216 3. 7. Praça do Jangadeiro.....................................................................................................................222 4. 5. Considerações Finais ......................................................................... 229 Considerações Finais Referências Bibliográficas ............................................................. 233 Referências Bibliográficas 10
  • 11. Introdução Esse trabalho foi dividido em três etapas complementares: Referencial Teórico, Diagnóstico Participativo e Proposta Projetual. Embora na sistematização aqui exposta essas etapas sejam separadas e bem delimitadas, a elaboração real do trabalho foi um processo rizomático, em que as etapas estiveram sobrepostas durante vários momentos. A primeira etapa correspondeu à construção do Referencial Teórico. Essa foi uma fase de muita leitura e amadurecimento conceitual. O tema sustentabilidade urbana já havia sido previamente definido, por uma afinidade pessoal. Embeber-me de vários autores na tentativa de definir, ou pelo menos apontar caminhos, para o que viria a ser a cidade sustentável, havia se tornado uma necessidade pessoal que surgira em meados do curso de arquitetura e urbanismo, em um momento em que, até então, meus interesses acadêmicos haviam se voltado ao estudo da arquitetura sustentável e bioclimática. No momento em que as disciplinas de urbanismo me apresentaram uma realidade brasileira desigual, injusta, e, contraditoriamente, cheia de vida, a bolha da classe média em que eu habitava teve que ser rompida para que eu pudesse ser apresentada ao mundo da cidade informal. Senti-me atraída por aquela realidade espontânea e diversa, ao mesmo passo que entendi que jamais poderia existir sustentabilidade sem justiça social. Esse foi um momento de inquietude e redefinição dos meus interesses acadêmicos. Eu já havia entrado em contato amplamente com conceitos de sustentabilidade no ponto de vista mais tradicional e divulgado, mas agora a questão era: e no Brasil que é um país extremante desigual? Separar o lixo, aproveitar a água da chuva, utilizar energia solar, andar de bicicleta, de que tudo isso adiantaria se grande parte da população urbana brasileira vive sem saneamento básico? Por vezes sem casa, sem lazer? Em outros casos, vivendo em alguma condição de precariedade ou risco? Foi minha necessidade latente de desatar esse nó que motivou a construção do referencial teórico desse trabalho. E essa tal sustentabilidade? É a temática que abre o meu texto. A partir desse mote houve um trabalho de revisão bibliográfica sobre o tema sustentabilidade urbana, dando embasamento ao modo como eu direcionaria o diagnóstico e a proposta projetual. A escolha do objeto de estudo e intervenção – a comunidade do Serviluz –, se deu principalmente por dois motivos. O primeiro se relaciona ao momento em que essa comunidade se encontra como alvo de diversas propostas e transformações. O segundo está relacionado a uma conveniência pessoal, pois essa era uma comunidade em que havia previamente uma possibilidade de aproximação através do conhecimento e acessibilidade a uma associação educativa dentro da comunidade: a Associação Boca do Golfinho. Dessa forma, a segunda fase do trabalho foi o diagnóstico. Nessa etapa foram considerados tanto dados secundários como dados primários coletados in loco. Buscou-se entender a realidade local a partir dos depoimentos EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 11
  • 12. de moradores locais comuns, complementado a coleta de dados através de documentos, análise cartográfica e trabalhos acadêmicos referentes à área. O contato com a Associação Boca do Golfinho foi de fundamental importância para viabilidade dessa metodologia que será explicada com detalhes mais adiante, dento do capitulo referente ao diagnóstico. Denominei esse processo de diagnóstico participativo. Como o caráter do trabalho e o tempo disponível para realizá-lo impossibilitavam que a elaboração da proposta projetual acontecesse de forma participativa, tentar chegar perto da comunidade na fase do diagnóstico foi a forma que encontrei de driblar, pelo menos em parte, essa limitação. A proposta projetual buscou levar amplamente em consideração o que foi refletido durante a fase do diagnóstico. Dessa forma, o contato com a comunidade antes e durante a elaboração do projeto foi de extrema importância para que a proposta buscasse ao máximo atender as reais demandas locais, mitigando precariedades e ampliando a qualidade de vida no local, tudo isso em consonância com os anseios da população local. A limitação, já mencionada, referente à realização da proposta de forma participativa, fez-me encarar a proposta projetual como um estudo preliminar. Dessa forma, assumo de antemão, que o que estará aqui exposto não pretende ser uma versão final de projeto. O projeto aqui apresentado se coloca como uma primeira proposta que deveria ser levada a avaliação pela comunidade do Serviluz. A ideia é que a partir de uma primeira proposição possam surgir criticas e sugestões que sejam capazes de lançar uma proposta final construída coletivamente. A importância aqui colocada à participação popular será mais adiante detalhada dentro do referencial teórico, que define o processo participativo como um dos pré-requisitos da construção da cidade sustentável. 12
  • 13. 1. Referencial Teórico EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 13
  • 14. 14
  • 15. 1.1. E essa tal Sustentabilidade ? Esse tema tão discutido, divulgado, criticado e, sobretudo, vendido, já vem fazendo parte do vocabulário da sociedade contemporânea há algumas décadas. O conceito de sustentabilidade surgiu como uma crítica propositiva ao modelo moderno do crescimento sem limites, desconsiderando a capacidade de suporte dos recursos naturais existentes. Atualmente se percebe a ocorrência de uma certa “prostituição” do termo, conforme atesta Leonardo Boff: “A maioria daquilo que vem anunciado por sustentável, geralmente, não é. É uma etiqueta, um discurso que agrega valor.” (BOFF, 2012, p.09) Vale, para começar essa análise, entender o surgimento do conceito, sua crítica e suas novas perspectivas para reflexões atuais e futuras. Quando de sua origem, o conceito de sustentabilidade estava relacionado primordialmente às questões ambientais frente à exploração da sociedade capitalista industrial. Somente em abordagens mais contemporâneas, as questões da justiça social e da equidade ganham espaço de destaque, propondo um conceito mais abrangente denominado “responsabilidade socioambiental”. Esse movimento questionador do modelo de produção e desenvolvimento moderno de caráter fortemente industrial se inicia no final da década e 1960, começo da década de 1970 a partir dos primeiros indícios das mudanças climáticas e da crise do petróleo. Em 1968, um grupo internacional de intelectuais constitui o chamado Clube de Roma, o qual, em 1972, viria a publicar uma forte crítica ao modelo econômico dos países industrializados. Elaborado por uma equipe do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), sob encomenda do referido Clube de Roma, o relatório intitulado “Os limites do crescimento” trouxe à tona a necessidade de associar a natureza ao desenvolvimento econômico. A publicação pioneira vendeu mais de trinta milhões de cópias, em trinta idiomas, tornando-se o livro sobre meio ambiente mais vendido da história. A publicação alarmante colocou a questão no centro das discussões da ONU (Organização das Nações Unidas), que, no mesmo ano de 1972, promoveu a “Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente” em Estocolmo. Na ocasião, foi constatada a necessidade da criação do PNUMA (Programa das nações Unidas para Meio Ambiente). Uma outra conferencia, realizada em 1984, deu origem à CMMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), com objetivo de criar uma agenda global para mudança de postura global em relação ao meio ambiente. Em 1987, um relatório intitulado “Nosso Futuro Comum” foi publicado pela primeira-ministra norueguesa Gro Haarlem Brundland como resultado dos trabalhos dessa comissão. Foi nesse relatório que o termo “desenvolvimento sustentável”, tão difundido até os dias atuais, foi definido pela primeira vez. A Sra. Brundland definiu desenvolvimento sustentável como “aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas necessidades e aspirações”. (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e desenvolvimento, 1988, p.9 apud COMPANS, 2009, p.121) EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 15
  • 16. Nesse momento inicial, as preocupações e os debates estavam mais diretamente relacionados à questão ambiental e econômica. A constatação da degradação ambiental e das mudanças climáticas provocadas pelo modelo econômico vigente apontava para a necessidade de uma forma de desenvolvimento que minimizasse os danos ambientais. Foi somente na década de 1990 que a questão social passou a ser incluída dentro da noção de desenvolvimento sustentável. Apesar de tal inclusão ter ocorrido há cerca de duas décadas, observamos que, em diversas abordagens da mídia e do senso comum, e até em trabalhos acadêmicos contemporâneos, o termo sustentabilidade ainda é utilizado de modo a remeter apenas – ou primordialmente – a questões ecológicas e econômicas. A difundida noção de desenvolvimento sustentável ligada à preocupação com os três pilares – econômico, social e ambiental – surgiu no ano de 1990, idealizada pelo britânico John Elking, fundador da ONG SustainAbilility. O conceito é chamado de Triple Botton Line ou principio dos três P’s: Profit, People, Planet. (BOOF, p.44, 2012) Outra conferência internacional da ONU de grande relevância histórica ocorreu em 1992, no Rio de Janeiro, tendo ficado conhecida como Eco-92. Esse evento teve grande repercussão nacional e mundial, divulgando e consolidando a necessidade de uma mudança de postura no conceito de desenvolvimento. Um dos produtos mais importantes dessa conferência foi a Agenda 21: um abrangente plano de ação a ser implementado por governos, agências de desenvolvimento, a Organização das Nações Unidas (e suas agências especializadas) e grupos setoriais independentes em cada área. O mencionado documento representa o primeiro esforço de sistematização de um amplo programa de ação para a transição rumo ao alcance do “desenvolvimento sustentável”. A agenda 21 confirmou e consolidou a noção de desenvolvimento sustentável ligado a preocupações tanto ambientais como sociais. Três de seus capítulos foram dedicados a questões eminentemente sociais: Capítulo 3 - Combate a Pobreza, Capítulo 6- Proteção e promoção das condições de saúde humana, Capítulo 7- Promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos. Dessa forma, hoje já existe uma clara diferença conceitual entre a abordagem ecológica, que pretende albergar uma responsabilidade e respeito ao meio ambiente; e a abordagem sustentável, entendida como uma postura que almeja integrar o desenvolvimento econômico a uma responsabilidade socioambiental. Após essa marcante Conferencia (ECO-92), em que parecia haver um consenso mundial das nações quanto à necessidade de uma ética política em que todos devem cooperar em um espírito de parceria global a fim de se alcançar o desenvolvimento sustentável, houve uma progressiva perda desse espírito de cooperação e comprometimento nas conferências a seguir. Em 1997, na Rio+5, constatou-se que muitas das metas e compromissos assumidos pelas nações não estavam sendo cumpridos. Em 2000, em Haia, na Holanda, a conferência sobre mudanças climáticas terminou em fracasso. Houve um impasse sobre a questão da diminuição de emissão dos GEE (Gases Efeito Estufa). O compromisso acordado anteriormente no Protocolo de Kyoto, em 1997, foi questionado pelos Estados Unidos – país mais 16
  • 17. poluente - que argumentaram a possibilidade de os países industrializados concederem ajuda financeira a outros países para que estes reduzissem sua emissão de GEE. A União Europeia insistiu que os próprios países industrializados deveriam reduzir suas emissões e, portanto, não houve acordo. Depois desse ocorrido histórico, em que se acirrou o clima de disputa de poder entre as grandes potências, ficava cada vez mais evidente que os interesses econômicos corporativos se sobrepunham ao sentido de sustentabilidade. O sonho do desenvolvimento sustentável começa, então, a ser colocado em cheque. Para Leonardo Boff (2012, p.45), o próprio termo “desenvolvimento sustentável” é contraditório e incoerente em seu principio, pois, segundo ele, desenvolvimento e sustentabilidade atendem a duas lógicas opostas e incompatíveis. Enquanto o desenvolvimento (capitalista) obedece a uma lógica linear, individualista, da acumulação, da exploração da natureza e do homem, gerando profundas desigualdades – riqueza de um lado, pobreza de outro; a lógica da sustentabilidade é circular, holística, includente, valoriza a cooperação, a coevolução, a interdependência de todos com todos, busca a o equilíbrio dinâmico dos ecossistemas. Nesse sentido, na visão do autor, não é possível alcançar a sustentabilidade dentro do atual paradigma de produção e consumo. Argumenta que o principal defeito de todas as definições dos organismos da ONU é colocar o homem acima da natureza, não como parte dela. Boff reconhece o valor de algumas medidas e posturas que foram tomadas em prol do desenvolvimento sustentável, como produção em níveis de mais baixo carbono, utilização de energias alternativas, reflorestamento de regiões degradadas e criação de melhores sumidouros de dejetos, mas afirma que tudo é realizado desde que não afetem os lucros. No seu ponto de vista, a utilização da expressão desenvolvimento sustentável possui uma significação política importante: representa uma maneira hábil de desviar a atenção para os reais problemas como a injustiça social e o aquecimento global crescente, por exemplo. “Em conclusão, no modelo de desenvolvimento que se quer sustentável, o discurso da sustentabilidade é vazio e retórico.” (BOFF, 2012, p. 47) Leonardo Boff (2012) defende um avanço face à compreensão convencional de sustentabilidade, propõe a reflexão sobre a criação de um novo paradigma que entenda Terra/humanidade/desenvolvimento como um único e grande sistema. Para isso ele menciona a necessidade da criação de um novo “software mental”, um design diferente da nossa forma de pensar e ler a realidade. Não seria o mesmo pensamento que nos trouxe até a situação atual que nos vai tirar dela. Segundo o autor, para além da razão intelectual, é preciso inteligência emocional e cordial que nos faça perceber que fazemos parte de um todo, que estamos conectados com os demais seres. Boff menciona ainda um aspecto subjetivo que, para ele, é essencial para a verdadeira sustentabilidade: o cuidado essencial. (...) Entendemos cuidado não como uma virtude ou uma simples atitude de zelo e de preocupação por aquilo que amamos ou com o qual nos sentimos envolvidos. Cuidado é também isso. Mas fundamentalmente configura um modelo de ser, uma relação nova EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 17
  • 18. para com a realidade, a Terra, a natureza e o outro ser humano. Ele comparece como um paradigma que se torna mais compreensível se o compararmos com o paradigma da modernidade. Este se organiza sobre a vontade de poder, poder como dominação, como acumulação, como conquista da natureza e dos outros povos. O cuidado é o oposto do paradigma da conquista. Tem haver como já dizíamos anteriormente, com um gesto amoroso, acolhedor, respeitador do outro, da natureza e da Terra. Quem cuida não se coloca sobre o outro, dominando-o, mas junto dele, convivendo, dando-lhe conforto e paz. (BOFF, 2012, p. 93) O autor faz um elogio à ética de vida dos povos andinos que vão desde a Patagônia até o norte na América do Sul e do Caribe. O ideal de vida desses povos é o “bem-viver” (sumak kawsay ou suma qamaña). Diferente do nosso do conhecido conceito de ‘qualidade de vida’, o ‘bem viver’ visa à ética da suficiência para toda a comunidade, não apenas do individuo. Busca o caminho de equilíbrio com Pacha (energia universal) que se concentra na Pachamama (Mãe Terra). Pressupõe uma visão Holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrena que inclui, além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais. Não restam dúvidas de que a abordagem de Boff tem sua parcela de idealismo comparado ao modo de vida e organização das sociedades atuais, mas a reflexão sobre os princípios com base nos quais estamos construindo nossa sociedade e sobre de que forma nos relacionamos com o mundo é bastante relevante, sobretudo no contexto em que estamos vivendo atualmente. Momento em que o sonho do desenvolvimento sustentável começa a se mostrar inviável diante da atual lógica do capitalismo-industrial; em que os interesses econômicos se impõem de forma esmagadora diante da tentativa de semear outros valores. Momento também em que (desde 1998) grande parte dos países desenvolvidos e industrializados passam por uma assoladora crise financeira mundial decorrente do próprio sistema capitalista (insustentável). Recentemente, mais uma vez a cidade do Rio de Janeiro, Brasil, foi palco de uma Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS). Também conhecido como Rio+20, o evento ocorreu entre os dias 13 e 22 de junho de 2012. O documento oficial resultante da conferência - O Futuro que Nós Queremos – reafirma os compromissos anteriores, como a Agenda 21, por exemplo; define quais são os próximos desafios; e reconhece o pouco avanço em algumas áreas. É interessante perceber que a ideia dos três pilares (econômico, social e ambiental) apresenta-se muito forte em todo o texto do documento, sendo essa definição de desenvolvimento sustentável a mais aceita atualmente. Outro dado relevante do documento é que as questões sociais estão sendo colocadas com destaque cada vez maior. No tópico “Nossa Visão Comum”, os dois primeiros enunciados demonstram claramente isso: 1. Nós, os chefes de Estado e de Governo e os representantes de alto nível, tendo nos reunido no Rio de Janeiro (Brasil) do dia 20 a 22 de junho de 2012, com a plena participação da sociedade civil, renovamos nosso compromisso em favor do desenvolvimento sustentável e a promoção de um futuro sustentável desde o ponto de vista econômico, social e ambiental 18
  • 19. para nosso planeta e para as gerações presentes e futuras. 2. A erradicação da pobreza é o maior problema que afronta o mundo na atualidade e uma condição indispensável de desenvolvimento sustentável. (CMMAD, 2009, p. 01) Em trecho do próprio documento - O Futuro que Nós Queremos – é perceptível que foi dada uma grande liberdade aos Estados-Membros, enfatizando que cada um deve buscar o desenvolvimento sustentável dentro de suas possibilidades e objetivos internos. A ênfase dada foi aos conceitos, que por vezes se tornavam vagos por não indicar parâmetros ou metas concretas, havendo, dessa forma, uma menor cobrança de responsabilidades e prazos. Talvez essa tenha sido uma estratégia de promover um evento que voltasse a trazer a esperança da sustentabilidade, sem bater de frente com os interesses opostos de algumas nações, em um contexto de tantos acordos não cumpridos e conflitos de interesses dos últimos anos. Vejamos como essa falta de objetividade se reflete no texto do documento: 247. Também resaltamos que os objetivos do desenvolvimento sustentável devem estar orientados a ação, ser concisos e fáceis de comunicar, limitados em seu número e ambiciosos, ter um caráter global e ser universalmente aplicáveis a todos os países, levando em consideração as diferentes realidades, capacidade e níveis de desenvolvimento nacionais e respeitando as políticas e prioridades nacionais. Também reconhecemos que os objetivos devem guardar relação com ambitos prioritários para alcançar o desenvolvimento sustentável, e focar neles, segundo as orientações do presente documento final. Os governos devem impulsionar trabalhos relacionados, com a participação ativa de todos os interessados, conforme apropriado. (CMMAD, 2009, p. 53) Apesar de toda a crítica, o atual secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou o evento muito bem sucedido por ter conseguido equilibrar a visão de 193 Estados-Membros, reconhecendo a pobreza como principal desafio para o bemestar econômico, social e ambiental; e a necessidade de ir alem do PIB como medida de progresso, identificando a economia verde como um caminho de inclusão social, crescimento econômico e preservação ambiental. (NAÇÕES UNIDAS, 2012) Aparte todos os impasses e criticas acerca do tema desenvolvimento sustentável, ou apenas sustentabilidade, é importante entender que essa é uma discussão contemporânea, simboliza a constatação de que o modelo em que vivemos necessita de mudanças, representa a esperança da construção de algo novo que possa promover um futuro desejável. Em um sentido mais amplo, vale considerar que o conceito de sustentabilidade é uma construção social, passível de evolução, de diferentes interpretações e, também, de apropriações inadequadas do termo. Segundo Henri Acselrad (2009, pp.44-45), sustentabilidade é um principio em evolução, um conceito infinito. “Mas como definir algo que não existe?” (idem) E que ao existir será uma construção social passível de diversas interpretações e praticas que se pretendem legitimas, reivindicando em seu nome? Para o autor, existe uma disputa pela expressão, pois “aquelas práticas que se legitimem como sustentáveis serão entendidas como compatíveis com a qualidade futura postulada como desejável.” (idem) Considerando a abordagem de Herri Acselrad, entendemos que o debate sobre sustentabilidade é válido justamente por representar aquilo que será compreendido como positivo para o futuro de nossa sociedade. Também por entender que a maquina do capital terá interesse sobre esse termo justamente EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 19
  • 20. por ele legitimar aquilo que a sociedade e as lideranças mundiais consideram como desejável. É preciso colocar em pauta o que será esse “desejável”, buscando uma coerência com o motivo pelo qual todo esse debate se iniciou: a percepção que o modelo atual de desenvolvimento, que visa o crescimento sem limites e que coloca interesses da avassaladora busca pelo lucro acima de todos os outros valores, acaba por gerar um ambiente desarmônico e contraditório com inúmeros impactos ambientais e desigualdades sociais. Avançaremos mais nessa discussão enfocando nosso objeto de estudo, as cidades. 1.2. A Sustentabilidade no Debate Urbano Desde que se iniciaram os debates acerca do desenvolvimento sustentável nas convenções e eventos internacionais, em grande parte fomentados pela ONU, vem sendo colocado em pauta também o conceito de “cidades sustentáveis”. Influenciado pelas proposições da Agenda 21, o conceito de cidade sustentável começa a ser elaborado com a perspectiva de dar durabilidade ao desenvolvimento urbano. Assim, de acordo com Sanchez (2009), a imagem de cidade-modelo difundida internacionalmente “própria da virada do século” associa os ingredientes de competitividade e sustentabilidade a um mesmo ideal de cidade globalizada. Essa relação de cidade sustentável associada à cidade global e competitiva está fortemente ligada ao que chamamos de city marketing, ou seja, a sustentabilidade é tida como uma qualidade essencial para as cidades serem bem vistas no mercado internacional, atraindo investimentos e autopromovendo sua imagem. Nesse contexto, o sentido de sustentabilidade está relacionado mais fortemente à modernização ecológica das cidades, neutralizando a crítica ambientalista e deixando de colocar em pauta as contradições sociais das grandes cidades. O professor da UFRJ Henri Acselrad traduz muito bem esse cenário: (...) Uma tendência forte, nesse debate, procura circunscrever a questão de durabilidade das cidades à simples necessidade de um ajuste ecológico dos fluxos urbanos. É visível o esforço de reduzir os grandes desafios urbanos às possibilidades da chamada “modernização ecológica das cidades”, processo pelo qual as instituições políticas procuram conciliar o crescimento urbano com a resolução dos problemas ambientais, dando ênfase à adaptação tecnológica , à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso. Tal abordagem é, em essência, compatível com o chamado “pensamento único urbano” que exige das cidades que se ajustem aos propósitos tidos por inelutáveis na globalização financeira. A chamada “inserção competitiva” é, neste ideário, evocada para pressioná-las a se transformarem em espaços autônomos em disputa – inclusive pela via da afirmação de seus atributos “ambientais” – por investimentos nos mercados internacionalizados. A cidade do “pensamento único” é, consequentemente, a cidade do “ambiente único” – o ambiente dos negócios. (ACSELRAD, 2009, p.38) 20
  • 21. Assim como o conceito de desenvolvimento sustentável vem passando por uma crise ideológica, o termo cidades sustentáveis colocado desta maneira também vem passando por diversos questionamentos. Para Acselrad (2009), o discurso puramente ambiental desconsidera a complexidade social e a dimensão política do espaço urbano. O pensamento do ambiente único propõe uma postura supraclassista: como o meio ambiente é de interesse de todos, devemos dar as mãos para protegê-lo. No entanto, a sociedade é socialmente fragmentada, e será a política de uma classe dominante que ditará as regras. A legitimação de políticas urbanas que utilizam o conceito de “cidade sustentável” como instrumento do marketing city para promover as cidades no mercado mundial, muitas vezes, tende a acentuar a segregação sócio-espacial. Isso acontece em parte porque os benefícios desses investimentos internacionais privilegia predominantemente a classe dominante, as grandes empresas; em parte porque o esforço das cidades para se tornarem atraentes ao capital mundial demanda grandes investimentos, e acabam por reduzir os recursos que deveriam ser direcionados para resolver os seus problemas mais graves: a segregação sócio-espacial, e a falta de infraestrutura da cidade informal. A meu ver, a crítica à “cidade sustentável” possui a mesma raiz do questionamento do “desenvolvimento sustentável” e fazem parte de um mesmo momento histórico de parada para reflexão acerca do sonho da sustentabilidade. A literatura mais recente a respeito do tema - cidade sustentável - reivindica uma abordagem mais abrangente, que envolva não apenas questões ambientais, mas também questões de bem estar e equidade social. Observemos a crítica propositiva de Henrique Rattner. O maior desafio de nossa civilização urbano-industrial é o de como transformar uma estratégia de crescimento econômico direcionada contra a maioria pobre da população em um modelo de sustentabilidade baseado no bem-estar humano. Como, então, podemos substituir o principio da competição por empregos, mercados, riqueza e poder – imposto a populações indefesas como condição de sobrevivência – pela cooperação, como principal pilar de sustentação? (RATTNER, 2009, p.10) Se analisarmos bem, é possível perceber um diálogo entre a visão de Rattner e o pensamento de Leonardo Boff colocado no item anterior (E essa tal sustentabilidade?- p.06 E 07). Outra critica que coloca em cheque a ambientalização das cidades que desconsidera a dimensão social é a percepção de que, na maioria dos casos, a origem da degradação do meio ambiente está diretamente relacionada a questões sociais. No caso brasileiro, essa relação se apresenta muito claramente. Por falta de alternativa do mercado formal, grande parte da população acaba ocupando irregularmente terrenos urbanos para construir sua moradia. Como em terrenos de proteção ambiental não é permitido haver construções licitamente, esses tornam-se, frequentemente, o alvo das ocupações pelas populações excluídas. Trazendo maior gravame a tal panorama, esses assentamentos demoram, ou nem chegam a ter saneamento básico e coleta de lixo, piorando ainda mais a situação ambiental e de salubridade. Para Acselrad, existe uma inseparabilidade analítica EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 21
  • 22. entre justiça e ecologia: “A raiz da degradação do meio ambiente seria a mesma da desigualdade social.” (2009, p.50) Maria Lúcia Relinetti Martins faz uma ótima descrição da situação brasileira colocando em pauta a globalização, e as questões sociais e ambientais nas cidades brasileiras: (...) é preciso reconhecer que o impacto da chamada globalização no processo de empobrecimento das cidades tem suas raízes nos ajustes fiscais, com recuo nas políticas públicas sociais, aumento do desemprego e precarização do trabalho e desregulamentação na ação do Estado priorizando o mercado privado. Ainda que nos últimos anos esse quadro tenha apresentado alguma recuperação, e o acesso a bens de consumo pela população mais pobre tenha significativamente ampliado, a maioria dos brasileiros, principalmente nas grandes cidades, não encontra oferta de solução de moradia adequada, nem pelo mercado, nem pelos programas públicos, acabando banida da condição de cidadania, tanto pela condição econômica, quanto pelas restrições urbanísticas e ambientais. A consequência é que a população se instale em loteamentos irregulares, ocupações informais e favelas, justamente nos lugares ambientalmente frágeis, “protegidos por lei”, portanto desconsiderados pelo mercado imobiliário formal – assim como em edifícios que se tornam obsoletos, perdem valor de locação, terminam abandonados e se transformam em cortiços e ocupações com qualidade precária. (...) É nesse quadro que cabe aprofundar sobre forma da cidade do século XXI, densidade e condições ambientais do assentamento nas grandes concentrações urbanas e desenvolver alternativas de desenho urbano que contemplem objetivos ambientais e sociais. (MARTINS, 2011, p. 144) Até este ponto, fizemos um breve apanhado sobre quais são os principais questionamentos que o termo cidade sustentável vem sofrendo. Esse conceito pode ter diversas interpretações, e pode ser apropriado por diversos atores que buscam, sob o manto do termo “sustentabilidade”, conferir legitimidade às suas posturas. Porém, ainda não chegamos a definir em que propriamente consiste uma postura sustentável para cidades, que ações e medidas isso envolve. Começamos pela crítica para mostrar o quão disputado é esse termo, para evidenciar que essa questão ultrapassa um conhecimento técnico ou acadêmico. Na realidade, esse é um debate que envolve questões também políticas. Um debate no qual “certo número de atores envolvidos na produção do espaço urbano procura dar legitimidade as suas perspectivas.” (ACSELRAD, 2009, p.53) Percebemos também que o termo sustentabilidade passa por um momento em que se almeja romper com a noção de que a sustentabilidade deve estar a serviço dos interesses econômicos e tenta se implementar uma postura que aprofunde mais a complexa dinâmica da sociedade. Coloca questões como equidade e bem estar social associadas à necessidade de um meio ambiente equilibrado, ousando ainda propor que esses interesses devem estar à frente do ideal de progresso ligado ao desenvolvimento econômico. Aprofundaremos agora quais são as posturas que acredito estarem efetivamente relacionadas à cidade sustentável. Primeiramente, precisamos ter em vista que, como sustentabilidade está relacionado com tudo 22
  • 23. aquilo que representa o que se considera desejável para o espaço urbano, existem diversas abordagens que se apropriam do termo. Para Herri Acselrad (2009, pp.54-64), existem três diferentes sentidos aos quais se associa o conceito de ‘cidade sustentável’: a representação técnica material das cidades (relaciona-se à noção de racionalidade ecoenergética e equilíbrio metabólico das cidades), a cidade como um espaço de qualidade de vida (relaciona-se à noção de urbanidade, cidadania e patrimônio) e a cidade como um espaço de legitimação das políticas urbanas (relacionase á noção de eficiência e promoção da equidade pelo poder público). No próximo item, detalharemos esses conceitos considerando a abordagem de Acselrad e colocando também a visão de outros autores, na tentativa de enriquecer e aprofundar o estudo. Impende ressaltar que em todas essas abordagens existe um esforço técnico-teórico de repensar a cidades em que vivemos na tentativa de torná-las melhores e mais duráveis, contudo, todos eles estão sujeitos a serem utilizados como legitimadores de uma ou outra postura de diferentes atores sociais. 1.3. Diversos sentidos atribuídos a “cidade sustentável”. A representação técnico-material das cidades – cidades ecológicas. Esse primeiro sentido atribuído à cidade sustentável está relacionado mais diretamente à base física e material das cidades, em grande parte influenciado pelas primeiras conferencias internacionais sobre clima e mudanças climáticas. Naquele primeiro momento, houve um processo de elaboração de estratégias urbanas com foco predominantemente na racionalidade ecoenergética. Para Henri Acselrad (2009, p. 54), nesse aspecto, “a cidade será vista em sua continuidade material de estoques e fluxos.” É uma articulação que associa a transição para a sustentabilidade urbana com enfoque no ajustamento das bases técnicas das cidades, a partir de modelos de racionalidade ecoenergética ou de metabolismo urbano. Conforme registra Dominique Gauzin-Müller (2006,p.34), um dos primeiros a militar a favor da ecologia urbana foi o professor alemão Ekhart Hahn que, em 1987 – mesmo ano de lançamento do relatório “Nosso Futuro Comum” da Sra. Brundland -, publicou sua obra Ökologische Stadtplanungn (Planejamento Urbano Ecológico). Aprofundou seus estudos através da investigação teórica associada a estudos de caso, lançando, no inicio dos anos 1990, um informe intitulado Ökologischer Stadtumbau (Renovação Urbana Ecológica). Essa obra aponta medidas para o planejamento sustentável das cidades, dividindo-as em três categorias: Concepção urbana e técnicas urbanas; divulgação sobre ecologia e democracia local; e economia com ecologia. Vejamos como se organizavam essas medidas na tabela abaixo. EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 23
  • 24. Concepção Urbana e técnicas urbanas Divulgação sobre ecologia e democracia local  Arquitetura e Ecologia na construção  Participação e responsabilidade das pessoas envolvidas;  Fornecimento de calor e de eletricidade;  Informação e consulta sobre o meio ambiente;  Gestão da água;  Gestão de deslocamentos;  Redução de resíduos e reciclagem ecológica;  Zonas verdes e proteção da natureza;  Clima urbano e qualidade do ar;  Proteção do solo e da água;  Proteção contra ruído;  Descentralização de administração e da tomada de decisões; Economia e ecologia  Imposto sobre a energia;  Taxa sobre emissões contaminantes;  Cobrança segundo consumo;  Contabilidade ecológica para empresas e instituições;  Formação sobre o meio ambiente e programas sobre assistência e qualificação;  Adaptação das ferramentas de planejamento, de normatização de edificação e das normativas sobre construção;  Novos modelos de cooperativas e de promoção imobiliária  Posta em marcha de medidas impulsionadoras e de ajuda econômica;  Criação de ecocentros, centros culturais e de divulgação sobre ecologia descentralizados;  Estratégias ecológicas para as atividades artesanais, comerciais e industriais;  Criação de agencias para a energia a água e os resíduos;  Criação de centros de serviços, comércios e atividades ecológicas;  Novos modelos de habitação e de convivência.  Criação de postos de trabalho no setor da ecologia.  Saúde e alimentação. Tabela 01. Medidas para um planejamento sustentável para a cidade em três ambitos de intervenção. (fonte: HAHN, Ekhart. Ökologischer Stadtumbau: Theorie und Konzept. 1992. appud GauzinMuller, Dominic. Arquitetura Ecologica. 2006.) Tradução da autora. Hoje esse modelo de intervenção sofre intensas críticas de alguns autores (SANCHEZ, 2009; MOURA, 2009; ACSELRAD,2009) que consideram que essa abordagem supervaloriza a base material das cidades esquecendo a complexidade social urbana. Os projetos de revitalização ou renovação urbana provocam um processo de valorização do espaço urbano aumentando o preço dos terrenos e, em grande parte das vezes, provocando um processo de “gentrificação” ou elitização do espaço. Intencionalmente ou não, esses projetos têm, por vezes, acentuado as desigualdades sociais e territoriais. Fernanda Sanchez faz uma forte critica aos projetos de revitalização justificados pela sustentabilidade, fazendo uma associação direta desses projetos com o city marketing das cidades. Em nome da sustentabilidade e da competitividade, muitos desses projetos “revitalizadores” de regiões da cidade demarcam novas fronteiras urbanas e desencadeiam processos de expulsão social e de gentrificação, de conversão de segmentos da cidade às exigências e aos padrões de uma nova geografia, uma recodificação das relações sociais ao mesmo tempo inclusiva e excludente. Possivelmen- 24
  • 25. te a imagem esplendorosa do renascimento de uma área promovida pelo city marketing não corresponda ao sentimento de espoliação por parte dos cidadãos que veem nas empreitadas “revitalizadoras” um séria ameaça à sua forma de vida social e à sua identidade urbana. Entretanto, os conflitos sociais gerados pela reestruturação e as questões trazidas por qualquer movimento de resistência são rapidamente minimizados pela e esvaziados de seu conteúdo político na linguagem oficial sobre cidades. (SANCHEZ, 2009, p.179-180) Dominique Gauzin-Müller (2006, p.77) apresenta o projeto para o bairro GWL, Ansterdan – bairro sem carros em uma zona industrial obsoleta – como um bom exemplo de urbanismo sustentável, entretanto, ao final da descrição do projeto, comenta que a ação teve por objetivo também atrair um novo público residente para uma região anteriormente conhecida como uma das mais pobres de Amsterdam e admite que o projeto sofreu algumas criticas justamente por essa mudança de composição social induzida. A cidade de Curitiba no Paraná, famosa como cidade - modelo de sustentabilidade e qualidade de vida, por possuir um sistema de transporte público e de espaços livres conhecido nacional e internacionalmente como exemplares, hoje sofre também diversas críticas. Rosa Moura (2009) denuncia que o modelo é apoiado em uma política excludente e retórica com forte apelo de marketing. Segundo ela, a Curitiba com infraestrutura e serviços modernos de qualidade está restrita a uma população seleta, pois, além de exercer um forte controle sobre o solo urbano dentro da cidade – evitando ocupações irregulares –, não oferece alternativas habitacionais à classe de menor renda e à grande quantidade de migrantes. Dessa forma, essa população acaba afastada para municípios vizinhos da região metropolitana com legislações flexíveis, ocupando muitas vezes áreas de mananciais. Essas cidades-dormitório, não possuem arrecadação suficiente para prover condições de vida mínimas a seus habitantes. (MOURA, 2009, P. 240) (...) Nesse sentido, a sustentabilidade pretendida por Curitiba é praticamente inatingível, pois mesmo que a gestão local demonstre certa agilidade na satisfação das necessidades intramunicipais, a privação do entorno metropolitano aponta as fragilidades nos elos entre as políticas urbanas e o espaço urbanizado sob abrangência direta do polo. (MOURA, 2009, P. 240) Outra critica é a abertura da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) que atraiu empresas de alta tecnologia, não absorvedoras de mão de obra local, em um projeto em que o poder público ofereceu subsídios expressivos relativos à oferta de terreno e isenções tributárias. Moura (2009, p.228) pondera que o projeto segue uma política agressiva de industrialização forjada pelas elites locais para concretização dos interesses do capital industrial local. Assim, “embora fortemente apoiado no discurso internacional, o modelo Curitiba mantém um envolvimento bastante seletivo dos diferentes atores urbanos no processo de planejamento e gestão.” (MOURA, 2009, P. 241) A acrítica de que o argumento da sustentabilidade não pode legitimar a ampliação da segregação sócio-espacial é bastante coerente neste debate. Porem, nesse momento, faz-se válida uma reflexão. Será que as medidas tomadas por esses projetos tão reconhecidos e elogiados pelas organizações internacionais e por grande parte da população não tem nenhuma validade? EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 25
  • 26. A priorização de pedestres, ciclistas e transportes públicos em detrimento do carro; os aprofundados estudos sobre edificações de energia passiva e de baixo impacto; a inserção de áreas verdes de lazer no espaço urbano; nada disso significou nenhum avanço na disciplina do planejamento urbano? A apropriação desse conhecimento por atores sociais no âmbito público ou privado em prol de mecanismos de marketing, atração de investimentos ou inserção em mercados globais, ou ainda a gentrificação do espaço urbano ocasionada por esse processo não significa dizer que os conceitos ecológicos elaborados para as cidades tinham essa finalidade em sua essência quando foram idealizados. Está claro que a mudança da base técnico material das cidades não é suficiente para produzir a “realidade desejável” de Acserald, tampouco podemos desconsiderá-la como avanço. Cidade como espaço da qualidade de vida – urbanidade. “Uma nova matriz técnica das cidades é também pensada por razões de ‘qualidade de vida’ – componentes não mercantis da existência cotidiana e cidadã da população urbana.” (Acserald, 2009, p. 59). Essa abordagem da qualidade de vida resgata sentidos como cidadania, diálogo e patrimônio, tanto material (arquitetônico), como imaterial – fortalecimento do sentimento de pertencimento dos habitantes que se relaciona tanto com a estrutura física como com a composição e dinâmica social dos lugares da cidade. Um conceito que dialoga com esse debate é a noção de urbanidade. Embora na literatura esse conceito não esteja normalmente vinculado ao termo sustentabilidade em si, os princípios de urbanidade se relacionam com a ideia de duração das cidades, manutenção de cidades boas de viver – espaços urbanos vivos, com vitalidade representariam a imagem de ‘urbanidade’; e a destruição das cidades e morte dos espaços públicos representam a imagem de ‘desurbanidade’. “O desurbanismo, não se engane, é uma estratégia de destruição de cidades.” (FIGUEIREDO, 2010, p.21). Aprofundaremos o tema concernente à urbanidade por considerá-lo de grande relevância para o estudo da qualidade de vida nos espaços urbanos. Porém, antes de adentrar conceitualmente em que praticas e formas urbanas consiste a urbanidade, proponho começar esse debate por uma dimensão simbólica acerca o que seria o ‘sentimento de urbanidade’ dos lugares. Andrade (2010) em ensaio “Onde está a urbanidade: num bairro central de Berlim ou em uma favela Carioca” descreve o sentimento que teve ao morar na cidade de Berlim: (...) a minha facilidade de adaptação à cidade foi tal que, antes mesmo de eu conseguir pronunciar frases simples em alemão, já tinha desenvolvido um domínio sobre ela que me permitia vivê-la como se estivesse na minha própria pátria. Este sentimento de cidadania estava relacionado tanto ao espaço físico quanto ao social. Em outras palavras, eu me sentia acolhida por estas duas dimensões do espaço berlinense, que me davam uma liberdade para a vida urbana que eu nunca tinha sentido antes. (Andrade, 2010, p. 3) Completa seu pensamento afirmando que jamais sentira isso em sua própria cidade natal, o Rio de Janeiro, embora tenha morado lá por maior parte de sua vida. Essa constatação a deixou surpresa. O sentimento de cidadania, 26
  • 27. liberdade e conforto no espaço público de uma cidade se aproxima do que se entende hoje por urbanidade. Conquanto subjetivo, podemos afirmar que esse sentimento se relaciona diretamente com a arquitetura e o desenho urbano das cidades. Em que pese o conceito de urbanidade ter diversas definições, é principalmente nesse ponto que reside o aprofundamento da temática: pensar a cidade para ser boa e confortável para as pessoas. Esse sentimento de urbanidade parece estar principalmente relacionado a algumas relações criadas entre os indivíduos e o espaço: o quão as pessoas se sentem seguras (Jacobs, 2009 ; Andrade, 2010), o quão se sentem acolhidas pela escala dos lugares (Gehl, 2012) , o quão se sentem a vontade e convidadas a interagir socialmente no espaço (Andrade, 2010; Jacobs; 2009) e o quão o espaço público é capaz de promover a convivência passiva ou ativa de pessoas de diversos interesses, idades e origens sociais (Holanda, 2010; Figueiredo, 2010). Alcançar a qualidade dessas relações por sua vez está vinculado a algumas características do espaço urbano. Por exemplo, a constância de pessoas transitando pelas ruas e calçadas; a existência de espaços livres bem estruturados e acolhedores, em lugares movimentados; e a facilidade e conforto da realização de deslocamentos são colocados pela literatura como características que favorecem que esses sentimentos de conforto e bem estar sejam garantidos nas cidades. Mas a questão é: como alcançar esses atributos para que as cidades sejam lugares bons de viver? A mistura de usos é um quesito unânime dentre os estudiosos de urbanidade. A autora Jane Jacobs enfoca com muita propriedade essa questão em sua célebre obra “Morte e Vida de Grandes Cidades”, publicada ainda na década de 1960 foi pioneira ao estudar essas relações da população com o espaço urbano. Embora não se refira ao conceito de urbanidade especificamente, talvez ainda inexistente naquele momento, tem suas ideias com grande aceitação e respaldo pelos atuais estudiosos do tema. Segundo ela (Jacobs, 2009), a presença de pessoas transitando pelas ruas e calçadas em diversas horas do dia é característica fundamental para que os lugares sejam considerados seguros e a população se sinta à vontade de caminhar, interagir e desfrutar do espaço urbano sem medo. Considera essa convivência urbana benéfica para todos, por criar uma atmosfera de confiança e identidade. Afirma que, por mais que os contatos urbanos sejam na maioria das vezes triviais, o resultado não é nada trivial: “resulta na compreensão da identidade pública das pessoas, uma rede de respeito e confiança mútuos”. (Jacobs, 2009, p.60) Para ela, a possibilidade de sempre haver pessoas presentes nas ruas a todas as horas do dia só pode ser alcançada através da diversidade de usos, pois haverá as horas que pessoas estarão saindo ou chegando em casa ou no trabalho, horas que mães estarão levando filhos para tomar sol ou brincar, horas que os boêmios estarão indo para um barzinho, enquanto apreciadores da arte estarão indo ver um bom espetáculo ou exposição, e assim por diante, a mistura de usos (habitacional, comercial, serviços, institucional, etc.) torna os espaços urbanos vivos e diversos. (...) Aparentemente despretensiosos, despropositados e aleatórios,os contatos nas ruas constituem a pequena mudança a partir da qual pode EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 27
  • 28. florescer a vida pública exuberante da cidade.” (JACOBS, 2009, p.78). Dessa forma, a autora coloca a mistura de usos como principal qualidade a ser buscada no planejamento urbano: Se tivermos como meta que a mistura de usos seja suficientemente complexa para prover a segurança urbana, o contato do público e a interação de usos, ela precisa de uma quantidade enorme de componentes. Nesse caso, a primeira pergunta sobre planejamento urbano - a qual, acho eu que é, de longe, a mais importante seria essa: como as cidades podem gerar uma mistura suficiente de usos – uma diversidade suficiente -, por uma extensão suficiente de áreas urbanas para preservar a própria civilização? (JACOBS, 2009, p.158) Lucas Figueiredo (2010) também defende a necessidade do espaço público potencializar encontros, acrescentando ainda a importância do caráter democrático que este deve assumir. Ele adota o conceito de co-presença, ou seja, a presença simultânea de pessoas de classes ou estilos de vida distintos para alcançar a verdadeira urbanidade: Deste modo, urbanidade, numa definição mais restrita, acontece quando o ambiente construído e suas estruturas auxiliares, sistemas de transporte, dentre outros, permitem ou mesmo potencializam encontros e a co-presença entre pessoas de classes ou estilos de vida distintos em espaços legitimamente públicos, dentro de um sistema probabilístico no qual essas pessoas, em suas rotinas, tendem a usar ou passar pelos mesmos lugares. (FIGUEIREDO, 2010, p.09) Além da mistura de usos e do caráter democrático dos espaços públicos, existem ainda outras características que proporcionam espaços públicos de qualidade. Tais características têm sido denominadas “estruturas facilitadoras de urbanidade. Destacaremos aqui algumas delas como a prioridade ao pedestre, ciclista e transporte público como meio de locomoção; a predominância de quadras curtas; densidade suficiente; fachadas ativas das edificações e promoção de espaços públicos adequados e convidativos. O principio de prioridade ao pedestre, ciclista e transporte público como meio de locomoção vai na direção oposta à histórica postura das cidades brasileiras que têm dado prioridade a políticas e investimentos favorecedores ao transito de carros particulares. Segundo Lucas Figueiredo (2010, p. 11-12) essa postura resulta em espaços urbanos opostos ao que se deseja segundo os princípios de urbanidade. Ao contrário de ruas vibrantes com a presença de muitos pedestres, o uso crescente do automóvel produz ruas engarrafadas, poluídas e barulhentas. Além disso, a presença de muitos automóveis não produz a integração social, pelo contrário, as pessoas tendem a ficar isoladas. Alerta também para o fato de que as adaptações que dão prioridade ao uso do carro, na maioria das vezes, criam restrições à circulação de pedestres. O alargamento de vias muitas vezes significa o estreitamento de calçadas; ao passo que vias de transito rápido funcionam como barreiras físicas aos pedestres. Figueiredo completa seu pensamento afirmando que quanto mais se tente resolver os problemas de trânsito, continuandose a dar prioridade ao carro, o problema só tende a agravar em um ciclo 28
  • 29. vicioso continuo: O principal ciclo de realimentação do automóvel é conhecido: mais automóveis circulando geram mais engarrafamentos, aumentando os tempos de viagem, o que resulta numa queda da qualidade do serviço do transporte público; visto que o principal modal utilizado no Brasil é o ônibus. Por conseguinte, isto força os usuários do transporte público a migrar para o automóvel assim que possível, realimentando o ciclo. Ao mesmo tempo, intervenções como a construção de novas vias ou viadutos têm efeito paliativo. Elas atraem mais tráfego e logo há necessidade de novas intervenções – outro ciclo vicioso. (FIGUEIREDO, 2010, p.12) O ponto de vista do autor afirma que o transporte público de qualidade, por sua vez, favorece o surgimento de ruas vibrantes, pois, além de distribuir pessoas por vários locais das cidades, o usuário de transporte público também é um pedestre, pois caminha entre sua casa e a parada, e da descida até seu destino, contribuindo com a vida urbana desses pequenos trechos. (FIGUEIREDO, 2010, p.13) A preferência pelo carro com a crença de que é um meio de transporte mais rápido de locomoção é uma armadilha de políticas públicas elitistas, pois os engarrafamentos, que são comuns nas grandes cidades brasileiras, barram a capacidade de velocidade dos automóveis tirando-lhe as vantagens ilusórias da velocidade e praticidade. Ademais, invariavelmente, o automóvel particular é um meio de transporte nada democrático, pois apenas uma minoria da população tem acesso a ele, enquanto a grande maioria fica a mercê de um transporte público sem qualidade. Como no Brasil esse transporte é, na maioria das vezes o ônibus, que concorre com o espaço dos carros particulares nas vias, os tempos de deslocamentos se tornam ainda mais demorados devido ao congestionamento causado principalmente por grande quantidade de carros particulares, na maioria das vezes com um ou dois passageiros. Jan Gehl é um dos maiores defensores de que seja dada prioridade ao pedestre e a um eficiente sistema de ciclovias. Trabalhou durante muito tempo de sua carreira profissional na prefeitura de Copenhague, tendo vindo a ser um dos idealizadores e responsáveis pelas mudanças realizadas no transito, através das quais foi implanto um sistema integrado de ciclovias, e importantes ruas da cidade tornaram-se exclusivas para pedestres. Hoje a cidade de Copenhague é considerada a grande cidade europeia com menos congestionamento. Segundo entrevista dada à revista especializada AU (Gehl, 2012), a convivência com sua esposa psicóloga, Ingrid Gehl, que sempre perguntava por que os arquitetos não pensam nas pessoas somente nos prédios, foi o que fez com que ele direcionasse sua carreira para o estudo de uma arquitetura e um urbanismo focado nas pessoas e na escala humana. Nessa mesma entrevista, fala da importância de um sistema de ciclovias e transporte público eficiente e faz uma crítica às cidades sul americanas: Se todas as cidades desenvolverem um sistema de ciclovias e de transporte público eficiente, se reduzirem a ênfase do transporte privado, conseguirão reduzir o trânsito. É o que tem sido feito em Copenhague. Aqui houve muito sucesso em transformar o trânsito EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 29
  • 30. de carros em um trânsito de bicicletas. (...) Aqui em Copenhague, há 40 ou 50 anos podemos dizer que o dia seguinte será sempre um pouco melhor do que foi o dia anterior. Porque temos uma boa política de tráfego. Mas em muitas cidades sul-americanas, há mais e mais congestionamentos. Cada dia é um pouco pior do que o dia anterior. Por anos e anos e anos. Para mim, é muito importante alcançar uma situação em que tudo fique melhor a cada dia. Que haja um pouco menos de carros que ontem, e mais pessoas na rua, e mais trens, trams, metrôs. Não é fácil. Mas muitas cidades já fizeram e isso pode ser feito (...) (GEHL, 2012 ) Vamos, então, ao quarto quesito proposto aqui nessa abordagem. A “Urbanidade também parece depender de fachadas ativas, permeáveis e com interfaces diretas entre o público e o privado (...).” (Figueiredo, 2010, p 15). Jacobs (2009, p.35-43) descreve o papel da existência dos olhos da rua, daqueles que estão dentro das edificações com contacto visual direto com as ruas. O que dá a sensação de segurança de uma lugar não é exatamente o número estatístico de ocorrências violentas, mas a sensação de espaço deserto, sem vigilância ou presença de outros olhos. O que caracteriza um espaço que nos sentimos seguros é a presença de movimento de pessoas que por sua vez se sentem seguros somente em espaços que tem a presença dos olhos das ruas presentes nas edificações com fachadas ativas adjacentes. Um claro exemplo dessa relação é o quanto nós nos sentimos inseguros em ruas com fachadas cegas ou muros extensos. É natural que ruas assim sejam abandonadas e consideradas inseguras, pois ao mesmo tempo em que as fachadas cegas não atraem nenhum uso àquele espaço, as pessoas se sentem inseguras por não haver a vigilância natural dos olhos das ruas. A tendência é que realmente espaços assim se tornem inseguros e marginalizados, pois a falta de movimento de pessoas e dos olhos da rua atraem para esses espaço pessoas que têm interesse exatamente em realizar atividades que não devem ser vistas por ninguém, como o uso de drogas, violência e assaltos. Nem sempre esses espaços se tornam concretamente inseguros, mas ainda assim a imagem de insegurança permanece na mente da população. Figueiredo (2010, p 15) considera as tipologias arquitetônicas que favorecem muros altos, torres e condomínios fechados como estruturas espaciais geradoras de desurbanidade. Afirma que o sentimento de insegurança compromete a liberdade das pessoas. “De fato, se o espaço urbano é considerado um lugar hostil, não há possibilidade de haver urbanidade.” (Figueiredo, 2010, p 15) Fachadas cegas, entradas afastadas ou reservadas, sem acesso direto à rua; zoneamento estrito de usos; e escalas e espaços mais apropriados ao veículo do que ao pedestre, dentre outras características, parecem ir de encontro a todas as propriedades mais comuns das cidades tradicionais, produzindo espaços públicos desérticos e desprovidos de vida. (FIGUEIREDO, 2010, p.09) Outra característica fundamental para o florescimento de ruas vivas e diversas, fundamentais para a urbanidade, é uma alta densidade urbana. É muito simples deduzir que quanto maior o número de pessoas morando ou trabalhando em um lugar, mais provável é que as ruas sejam movimen- 30
  • 31. tadas e que haja demanda para o surgimento de um comércio intenso e diversificado. Durante muito tempo, as altas densidades foram consideradas prejudiciais às cidades, por se ter a crença de que altas densidades significariam insalubridade. Todavia, atualmente sabemos que existe uma infinidade de formas de atingir altas densidades sem comprometer a saúde das pessoas. (...) pessoas reunidas em concentrações de tamanho e densidade típicos de cidades grandes podem ser considerados um bem positivo, na crença de que são desejáveis fontes de imensa vitalidade e por representarem, num espaço geográfico pequeno, uma enorme exuberante riqueza de diferenças e opções, sendo muitas dessas diferenças singulares e imprevisíveis e acima de tudo valiosas por existirem. Dado esse ponto de vista, segue-se que a presença de grande quantidade de pessoas reunidas em cidades deveria não somente ser aceita de braços abertos como um fato concreto. Elas deveriam ser consideradas um trufo, e sua presença, comemorada (...). (JACOBS, 2009, p.244) Ainda nesse tema, vale salientar o quão os vazios urbanos são prejudiciais à urbanidade. Um vazio urbano dentro de uma área com infraestruturas, além de representar um desperdício dos investimentos públicos, também representa uma forte estrutura de desurbanidade. Ao contrário da densidade, o vazio contribui para a destruição da vitalidade dos espaços, pois além de não agregar nenhum uso ao espaço, o que promoveria o movimento e a atração de pessoas, ainda trata de repeli-las, por representar necessariamente uma fachada não ativa, gerando insegurança e aumentando o percurso dos pedestres. Quadras longas também aumentam os caminhos dos pedestres e bloqueiam o contacto de atividades complementares que podem até estar próximas fisicamente, mas se tornam distantes por conta daquelas, impedindo “a formação de combinação razoavelmente complexas de usos urbanos cruzados” (JACOBS, 2009, p.200). Quadras curtas são vantajosas por multiplicar a possibilidade de caminhos para os pedestres, possibilitando que mais pessoas com interesses diferentes possam passar pelos mesmos lugares; e multiplicando também as esquinas, lugares com grande potencial de pontos de encontro, surgimento de comercio ou de serviços diferenciados. Figura 1.1 corte esquematico visibilidade da rua por pessoas em edificios altos. Fonte: GEHL, 2012 É importante nos darmos conta de que densidade em grandes cidades pode ser atingida de várias formas. Se olharmos Paris ou Barcelona, as duas têm grande densidade e não são cheias de edifícios altos. O segredo é que, para fazer uma cidade com alta densidade e prédios baixos você precisa ser um bom arquiteto. Se não é um bom arquiteto, você sempre pode fazer um edifício mais alto. Torres altas são a resposta preguiçosa à densidade. Pode-se, sim, ter uma área com grande densidade, e com cuidadoso desenho da cidade e dos edifícios.(GEHL, 2012) EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 31
  • 32. Figura 1.2 Esquema quadras longas e quadras curtas. Fonte: JACOBS, 2009, p. 198 - 199 A alta densidade defendida anteriormente também tem vantagens quando associada à ideia de quadras curtas, pois, por maior que seja o nível de ocupação do solo, a abertura de mais ruas proporciona clareiras e desobstrução visual. “Quadras longas com alta ocupação do solo são opressivas. Ruas frequentes por serem aberturas na massa edificada, compensam o alto índice de ocupação do solo á volta delas.” (JACOBS, 2009, pp.240) O desenho urbano que prioriza o uso do automóvel naturalmente tende a possuir longas quadras, pois o maior número de cruzamentos não é bem visto por aumentar o tempo de deslocamento. Porém, em lugares que seja realmente possível e desejável que pedestres e ciclistas sejam priorizados em detrimento dos carros, as quadras curtas são ideais para fazer brotar ainda mais vida e urbanidade nos lugares. Um último ponto a ser abordado como crucial para a urbanidade das cidades é a existência de espaços públicos adequados e de qualidade. O termo ‘adequado’ não esta empregado aqui à toa, existem muitos espaços públicos que são inadequados para a urbanidade. As ruas e calçadas, por exemplo, são encaradas na maioria das vezes como espaços estritamente de passagem. Segundo Jacobs (2009) esse é um grande erro. Para ela, os espaços públicos mais vitais de uma cidade são justamente as ruas e calçadas. “Ao pensar em uma cidade, o que lhe vêm à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecem monótonas, a cidade parecerá monótona.” (JACOBS, 2009, p.29) Segundo a autora (JACOBS, 2009), é um erro pensar as ruas e calçadas como meros espaços de circulação de pedestres e veículos. O dimensionamento e desenho urbano das calçadas devem considerar a função social dessas de proporcionar encontros, conversas, jogos etc. As calçadas devem ser também continuação das edificações, permitindo colocação de mesas e cadeiras em frente a barzinhos, restaurantes, ou até a casas, sem 32
  • 33. que a circulação seja necessariamente prejudicada. O ideal seria que todas as calçadas pudessem ter dimensão suficiente para proporcionar diversos outros usos, além dos tradicionais usos de circulação, mas mesmo que não possam ser largas o suficiente para isso, é importante que sejam lugares agradáveis e bem estruturados para favorecer a urbanidade e a qualidade de vida da população. Outro tipo de espaço público muito importante são praças e parques. Esses espaços livres costumam ser sempre buscados e enaltecidos por planejadores urbanos, contudo Jane Jacobs (2009) alerta que existem algumas condições para que esses espaços sejam realmente benéficos para a cidade. Segundo ela, se não houver uma mistura suficiente de usos nas proximidades desses espaços para promover a constante circulação de pessoas, esses tendem a se tornar espaços perigosos, abandonados e degradados, sendo, dessa forma, geradores de desurbanidade. Como a autora Jane Jacobs é norte americana, tendo origem, portanto, em país com clima temperado, alerta também para a importância da localização em relação à massa edificada permitir a incidência solar nos espaços livres, com o escopo de atraiam as pessoas mesmo nos meses de inverno. No nosso caso, tropical, acho de fundamental importância considerar o raciocínio da autora para buscarmos exatamente o oposto. A existência de sombras nos espaços abertos é essencial para a permanência de pessoas em praças e parques, mesmo durante o dia, e nos meses mais quentes. Para essa qualidade, a intensa arborização, tanto de calçadas quanto de praças, melhora o conforto térmico e fortalece o apelo visual e paisagístico, tornando os espaços mais interessantes e aconchegantes. Jacobs também considera inadequados projetos que consistem em imensos espaços livres desproporcionais com edificações soltas, ou quando os espaços livres resultam apenas nas sobras de lotes. Afirma que deve ser clara a diferença entre o espaço público e o privado; e que os espaços livres devem ter um espaço bem delimitado, considerando que a “existência de construções a volta deles é importante nos projetos. Elas os envolvem. Criam uma forma definida de espaço, de modo que ele se destaca como um elemento importante no cenário urbano, em aspecto positivo e não um excedente superfulo” (JACOBS, 2009, p.115). Acrescenta que imensos espaços livres sem delimitação, ao invés de atrair as pessoas, acaba as repelindo, tornando-se espaços de mera contemplação, sem o uso e apropriação da população. Parte dos espaços livres das cidades tende a buscar características de monumentalidade. Federico Holanda (2010, p.09-10) faz uma diferença entre a “monumentalidade formal” e a “monumentalidade urbana”. A formal, embora tenha seu valor por remeter ao sublime, ao magnificente, não promove urbanidade; não são espaços pensados para a convivência das pessoas, mas para contemplação. Eles teriam sua existência justificada apenas para criar grandes símbolos superestruturais da ordem social política ou ideológica. Algumas das características desses espaços são: áreas de grandes dimensões, edifícios soltos lidos como volumes claros na paisagem, e ausência presença rotineira de habitantes. Exemplos desse tipo de monumentalidade são as Pirâmides de Guiza (Egito antigo), o Mall (Washington), a Avenida dos Mortos (Teotihuacán, México pré-Colombo), EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 33
  • 34. o centro cerimonial de Uxmal (maya, México pré-Colombo), a Cidade Proibida (Pequim, China) e a Esplanada dos Ministérios (Brasília). Já a monumentalidade urbana, é exemplificada por espaços livres como la Piazza San Marco (Veneza), Piazza della Signoria (Florença), Piazza del Campo (Siena), Cinelândia (Rio de Janeiro) e Praça Tiradentes (Ouro Preto). Esses espaços possuem características que permitem a convivência entre monumentalidade e urbanidade. “Essas praças incluem a vida rotineira da cidade, inclusive residências; estão sempre cheias de pessoas, paradas ou em movimento; são pequenas clareiras cercadas pelo denso e secular tecido da cidade.” (HOLANDA, 2010, p.09). Embora existam fortes criticas à monumentalidade formal da Esplanada dos Ministérios de Lúcio Costa por parte da literatura contemporânea, Holanda (2010) a considera legitima por ser um lugar simbólico por excelência. Porém, devemos vislumbrar com clareza a diferença entre essas duas categorias de monumentalidade para não confundi-las, promovendo espaços de monumentalidade formal e esperando que deles brote espontaneamente a urbanidade. Vale observar que a ideia de monumentalidade urbana de Frederico Holanda é condizente com as recomendações de Jane Jacobs para que os parques e praças tenham sucesso. Ambos descrevem espaços bem delimitados, inseridos na malha urbana, funcionado como clareiras cercadas por usos e edificações diversas. Grande parte dos estudiosos a respeito de urbanidade fazem fortes críticas ao movimento moderno. A setorização da cidade separando os usos habitacional, comercial e institucional; o planejamento voltado para ao automóvel; a implantação de tipologias habitacionais soltas no lote e as extensas quadras são alguns exemplos de práticas incentivadas pela teoria da arquitetura e urbanismo modernos que vão de encontro aos princípios de urbanidade já descritos anteriormente. Jan Gehl (2012) afirma que a escala humana foi perdida, isto é, que se consolidou uma maneira de projetar tecnocrata que não produz cidades boas para viver: O que mais me incomoda na arquitetura modernista é o fato de que é uma arquitetura pensada de cima para baixo e não o contrário, como devia ser. O exemplo de Brasília é emblemático – tanto que costumo me referir a “síndrome de Brasília” quando vejo locais muito grandiosos e sem nenhuma conexão com as necessidades de seus habitantes. Brasília até impressiona vista de cima, da janela do avião, mas lá embaixo, no nível do olho humano, ela não cumpre nenhum dos critérios que fazem de uma cidade um lugar bom para viver. Alguns dos espaços em Brasília estão entre os piores que já vi na vida. A cidade é monumental demais, desagradável para caminhar. Nos anos 60, quando esse tipo de traçado se popularizou, ninguém sabia nada sobre a interação das pessoas com o espaço que elas habitavam. O que se sabia era como planejar uma cidade tecnocrática. O viés modernista, que prioriza o prédio e ignora o que está a sua volta, não produziu cidades boas para viver. (GEHL, 2012 In Revista Veja 29/08/2012, p.21) Jane Jacobs também faz ácidas críticas ao movimento moderno. Afirma 34
  • 35. que o planejamento urbano ortodoxo (moderno) considera as ruas um lugar ruim para as pessoas, afastando as pessoas dos espaços públicos e as colocando voltadas para dentro, para uma área verde cercada. Caracteriza sua obra ‘Morte e Vida de Grandes Cidades’ como um “ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes (...), uma tentativa de introduzir novos princípios no planejamento urbano e na reurbanização, diferentes daqueles que hoje são ensinados em todos os lugares” (JACOBS, 2009, p.01). Considera que Le Corbusier via as cidades como um brinquedo mecânico maravilhoso e que a influência de suas ideias no planejamento urbano das cidades resultou em um impacto negativo: A cidade dos sonhos de Le Corbusier teve enorme impacto em nossas cidades. Foi aclamada deliberadamente por arquitetos e acabou assimilada em inúmeros projetos, de conjuntos habitacionais de baixa renda a edifícios de escritórios. Além de tornar pelo menos os princípios superficiais da Cidade-Jardim superficialmente aplicáveis a cidades densamente povoadas, o sonho de Le Corbisier continha outras maravilhas. Ele procurou fazer do planejamento para automóveis um elemento essencial de seu projeto, e isso era uma ideia nova e empolgante nos anos 20 e inicio dos anos 30. Ele traçou grandes artérias de mão única para transito expresso. Reduziu o número de ruas, porque os cruzamentos são inimigos do tráfego. Propôs ruas subterrâneas para veículos pesados e transportes de mercadoria, e claro, como os planejadores da Cidade-Jardim, manteve os pedestres fora das ruas e dentro dos parques. A cidade dele era como um brinquedo mecânico maravilhoso. (JACOBS, 2009, p.23) As cidades tradicionais, por sua vez, tendem a apresentar naturalmente as características de urbanidade. A obra de Jane Jacobs é considerada um elogio às estruturas das cidades tradicionais. Seria então o planejamento que promove a desurbanidade? Figueiredo (2010, p. 08-09) discorda dessa ideia. Admite que existe uma tendência a pensar dessa forma, mas considera esta uma falsa ruptura: É comum descrever cidades que cresceram de maneira ‘orgânica’ ou não coordenada como geradoras de urbanidade, algo que as cidades planejadas não conseguiriam replicar. Essa, no entanto, é um falsa ruptura. Os mesmos processos não coordenados que produzem lugares com urbanidade podem produzir desurbanidade. (FIGUEIREDO 2010, p.09) Complementa seu pensamento afirmando que as cidades brasileiras são exatamente o que deveriam ser de acordo com as decisões políticas e de planejamento. Isto é, se as decisões forem diferentes, priorizando a urbanidade, o planejamento urbano pode sim produzir cidades cheias de vida e de urbanidade. Uma outra abordagem que articula muito bem conceitos de qualidade de vida e eficiência ecoenergética na forma urbana é a ideia de ‘cidades compactas’, que tem como principais atributos a alta densidade associada a usos mistos, argumentando a importância de reduzir distâncias de deslocamentos para aumentar a qualidade de vida e diminuir os gastos de energia e emissão de gases poluentes. (Acserald, 2009, p. 60). Não nos deteremos a essa temática por entendermos que o conceito de urbanidade, EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 35
  • 36. já explorado, é mais abrangente já tendo sido explorada a importância das altas densidades e usos mistos. Entretanto, nem sempre as ideias relacionadas à qualidade de vida estão vinculadas à abordagem ecológica. Gehl (2012) faz crítica à cidade de Dubai por aparentemente dar prioridade a preocupação com o meio ambiente, porém de forma desvinculada com a preocupação de garantir a qualidade de vida para as pessoas: (...) O fato de uma cidade ter uma preocupação com o meio ambiente não é, absolutamente, garantia de que ela esteja voltada para a necessidade de seus habitantes, que transcendem muito a questão ecológica. Dubai, como já disse, retrata bem isso. Os edifícios de lá foram quase todos erguidos para economizar energia, mas a cidade como um todo, não é nada agradável. No fundo, não é nada verde. Faltam áreas onde as pessoas possam caminhar, se esbarrar e se falar, produzindo aquela efervescência típica dos locais bons para viver. Há, em Dubai, áreas onde nem sequer existem calçadas, o que força as pessoas a usar o carro. Não basta, portanto, adotar uma cartilha de regras ecologicamente corretas e achar que isso fará um lugar mais agradável. É preciso ir muito alem disso ao pensar centros urbanos modernos. Eles devem ser como uma boa festa. (...) Se você fica em uma festa por mais tempo do que planejava, é porque se divertiu. Toda cidade deveria ser como aquela festa que dá certo, em que as pessoas se sentem tão bem e tão a vontade que acabam ficando. (GEHL, 2012, p.21) Podemos observar que esses dois sentidos atribuídos à sustentabilidade urbana, técnico-material e busca pela qualidade de vida, são abordagens conceitualmente diversas, mas que, na aplicação prática, possuem algumas interseções. A abordagem da cidade compacta é exemplo disso. Entraremos agora no terceiro sentido atribuído a sustentabilidade segundo Acserald, trata-se da concepção de que a cidade é um espaço de legitimação de políticas públicas. Cidade como espaço de legitimação das políticas urbanas. Esse último sentido atribuído à “sustentabilidade urbana” está relacionado com a capacidade dos governos de atender as necessidades de sua população de forma equilibrada. “A insustentabilidade exprime, assim a incapacidade de as políticas urbanas adaptarem a oferta de serviços urbanos a quantidade e a qualidade das demandas sociais”. (ACSELRAD, 2009, p.61) Acredita-se que quando o crescimento urbano não é acompanhado por investimentos em infraestrutura, a oferta de serviços urbanos não acompanha o crescimento da demanda. A falta de investimentos na manutenção dos equipamentos urbanos virá, por sua vez, acentuar o déficit na oferta de serviços, o que se refletirá espacialmente sobre forma de segmentação socioterritorial entre populações atendidas e não atendidas por tais serviços. Esse processo exprime-se sob forma de uma “queda da produtividade política dos investimentos urbanos”, incrementado os graus de conflito e incerteza no processo de reprodução das estruturas urbanas. (...) (ACSELRAD, 2009, p.62) A erosão da legitimidade das políticas urbanas pode fundarse assim, na insuficiente adesão à racionalidade econômica, causa suposta do desperdício da base de recursos, ou, 36
  • 37. alternativamente, na ausência de priorização de mecanismos distributivos do acesso a tais serviços. (...) (ACSELRAD, 2009, p.63) Dessa forma, esse aspecto da sustentabilidade coloca em pauta a questão da equidade no plano urbano. Entende que é dever de uma boa governança fornecer boas condições de vida para todos, colocando a provisão de serviços e de infraestruturas urbanas de maneira justa e equilibrada como um quesito fundamental para alcançar a situação desejável de “sustentabilidade urbana”. No panorama urbano brasileiro, onde grande parte das grandes cidades é marcada por uma escandalosa segregação sócio-espacial, caracterizada principalmente pelo contraste entre áreas com infraestrutura e acesso a serviços e outras completamente esquecidas pelo poder público, esse debate ganha especial importância. Conceitos de grande relevância para esse tema referente ao papel da equidade social na noção de sustentabilidade são as noções de justiça ambiental e direito à cidade. O movimento de justiça ambiental nascido nos anos 1980, nos Estados Unidos, é uma corrente do ambientalismo diferente do movimento ambiental preservacionista - que pensa na conservação dos ecossistemas virgens, e da ideia da ecoeficiência - que tenta tornar o modo de produzir e utilizar equipamentos humanos menos impactantes ambientalmente. A concepção de justiça ambiental coloca o acesso a um meio ambiente equilibrado e com qualidade como um direito humano que todos devem poder usufruir. Seu debate coloca em pauta a questão de que muitas vezes a produção industrial e as dinâmicas sociais e territoriais do sistema capitalista acabam por privar populações do acesso e usufruto de ambientes físicos saudáveis e seguros de moradia ou de subsistência. As reivindicações por justiça ambiental se fazem pertinentes tanto em ambientes rurais como urbanos. No primeiro, podemos exemplificar a luta de Chico Mendes contra o desmatamento da Floresta Amazônica, em defesa da criação de reservas extrativistas para subsistência e permanência de povos indígenas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco e populações ribeirinhas. Já no debate urbano, foco de nossa abordagem, podemos colocar a situação de precariedade ambiental que se encontram milhares de famílias que, em consequência da segregação socioterritorial e da exclusão do mercado imobiliário formal, vivem sob o risco de vida e doenças em encostas de morros, áreas alagadiças, proximidade de indústrias ou lixões tóxicos, e em locais sem saneamento básico. Alier (2007) apresenta com muita propriedade os princípios desse movimento: O movimento pela justiça ambiental (...) explicitamente incorpora uma noção distributiva da justiça. Poderia ser argumentado que a justiça ambiental potencialmente intui um aspecto existencial, qual seja, o de que todos os seres humanos necessitam de determinados recursos naturais e uma certa qualidade do meio ambiente para asseguraram sua sobrevivência. Nessa perspectiva, o meio ambiente converte-se em um direito humano. (...) (ALIER, 2007, p.275) (...) O eixo principal dessa corrente não é uma reverencia sagrada a natureza, mas, antes, um interesse material pelo meio ambiente como fonte de condição para a subsistência; não em razão de uma preocupação relacionada com os direitos das fu- EM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 37
  • 38. turas gerações de humanos, mas, sim, pelos humanos pobres de hoje. (...) Sua ética nasce por uma demanda de justiça social contemporânea entre os humanos. (...) (ALIER, 2007, p.34) A grande importância da abordagem da justiça ambiental é justamente unir princípios de inclusão social á lógica ambientalista. Segundo Clarissa Freitas (2004), quando o movimento ambientalista não se preocupa em entender a lógica da produção do espaço, acaba por legitimar processos que beneficiam interesses particulares específicos e acentuam a segregação social. Isso ocorre porque, não raro, o mercado imobiliário e o poder público utilizam o argumento da preservação ambiental para legitimar ações e interesses que vão muito além da mera preocupação ambiental. Exemplos dessa postura é o excesso de cuidado ambiental em áreas nobres, não por preocupações eminentemente ecológicas, mas como forma valorizar ainda mais os terrenos adjacentes, em contraposição com o descaso com a situação de famílias que sofrem todos os anos com enchentes. Este tipo de ambientalismo desconectado com a realidade social da maioria dos moradores está fadado ao fracasso. Na melhor das hipóteses, o movimento vai ser capaz de proteger os recursos naturais em situações que se encaixam na agenda desenvolvimentista, não se tratando, portanto, de uma posição pró-ativa. [...] (...) Esta linha de raciocínio, não diminui a importância das causas ambientais globais, mas sim apresenta a causa dos desfavorecidos urbanos como uma causa de proporções globais, cuja solução pode vir a ser a mais barata de todas. (FREITAS, 2004) O ‘direito a cidade’ tem um viés semelhante ao da justiça ambiental, mas é focado nas questões urbanas especificamente, colocando a questão de provisão de terra urbana com infraestrutura e acesso a equipamentos de maneira equitativa como essenciais para sustentabilidade das cidades. Esse direito está legitimado no Brasil através da Lei nº 10.257, o Estatuto da Cidade. Esta lei tem por objetivo garantir a função social da propriedade, combater a especulação imobiliária e garantir o direito a cidade para todos os habitantes urbanos. O inciso primeiro do artigo segundo do Estatuto da Cidade enuncia: Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte a aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. (SENADO FEDERAL, 2008, p.15) De acordo com a noção de direito à Cidade contido na citada, o poder público teria o dever de garantir não apenas a moradia, ou seja, a casa em si, mas o acesso às oportunidades e qualidade ambiental urbana em uma política de real inclusão territorial. Esse direito bate de frente com os interesses imobiliários das elites urbanas brasileiras que só vêem o direito a propriedade privada, retendo grande parte dos terrenos urbanos vazios em áreas com infraestrutura disponível, enquanto milhares de pessoas ocupam áreas sem infraestrutura em péssimas condições de salubridade ambiental e sanitária. 38
  • 39. Uma reflexão teórica pertinente a essa questão é que até o principal filosofo fundador das correntes políticas modernas do liberalismo, que idealizou e introduziu a ideia de Estado Liberal e propriedade privada na sociedade, John Locke, se oporia conceitualmente a essa conduta de retenção especulativa de terras. Já em 1714, em “Segundo Tratado Sobre o Governo”, Locke (2005) institui e definiu a ideia de propriedade privada, porém ressaltou que esta deve existir para usufruirmos, de modo que, o que estiver além disso (do usufruto da propriedade), excede a sua parte e pertence a outros. Talvez a isso se objete que, se o ato de colher uma bolota ou outros frutos da terra etc. dá direito a eles, qualquer um poderá açambarcar tanto quanto queira. Ao que eu respondo que não. A mesma lei da natureza que por este meio nos concede a propriedade, também limita essa propriedade. Deus deu-nos de tudo em abundancia é a vossa razão confirmada em revelação. Mas ate que ponto ele nolo deu? Para usufruirmos. Tanto quanto qualquer pessoa possa fazer uso de qualquer vantagem da vida antes que se estrague, disso pode por seu trabalho, fixar a propriedade. O que quer que esteja além disso excede sua parte e pertence aos outros. Nada foi feito por Deus para que o homem estrague ou destrua. E assim, considerando-se a abundancia de provisões naturais que por muito tempo houve no mundo e quão poucos havia para gastá-las, e a que pequena parte dessa provisão o esforço de um único homem poderia estender-se e açambarcá-la para prejuízo dos demais, especialmente mantendo-se nos limites fixados pela razão do que poderia servir para seu uso, pouco espaço poderia haver para querelas ou contendas acerca da propriedade assim estabelecida. (LOCK, 2005) Transcrevo essa passagem de Locke para enfatizar que a questão aqui posta, da equidade urbana, não fere em nada o principio da propriedade, contanto que se entenda esta com o bom senso que o próprio criador de seu conceito teve. A propriedade é legitima desde que não se coloque acima da satisfação das necessidades de outros. O conceito de função social da propriedade propõe que os terrenos urbanos devem cumprir uma função, não podendo estes ficaram sem uso apenas para valorização especulativa. O Estatuto da Cidade reconhece esse conceito e legitima diversos instrumentos que tem por objetivo conter a especulação imobiliária urbana e fazer cumprir a função social da propriedade. Mais adiante exploraremos melhor esses instrumentos. Afinal, o que seria então a cidade sustentável? Tentamos colocar ate aqui alguns sentidos que a concepção de cidade sustentável possui na atualidade. Não é intenção deste trabalho, todavia, eleger uma concepção que seja a mais correta ou conceber uma definição fechada. A própria imagem de um “modelo de cidade” seria perigoso e suspeito, tendo em vista que a própria cidade é um fenômeno social em constante mudança. Portanto, o debate sobre a cidade desejável deve ser continuo. Nada obstante, alguns princípios podem lhe ser norteadores. As abordagens propostas por Acselrad (2009) - da sustentabilidade técnicoEM BUSCA DE UMA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL URBANA: PROPOSIÇÃO PARA O BAIRRO SIMBÓLICO SERVILUZ 39