Peter é abduzido por alienígenas que planejam destruir a Terra por considerá-la inútil e poluída. Ele conversa com o líder alienígena e tenta convencê-lo da importância do planeta e da vida humana, argumentando que a Terra ainda não está desabitada ou completamente destruída.
2. Às vezes, Peter odiava estar certo.
Naquele dia em questão, odiou ter falado “É,
até que pode ser!”. Por que não podia simplesmente
ter falado “Talvez seja apenas um helicóptero”?
Claro, ter falado em um helicóptero em vez
de um disco voador não teria mudado o que
acontecera depois. Era por volta da meia-noite, sua
aula acabara havia algum tempo, mas ele demorava
demais para chegar em casa.
Tirou do rosto o cabelo preto que o
incomodava os olhos e pôs o fone no ouvido. Colocou
Sweet Child O’ Mine para tocar e andava
despreocupado. Ou pelo menos tão despreocupado
quanto se podia andar naquela cidade. Na mochila
azul escura nas costas, seu computador.
A cidade em si já era famosa por roubos
durante o dia, e durante a noite, então...
Tirou do bolso o celular apenas para
responder a mensagem que a namorada o enviara.
3. Disse que estava logo chegando em casa. O player já
avançara para a próxima música do álbum que
comprara.
Enquanto a música tocava no fundo de sua
mente, ele tentava fixar os conteúdos aprendidos no
dia em seu cérebro. Ele certamente não entendia nada
de álgebra linear, mas teria uma prova na próxima
semana...
Andava pela calçada e não havia muitos
postes de luz por perto, mas isso não o preocupou. A
casa ao lado possuía uma cerca verde e a casa era
branca. O quintal era belo e não havia nenhum sinal
de vida dentro dela.
Já é muito tarde , ele finalmente percebeu,
todos devem estar dormindo .
O garoto de pouco mais de vinte anos não
era o mais inteligente de sua classe, mas com certeza
era o mais esforçado.
Na hora de fazer um trabalho em grupo, era
4. o que incentivava os outros a trabalharem, mas ele
mesmo não trabalhava. Não que não quisesse, ele
apenas não conseguia.
Como se houvesse uma força maligna o
fazendo não estudar. Ele queria estudar, sempre quis,
mas...
- Como é que falam? Querer não é poder?! -
disse ele enquanto olhava os dois lados da rua antes de
atravessá-la, apenas por costume, pois sabia que não
vinha ninguém.
Daquele novo lado da rua, andava ao lado de
uma casa aterrorizante e que certamente estava
abandonada, pois somente as janelas possuíam mais
teias de aranha do que uma aranha produzia em toda a
sua vida. Do outro lado da rua, o primeiro poste de luz
apareceu após quase um quilômetro de passos rápidos.
Não era a avenida, então não era exatamente
um “poste de luz”, mas sim um pedaço de metal com
uma lâmpada em cima. Peter pensou que um lampião
5. teria ficado mais bonito, e depois de refletir sobre o
pensamento, percebeu que realmente teria ficado.
Ele sentiu um calafrio e teve um arrepio por conta
disso. Odiava calafrios, eles lhe davam calafrios!
Olhou para o céu por um momento e soltou
um longo suspiro. Ficara na escola por pouco mais de
sete horas - precisava ir antes das aulas começarem
porque ajudava na biblioteca - e já estava com
saudades de Ana. A luz no mini-poste do outro lado
começou a cintilar e soltou um grito alto no início,
então ficou mais baixo, mas o barulho continuava.
Devia ser um mal contato nos fios internos.
Por um momento, Peter levou um susto.
Olhou com rapidez para o poste e seus olhos o traíram
fazendo-o ver um vulto atrás dele. Deu dois passos
para trás e bateu no muro que cercava a casa esquisita.
Assustou-se novamente, pois não havia percebido o
muro antes.
6. - Que droga, Peter, recomponha-se -
suspirou e voltou a andar.
Outra mensagem, essa um pouco mais
preocupada. Ana já começara a temer que o namorado
fora assaltado ou coisa pior. Graças a Deus, não. Foi o
que respondeu. Ele estava acostumado a falar daquilo,
mas não era religioso. A namorada, sim.
O casal improvável , era o que os amigos
diziam quando os dois estavam juntos.
Sempre perguntavam como era possível
duas pessoas com visões religiosas diferentes
continuarem juntas após tanto tempo.
- Se você não quer discutir sobre política,
não fale sobre política! - era o que ele dizia, e era
verdade. Em todos os anos de namoro, nunca falaram
sobre religião. Para ele, esse era o segredo da
felicidade: se não quer perder o namoro porque torce
para um time e ela pra outro, nunca assistam a um
jogo de futebol juntos.
7. O calafrio voltou, e trouxe o irmão junto. Estava em
outra esquina, foi quando pensou que tivesse outro
poste de luz sobre ele, pois tudo ficara iluminado.
Retirou o fone dos ouvidos e olhou para
cima, protegendo os olhos.
- Que diabos? - ele disse para a luz clara
acima dele. - Será que... É, até que pode ser! Nunca
devemos descartar essa possibilidade - e soltou um
riso leve.
A luz começou a crescer, e ele começou a
temê-la.
- Que droga, Peter, recomponha-se - repetiu
para si, mas depois percebeu que devia sim temer a
luz.
Quando tirou as mãos dos olhos, percebeu
que tudo continuava branco, mas que não estava na
rua sendo iluminado por uma luz divina. Estava
dentro de algum lugar que não sabia onde era. O lugar
era enorme, e a fonte da luz não parecia, a princípio,
8. ser tão grande. Justamente por isso agora estava
considerando que poderia muito bem ter sido um
helicóptero voando extremamente baixo.
Será que é maior por dentro? Perguntou-se
e depois riu sobre a ideia. Não, isso é impossível até
mesmo para eles, com certeza!
- Ahem - ouviu o pigarro de alguém
irritado. Virou para trás e viu um humanoide (na
verdade, parecia humano) olhando para ele com olhos
irritados, como se estivesse querendo que o expediente
acabasse e pudesse ir para casa. - Aproxime-se!
Ele obedeceu, parte por maravilha pelo que
estava acontecendo e parte por conta do medo que
começara a sentir.
- Nome? - ele disse ao puxar um papel que
se parecia com um formulário.
- Hã... Peter Gollman - o homem de
cabelos castanhos e roubas brancas anotou no papel.
Estava sentado numa escrivaninha.
9. - Sexo?
- Masculino.
- Profissão?
- Estudante.
- Estado civil?
- Na... Solteiro! - lembrou-se de que
namoro não era exatamente considerado um estado
civil, pelo menos não naquele planeta.
- Muito bem, senhor Gollman. Agora, se o
senhor pudesse assinar aqui - virou a folha - e aqui.
Apenas questões legais.
- Claro - não fazia Direito, então assinou
sem ler, embora não fosse preciso.
- Ok, ok, muito obrigado. O senhor pode
passar e falar com o nosso líder, ele está logo atrás
daquela porta! - apontou para o fim do corredor
branco e pôs o formulário num envelope pardo.
- Hã... ok! - estava surpreendentemente
calmo com a situação, isso ele notou, mas não ficou
10. surpreso. Após tantas pesquisas sobre o assunto, tanto
para a faculdade quanto pessoais, se tivesse ficado
surpreso, aí sim seria uma surpresa.
Ele andou o longo corredor branco - cheio
de armários de arquivos dos dois lados - e seus tênis
faziam um pequeno barulho ao andar. Ele achou
aquilo um pouco irritante, mas não fez nada a respeito
- não achou que tirar os sapatos seria muito educado,
afinal, eles eram alienígenas, não japoneses.
Se bem que...
- Não, aquele cara não parece ser japonês! -
falou e olhou para o primeiro que lhe atendeu.
Quando ia bater a porta do suposto líder, ela
se abriu, exatamente como quando uma casa mal-assombrada
abre quando você está prestes a bater a
porta.
- Entre - uma voz marcante falou. - E feche
a porta atrás de si!
Ele o fez.
11. - Hã... Você que é o líder?
- Isto aí! - ele se virou na poltrona, também
branca, estava atrás de um holograma que mostrava
milhões de informações por segundo.
Peter não pôde o ver direito por conta de
todas as imagens e escritas, mas o homem parecia ser
pálido e ter a cabeça raspada. Deveria estar usando
uma gravata rosa claro com listras diagonais rosa
fortes e um paletó claro.
É, bem descritivo para alguém que não
conseguia ver direito, mas esse era o superpoder de
Peter. Não que fosse adiantar alguma coisa caso os
alienígenas resolvessem o atacar, mas...
- Quem é você? - perguntou.
- O líder, você não ouviu?
- Não, digo... quem é você?
- Ah. Posso garantir que não sou marciano.
Não sei porque, mas sempre que chego em um planeta
eles perguntam se sou de Marte... Pergunta estúpida!
12. - É que tem uma lenda...
- Os marcianos já não moram mais em
marte!
- Ah. Bom pra eles, pois acabamos de enviar
um robô pra lá!
- É? E o que ele descobriu?
- No geral, nada, mas mandou a foto de
umas pedras maneiras pra cá!
- Pois saiba que nossos robôs também nos
enviaram umas fotos de vocês!
- Vocês tem robôs aqui? - pareceu surpreso
com a pergunta, embora soubesse que não era
improvável.
- Digamos que... não existem assim tantos
humanos quanto vocês gostariam. Mas de todos os
cinco bilhões, todos são humaníssimos.
- Mas a gente tem muito mais do que
cinco... Ah. Saquei!
- Nós tentamos entrar em contato com o
13. líder de vocês, mas não o encontramos! - informou e
começou a mexer o dedo no ar, controlando o
holograma.
- É bem a cara dele... Espera, quem vocês
achavam que era nosso líder?
- Hã... Ah, ok, nós abduzimos a primeira
pessoa que vimos. Feliz agora?
- Na verdade, um pouco triste, nós
provavelmente não temos um líder para o planeta.
Temos líderes para os países, mas nada para todos eles
ao mesmo tempo...
- Viu só? É exatamente por isso que lá nós
temos os países, mas então temos uma associação que
designa um líder para o mundo. Assim estamos
seguros, sabe, se um OVNI cai num país com um
presidente de merda, ele não vai conseguir destruir o
planeta ao mandar os ET’s se foderem.
- E essa associação escolheu você para ser o
líder do país? - perguntou.
14. - Eu sou o mais carismático! - pareceu ter
agarrado o paletó e o ajeitado.
O bonzão , pensou Peter.
- Huh. Bom, desculpe se eu estiver
parecendo um pouco rude, mas... o que vocês querem
aqui?
- Ah. Sim... Nós estamos fazendo uma
limpa, destruindo alguns planetas desabitados,
começamos com o que vocês chamam de... Júpiter.
Passamos por Plutão e o pessoal lá disse que nós não
deveríamos destruí-los.
- Plutão não é um planeta!
- Ah, sim, eu estou agora acessando a sua...
Inter.. Inter... Net. É, esse é o nome que vocês deram.
Meio esquisito, mas tudo bem, acabei de ver a matéria
em um site de ciências. Os plutonianos também
sabiam disso, disseram que até mesmo estão em guerra
com vocês por conta disso!
15. - Bom, nós ainda não fomos atacados, não
que eu saiba! - tentou se lembrar de algo impossível.
- Eles não são assim tão evoluídos, mas eu
tomaria cuidado!
- Obrigado pela dica!
O líder sentou-se na poltrona e abriu
algumas pastas no holograma.
- Vocês são... Terra. Nomezinho capenga,
não? Se eu fosse vocês, teria pego o nome de Júpiter
pra esse aqui e dado Terra para aquele. Terra... Terra...
Terra... Ah, vejo que nem mesmo seria necessário te
chamar aqui, garoto, já tenho o veredito final aqui. Se
eu fosse você, protegeria os olhos quando voltar lá
embaixo, a explosão pode te deixar cego - e pensou por
um momento, depois riu. - Não que isso vá importar,
né? Você vai encontrar Muhajick logo, logo. Ops,
desculpe... É... Deus. Não, Alá. Não, Zeus. Não, Buda.
Não.. Uau, vocês realmente não se decidiram, não é?
- É... Espera. Você vai nos explodir?
16. - Claro. Estamos tirando daqui os planetas
inúteis!
- Mas nós não somos inúteis, e nem
desabitados, como você pode ver.. Temos sete bilhões.
Ah, cinco bilhões de humanos lá embaixo!
- Eu sei, eu sei. Mas se você pensar pelo
meu lado... Aqui - ele colocou para Peter algumas
imagens da pasta Terra-5b . O garoto as viu no
holograma.
“Como você pode ver, não andam cuidando
muito bem do planeta de vocês... Eu não daria muitos
anos pra esse galo velho, não. O oxigênio vai acabar
muito logo, pois, se você der uma olhada nessa
imagem aqui, já não tem muitas árvores como
antigamente, quando viemos pela primeira vez. Não
eu, claro, mas a minha civilização. Ei, olha aqui...
Vocês nem tinham saído da água ainda!
“E também nessa planilha aqui você pode
ver que há muitas mortes ocorrendo nessa Terra. Sério,
17. cara, quem é o retardado que mata um dos seus? Se
tivessem matado alguns dos robôs a gente até
entenderia, é que vocês ainda são primitivos, então
estariam com medo, mas olha... São pessoas como
vocês! Humaníssimos.
“E olha esse período aqui. Sabe o que a
gente fez quando queríamos que outros fizessem algo
por nós? A gente criou robôs. Naquela época eles
ainda eram quase nada, agora eles pensam e tem
emoções, a gente evoluiu, claro. Mas olha vocês...
Usando outros humanos pra cumprir o trabalho
pesado! A gente podia até ter robôs, mas eles eram
mais companheiros do que escravos!
“Sabe quanto tempo durou a discussão sobre
os direitos dos robôs lá no meu planeta? Três dias e
todo mundo entrou em acordo, vocês tão nessa há
décadas! Hoje os robôs ganham o mesmo salário que
nós e podem casar, namorar ou qualquer outra coisa
com quem quiserem, seja o parceiro um robô ou não.
18. “Ah, me lembro como se fosse hoje a nossa
época de idiotas, achando que podíamos julgar os
robôs. Sabe, vou até confessar, eu era um desses que
não queria que os robôs tivessem o direito de se casar
com um de nós, mas então saí dessa nuvem de
ignorância e percebi que isso não atrapalha em nada
na minha vida!”
- Mas.. É que... Não, mas... Mesmo assim,
vocês... Vocês não podem nos destruir só por conta
disso, há pessoas que não são como essas aqui na Terra,
eu te garanto!
- Claro que há, mas essas são poucas, e
acabam quase sempre sendo mortas ao defender os
outros... Clássico movimento de primitivos!
- Não podem nos matar apenas porque
somos fracos! - protestou Peter.
- Olhe de novo para o holograma, garoto,
matar e se aproveitar dos outros por serem fracos é só
o que vocês tem feito.
19. Peter obedeceu. Olhou o holograma e então
afastou os olhos.
- Me desculpe - sentiu uma gota de lágrima
passar pelo seu rosto.
- Ah. Droga, nós somos bonzinhos demais!
- o líder pareceu estar furioso consigo mesmo. - Olha,
eu vou dar para vocês outra chance. Assim como
demos antes, apenas porque vocês ainda não são muito
evoluídos. Mas nós vamos voltar, Peter Gollman, disso
pode ter certeza. E se voltarmos ainda no seu tempo,
me certificarei de que você seja chamado!
- Obrigado, líder! - Peter disse e desejou ter
um líder como aquele em seu planeta.
O homem sentou em sua poltrona
novamente.
- E como saberemos quando voltarão?
- Vocês não sabem, é aí que está a
pegadinha. Melhor começar a cuidar bem do planeta e
uns dos outros logo, pois pode ser amanhã, ou depois...
20. Ele continuou falando. Peter cobriu os olhos
por conta da luz que voltara. A voz do líder começou a
ficar afastada.
Ou depois, ou depois, ou depois , a voz dizia.
Quando baixou os braços, percebeu que
estava de volta na rua. Continuou andando rumo a sua
casa, decidido de que faria o melhor de agora em
diante.
Ele só torcia para não aparecer numa das
estatísticas a serem mostradas para o próximo
representante da Terra. Torcia para não ser morto ao
tentar defender os outros. Mas acima de tudo, torcia
para que tivesse algo bom para dizer a eles quando
voltassem.
Estava cético por enquanto, mas isso logo
mudaria. Tudo muda , como dissera o jardineiro
enquanto plantava flores.