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A PANELA AO LUME



  Uns saltimbancos tinham acampado num bosque.
   Era um pobre casal com filhos ainda pequenos.
   Fizeram uma fogueira, puseram uma panela de água em
cima, com batatas e feijões, mas como a água não
levantasse fervura para cozer a sopa, o homem foi
procurar, ao redor, uns cavacos e umas pinhas, com que
atiçasse mais o lume.
   Ficou a mulher só com os pequenos, que dormiam.
   Atraído pelo cheiro do cozinhado, apareceu um lobo.
   Era inevitável. Nestas histórias, está-se sempre à espera
que ele apareça…
   A mulher, ao princípio, não deu pelo lobo, que,
devagarinho, se aproximava dos meninos.
   Quando ela o viu, susteve o grito e agarrou no panelão
cheio de água e despejou-o em cima do lobo. A água não
estava a ferver, mas pouco faltava.



                             1
O lobo fugiu, aos uivos. Serviu-lhe de emenda.
   Por sinal que não serviu, porque, noutra ocasião, andava
o saltimbanco sozinho, a colher amoras, para levar aos
filhos, e apareceu o lobo, a cheirar-lhe os calcanhares.
   O homem trepou a uma árvore, mas o lobo ainda lhe
ficou com os fundilhos das calças nos dentes. De mal a
menos.
   O pior foi quando o lobo se pôs a chamar pelos outros da
alcateia.
   Vieram uns tantos. Como a árvore era das altas, os lobos
colocaram-se em castelo, uns em cima dos outros. Quem
os aguentava, em baixo, era o mais forte, o lobo que os
chamara.
   Ora o homem tinha reparado que a este lobo faltava pêlo
nos lombos, como se estivessem a sarar de alguma
queimadura. Isto lembrou-lhe o que a mulher lhe contara.
Então gritou, num último alento de coragem:
   – Ó Maria, traz a panela com a água ao lume.
   Não havia Maria, não havia panela, não havia água, mas
o lobo sentiu o grito como uma ameaça a arder e fugiu a
sete pés. Os outros perderam o equilíbrio e estatelaram-se
no chão. Fugiram também.
   O homem, quando regressasse ao acampamento, já tinha
que contar.


  FIM



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  • 2. O lobo fugiu, aos uivos. Serviu-lhe de emenda. Por sinal que não serviu, porque, noutra ocasião, andava o saltimbanco sozinho, a colher amoras, para levar aos filhos, e apareceu o lobo, a cheirar-lhe os calcanhares. O homem trepou a uma árvore, mas o lobo ainda lhe ficou com os fundilhos das calças nos dentes. De mal a menos. O pior foi quando o lobo se pôs a chamar pelos outros da alcateia. Vieram uns tantos. Como a árvore era das altas, os lobos colocaram-se em castelo, uns em cima dos outros. Quem os aguentava, em baixo, era o mais forte, o lobo que os chamara. Ora o homem tinha reparado que a este lobo faltava pêlo nos lombos, como se estivessem a sarar de alguma queimadura. Isto lembrou-lhe o que a mulher lhe contara. Então gritou, num último alento de coragem: – Ó Maria, traz a panela com a água ao lume. Não havia Maria, não havia panela, não havia água, mas o lobo sentiu o grito como uma ameaça a arder e fugiu a sete pés. Os outros perderam o equilíbrio e estatelaram-se no chão. Fugiram também. O homem, quando regressasse ao acampamento, já tinha que contar. FIM 2