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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES
LEONARDO MENDES DE CAMPOS
Política(s) pública(s) de comunicação social no Brasil:
Uma análise do tema a partir da formação da agenda governamental
São Paulo
2017
2
LEONARDO MENDES DE CAMPOS
Política(s) pública(s) de comunicação social no Brasil:
Uma análise do tema a partir da formação da agenda governamental
São Paulo
2017
Trabalho de conclusão de curso
apresentado à Escola de Artes,
Ciências e Humanidades da
Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Bacharel
em Gestão de Políticas Públicas
Orientador: Prof. Dr. Marcelo
Arno Nerling
3
AGRADECIMENTOS
À população do estado de São Paulo, que financia a Universidade de São Paulo por
meio dos seus impostos.
Aos trabalhadores e trabalhadoras da Universidade de São Paulo, que mantêm a
universidade funcionando.
Aos colegas de curso, que compartilharam do seu conhecimento principalmente na
elaboração de trabalhos em grupo e durante debates em sala de aula.
Ao Professor Marcelo Nerling, que em um momento delicado da minha vida estudantil
se mostrou extremamente solidário e compreensivo, demonstrando seu grande valor
como educador, servidor do Estado e, principalmente, ser humano.
Ao Dr. Tykanori, por me apresentar o pensamento do Professor Humberto Maturana e
me fazer acreditar que ser diferente pode ser bom.
À minha família, pelo apoio e pela confiança.
Aos meus pais especialmente, que sempre fizeram da minha educação uma prioridade e,
dessa forma, permitiram que eu me dedicasse aos estudos.
Ao vô Artur e à vó Alice, que não tiveram as oportunidades que eu tive como estudante,
mas me ensinaram as lições mais importantes da vida.
4
RESUMO
CAMPOS, L. M. Política(s) pública(s) de comunicação social no Brasil: uma análise
do tema a partir da formação da agenda governamental. 2017. Monografia (trabalho
de conclusão de curso) – Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2017.
Desde escândalos da monarquia britânica, publicados regularmente por tabloides na
Inglaterra, até a manipulação de um debate entre candidatos à presidência do Brasil,
pela emissora de televisão Rede Globo, em 1989 (VERÓN, 2003 apud GÖRGEN,
2008), a história está repleta de episódios que demonstram o poder da mídia em
transformar a visão das pessoas acerca dos fatos. No século XXI, em que corporações se
fundem criando multinacionais que operam em nível mundial, as empresas de
comunicação não fogem à regra (MEYER, 2008). No Brasil, o controle dos meios de
comunicação por apenas alguns grupos econômicos e/ou famílias é reconhecido há
algumas décadas. Este fenômeno ficou conhecido como coronelismo eletrônico. No
entanto, há cada vez mais pressão pela regulamentação do setor por parte de diferentes
setores da sociedade, buscando-se a definição de regras que permitam maior
transparência e pluralidade no seu funcionamento (GÖRGEN, 2008). A Constituição do
Brasil, por sua vez, em seu Capítulo V (Da Comunicação Social) dispõe sobre as regras
que devem ser observadas no funcionamento dos meios de comunicação no país. Entre
os cinco artigos do capítulo, destaca-se o parágrafo 5º do art. 220, que determina que
“Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio.” (BRASIL, 2015, p. 205). Sendo assim, o presente trabalho
tem como objetivos: Apresentar os principais conceitos que orientam os estudos do
processo de produção de políticas públicas, com a finalidade de aplicá-los à
investigação da comunicação social no Brasil; Descrever e explicar a gênese e o
desenvolvimento da política nacional de comunicação social, com base no conceito de
coronelismo eletrônico; Analisar as etapas da política nacional de comunicação social e
a influência de diferentes setores em seu desenvolvimento, averiguando os principais
subsistemas e paradigmas de políticas públicas que a orientam; Investigar a formação da
agenda governamental de comunicação social no Brasil tendo como base o Modelo do
Equilíbrio Pontuado, de Baumgartner e Jones. A partir da realização de pesquisas
bibliográficas, documentais e levantamentos de dados estatísticos primários e
secundários, constatou-se que a comunicação social brasileira é orientada por dois
paradigmas: liberdade e regulação dos meios de comunicação. Em torno deles, e
sustentando-os, identificaram-se dois principais subsistemas de políticas públicas: a
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - ABERT, e o Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação - FNDC. Dessa forma, a análise da
agenda governamental de comunicação social a partir da distribuição das verbas de
publicidade institucional da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência
da República - SECOM (Poder Executivo), e das notícias acerca da liberdade e
regulação dos meios de comunicação veiculadas pelos órgãos de comunicação da
Câmara dos Deputados (Poder Legislativo) revelou que a mídia é um dos principais
atores políticos da sociedade brasileira. Sua atuação e influência decisiva junto a
representantes políticos eleitos pela população aponta que o resultado do processo de
políticas públicas no Brasil passa pelos atores, ideias e instituições dos meios de
comunicação.
Palavras-chave: Políticas públicas. Comunicação social. Agenda governamental.
5
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO 07
Notas 11
CAPÍTULO 1: POLÍTICAS PÚBLICAS
1.1 O contexto das políticas públicas: capitalismo e democracia 12
1.2 Instituições, ideias e atores 14
1.2.1 Instituições 14
1.2.2 Ideias 15
1.2.3 Atores 17
1.3 O universo das políticas públicas: regimes e subsistemas 17
1.3.1 Regimes de políticas públicas 18
1.3.2 Subsistemas de políticas públicas: redes e comunidades 19
1.3.2.1 Redes 22
1.3.2.1.1 Redes de assuntos ou redes temáticas 22
1.3.2.1.2 Redes de políticas públicas 23
1.3.2.2 Comunidades 24
1.3.2.2.1 Comunidades de políticas públicas 24
1.3.2.2.2 Comunidades epistêmicas ou de discurso 25
1.4 Ciclos das políticas públicas 26
1.5 Formação da agenda de políticas públicas 29
1.5.1 Histórico dos estudos de formação de agenda 29
1.5.1.1 Agenda da mídia 30
1.5.1.2 Agenda da opinião pública 31
1.5.1.3 Agenda de políticas públicas ou agenda governamental 32
1.5.2 Agenda de políticas públicas: fusão de instituições, ideias e atores 33
1.5.2.1 Modelo do Ciclo de Atenção aos Problemas 33
1.5.2.2 Modelo do Equilíbrio Pontuado 34
Notas 37
CAPÍTULO 2: A COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA
2.1 Constituição de 1988: Paradigmas de liberdade e legalidade (regulação) 41
2.1.1 A comunicação social na Constituição de 1988 41
2.1.2 A comunicação social na Constituição de 1988 segundo a doutrina 42
2.1.2.1 Paradigma de liberdade 42
6
2.1.2.2 Paradigma de legalidade (regulação) 44
2.2 Órgãos e leis infraconstitucionais: instituições, ideias e atores 48
2.2.1 Os coronéis da mídia 48
2.2.1.1 Conceito de coronelismo 48
2.2.1.2 Conceito de coronelismo eletrônico ou coronéis da mídia 50
2.2.2 Panorama histórico da comunicação social 52
2.2.2.1 Era Vargas (1930-1954) 52
2.2.2.2 Pós-guerra: Constituição da UNESCO 53
2.2.2.3 Código Brasileiro de Telecomunicações - CBT (Lei 4.117/1962) 54
2.2.2.4 Ditadura militar (1964-1985) 56
2.2.2.4.1 Decreto-Lei 236/1967 58
2.2.2.5 Redemocratização 59
2.2.2.5.1 Constituição de 1988 60
2.2.2.5.2 Conselho de Comunicação Social - CCS 61
2.2.2.5.3 Lei Geral de Telecomunicações - LGT (Lei 9.472/1997) 62
2.2.3 Panorama atual da comunicação social 62
Notas 65
CAPÍTULO 3: FORMAÇÃO DA AGENDA GOVERNAMENTAL DE
COMUNICAÇÃO SOCIAL
3.1
Poder Executivo: distribuição das verbas de publicidade institucional da
Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República -
SECOM
67
3.1.1 Meios de Divulgação 68
3.1.2 Veiculação: Televisão 72
3.2
Poder Legislativo: notícias da Câmara dos Deputados acerca dos
paradigmas de liberdade e regulação dos meios de comunicação
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS 81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 83
7
INTRODUÇÃO
Tema
A influência dos meios de comunicação sobre a opinião pública é notória ao
redor do mundo. Desde escândalos da monarquia britânica, publicados regularmente por
tabloides na Inglaterra, até a manipulação de um debate entre candidatos à presidência
do Brasil, pela emissora de televisão Rede Globo, em 1989 (VERÓN, 2003 apud
GÖRGEN, 2008), a história está repleta de episódios que demonstram o poder da mídia
em transformar a visão das pessoas acerca dos fatos.
No século XXI, em que corporações se fundem criando multinacionais que
operam em nível mundial, as empresas de comunicação não fogem à regra (MEYER,
2008). Acumulam e concentram poder, influência e recursos econômicos, tornando-se
capazes de derrubar governos da noite para o dia e mudar a realidade de nações inteiras
– como se pode observar, principalmente, na história da América Latina.
No âmbito internacional, a Constituição da Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), promulgada em novembro de 1945 com
o fim da Segunda Guerra Mundial, prevê em seu preâmbulo a disposição dos Estados
membros da organização, entre os quais o Brasil, para “[...] desenvolver e expandir os
meios de comunicação entre os seus povos, empregando esses meios para os propósitos
do entendimento mútuo, além de um mais verdadeiro e mais perfeito conhecimento das
vidas uns dos outros [...]” (UNESCO, 2002, p. 2).
No Brasil, no entanto, o controle dos meios de comunicação por apenas alguns
grupos econômicos e/ou famílias é reconhecido há algumas décadas. Dessa forma, há
cada vez mais pressão pela regulamentação do setor por parte de diferentes setores da
sociedade, buscando-se a definição de regras que permitam maior transparência e
pluralidade no seu funcionamento (GÖRGEN, 2008).
Por sua vez, a Constituição do Brasil, em seu Capítulo V (Da Comunicação
Social), dispõe sobre as regras que devem ser observadas no funcionamento dos meios
de comunicação no país. Entre os cinco artigos do capítulo, destaca-se o parágrafo 5º do
art. 220, que afirma que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” (BRASIL, 2015, p. 205).
8
Contrapondo-se ao modelo racional, em que a racionalidade é o principal critério
de explicação para a formulação de políticas públicas – como se a decisão de políticos e
técnicos determinasse o resultado final deste processo –, o autor Enrique Saravia define
o conceito de política pública como:
[...] um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a
introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade. Decisões
condicionadas pelo próprio fluxo e pelas reações e modificações que elas
provocam no tecido social, bem como pelos valores, ideias e visões dos que
adotam ou influem na decisão. É possível considerá-las como estratégias que
apontam para diversos fins, todos eles, de alguma forma, desejados pelos
diversos grupos que participam do processo decisório. (SARAVIA, 2006, p.
29-30).
Sendo assim, segundo Hogwood e Gunn (1981 apud SARAVIA, 2006, p. 31), os
estudos de políticas públicas podem ser divididos entre as seguintes perspectivas:
1) Estudos de conteúdos políticos, em que o analista procura descrever
e explicar a gênese e o desenvolvimento de políticas específicas;
2) Estudos do processo das políticas, em que se presta atenção às
etapas pelas quais passa um assunto e se procura verificar a
influência de diferentes setores no desenvolvimento desse assunto;
3) Estudos de produtos de uma política, que tratam de explicar por que
os níveis de despesa ou o fornecimento de serviços variam entre
áreas;
4) Estudos de avaliação, que se localizam entre a análise de política e
as análises para a política e podem ser descritivos ou prescritivos;
5) Informação para a elaboração de políticas, em que os dados são
organizados para ajudar os tomadores de decisão a adotar decisões;
6) Análise de processo, em que se procura melhorar a natureza dos
sistemas de elaboração de políticas;
7) Análise de políticas, em que o analista pressiona, no processo de
política, em favor de ideias ou opções específicas.
Objetivos
Considerando-se o panorama atual da comunicação social brasileira e as sete
possibilidades de pesquisa do campo das políticas públicas descritas anteriormente, este
estudo tem como objetivos:
9
 Apresentar os principais conceitos que orientam os estudos do processo de
produção de políticas públicas, com a finalidade de aplicá-los à investigação da
comunicação social no Brasil;
 Descrever e explicar a gênese e o desenvolvimento da política nacional de
comunicação social, com base no conceito de coronelismo eletrônico;
 Analisar as etapas da política nacional de comunicação social e a influência de
diferentes setores em seu desenvolvimento, averiguando os principais
subsistemas e paradigmas de políticas públicas que a orientam;
 Investigar a formação da agenda governamental de comunicação social no Brasil
tendo como base o Modelo do Equilíbrio Pontuado, de Baumgartner e Jones.
Sendo assim, no primeiro capítulo do trabalho são apresentados os principais
conceitos dos estudos do processo de produção de políticas públicas. Entre eles,
destacam-se os conceitos de subsistemas e paradigmas de políticas públicas, essenciais
na caracterização da política nacional de comunicação social. No final do capítulo,
reunindo os conceitos expostos, é descrito o Modelo do Equilíbrio Pontuado, de
Baumgartner e Jones, usado como base do estudo da agenda governamental de
comunicação social.
O segundo capítulo trata da comunicação social brasileira como política pública.
Na primeira parte, o capítulo V (Da Comunicação Social) da Constituição de 1988 é
analisado a partir dos paradigmas de liberdade e legalidade (regulação) dos meios de
comunicação, segundo a interpretação da doutrina jurídica. Na segunda parte do
capítulo, os principais órgãos e leis infraconstitucionais da comunicação social
brasileira são descritos a partir de um panorama histórico do setor baseado no conceito
de coronelismo eletrônico. De forma indireta, avalia-se a concentração e a regulação dos
meios de comunicação brasileiros ao longo do tempo. Como resultado da análise, são
caracterizadas as principais instituições, ideias e atores que formam os subsistemas e
paradigmas da política nacional de comunicação social.
No terceiro capítulo, por fim, a agenda governamental de comunicação social é
analisada a partir da distribuição das verbas de publicidade institucional da Secretaria
Especial de Comunicação Social da Presidência da República - SECOM (Poder
Executivo), e das notícias acerca da regulação e liberdade dos meios de comunicação
veiculadas pelos órgãos de comunicação da Câmara dos Deputados (Poder Legislativo).
10
Hipótese
A hipótese que norteou a pesquisa foi a de que, no Brasil, os meios de
comunicação, por meio de sua própria agenda (agenda da mídia), exercem grande
influência sobre o processo de produção de políticas públicas, pois têm o poder de
modificar o monopólio de uma política pública ao alterar a sua imagem (policy image),
tal como descrevem Baumgartner e Jones no Modelo do Equilíbrio Pontuado. Dessa
forma, a relação do governo federal (Poder Executivo) e dos deputados federais (Poder
Legislativo) com a mídia é separada por uma linha tênue, sendo que suas agendas muita
vezes se confundem devido à influência mútua de atores, ideias e instituições em
comum.
Por um lado, aventou-se que a distribuição das verbas de publicidade
institucional da SECOM tende a se concentrar apenas nos veículos de comunicação e
empresas de mídia tradicionais, pois o governo federal (Poder Executivo) depende do
“apoio” do oligopólio nacional dos meios de comunicação para que a agenda
governamental seja implementada. Por outro lado, os representantes da Câmara dos
Deputados, de forma semelhante, precisariam do apoio ou de uma cobertura neutra dos
seus mandatos por parte dos meios de comunicação para que possam ser reeleitos.
Portanto, ainda que necessária, a regulação dos meios de comunicação no Brasil
permaneceria como um sonho distante uma vez que contraria os interesses políticos e
econômicos das empresas de mídia.
Metodologia
Em relação à metodologia, pretendeu-se realizar uma pesquisa de tipo
exploratória, tendo em vista o aprofundamento do conhecimento em torno do tema. Para
isso, foram realizadas pesquisas bibliográficas, documentais e levantamentos de dados
estatísticos primários e secundários. As pesquisas bibliográficas e documentais visaram
à investigação de estudos anteriores e de documentos que contribuíram para a
compreensão do tema, segundo os objetivos do trabalho. Por fim, os levantamentos de
dados estatísticos primários e secundários tiveram por objetivo retratar o panorama atual
da comunicação social no Brasil diante do cenário ideal.
11
Por fim, a partir das disciplinas cursadas na graduação de Bacharelado em
Gestão de Políticas Públicas - GPP da Universidade de São Paulo - USP, refletiu-se
sobre os meios de comunicação no Brasil sob diferentes abordagens, a partir das áreas
do conhecimento que compõem o curso, isto é, da Gestão, da Política, da Sociologia, do
Direito, da Economia e dos Métodos Quantitativos.
Sendo assim, ainda que não se tenha tido a obrigação de abordar todas as áreas
do conhecimento que compõem o curso, todas elas foram empregadas em maior ou
menor medida na reflexão em torno do tema. Dessa forma, refletiu-se sobre a
comunicação social no Brasil de forma multidisciplinar, com base na
interdisciplinaridade do curso de graduação de GPP.
Notas:
HOGWOOD, Brian W.; GUNN, Lewis A. The policy orientation. Centre for the Study of Public
Policy, University of Strathclyde, 1981.
VERÓN, Eliseo. Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo:
Hacker, 2003.
12
CAPÍTULO 1: POLÍTICAS PÚBLICAS
1.1 O contexto das políticas públicas: capitalismo e democracia
Ao adotar a perspectiva estatista, Michael Howlett, M. Ramesh e Anthony Perl
(2013) analisam o processo de produção de políticas públicas (policy-making) partindo
do pressuposto de que as instituições “[...] compreendem apenas as estruturas ou
organizações reais do Estado, da sociedade e do sistema internacional.” (HOWLETT;
RAMESH; PERL, 2013, p. 59).
Dessa forma, na obra “Política pública: seus ciclos e subsistemas”, os autores
interpretam as estruturas que condicionam as políticas públicas de forma restrita. As
instituições são, então, “[...] consideradas como ‘dadas’, inquestionáveis, isto é, como
entidades sociais históricas, observáveis em si mesmas, com pouco esforço feito no
sentido de se derivar as razões para o seu surgimento [...]” (MARCH; OLSEN, 1994
apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 53).
Posicionando-se entre as correntes teóricas que buscam explicar a dinâmica das
políticas públicas se centrando no papel desempenhado pela sociedade (abordagem
pluralista, por exemplo) e pelo Estado (abordagem neoinstitucionalista, por exemplo)
em seu processo de produção, os autores Howlett, Ramesh e Perl (2013) consideram o
último autônomo, diante dos recursos financeiros, humanos e coercitivos de que dispõe.
No entanto, não se devem negar os interesses de grupos de pressão e classes sociais,
uma vez que as “regras do jogo” se dão sob o sistema capitalista de produção
econômica e o regime político da democracia representativa.
O interesse dos autores, sendo assim, é justamente avaliar de que forma as
instituições são organizadas (suas formas, regras e procedimentos) e quais são as suas
convenções e os seus princípios (éticos, ideológicos e epistêmicos) para se compreender
como essas características influenciam os atores das políticas publicas. Portanto, de
acordo com Howlett, Ramesh e Perl, sua intenção é descobrir como esses princípios
“[...] ajudam a modelar [...] o comportamento dos atores ao condicionarem a percepção
de seus interesses e a probabilidade de que estes sejam atingidos nos ‘outcomes’ da
política.” (MARCH et al., 2000; TIMMERMANS; BLEIKLIE, 1999 apud HOWLETT;
RAMESH; PERL, 2013, p. 60).
13
Desse modo, a análise do processo de produção de políticas públicas inicia-se no
contexto político-econômico do capitalismo e da democracia. Trata-se de instituições
nem sempre compatíveis, às vezes até mesmo antagônicas, que estruturam o processo de
produção de políticas públicas na sociedade contemporânea. Como afirmam Howlett,
Ramesh e Perl (2013, p. 65):
Na medida em que o liberalismo e seu corolário, o capitalismo, se referem a
direitos individuais e a democracia se refere a direitos coletivos, os dois estão
em posição fundamentalmente contraditórias, não obstante a expressão
comum “democracia liberal”, muitas vezes usada para descrever países com
os dois sistemas em funcionamento.
Dessa forma, o capitalismo se caracteriza pela propriedade privada dos meios de
produção da economia, o que “[...] dá aos proprietários o direito de decidir o que será
produzido, de que maneira e em que quantidade [...]” (HOWLETT; RAMESH; PERL,
2013, p. 61). Logo, os capitalistas tendem a ser a classe social dominante, uma vez que
as demais classes sociais dependem da sua produção econômica para auferir renda
indiretamente, como vendedores de sua própria mão-de-obra.
Já a democracia, por seu lado, tem como características principais a realização
de eleições para que se escolham os ocupantes dos cargos públicos, que terão acesso ao
poder do Estado, e a vigência de leis e direitos e deveres, sob o Estado de Direito
(PNUD, 2004 apud RODRIGUES, 2010).
Na obra “Políticas Públicas”, Marta M. Assumpção Rodrigues (2010) usa a
definição de Schmitter e Karl (1991 apud RODRIGUES, 2010, p. 67) para afirmar o
que a democracia não é, e nem é capaz de fazer: “[...] democracia não é estabilidade
social, não traz harmonia política e nem crescimento econômico. Democracia também
não elimina a pobreza, nem produz eficiência administrativa.”. Ainda assim, salienta-se
a importância da vivência de um regime democrático para que se construam bens
comuns em sociedade, como liberdade, paz social e igualdade.
Destacando o papel das instituições e da sociedade na democracia, a autora
conclui que “[...] o exercício das liberdades (civis, políticas e sociais) dos cidadãos, num
regime democrático, não existe fora do âmbito das instituições (Estado) nem dos
valores, práticas e princípios que a sociedade defende.” (RODRIGUES, 2010, p. 68).
No entanto, assim como os autores Howlett, Ramesh e Perl (2013) apontam uma
14
contradição fundamental entre capitalismo e democracia envolvendo direitos individuais
e direitos coletivos, Rodrigues aponta uma clivagem entre igualdade legal (civil e
política), promovida pelo Estado, e desigualdade social e econômica, não resolvida pela
democracia – e que se poderia atribuir à economia de mercado.
Logo, traçando-se o cenário ideal do processo de produção de políticas públicas
no contexto político-econômico das democracias capitalistas, conclui-se que:
Quando se trata de eficácia da ‘policy-making’ e da implementação, a
situação mais desejável para o Estado é que tanto ele quanto a sociedade
sejam fortes, com estreita parceria entre ambos, dessa forma maximizando e
dando equilíbrio tanto à capacidade como à autonomia política do Estado.
(HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 67, grifo dos autores).
1.2 Instituições, ideias e atores
Instituições, ideias e atores compõem, de forma isolada, o nível de análise mais
minucioso do processo de produção de políticas públicas. Ao mesmo tempo, em suas
relações, são considerados fatores críticos para se compreender a dinâmica e os
resultados das políticas públicas (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).
1.2.1 Instituições
Marta M. Assumpção Rodrigues (2010, p. 61) define instituições como “[...]
regras formais e informais que moldam o comportamento dos atores, redefinem suas
alternativas políticas e mudam a posição relativa entre eles.”. Dessa forma, as
instituições formais têm como características sua materialização em “[...] edifícios,
carimbos, rituais e pessoas que ocupam funções que as autorizam a falar pela
organização” (O’DONNELL, 1991 apud RODRIGUES, 2010), e seu papel como “[...]
pontos decisórios estratégicos e importantes nos fluxos de influência, pressão e tomada
de decisões públicas.” (RODRIGUES, 2010, p. 61).
Por outro lado, as instituições informais, ou não formalizadas, “[...] reforçam
padrões de acesso ao processo de tomada de decisão e de implementação de políticas
públicas.” (RODRIGUES, 2010, p. 61) tais como o clientelismo, o patrimonialismo, a
15
corrupção, entre outros. No entanto, para que a democracia seja uma realidade são as
instituições formais que devem fazer diferença na formação e representação de
identidades e interesses coletivos (RODRIGUES, 2010).
Segundo a autora, portanto, o Estado moderno, como conjunto de instituições
públicas delimitadas em um território que têm como último recurso o domínio da
coerção, é que “[...] detém o poder e a autoridade para fazer valer, para toda a população
que vive num território delimitado, as políticas que se processam de diversos interesses,
necessidades e demandas da sociedade.” (RODRIGUES, 2010, p. 18).
Por fim, no artigo “Introdução à teoria da política pública”, Enrique Saravia
(2006) afirma a importância das instituições no processo de produção de políticas
públicas. Conforme o autor resume:
Em toda política pública, as instituições desempenham um papel decisivo.
Com efeito, delas emanam ou elas condicionam as principais decisões. Sua
estrutura, seus quadros e sua cultura organizacional são elementos que
configuram a política. As instituições impregnam as ações com seu estilo
específico de atuação. (SARAVIA, 2006, p. 37).
1.2.2 Ideias
Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015b) afirmam que
a expansão da literatura em torno da importância das ideias na análise de políticas
públicas se deu a partir dos anos 1990, com reflexões sobre interpretações,
representações simbólicas e construção de discursos no processo de produção de
políticas públicas.
No entanto, segundo os autores, atualmente não existe consenso quanto às
definições do termo ideias – consideradas às vezes como crenças, valores, visões de
mundo ou entendimentos compartilhados –, nem quanto à sua real influência sobre o
processo de produção de políticas públicas. Parte da literatura também relaciona as
ideias com a construção de interesses dos atores (HAY, 2011 apud CAPELLA;
BRASIL, 2015b). Dessa forma, os interesses são interpretados como ideias constituídas
de forma social, política e histórica.
16
John Campbell (1998 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 58-59)
estabelece quatro conjuntos de ideias que exercem influência sobre o processo de
produção de políticas públicas:
 Estruturas simbólicas: de forma visível, tendem a “[...] afetar a percepção de
legitimidade ou de ‘justeza’ de certos cursos de ação [...]”;
 Sentimentos públicos: de forma oculta, tendem a “[...] afetar a percepção de
legitimidade ou de ‘justeza’ de certos cursos de ação [...]”;
 Paradigmas de políticas públicas: representam um “conjunto de pressupostos
cognitivos básicos que restringem a ação pela limitação da gama de alternativas
que as elites da ‘policy-making’ com probabilidade consideram úteis e valiosas”
(CAMPBELL, 1998, p. 385; SUREL, 2000 apud HOWLETT; RAMESH;
PERL, 2013);
 Ideias de programas: “[...] representam, em grande parte, a seleção das soluções
específicas procedentes de um conjunto designado como aceitável dentro de um
paradigma particular.”.
Entre os conjuntos de ideias mencionados, os paradigmas ocupam espaço central
na análise de políticas públicas uma vez que são essenciais para a consolidação dos
regimes de políticas públicas. Os atores organizados em subsistemas tendem a se
agrupar em torno de paradigmas de políticas públicas na busca de um padrão de
interação estável e institucionalizado, que permita a manutenção de conteúdos e
processos em setores de políticas públicas ao longo do tempo, configurando-se em um
regime (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).
Segundo Howlett, Ramesh e Perl (2013), a compreensão da ideia de paradigma é
fundamental para a análise dos conteúdos das políticas públicas:
Porquanto capta a ideia de que as crenças, valores e atitudes dão sustentação
aos entendimentos dos problemas públicos e enfatiza o modo como as noções
de inspiração paradigmática de exequibilidade das soluções propostas, tanto
quanto as do autointeresse do ator, são determinantes significativas do
conteúdo da política. (HALL, 1990, p. 59; EDELMAN, 1988;
HILGARTNER; BOSK, 1981; SCHNEIDER, 1985 apud HOWLETT;
RAMESH; PERL, 2013, p. 59).
17
1.2.3 Atores
Os atores políticos são responsáveis pelo desenho das políticas públicas, visto
que, “[...] ao exercerem suas funções, mobilizam os recursos necessários para realizá-
las.” (RODRIGUES, 2010, p. 21). Sendo assim, dividem-se os atores políticos entre
individuais ou coletivos e públicos ou privados.
Os atores privados (consumidores, empresários, trabalhadores, servidores
públicos, organizações nacionais e internacionais, organizações não governamentais,
mídia etc.) são “[...] aqueles que têm poder influenciar na formatação de políticas
públicas quando pressionam o Governo a tomar determinadas ações.” (RODRIGUES,
2010, p. 21). Já os atores públicos (gestores públicos, burocratas, juízes, parlamentares,
políticos, instituições do Estado e internacionais etc.) são “[...] os que têm, de fato, o
poder de decidir políticas.” (RODRIGUES, 2010, p. 22).
Ressaltando a importância dos atores, Howlett, Ramesh e Perl (2013) afirmam
que diversos estudos apontam para o papel que atores individuais e organizados
desempenham no processo de produção das políticas públicas – ou para as razões pelas
quais as políticas públicas são feitas de uma maneira e não de outra. No entanto:
Esta orientação comportamental, porém, é temperada pelo fato de que o que
os atores procuram e fazem depende das estruturas políticas, econômicas e
sociais que os envolvem. E, finalmente, números crescentes de estudos
também procuram explicar o conteúdo da política com base nas ideias que os
atores sustentam em suas expectativas sobre o governo adequado e ação
política. (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 57).
Vê-se assim, a importância de se compreender a relação de atores com as
instituições e ideias, de forma conjunta.
1.3 O universo das políticas públicas: regimes e subsistemas
O universo de uma política pública pode ser representado pelo conjunto de todos
os atores e instituições internacionais, estatais e sociais que exercem influência, direta
ou indiretamente, sobre ela ou uma área específica dela (HOWLETT; RAMESH;
PERL, 2013).
18
Dessa forma, em um contexto político-econômico (KNOKE, 1993;
LAUMANN; KNOKE, 1987; SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993 apud HOWLETT;
RAMESH; PERL, 2013), os setores ou áreas de problemas das políticas públicas serão
compostos por subsistemas (FREEMAN, 1955; CATER, 1964; FREEMAN;
STEVENS, 1987; McCOOL, 1998 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013) e
regimes, em torno dos quais atores e instituições se organizarão.
Na abordagem de James Thurber (1996 apud CAPELLA; BRASIL, 2015a, p.
58) considera-se que as decisões que afetam uma política pública ou a sua estrutura de
poder e têm impacto sobre toda a sociedade (tais como “[...] negociações sobre a
aprovação final do orçamento, sobre a política macroeconômica, cortes orçamentários,
entre outros.”), pertencem à dimensão dos macrossistemas das políticas públicas (macro
policy systems).
Nos microssistemas, por outro lado, seriam tomadas decisões de alta
complexidade técnica, de forma centralizada e envolvendo poucos participantes
(“técnicos dentro da burocracia pública”). Logo, entre os dois extremos dos sistemas
estariam situados os subsistemas de políticas públicas.
1.3.1 Regimes de políticas públicas
Os regimes de políticas públicas são definidos pela união de atores, instituições e
ideias em um padrão de interação estável e institucionalizado, que permite a
manutenção de conteúdos e processos em setores de políticas públicas ao longo do
tempo (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).
Sendo assim, os regimes seriam formados por “[...] um conjunto comum de
ideias de políticas públicas (paradigma de políticas públicas) e um conjunto comum ou
típico de atores e instituições organizados em torno dessas ideias (subsistema político).”
(HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 98).
Cláudio G. Couto e Fernando Abrucio (2003, p. 274), por sua vez, relacionam a
constituição de regimes com a estabilização das políticas públicas em decorrência do
seu aprendizado (“de seus resultados, do custo de sua implementação, de sua maior ou
19
menor efetividade, de seus efeitos para a distribuição de recursos e de mudanças no
campo epistêmico”) pelos atores. Sendo assim, afirma-se que:
A constituição de um regime de políticas é, portanto, o resultado de um duplo
processo de aprendizado: primeiro, o estabelecimento de um certo
entendimento hegemônico acerca do que deve ser feito; segundo, o
lastramento desse entendimento em interesses objetivos, cujos portadores
percebem no regime o melhor instrumento para sua defesa, coalizionando-se
em torno dele. (COUTO; ABRUCIO, 2003, p. 274).
Diante da caracterização apresentada, então, pode-se concluir que “[...]
compreender como se formam os subsistemas, paradigmas e regimes, como eles são
mantidos e como mudam é um aspecto crucial da pesquisa em política pública.”
(HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 98).
1.3.2 Subsistemas de políticas públicas: redes e comunidades
De acordo com Howlett, Ramesh e Perl (2013), o conceito de subsistema “[...]
ajuda a captar a interação entre os atores, instituições e ideias na ‘policy-making’.”
(McCOOL, 1998 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 91).
Figura 1 - Universo das políticas públicas. Fonte: Adaptado de Howlett, Ramesh e Perl (2013, p. 95).
20
Posicionados entre os macrossistemas e microssistemas de políticas públicas, os
subsistemas seriam formados por grupos de atores e instituições com interesses em
comum em questões específicas de uma política pública (THURBER, 1996 apud
CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b). Sendo assim, programas ou interesses específicos
(policy domain) envolvendo áreas como educação, saúde, transporte, meio ambiente etc.
agrupam em torno de si arranjos institucionais e atores.
Tabela 1 - Dimensões do sistema de produção de políticas públicas. Fonte: Thurber (1996, p. 77 apud
CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 453).
Segundo Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015b, p.
453), portanto:
Na análise do processo de produção de políticas, as questões movem-se por
essas três dimensões do sistema político [macrossistemas, microssistemas e
subsistemas]. No entanto, a maior parte delas reside nos subsistemas,
caracterizados pela participação de um número reduzido de participantes
reunidos em torno de questões que não despertam a atenção do público e que
se processam de forma rotineira, em relação a uma determinada área de
política.
Subgovernos
Historicamente, no entanto, o conceito de subsistemas de políticas públicas
surgiu ligado à ideia de “subgovernos”, afirmam Howlett, Ramesh e Perl (2013).
Segundo os autores, observava-se então que “[...] grupos de interesse, comissões
parlamentares e órgãos de governo nos Estados Unidos desenvolviam sistemas de apoio
21
mútuo no curso de interações mútuas constantes sobre matéria legislativa e regulatória.”
(HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 92).
Por sua vez, Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015a,
2015b) consideram o surgimento da noção de “subgovernos” após o conceito pioneiro
de “centros de atividades focalizados em questões específicas” (policy whirlpools),
descrito por Ernest Griffith, em 1939.
Segundo Capella e Brasil (2015a, 2015b), os subsistemas, propriamente
definidos desta forma, viriam a ser caracterizados somente em 1955, por J. Leiper
Freeman. Em oposição à perspectiva pluralista, o autor considera o processo de
produção de políticas públicas a partir do papel determinante desempenhado por atores-
chave, tais como integrantes do Executivo, líderes de comissões do Congresso e
representantes de grupos de interesse. Dessa forma:
Focalizando as relações entre esses grupos de atores na formulação de
políticas públicas no governo americano, seu estudo buscou demonstrar uma
maneira útil de examinar o processo político, revelando a existência de
subunidades (subsistemas) como lócus do processo de discussão de temas
específicos, construção de problemas públicos e formulação de soluções. Nos
subsistemas, esse grupo de atores, que podem ser servidores públicos, grupos
de interesse, pesquisadores acadêmicos, membros do Legislativo,
representantes de governos locais, entre outros, estabelecem redes de
relacionamento e utilizam estratégias de persuasão e barganha de forma a
privilegiar seus interesses (CAPELLA; BRASIL, 2015a, p. 60).
Triângulos de ferro
Consequência da abordagem dos subsistemas, a teoria dos “triângulos de ferro”
busca descrever como grupos de interesse, parlamentares e burocratas tendem a assumir
o controle do processo de produção de políticas públicas, excluindo a participação dos
demais atores (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b). Sendo assim, “[...] ao evidenciar a
troca de favores e de interesses privados mútuos como propulsor da policymaking, [a
abordagem do triângulo de ferro] desconsidera a existência da luta de grupos de
interesses difusos [...]” (PETERS, 1986 apud CAPELLA; BRASIL, 2015a, p. 61).
22
Nas décadas de 1970 e 1980, porém, as críticas à teoria dos “triângulos de ferro”
levaram à formulação dos conceitos de redes e comunidades para explicar o processo de
produção de políticas públicas (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b; HOWLETT;
RAMESH; PERL, 2013; MASSARDIER, 2006).
Sobre este período, Michael Howlett, M. Ramesh e Anthony Perl (2013)
afirmam que “[...] novas pesquisas [...] revelaram que muitos subgovernos não foram
onipotentes e que de fato sua influência sobre a ‘policy-making’ variou de acordo com
os problemas e o tempo.” (HAYES, 1978; RIPLEY; FRANKLIN, 1980 apud
HOWLETT, RAMESH; PERL, 2013, p. 92, grifo dos autores).
1.3.2.1 Redes
1.3.2.1.1 Redes de assuntos ou redes temáticas
A literatura aponta Hugh Heclo como o fundador do conceito de redes na análise
de políticas públicas (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b; HOWLETT; RAMESH;
PERL, 2013; MARQUES, 2013; MASSARDIER, 2006). No texto “As redes de
assuntos e o poder Executivo”, o autor apresenta a tipologia das redes de assuntos ou
redes temáticas (issue networks) para explicar a dinâmica que envolve o processo de
produção de políticas públicas. Segundo Heclo (2000, p. 258, tradução nossa):
Os observadores, preocupados em descobrir quais são os poucos atores
realmente poderosos, tendem a subestimar o poder e a influência das novas
configurações através das quais interagem e fazem negócios os dirigentes que
definem e elegem as políticas públicas. Buscar só os triângulos fechados de
controle [triângulos de ferro] significa perder de vista as grandes redes
criadas por pessoas que incidem cada vez mais determinantemente no
governo.
Sendo assim, em oposição aos “triângulos de ferro”, as redes de assuntos seriam
formadas por um grande número de participantes com diferentes graus de compromisso
entre si, mas que se baseiam em compromissos intelectuais ou emocionais particulares
(HECLO, 2000). Dessa forma, “Os que pertencem a uma rede compartilham de uma
mesma base de informação e têm um entendimento similar de uma política pública e
23
seus problemas, ainda que tal conhecimento não necessariamente conduza a acordos.”
(HECLO, 2000, p. 265, tradução nossa).
Em relação ao seu perfil, os membros das redes são considerados ativistas
políticos que se reconhecem reciprocamente por suas respectivas militâncias. Uma vez
que se tornam líderes, entretanto, estes indivíduos passam a ser tratados como “políticos
de políticas públicas”:
Em vez de políticos de partido, os políticos executivos de nossos dias tendem
a ser “políticos de políticas públicas” (policy politicians), capazes de se
mover entre as diversas redes, reconhecidos e apreciados como conhecedores
dos assuntos que a rede opera, mas sem serem identificados com posições
que poderiam resultar em polêmicas. Sua reputação entre “os que sabem” os
tornam elegíveis às nomeações presidenciais. (HECLO, 2000, p. 269,
tradução nossa).
Dessa forma, segundo Heclo (2000, p. 268, tradução nossa) a formulação de
políticas públicas se converteria “[...] em uma atividade própria dos especialistas, de
suas redes e de suas redes de redes.”. Consequentemente, o autor afirma: “Em uma
situação assim, a distinção entre a estrutura governamental e seu entorno tende a se
apagar.” (HECLO, 2000, p. 268, tradução nossa).
1.3.2.1.2 Redes de políticas públicas
Dando prosseguimento aos estudos de redes nas décadas seguintes, Rhodes
(1988 apud CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b) é apontado como o responsável por
desenvolver o conceito de redes de políticas públicas (policy networks). Mudando o
foco da abordagem, antes exclusivamente voltada para a sociedade, para as redes do
governo também, o autor busca identificar a relação do Estado com os grupos de
interesse, e vice-versa. Dessa forma, Rhodes entende que os atores e organizações
estatais também têm interesse em se manter relacionados com grupos de interesse.
Logo, conforme concluem Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves
Brasil (2015b, p. 456):
[...] as redes representam uma abordagem que, de certa forma, rompe com a
dicotomia Estado-sociedade, ao entender que atores pertencentes aos quadros
24
governamentais são também atores sociais e mantêm relações constantes com
outros atores numa rede de relacionamentos.
Para Rhodes, as redes temáticas (issues networks) estariam localizadas em um
extremo das redes de políticas públicas (policy networks), tendo como características
principais: participação ampla, baixa integração entre os membros, ausência de
consenso, conflito e relações assimétricas de poder entre os integrantes (CAPELLA;
BRASIL, 2015a, 2015b).
Howlett, Ramesh e Perl (2013), por seu lado, afirmam que as redes de políticas
públicas podem ser classificadas conforme o número e o tipo de afiliação de seus
membros (i); e o domínio de suas atividades e interações por atores estatais ou sociais
(ii) (SMITH, 1993; COLEMAN; PERL, 1999 apud HOWLETT; RAMESH; PERL,
2013). Consequentemente, os autores apresentam a seguinte tipologia das redes
temáticas (issues networks) (COLEMAN; SKOGSTAD, 1990 apud HOWLETT;
RAMESH; PERL, 2013, p. 96):
 Redes corporativistas estatais: “[...] pequenas redes dominadas pelos atores
governamentais [...], como em geral se encontra nas áreas de problemas com alto
nível técnico [...]”;
 Redes corporativistas pluralistas: “[...] em que se incluem muitos atores
societários, [...] [como nas] áreas de policy-making a cargo do Estado.”;
 Redes corporativistas sociais: “[...] em que uns poucos atores societários
dominam uma pequena rede [...]”;
 Redes pluralistas sociais: “[...] em que eles [atores societários] dominam grandes
redes [...]”.
1.3.2.2 Comunidades
1.3.2.2.1 Comunidades de políticas públicas
Atribui-se a Rhodes a sistematização dos subsistemas em uma sequência de
modelos de redes de políticas públicas, conforme seus padrões de integração
(HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Dessa forma, o nível de integração de uma rede
poderia ser medido pela estabilidade de seus membros (i); pelo grau de restrição à
25
entrada de novos participantes (ii); pelo grau de isolamento em relação a outras redes e
ao público (iii); e pela natureza dos recursos que controla (iv).
Sendo assim, “As comunidades configurariam um extremo da rede de políticas
públicas, sendo o outro extremo caracterizado pelas redes temáticas.” (CAPELLA;
BRASIL, 2015b, p. 456). As comunidades de políticas públicas (policy communities)
são descritas pelo autor, então, com as seguintes características principais: participação
limitada, alta integração entre os membros, consistência ao longo do tempo, controle de
recursos e distribuição balanceada de poder (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b).
1.3.2.2.2 Comunidades epistêmicas ou de discurso
Michael Howlett, M. Ramesh e Anthony Perl (2013), por outro lado, analisam os
subsistemas de políticas públicas a partir da relação entre redes e comunidades
epistêmicas ou comunidades de discurso. As redes de políticas públicas são
compreendidas com base no seu engajamento “[...] na formulação ativa e contínua como
também na consideração das opções e alternativas políticas.” (MARIER, 2008 apud
HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 94), como subconjuntos das comunidades
epistêmicas. Estas, por sua vez, baseiam-se em conhecimentos ou ideias e englobam
ainda atores “[...] engajados principalmente na luta pelas ideias [...]” (HAJER, 1993;
FISCHER, 1993; KISBY, 2007 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 94).
Sendo assim, os autores apresentam uma tipologia das comunidades epistêmicas
baseada: na presença ou ausência de conhecimento dominante (i); no número de
conjuntos distintos de ideias presentes (ii) (SCHULMAN, 1988; MACRAE, 1993;
SMITH, 1993 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Logo, os modelos de
comunidades epistêmicas apresentados são (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p.
95-96):
 Comunidades hegemônicas: “Numa situação em que um conjunto de ideias é
dominante e não é desafiado [...]”;
 Comunidades caóticas: “[...] onde circulam conjuntos múltiplos de ideias, sem
uma particular com posição dominante [...]”;
 Comunidades disputadas: “Quando vários conjuntos de ideias importantes
disputam a dominação [...]”;
26
 Comunidades indisciplinadas: “[...] onde um conjunto de ideias é dominante,
mas enfrenta desafios de ideias menos populares [...]”.
Em uma terceira interpretação, no artigo “Redes de política pública”, Giles
Massardier (2006) diferencia comunidades de política pública e comunidades
epistêmicas. Segundo o autor, as primeiras podem ser definidas como redes densas e
muito fechadas, em que os custos de entrada e permanência dos atores são altos em
termos de investimento afetivo, temporal e de recursos, uma vez que suas relações são
mais estreitas e duráveis (JORDAN; RICHARDSON, 1983 apud MASSARDIER,
2006). Por outro lado, reunidos em torno de uma política pública ou de um setor, estes
atores compartilham de um mesmo sentido cognitivo ou razão para agir.
As comunidades epistêmicas, por outro lado, reúnem especialistas (cientistas,
peritos, consultores etc.) que compartilham ideias e crenças sobre um campo do
conhecimento, um saber científico ou técnico, baseando-se em quatro aspectos: “crenças
comuns sobre princípios, sobre causalidades, sobre os testes de validade do
conhecimento e uma estratégia de empreendimento político para difundir as crenças
internas da rede entre os lobbies e os decisores políticos.” (HAAS, 1992, p. 18 apud
MASSARDIER, 2006, p. 177). Dessa forma, apesar da união dos indivíduos nas
comunidades epistêmicas, a difusão e o monopólio do conhecimento são
responsabilidade de outros atores (lobbies, funcionários de outros Estados ou
organizações internacionais, com quem fazem acordos).
1.4 Ciclos das políticas públicas
Os “ciclos das políticas públicas” podem ser definidos como um método de
análise do processo de produção de políticas públicas, desenvolvido historicamente. Por
meio dele, as políticas públicas são analisadas a partir de “[...] um conjunto de estágios
inter-relacionados através dos quais os temas políticos (policy issues) e as deliberações
[...] [fluem] de uma forma mais ou menos sequencial desde os ‘insumos’ (problemas)
até os ‘produtos’ (políticas).” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 12).
27
Figura 2 - O ciclo e os atores das políticas públicas. Fonte: Adaptado de Howlett, Ramesh e Perl (2013, p.
16).
Dessa forma, tal como o método de resolução aplicada de problemas, os estágios
dos ciclos das políticas públicas (1. Montagem da agenda; 2. Formulação da política; 3.
Tomada de decisão política; 4. Implementação da política; 5. Avaliação da política)
podem ser considerados etapas de resolução de problemas (1. Reconhecimento do
problema; 2. Propostas de solução; 3. Escolha da solução; 4. Efetivação da solução; 5.
Monitoração dos resultados) (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).
Entretanto, conforme afirma Rodrigues (2010, p. 47), as etapas ou estágios dos
ciclos das políticas públicas “[...] constituem-se de sistemas complexos de decisões e
ações, tomadas por parte da autoridade legítima (ou instituições governamentais), de
acordo com a lei.”.
Enrique Saravia (2006, p. 33-35) apresenta os ciclos das políticas públicas a
partir de sete etapas, a seguir resumidas:
1) Agenda: Primeiro momento do ciclo, “[...] inclusão de determinado
pleito ou necessidade social na agenda, na lista de prioridades, do poder
público.”.
2) Elaboração: Segundo momento, “[...] consiste na identificação e
delimitação de um problema atual ou potencial da comunidade, a
determinação das possíveis alternativas para sua solução ou satisfação, a
28
avaliação dos custos e efeitos de cada uma delas e o estabelecimento de
prioridades.”.
3) Formulação: Caracteriza-se pela “[...] seleção e especificação da
alternativa considerada mais conveniente, seguida de declaração que
explicita a decisão adotada, definindo seus objetivos e seu marco
jurídico, administrativo e financeiro.”.
4) Implementação: Constitui-se pelo “[...] planejamento e organização do
aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e
tecnológicos necessários para executar uma política.”.
5) Execução: É o “[...] conjunto de ações destinado a atingir os objetivos
estabelecidos pela política.”.
6) Acompanhamento: Penúltima etapa do ciclo, é o “[...] processo
sistemático de supervisão da execução de uma atividade (e de seus
diversos componentes), que tem como objetivo fornecer a informação
necessária para introduzir eventuais correções a fim de assegurar a
consecução dos objetivos estabelecidos.”.
7) Avaliação: A última etapa do ciclo consiste “[...] na mensuração e
análise, a posteriori, dos efeitos produzidos pelas políticas públicas,
especialmente no que diz respeito às realizações obtidas e às
consequências previstas e não previstas.”.
Por fim, conforme Howlett, Ramesh e Perl (2013, p. 99) concluem ao relacionar
o universo das políticas públicas ao ciclo das políticas públicas:
Quando se associa os subsistemas e paradigmas político-administrativos [de
políticas públicas] aos estágios próprios do ciclo político, torna-se possível
descobrir como as questões políticas (policy issues) têm acesso à agenda;
como as escolhas para abordá-las são selecionadas; como são tomadas as
decisões dos cursos de ação adotados; e como são produzidas as avaliações
do que está funcionando e do que não está e como estas são realimentadas
nas rodadas subsequentes ou ciclos da policy-making.
29
1.5 Formação da agenda de políticas públicas
1.5.1 Histórico dos estudos de formação de agenda
Os estudos de formação de agenda (agenda-setting) investigam os motivos que
levam determinados temas e problemas a assumirem importância em períodos
específicos de tempo (CAPELLA; BRASIL, 2015c; CAPELLA; BRASIL; ALVES,
2016). Dessa forma, diante da grande quantidade de acontecimentos, fatos e problemas
do cotidiano, questiona-se porque alguns têm destaque e outros não. Portanto, o
principal objetivo de tais estudos seria “[...] analisar o processo de ascensão e queda na
importância de temas ao longo do tempo na agenda de alguns atores e na relação entre
eles.” (SOROKA, 2002 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6).
Sendo assim, os autores Rogers e Dearing (1988 apud CAPELLA; BRASIL,
2015c; CAPELLA; BRASIL; ALVES, 2016) são reconhecidos por identificar e
sistematizar os estudos de formação de agenda em três grandes áreas: agenda da mídia
(media agenda-setting) (1); agenda da opinião pública (public agenda-setting) (2); e
agenda de políticas públicas (policy agenda-setting) (3). Dessa forma, Ana Cláudia
Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil afirmam (2015c, p. 6):
[...] os três tipos de estudos apresentam forte relação teórica e metodológica
na análise do processo de priorização de temas e formação da agenda, quer da
mídia, da opinião pública ou dos formuladores de políticas governamentais,
respectivamente. Existe, no entanto, uma tradição de pesquisa para cada um
destes três tipos de agendas que envolve focos analíticos específicos.
30
Figura 3 - Três agendas. Fonte: Traquina (1995, p. 193 apud CAPELLA; BRASIL, 2015d, p. 51).
1.5.1.1 Agenda da mídia
Primeira linha de estudos de formação de agenda a surgir, os estudos de agenda
da mídia têm como principal objetivo a compreensão do “[...] processo de seleção dos
assuntos que serão noticiados e enfatizados pelos veículos de comunicação de massa
(mass media).” (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6). Segundo Capella e Brasil (2015c)
estes estudos passaram a ser desenvolvidos após a Primeira Guerra Mundial, com o
objetivo de se compreender a influência dos meios de comunicação de massa sobre a
população, além dos critérios de seleção das notícias transmitidas.
Em 1922, Lippmann (apud CAPELLA; BRASIL, 2015c) foi um dos primeiros
estudiosos a se preocupar quanto ao potencial da comunicação de massa. Os veículos de
comunicação de massa, então, estavam apenas surgindo: “As transformações na
velocidade da produção e veiculação de notícias unida à rápida difusão de veículos de
comunicação com alta capacidade de alcance de público, começaram a despertar a
atenção de pesquisadores.” (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6).
31
1.5.1.2 Agenda da opinião pública
Nas décadas seguintes ao desenvolvimento dos estudos de agenda da mídia, a
preocupação com a influência dos meios de comunicação sobre a opinião pública torna-
se predominante (CAPELLA; BRASIL, 2015c; CAPELLA; BRASIL; ALVES, 2016).
Dessa forma, tem origem a segunda linha de estudos de formação de agenda: estudos de
agenda da opinião pública. Estes têm como objetivo o estudo da “[...] importância
percebida pela opinião pública geral sobre um conjunto de temas, ou seja, está
relacionada com a identificação dos temas que o público considera importante.”
(CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6).
Dessa forma, entre as décadas de 1940 e 1960, passou-se a estudar a relação
entre os conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa e os resultados
eleitorais, como forma de se avaliar a influência da mídia sobre a opinião pública.
Basicamente, as pesquisas se desenvolveram na área da Comunicação ou da
Comunicação Política. Entre os autores do período destaca-se Cohen, responsável pela
seguinte hipótese: “[...] a imprensa pode não ser bem sucedida na maior parte do tempo
em dizer às pessoas o que pensar, mas é impressionantemente bem sucedida em dizer a
seus leitores sobre o que pensar [...].” (COHEN, 1963, p. 13 apud CAPELLA; BRASIL,
2015c, p. 7, tradução nossa).
No entanto, foi o “Estudo de Chapell Hill” que se tornou responsável por
disseminar e consolidar o conceito de formação de agenda (agenda-setting). Nele,
McCombs e Shaw (1972 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c; CAPELLA; BRASIL;
ALVES, 2016) realizaram um estudo para avaliar o papel da mídia na campanha
presidencial dos Estados Unidos em 1968. Segundo Capella e Brasil (2015c, p. 7), os
autores:
[...] elaboraram um específico desenho de investigação que pudesse testar a
relação entre os assuntos que eram veiculados pela mídia (media agenda-
setting) e os assuntos que eram identificados pelo público como sendo
assuntos relevantes naquela conjuntura. (public agenda-setting). Baseados na
combinação de dois recursos metodológicos - a análise de conteúdo
(realizada por meio da análise das reportagens e temas tratados pelos veículos
de comunicação de massa) e pesquisas de opinião pública (elaboradas por
meio da aplicação de entrevistas a cem eleitores indecisos), os autores
comprovaram empiricamente a existência de grande correlação entre os
32
temas noticiados pela mídia e os temas que os entrevistados entendiam como
sendo mais importantes.
1.5.1.3 Agenda de políticas públicas ou agenda governamental
A última área de estudos de formação de agenda a surgir, na década de 1970, foi
a de agenda de políticas públicas (CAPELLA; BRASIL, 2015c, CAPELLA; BRASIL;
ALVES, 2016). Vinculados à Ciência Política, os estudos de agenda de políticas
públicas têm por objetivo “[...] estudar o processo de percepção e hierarquização de
problemas que chamam a atenção dos formuladores de políticas e grupos próximos a
eles.” (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6).
Cobb e Elder (1971 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 8) foram os primeiros
autores a usar o termo agenda de políticas públicas (policy agenda-setting), para
explicar a “[...] relação entre a formação da agenda de políticas públicas (como ela é
definida, quais temas são considerados) e a participação de diferentes atores no
policymaking process (quem participa? como participa?)”. Dessa forma, os autores
buscavam estabelecer uma relação entre a formação da agenda governamental e a
ampliação da democracia por meio da participação popular no processo de produção de
políticas públicas (COBB; ELDER, 1972 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c).
Segundo os autores, a formação da agenda de políticas públicas se daria, então, a
partir de dois níveis distintos. No primeiro nível, da agenda sistêmica, seria tratado “[...]
o conjunto das questões consideradas pelos participantes do processo político.”
(CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 8). Já no segundo nível, da agenda governamental,
seriam consideradas as questões que viriam a se tornar políticas públicas. Nas palavras
de Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015c, p.8):
As questões que estão contidas na agenda sistêmica podem ser identificadas
como aquelas que despertaram a atenção da opinião pública. A partir do
momento em que um grupo ou parte considerável do público passa a
demandar algum tipo de ação concreta com relação ao problema identificado,
ou ainda no caso de haver uma percepção pelos membros de uma
comunidade política de que uma questão deve ser tratada pelo governo,
passamos a identificá-la como parte da agenda sistêmica. Entretanto, [...] nem
todas as questões na agenda sistêmica se tornarão alvo de políticas públicas.
33
Somente algumas dessas questões conseguirão chamar a atenção do governo
e, ao serem priorizadas, passarão a um tipo de agenda, chamada de agenda
institucional/governamental/formal.
Portanto, o grande objetivo dos estudos de formação de agenda de políticas
públicas é descobrir como as questões da agenda sistêmica transferem-se para a agenda
institucional, sendo assim consideradas pelo governo para tornarem-se políticas
públicas.
1.5.2 Agenda de políticas públicas: fusão de instituições, ideias e atores
Considerando as relações entre estruturas sociais, paradigmas políticos e atores,
Howlett, Ramesh e Perl (2013) afirmam que o desenvolvimento de modelos
multivariáveis possibilitou a compreensão da formação da agenda de políticas públicas
de forma mais abrangente e precisa.
1.5.2.1 Modelo do Ciclo de Atenção aos Problemas
O “ciclo de atenção aos problemas” (issue attention cycle), de Anthony Downs,
foi um dos primeiros modelos a considerar a interação entre instituições, ideias e atores
na formação da agenda de políticas públicas. Lançado em 1972, o modelo busca
descrever o comportamento do governo segundo a atenção dada aos problemas
públicos. De acordo com Downs (1972, p. 38 apud HOWLETT; RAMESH; PERL,
2013, p. 112):
A atenção pública poucas vezes se mantém atentamente focada por muito
tempo em uma questão doméstica, mesmo que ela envolva um problema
contínuo de importância crucial para a sociedade. Ao contrário, o que parece
influenciar fortemente as atitudes e os comportamentos públicos, em relação
à maioria dos problemas domésticos básicos, é um certo ciclo sistemático de
atenção aos problemas. Cada problema desses de repente ganha notoriedade,
permanece neste estado por um breve período de tempo e em seguida,
embora, em grande medida, ainda sem solução, vai desaparecendo,
gradualmente, do centro da atenção pública.
34
Dessa forma, Downs considera que a formação da agenda de políticas públicas
tenderia a seguir o mesmo padrão do “ciclo das notícias”, ou seja, da divulgação de
notícias pelos meios de comunicação de massa (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).
Capella e Brasil (2015c), por sua vez, avaliam que o “ciclo de atenção aos
problemas” ressalta a importância da atenção momentânea da opinião pública a
problemas e questões sociais para o processo de formação de agenda de políticas
públicas. Sendo assim, o modelo é descrito a partir do comportamento do público em
cinco fases:
(a) “pré-problema”, na qual uma condição social existente ainda não chama a
atenção do público; depois passando a (b) um momento de “descoberta e
entusiasmo”, na qual o público se torna consciente de uma questão e
alarmado com suas consequências; seguindo para um momento de (c)
percepção sobre as dificuldades e os custos envolvidos na resolução do
problema; até que (d) o interesse do público sobre a questão começa a
declinar gradualmente; e finalmente, (e) saída do problema do centro das
preocupações do público, seja por meio da substituição do problema por
outro ou seu deslocamento para fora do debate público, onde recebe um nível
muito menor de atenção (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 9).
1.5.2.2 Modelo do Equilíbrio Pontuado
Nas décadas de 1980 e 1990, os estudos de agenda de políticas públicas deixam
de ter como foco a relação entre as agendas sistêmica e governamental para se
concentrarem na dinâmica que envolve apenas a última (CAPELLA; BRASIL, 2015c).
Sendo assim, tais estudos:
[...] passaram a se concentrar nas intrincadas relações entre diferentes
variáveis explicativas para a formação da agenda governamental buscando
mostrar que, mesmo dentro desse limitado conjunto de questões que
emergem à consideração dos policymakers, há ainda diversos processos de
seleção. (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 10).
Nesse contexto é criado o Modelo do Equilíbrio Pontuado, de Frank
Baumgartner e Bryan Jones, que representa até hoje o “estado da arte” dos estudos de
formação de agenda de políticas públicas (JOHN, 2003, 2013; CAPELLA, 2007;
35
CAIRNEY; JONES, 2015 apud CAPELLA; BRASIL; SUDANO, 2015; CAPELLA;
BRASIL; ALVES, 2016).
A ideia de equilíbrio pontuado faz referência à concepção dos autores do
processo de produção de políticas públicas: longos períodos de estabilidade
interrompidos por momentos de rápidas mudanças (CAPELLA, 2007). Dessa forma,
Baumgartner e Jones apresentam alguns conceitos centrais para descrever seu modelo:
subsistemas; monopólios de políticas públicas (policy monopoly); imagens de políticas
públicas (policy image); arenas de políticas públicas (policy venue); macrossistemas;
feedback positivo e feedback negativo.
Considerando-se que a compreensão dos períodos de estabilidade e mudança
das políticas públicas tem papel central no modelo, os autores destacam que a
construção da imagem de uma política pública (policy image) definirá o seu apoio e a
sua manutenção, ou a sua substituição (CAPELLA, 2007). Ou seja:
[...] a chave para a compreensão dos períodos de estabilidade e mudança,
segundo Baumgartner e Jones, reside na forma como uma questão é definida,
considerando que essa definição se desenvolve dentro de um contexto
institucional que pode favorecer determinadas visões políticas em detrimento
de outras. (CAPELLA, 2007, p. 112).
Sendo assim, nos subsistemas “[...] prevalecem mudanças lentas, graduais e
incrementais, configurando uma situação de equilíbrio [...]” (CAPELLA, 2007, p. 115).
No entanto, os subsistemas têm como objetivo possuir as seguintes características para
se tornarem monopólios de políticas públicas: “estrutura institucional definida, pela qual
o acesso ao processo decisório é permitido (ou restringido); e uma ideia fortemente
associada com a instituição e com os valores políticos da comunidade [de
especialistas].” (CAPELLA, 2007, p. 112).
Dessa forma, a partir do momento em que a questão que envolve o monopólio da
política pública tenha uma ideia/imagem consolidada, seu acesso aos líderes
governamentais (macrossistema) e, por consequência, à agenda governamental se torna
factível. As imagens são construídas a partir de informações empíricas e apelos
emotivos (tone), sendo responsáveis por conectar problemas e soluções. Vê-se assim a
importância do conceito de imagens de políticas públicas (policy images) no Modelo do
Equilíbrio Pontuado:
36
As policy images são ideias que sustentam os arranjos institucionais,
permitindo que o entendimento acerca da política seja comunicado de forma
simples e direta entre os membros de uma comunidade, e contribuindo para a
disseminação das questões, processo fundamental para a mudança rápida e o
acesso de uma questão ao macrossistema. (CAPELLA, 2007, p. 112).
Os macrossistemas, por seu lado, “[...] caracterizam-se por intensas e rápidas
mudanças, diversos entendimentos sobre uma mesma política (diferentes policy images)
e feedback positivo [...]” (CAPELLA, 2007, p. 115). Sendo assim, “Quando uma
questão ascende ao macrossistema, o subsistema, por sua vez, torna-se propenso à
mudança, já que a atenção dos líderes governamentais e do público pode levar à
introdução de novas ideias e de novos atores naquele subsistema.” (CAPELLA, 2007, p.
115).
Portanto, enquanto que o “[...] pouco ganho dos atores políticos em relação aos
investimentos [...]” (CAPELLA, 2007, p. 115) impede a realização de mudanças nos
subsistemas (feedback negativo), nos macrossistemas o feedback positivo permite o
contrário: “[...] algumas questões se tornam importantes, atraindo outras que se
difundem como um efeito cascata (bandwagon) [...]” (CAPELLA, 2007, p. 111).
Por fim, Baumgartner e Jones (1993, p. 32 apud CAPELLA, 2007, p. 114) ainda
ressaltam o papel das instituições ou arenas políticas em seu modelo: “As arenas
políticas são locais institucionais em que as decisões oficiais sobre uma determinada
questão são tomadas”. Dessa forma, a construção de imagens “fortes” e a busca de
apoio das instituições são essenciais para que uma questão seja inserida na agenda
governamental:
[...] ao mesmo tempo em que os formuladores de políticas procuram
assegurar um entendimento comum sobre as questões com as quais estão
lidando, procuram também influenciar as instituições que têm autoridade
sobre essas questões. Enquanto uma instituição pode ser refratária aos
argumentos desenvolvidos para dar suporte a uma política, outra pode aceitar
a imagem. (CAPELLA, 2007, p. 115).
37
Modelo do Equilíbrio Pontuado (Baumgartner e Jones)
Problemas
 Não há vínculo causal entre problemas e soluções.
 Questões não se transformam em problemas
automaticamente: problemas são construídos (policy
images) e difundidos.
 Definição de problemas é essencial para mobilizar a
atenção em torno de uma questão.
 Problemas são representados por meio de
componentes empíricos e valorativos (tone): números,
estatísticas, argumentação, histórias causais.
Soluções
 Não são desenvolvidas necessariamente para resolver
um problema.
 Geradas nos subsistemas, difundem-se e espalham-se
rapidamente (bandwagon).
 Soluções que têm imagens fortemente vinculadas a
uma instituição e representam valores políticos (policy
images) têm maiores chances de chegar ao
macrossistema.
Dinâmica
Político-
Institucional
 O contexto político e institucional exerce influência
sobre a definição de problemas e soluções.
 Imagens sustentam arranjos institucionais (policy
venues), incentivando ou restringindo a mudança na
agenda.
 Disputa em torno da policy image é fundamental na luta
política.
Atores
 O presidente exerce influência decisiva sobre a
agenda.
 Grupos de interesse desempenham papel importante
na definição das questões.
 A mídia direciona a atenção dos indivíduos, sendo
fundamental à formação da agenda.
Mudança na
Agenda
 Momentos críticos, em que uma questão chega ao
macrossistema, favorecem rápidas mudanças
(punctuations) em subsistemas anteriormente estáveis.
Policy entrepreneurs, imagens compartilhadas (policy
image) e a questão institucional são fundamentais
nesse processo.
Tabela 2 - Modelo do Equilíbrio Pontuado. Fonte: Adaptado de Capella (2006, p. 35-36).
Notas:
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1994.
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41
CAPÍTULO 2: A COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA
2.1 Constituição de 1988: Paradigmas de liberdade e legalidade (regulação)
2.1.1 A comunicação social na Constituição de 1988
Na Constituição do Brasil de 1988, os meios de comunicação são tratados a
partir dos cinco artigos do Capítulo V (Da Comunicação Social), do Título VIII (Da
Ordem Social), a seguir apresentados de forma resumida.
O primeiro artigo (art. 220) aborda o tema da liberdade de pensamento ou
liberdade de expressão, assegurando-se: a plena liberdade de informação jornalística
(§1º); a vedação a toda e qualquer censura política, ideológica e artística (§2º); a
regulação de diversões e espetáculos públicos segundo suas naturezas, faixas etárias não
recomendadas, locais e horários de apresentação inadequados (§3º, I); o estabelecimento
dos meios legais que garantam a defesa das pessoas diante de programas ou
programações de rádio e televisão, assim como de propagandas de produtos, práticas e
serviços, que contrariem a lei (§3º, II); a exigência de restrições legais e advertência à
propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias (§4º); a proibição de que os meios de comunicação social, direta ou
indiretamente, sejam objeto de monopólio ou oligopólio (§5º); e a publicação de veículo
impresso de comunicação independente de licença de autoridade (§6º).
O artigo 221, por sua vez, disciplina os princípios a serem atendidos pela
produção e programação das emissoras de rádio e televisão. São eles: a preferência por
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (I); a promoção da cultura
nacional e regional e o estímulo à produção independente que a divulgue (II); a
regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais
definidos em lei (III); e o respeito a valores éticos e sociais (IV).
O artigo seguinte (art. 222) trata da propriedade das empresas jornalísticas e de
radiodifusão sonora e de sons e imagens: exclusividade de brasileiros ou estrangeiros
naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis
brasileiras e com sede no país. O §1º determina que pelos menos setenta por cento
(70%) do capital total das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e
42
imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros, com obrigação sobre a
gestão das atividades e o conteúdo da programação; o §2º define que a responsabilidade
editorial e a seleção e direção da programação veiculada em qualquer meio de
comunicação social são privativas a brasileiros; o §3º define que os meios de
comunicação social eletrônica, independentemente de sua tecnologia, deverão observar
os princípios anteriores, na forma de lei específica; o §4º afirma que a lei disciplinará a
participação de capital estrangeiro nas empresas, conforme estabelecido no §1º; e o
último parágrafo (§5º) determina que as alterações de controle societário das empresas
deverão ser comunicadas ao Congresso Nacional.
Já o artigo 223 e seus parágrafos estabelece a competência do Poder Executivo
para outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens, a ser deliberada pelo Congresso Nacional,
observando-se a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
Por fim, o último artigo do capítulo, o art. 224 dispõe sobre a criação do
Conselho de Comunicação Social como órgão auxiliar do Congresso Nacional.
2.1.2 A comunicação social na Constituição de 1988 segundo a doutrina
2.1.2.1 Paradigma de liberdade
Na obra “Curso de Direito Constitucional Positivo”, José Afonso da Silva (2014)
trata do tema dos meios de comunicação a partir da relação entre comunicação social e
direito de liberdade, dentro do debate maior acerca dos direitos e garantias fundamentais
da Constituição.
Segundo o autor, com base na lei maior podem-se distinguir “formas de
liberdade”, expressas cada uma à sua maneira, separadas em cinco grupos: liberdade da
pessoa física (1); liberdade de pensamento (2); liberdade de expressão coletiva (3);
liberdade de ação profissional (4); e liberdade de conteúdo econômico e social (5). Entre
estas, a que estaria mais associada ao tema dos meios de comunicação seria a liberdade
de pensamento – consagrada no inciso IV do artigo 5º da Constituição (“é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”) –, que abrange a liberdade
de comunicação.
43
O conceito de liberdade de pensamento de José Afonso da Silva, emprestado da
definição de Sampaio Dória (1946 apud SILVA, 2014, p. 243), define-se pelo “[...]
direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte, ou o
que for”. Por sua vez, tendo como referência os incisos IV, V, IX, XII e XIV do art. 5º,
que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, e os arts. 220 a 224 da
Constituição, a liberdade de comunicação corresponderia ao “[...] conjunto de direitos,
formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da
criação, expressão e difusão do pensamento e da informação.” (SILVA, 2014, p. 245).
Sendo assim, José Afonso da Silva discorre acerca dos princípios constitucionais
que orientam a liberdade de comunicação no país, incluídos neste tema os “meios de
exteriorização e difusão das informações” ou meios de comunicação (livros, jornais,
periódicos em geral, serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens e serviços de
notícia).
Em relação ao princípio de liberdade de informação, o autor diferencia os
conceitos de liberdade de informação e direito à informação. O primeiro estaria ligado
aos direitos individuais, enquanto o segundo aos direitos coletivos.
Dessa forma, a “liberdade de informar” e a “liberdade de ser informado”, do
conceito de liberdade de informação, são parte dos direitos fundamentais individuais
que “[...] reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e
independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do
próprio Estado.” (SILVA, 2014, p. 193).
O conceito de direito à informação, por outro lado, relaciona-se ao “direito
coletivo da informação” ou “direito da coletividade à informação”, pois está mais
diretamente ligado às transformações dos meios de comunicação na sociedade
contemporânea, em decorrência das atividades desempenhadas pelos meios de
comunicação de massa. Sendo assim, trata-se de direito conferido em função da
coletividade, como se pode observar, por exemplo, no art. 5º, XIV, referenciado pelo
art. 220, §1º: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da
fonte, quando necessário ao exercício profissional” (BRASIL, 2017, p. 11, grifo nosso).
Outro princípio constitucional comentado por José Afonso da Silva abrangendo
o tema da liberdade de comunicação é o da liberdade de informação jornalística,
44
apresentado no mesmo art. 220, §1º, da Constituição: “Nenhuma lei conterá dispositivo
que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer
veículo de comunicação social”.
Segundo o autor, tal princípio “[...] alcança qualquer forma de difusão de
notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comunicação social.” (SILVA,
2014, p. 248). Dessa forma, José Afonso da Silva destaca o papel desempenhado pela
imprensa, através dos meios de comunicação, na formação da opinião pública, situando-
a conforme Foderaro (1974 apud SILVA, 2014) como um quarto poder republicano, ao
lado do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.
Diante de tamanha importância e responsabilidade concentradas na atuação dos
meios de comunicação, José Afonso da Silva não deixa de fazer sua crítica aos
profissionais e empresas de jornalismo:
Reconhece-se-lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e
ideias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade de tais
acontecimentos e ideias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou
esvaziar-lhes o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas
deformação. Os jornalistas e empresas jornalísticas reclamam mais seu
direito do que cumprem seus deveres. (SILVA, 2014, p. 249).
2.1.2.2 Paradigma de legalidade (regulação)
Por sua vez, Ingo Wolfgang Sarlet (2012), na obra “Curso de Direito
Constitucional”, também considera o tema dos meios de comunicação a partir do
princípio da liberdade de pensamento e sua relação com a liberdade de comunicação e
informação. No entanto, diferentemente de José Afonso da Silva (2014), o autor se
aprofunda na discussão em torno das limitações aos princípios constitucionais
mencionados.
Segundo Sarlet, a liberdade de manifestação do pensamento – ou liberdade de
expressão, como prefere o autor – pode ser definida basicamente como a “[...] liberdade
de exprimir opiniões, portanto, juízos de valor a respeito de fatos, ideias, portanto,
juízos de valor sobre opiniões de terceiros etc.” (SARLET, 2012, p. 442). Dessa forma,
45
ao constituir o que seria um “livre mercado das ideias”, a liberdade de expressão garante
as condições ao exercício da democracia e do pluralismo político, e vice-versa.
No entanto, apesar do caráter complementar entre liberdade de expressão e
democracia, ambas podem representar um perigo uma à outra. Segundo o autor, além da
necessária restrição às formas de manifestação violentas, questões polêmicas como a
“negativa de fatos históricos” ou o “dever de verdade quanto aos fatos”, e “delitos de
opinião” costumam gerar controvérsia em relação ao exercício da liberdade de
expressão.
Diante de tais questões, Sarlet adota o ponto de vista dos autores J. J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira (2010 apud SARLET, 2012), os quais:
[...] negam a existência de um dever de verdade quanto aos fatos, assim como
afastam, em princípio, qualquer tipo de “delito de opinião”, ainda que se
cuide de opiniões que veiculem posições contrárias a ordem constitucional
democrática, ressalvando, contudo, que eventuais distorções dos fatos e
manifestações que atinjam direitos fundamentais e interesses de terceiros e
que representem incitação ao crime, devem ser avaliadas quando da solução
dos conflitos entre normas de direitos fundamentais. (SARLET, 2012, p.
443).
Dessa forma, diante do que afirmam os arts. 5º, IX, e 220, §2º, da Constituição
em relação à vedação de censura, o autor admite que seja impossível e mesmo
indesejável a “[...] restrição prévia à liberdade de expressão realizada pela autoridade
administrativa e que resulta na proibição da veiculação de determinado conteúdo”,
conforme a definição de censura de Jónatas Machado (2001, p. 486-487 apud SARLET,
2012, p. 446). Dada a importância deste princípio para a Democracia, parte da doutrina
entende até mesmo que sua aplicação se realiza a partir de uma posição preferencial.
No entanto, por outro lado, a liberdade de expressão não pode ser compreendida
como um direito absoluto, principalmente tendo em vista os demais direitos
fundamentais previstos no texto constitucional, como o autor reconhece. Considerando-
se como exemplo os casos de prática de incitação ao ódio ou “discurso do ódio” –
veiculação de mensagens de “teor discriminatório e destinadas a incitar o ódio e até
mesmo a violência” –, no Brasil e no direito comparado reconhece-se que o princípio da
46
dignidade da pessoa humana funciona nestes casos como limite ao exercício da
liberdade de expressão.
No Brasil, como aponta Sarlet, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal -
STF reconhece que são admissíveis restrições à liberdade de expressão, desde que
visem à promoção de outros valores e interesses constitucionais também relevantes,
conforme voto proferido em julgamento por um de seus ministros (Rec. Ext. n.
511.961/SP). Portanto, mostra-se legítima a noção de que eventuais limites e restrições
ao princípio da liberdade de expressão possam ser discutidos e colocados em prática na
defesa do Estado Democrático de Direito, não se traduzindo isto em censura. Sendo
assim, conforme Sarlet (2012, p. 452) resume ao descrever a questão:
Que também a liberdade de expressão, incluindo a liberdade de informação e
de imprensa (comunicação social), não é absoluta e encontra limites no
exercício de outros direitos fundamentais e salvaguarda, mesmo na dimensão
objetiva (por via dos deveres de proteção estatal), de outros bens jurídico-
constitucionais, praticamente não é contestado no plano do direito
constitucional contemporâneo e mesmo no âmbito do direito internacional
dos direitos humanos. Contudo, a controvérsia a respeito de quais são tais
limites e de como e em que medida se pode intervir na liberdade de expressão
segue intensa e representa um dos maiores desafios, especialmente para o
legislador, mas também para os órgãos do Poder Judiciário [...].
Portanto, conforme a discussão da doutrina acerca dos princípios constitucionais
que orientam o funcionamento dos meios de comunicação no Brasil, vê-se que há um
impasse quanto ao exercício da liberdade de expressão ou liberdade de pensamento no
país.
Por um lado, admite-se que a censura prévia a qualquer tipo de conteúdo
veiculado por qualquer meio de comunicação é inadmissível, ainda mais tendo em conta
a história recente do país no período da ditadura militar. Porém, por outro lado, a
liberdade de expressão não pode ser encarada como um direito incontestável, a ser
invocado na defesa de práticas que atentem contra as instituições e o próprio regime
democrático.
Para melhor compreender-se este impasse e seus contornos, pode-se refletir em
torno dos limites da liberdade no próprio regime democrático. Este debate, por sua vez,
47
remete às discussões históricas que deram origem à forma do Estado contemporâneo, tal
qual o conhecemos hoje em dia.
Ao analisar as leis constitucionais que contribuem para a liberdade política,
Montesquieu, um dos principais teóricos da democracia moderna, afirma:
É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a
liberdade política não consiste em se fazer o que se quer. Em um Estado, isto
é, numa sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder
fazer o que se deve querer e em não ser forçado a fazer o que não se tem o
direito de querer.
Deve-se ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A
liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão
pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros
também teriam este poder (MONTESQUIEU, 2000, p. 166).
Vê-se assim que para o autor o Estado é constituído por uma sociedade em que
há leis, sendo a liberdade “o direito de fazer tudo o que as leis permitem”. Dessa forma,
cabe aos representantes do povo, eleitos por meio do voto, elaborar as leis de acordo
com os anseios da sociedade para que esta tenha liberdade.
José Afonso da Silva (2014) afirma que toda lei ou autoridade precisa ser
legítima, portanto consentida por aquelas pessoas que vêm sua liberdade ser limitada
por ela. Sendo assim, “[...] autoridade e liberdade são situações que se complementam.
É que a autoridade é tão indispensável à ordem social - condição mesma da liberdade -
como esta é necessária à expansão individual.” (SILVA, 2014, p. 234).
Na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada sob inspiração da
Revolução Francesa em 1789, observa-se mais uma vez a relação complementar entre
liberdade e lei, conforme seu artigo 4º:
A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo.
Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites
senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos
mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.
(USP, 2017).
Por sua vez, na Constituição do Brasil de 1988, o artigo 5º, II, (“ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”) é apontado
48
por Ingo Wolfgang Sarlet (2012) como exemplo do princípio da relação entre liberdade
e legalidade na lei maior brasileira. Para o autor, a ordem jurídico-constitucional é
condição para que haja possibilidade do pleno exercício da liberdade.
Portanto, o direito à liberdade de expressão possui duas dimensões: uma
negativa, que implica na ausência de obstáculos à livre expressão dos indivíduos; e
outra positiva, sujeita a prestação, que tem como consequência “[...] deveres estatais de
proteção, em parte satisfeitos mediante a edição de normas de cunho procedimental e
criação e regulamentação de instituições (órgãos) que atuam na proteção e promoção
dos direitos [...]” (SARLET, 2012, p. 444).
Dessa forma, uma vez que os princípios constitucionais que regem o
funcionamento dos meios de comunicação no Brasil já foram apreciados, cabe então
analisar as instituições e leis infraconstitucionais que regulam sua atuação cotidiana no
território nacional.
2.2 Órgãos e leis infraconstitucionais: instituições, ideias e atores
2.2.1 Os coronéis da mídia
2.2.1.1 Conceito de coronelismo
Em 1949, a obra “Coronelismo, enxada e voto”, de Victor Nunes Leal, foi
publicada pela primeira vez. Nela, o autor descreve a estrutura e o processo do
“coronelismo”. Assentados sobre uma estrutura econômica e social desigual, em que
predomina a figura do coronel, os munícipios do interior vêm o poder público
diminuído pelo poder privado (LEAL, 2012).
Situando-o como um resquício do passado colonial brasileiro em coexistência
com o regime político representativo, segundo Victor Nunes Leal (2012, p. 44) “[...] o
‘coronelismo’ é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder
público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais,
notadamente dos senhores de terras.”.
Dessa forma, o coronel, basicamente, é o grande proprietário de terras que usa
do seu poder pessoal como latifundiário para promover uma série de práticas que se
49
confundem com o exercício do poder público local – por exemplo, o mandonismo
(perseguição aos adversários: “aos amigos se faz justiça, aos inimigos se aplica a lei”).
Segundo o autor, toda essa estrutura se resume, então, no voto de cabresto:
Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse
tipo de liderança é o “coronel”, que comanda discricionariamente um lote
considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio
político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social
de dono de terras. Dentro da esfera própria de influência, o “coronel” como
que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes instituições sociais.
Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus dependentes,
compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros
arbitramentos, que os interessados respeitam. Também se enfeixam em suas
mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que
frequentemente se desincumbe com a sua pura ascendência social, mas que
eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados
ou capangas. (LEAL, 2012, p. 45-46).
Portanto, a maior parte da população, vivendo na pobreza e acostumada a
recorrer ao coronel para sua subsistência, vê o voto apenas como parte de uma troca de
favores.
No entanto, Victor Nunes Leal (2012, p. 67) ressalta ainda em sua obra como a
estrutura política brasileira, desde os municípios à União, passando pelos estados,
relaciona-se com o sistema “coronelista”:
As eleições municipais constituem pelejas tão aguerridas em nosso país,
justamente porque é pela comprovação de possuir a maioria do eleitorado no
município que qualquer facção local mais se credencia às preferências da
situação estadual. A esta, [...] o que mais interessa é ter nas eleições estaduais
e federais, que se seguirem, maior número de votos, com menor dispêndio de
favores e mais moderado emprego da violência.
Sendo assim, o poder dos representantes políticos dos estados depende também
dos votos de cabresto angariados pelo coronel do município. Em troca, os servidores e
toda a estrutura pública estadual com funcionamento no município se revertem em
benefício do coronel.
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Políticas públicas de comunicação social no Brasil: Uma análise do tema a partir da formação da agenda governamental

  • 1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES LEONARDO MENDES DE CAMPOS Política(s) pública(s) de comunicação social no Brasil: Uma análise do tema a partir da formação da agenda governamental São Paulo 2017
  • 2. 2 LEONARDO MENDES DE CAMPOS Política(s) pública(s) de comunicação social no Brasil: Uma análise do tema a partir da formação da agenda governamental São Paulo 2017 Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel em Gestão de Políticas Públicas Orientador: Prof. Dr. Marcelo Arno Nerling
  • 3. 3 AGRADECIMENTOS À população do estado de São Paulo, que financia a Universidade de São Paulo por meio dos seus impostos. Aos trabalhadores e trabalhadoras da Universidade de São Paulo, que mantêm a universidade funcionando. Aos colegas de curso, que compartilharam do seu conhecimento principalmente na elaboração de trabalhos em grupo e durante debates em sala de aula. Ao Professor Marcelo Nerling, que em um momento delicado da minha vida estudantil se mostrou extremamente solidário e compreensivo, demonstrando seu grande valor como educador, servidor do Estado e, principalmente, ser humano. Ao Dr. Tykanori, por me apresentar o pensamento do Professor Humberto Maturana e me fazer acreditar que ser diferente pode ser bom. À minha família, pelo apoio e pela confiança. Aos meus pais especialmente, que sempre fizeram da minha educação uma prioridade e, dessa forma, permitiram que eu me dedicasse aos estudos. Ao vô Artur e à vó Alice, que não tiveram as oportunidades que eu tive como estudante, mas me ensinaram as lições mais importantes da vida.
  • 4. 4 RESUMO CAMPOS, L. M. Política(s) pública(s) de comunicação social no Brasil: uma análise do tema a partir da formação da agenda governamental. 2017. Monografia (trabalho de conclusão de curso) – Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Desde escândalos da monarquia britânica, publicados regularmente por tabloides na Inglaterra, até a manipulação de um debate entre candidatos à presidência do Brasil, pela emissora de televisão Rede Globo, em 1989 (VERÓN, 2003 apud GÖRGEN, 2008), a história está repleta de episódios que demonstram o poder da mídia em transformar a visão das pessoas acerca dos fatos. No século XXI, em que corporações se fundem criando multinacionais que operam em nível mundial, as empresas de comunicação não fogem à regra (MEYER, 2008). No Brasil, o controle dos meios de comunicação por apenas alguns grupos econômicos e/ou famílias é reconhecido há algumas décadas. Este fenômeno ficou conhecido como coronelismo eletrônico. No entanto, há cada vez mais pressão pela regulamentação do setor por parte de diferentes setores da sociedade, buscando-se a definição de regras que permitam maior transparência e pluralidade no seu funcionamento (GÖRGEN, 2008). A Constituição do Brasil, por sua vez, em seu Capítulo V (Da Comunicação Social) dispõe sobre as regras que devem ser observadas no funcionamento dos meios de comunicação no país. Entre os cinco artigos do capítulo, destaca-se o parágrafo 5º do art. 220, que determina que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” (BRASIL, 2015, p. 205). Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivos: Apresentar os principais conceitos que orientam os estudos do processo de produção de políticas públicas, com a finalidade de aplicá-los à investigação da comunicação social no Brasil; Descrever e explicar a gênese e o desenvolvimento da política nacional de comunicação social, com base no conceito de coronelismo eletrônico; Analisar as etapas da política nacional de comunicação social e a influência de diferentes setores em seu desenvolvimento, averiguando os principais subsistemas e paradigmas de políticas públicas que a orientam; Investigar a formação da agenda governamental de comunicação social no Brasil tendo como base o Modelo do Equilíbrio Pontuado, de Baumgartner e Jones. A partir da realização de pesquisas bibliográficas, documentais e levantamentos de dados estatísticos primários e secundários, constatou-se que a comunicação social brasileira é orientada por dois paradigmas: liberdade e regulação dos meios de comunicação. Em torno deles, e sustentando-os, identificaram-se dois principais subsistemas de políticas públicas: a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - ABERT, e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação - FNDC. Dessa forma, a análise da agenda governamental de comunicação social a partir da distribuição das verbas de publicidade institucional da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República - SECOM (Poder Executivo), e das notícias acerca da liberdade e regulação dos meios de comunicação veiculadas pelos órgãos de comunicação da Câmara dos Deputados (Poder Legislativo) revelou que a mídia é um dos principais atores políticos da sociedade brasileira. Sua atuação e influência decisiva junto a representantes políticos eleitos pela população aponta que o resultado do processo de políticas públicas no Brasil passa pelos atores, ideias e instituições dos meios de comunicação. Palavras-chave: Políticas públicas. Comunicação social. Agenda governamental.
  • 5. 5 SUMÁRIO: INTRODUÇÃO 07 Notas 11 CAPÍTULO 1: POLÍTICAS PÚBLICAS 1.1 O contexto das políticas públicas: capitalismo e democracia 12 1.2 Instituições, ideias e atores 14 1.2.1 Instituições 14 1.2.2 Ideias 15 1.2.3 Atores 17 1.3 O universo das políticas públicas: regimes e subsistemas 17 1.3.1 Regimes de políticas públicas 18 1.3.2 Subsistemas de políticas públicas: redes e comunidades 19 1.3.2.1 Redes 22 1.3.2.1.1 Redes de assuntos ou redes temáticas 22 1.3.2.1.2 Redes de políticas públicas 23 1.3.2.2 Comunidades 24 1.3.2.2.1 Comunidades de políticas públicas 24 1.3.2.2.2 Comunidades epistêmicas ou de discurso 25 1.4 Ciclos das políticas públicas 26 1.5 Formação da agenda de políticas públicas 29 1.5.1 Histórico dos estudos de formação de agenda 29 1.5.1.1 Agenda da mídia 30 1.5.1.2 Agenda da opinião pública 31 1.5.1.3 Agenda de políticas públicas ou agenda governamental 32 1.5.2 Agenda de políticas públicas: fusão de instituições, ideias e atores 33 1.5.2.1 Modelo do Ciclo de Atenção aos Problemas 33 1.5.2.2 Modelo do Equilíbrio Pontuado 34 Notas 37 CAPÍTULO 2: A COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA 2.1 Constituição de 1988: Paradigmas de liberdade e legalidade (regulação) 41 2.1.1 A comunicação social na Constituição de 1988 41 2.1.2 A comunicação social na Constituição de 1988 segundo a doutrina 42 2.1.2.1 Paradigma de liberdade 42
  • 6. 6 2.1.2.2 Paradigma de legalidade (regulação) 44 2.2 Órgãos e leis infraconstitucionais: instituições, ideias e atores 48 2.2.1 Os coronéis da mídia 48 2.2.1.1 Conceito de coronelismo 48 2.2.1.2 Conceito de coronelismo eletrônico ou coronéis da mídia 50 2.2.2 Panorama histórico da comunicação social 52 2.2.2.1 Era Vargas (1930-1954) 52 2.2.2.2 Pós-guerra: Constituição da UNESCO 53 2.2.2.3 Código Brasileiro de Telecomunicações - CBT (Lei 4.117/1962) 54 2.2.2.4 Ditadura militar (1964-1985) 56 2.2.2.4.1 Decreto-Lei 236/1967 58 2.2.2.5 Redemocratização 59 2.2.2.5.1 Constituição de 1988 60 2.2.2.5.2 Conselho de Comunicação Social - CCS 61 2.2.2.5.3 Lei Geral de Telecomunicações - LGT (Lei 9.472/1997) 62 2.2.3 Panorama atual da comunicação social 62 Notas 65 CAPÍTULO 3: FORMAÇÃO DA AGENDA GOVERNAMENTAL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL 3.1 Poder Executivo: distribuição das verbas de publicidade institucional da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República - SECOM 67 3.1.1 Meios de Divulgação 68 3.1.2 Veiculação: Televisão 72 3.2 Poder Legislativo: notícias da Câmara dos Deputados acerca dos paradigmas de liberdade e regulação dos meios de comunicação 74 CONSIDERAÇÕES FINAIS 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 83
  • 7. 7 INTRODUÇÃO Tema A influência dos meios de comunicação sobre a opinião pública é notória ao redor do mundo. Desde escândalos da monarquia britânica, publicados regularmente por tabloides na Inglaterra, até a manipulação de um debate entre candidatos à presidência do Brasil, pela emissora de televisão Rede Globo, em 1989 (VERÓN, 2003 apud GÖRGEN, 2008), a história está repleta de episódios que demonstram o poder da mídia em transformar a visão das pessoas acerca dos fatos. No século XXI, em que corporações se fundem criando multinacionais que operam em nível mundial, as empresas de comunicação não fogem à regra (MEYER, 2008). Acumulam e concentram poder, influência e recursos econômicos, tornando-se capazes de derrubar governos da noite para o dia e mudar a realidade de nações inteiras – como se pode observar, principalmente, na história da América Latina. No âmbito internacional, a Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), promulgada em novembro de 1945 com o fim da Segunda Guerra Mundial, prevê em seu preâmbulo a disposição dos Estados membros da organização, entre os quais o Brasil, para “[...] desenvolver e expandir os meios de comunicação entre os seus povos, empregando esses meios para os propósitos do entendimento mútuo, além de um mais verdadeiro e mais perfeito conhecimento das vidas uns dos outros [...]” (UNESCO, 2002, p. 2). No Brasil, no entanto, o controle dos meios de comunicação por apenas alguns grupos econômicos e/ou famílias é reconhecido há algumas décadas. Dessa forma, há cada vez mais pressão pela regulamentação do setor por parte de diferentes setores da sociedade, buscando-se a definição de regras que permitam maior transparência e pluralidade no seu funcionamento (GÖRGEN, 2008). Por sua vez, a Constituição do Brasil, em seu Capítulo V (Da Comunicação Social), dispõe sobre as regras que devem ser observadas no funcionamento dos meios de comunicação no país. Entre os cinco artigos do capítulo, destaca-se o parágrafo 5º do art. 220, que afirma que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” (BRASIL, 2015, p. 205).
  • 8. 8 Contrapondo-se ao modelo racional, em que a racionalidade é o principal critério de explicação para a formulação de políticas públicas – como se a decisão de políticos e técnicos determinasse o resultado final deste processo –, o autor Enrique Saravia define o conceito de política pública como: [...] um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade. Decisões condicionadas pelo próprio fluxo e pelas reações e modificações que elas provocam no tecido social, bem como pelos valores, ideias e visões dos que adotam ou influem na decisão. É possível considerá-las como estratégias que apontam para diversos fins, todos eles, de alguma forma, desejados pelos diversos grupos que participam do processo decisório. (SARAVIA, 2006, p. 29-30). Sendo assim, segundo Hogwood e Gunn (1981 apud SARAVIA, 2006, p. 31), os estudos de políticas públicas podem ser divididos entre as seguintes perspectivas: 1) Estudos de conteúdos políticos, em que o analista procura descrever e explicar a gênese e o desenvolvimento de políticas específicas; 2) Estudos do processo das políticas, em que se presta atenção às etapas pelas quais passa um assunto e se procura verificar a influência de diferentes setores no desenvolvimento desse assunto; 3) Estudos de produtos de uma política, que tratam de explicar por que os níveis de despesa ou o fornecimento de serviços variam entre áreas; 4) Estudos de avaliação, que se localizam entre a análise de política e as análises para a política e podem ser descritivos ou prescritivos; 5) Informação para a elaboração de políticas, em que os dados são organizados para ajudar os tomadores de decisão a adotar decisões; 6) Análise de processo, em que se procura melhorar a natureza dos sistemas de elaboração de políticas; 7) Análise de políticas, em que o analista pressiona, no processo de política, em favor de ideias ou opções específicas. Objetivos Considerando-se o panorama atual da comunicação social brasileira e as sete possibilidades de pesquisa do campo das políticas públicas descritas anteriormente, este estudo tem como objetivos:
  • 9. 9  Apresentar os principais conceitos que orientam os estudos do processo de produção de políticas públicas, com a finalidade de aplicá-los à investigação da comunicação social no Brasil;  Descrever e explicar a gênese e o desenvolvimento da política nacional de comunicação social, com base no conceito de coronelismo eletrônico;  Analisar as etapas da política nacional de comunicação social e a influência de diferentes setores em seu desenvolvimento, averiguando os principais subsistemas e paradigmas de políticas públicas que a orientam;  Investigar a formação da agenda governamental de comunicação social no Brasil tendo como base o Modelo do Equilíbrio Pontuado, de Baumgartner e Jones. Sendo assim, no primeiro capítulo do trabalho são apresentados os principais conceitos dos estudos do processo de produção de políticas públicas. Entre eles, destacam-se os conceitos de subsistemas e paradigmas de políticas públicas, essenciais na caracterização da política nacional de comunicação social. No final do capítulo, reunindo os conceitos expostos, é descrito o Modelo do Equilíbrio Pontuado, de Baumgartner e Jones, usado como base do estudo da agenda governamental de comunicação social. O segundo capítulo trata da comunicação social brasileira como política pública. Na primeira parte, o capítulo V (Da Comunicação Social) da Constituição de 1988 é analisado a partir dos paradigmas de liberdade e legalidade (regulação) dos meios de comunicação, segundo a interpretação da doutrina jurídica. Na segunda parte do capítulo, os principais órgãos e leis infraconstitucionais da comunicação social brasileira são descritos a partir de um panorama histórico do setor baseado no conceito de coronelismo eletrônico. De forma indireta, avalia-se a concentração e a regulação dos meios de comunicação brasileiros ao longo do tempo. Como resultado da análise, são caracterizadas as principais instituições, ideias e atores que formam os subsistemas e paradigmas da política nacional de comunicação social. No terceiro capítulo, por fim, a agenda governamental de comunicação social é analisada a partir da distribuição das verbas de publicidade institucional da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República - SECOM (Poder Executivo), e das notícias acerca da regulação e liberdade dos meios de comunicação veiculadas pelos órgãos de comunicação da Câmara dos Deputados (Poder Legislativo).
  • 10. 10 Hipótese A hipótese que norteou a pesquisa foi a de que, no Brasil, os meios de comunicação, por meio de sua própria agenda (agenda da mídia), exercem grande influência sobre o processo de produção de políticas públicas, pois têm o poder de modificar o monopólio de uma política pública ao alterar a sua imagem (policy image), tal como descrevem Baumgartner e Jones no Modelo do Equilíbrio Pontuado. Dessa forma, a relação do governo federal (Poder Executivo) e dos deputados federais (Poder Legislativo) com a mídia é separada por uma linha tênue, sendo que suas agendas muita vezes se confundem devido à influência mútua de atores, ideias e instituições em comum. Por um lado, aventou-se que a distribuição das verbas de publicidade institucional da SECOM tende a se concentrar apenas nos veículos de comunicação e empresas de mídia tradicionais, pois o governo federal (Poder Executivo) depende do “apoio” do oligopólio nacional dos meios de comunicação para que a agenda governamental seja implementada. Por outro lado, os representantes da Câmara dos Deputados, de forma semelhante, precisariam do apoio ou de uma cobertura neutra dos seus mandatos por parte dos meios de comunicação para que possam ser reeleitos. Portanto, ainda que necessária, a regulação dos meios de comunicação no Brasil permaneceria como um sonho distante uma vez que contraria os interesses políticos e econômicos das empresas de mídia. Metodologia Em relação à metodologia, pretendeu-se realizar uma pesquisa de tipo exploratória, tendo em vista o aprofundamento do conhecimento em torno do tema. Para isso, foram realizadas pesquisas bibliográficas, documentais e levantamentos de dados estatísticos primários e secundários. As pesquisas bibliográficas e documentais visaram à investigação de estudos anteriores e de documentos que contribuíram para a compreensão do tema, segundo os objetivos do trabalho. Por fim, os levantamentos de dados estatísticos primários e secundários tiveram por objetivo retratar o panorama atual da comunicação social no Brasil diante do cenário ideal.
  • 11. 11 Por fim, a partir das disciplinas cursadas na graduação de Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas - GPP da Universidade de São Paulo - USP, refletiu-se sobre os meios de comunicação no Brasil sob diferentes abordagens, a partir das áreas do conhecimento que compõem o curso, isto é, da Gestão, da Política, da Sociologia, do Direito, da Economia e dos Métodos Quantitativos. Sendo assim, ainda que não se tenha tido a obrigação de abordar todas as áreas do conhecimento que compõem o curso, todas elas foram empregadas em maior ou menor medida na reflexão em torno do tema. Dessa forma, refletiu-se sobre a comunicação social no Brasil de forma multidisciplinar, com base na interdisciplinaridade do curso de graduação de GPP. Notas: HOGWOOD, Brian W.; GUNN, Lewis A. The policy orientation. Centre for the Study of Public Policy, University of Strathclyde, 1981. VERÓN, Eliseo. Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker, 2003.
  • 12. 12 CAPÍTULO 1: POLÍTICAS PÚBLICAS 1.1 O contexto das políticas públicas: capitalismo e democracia Ao adotar a perspectiva estatista, Michael Howlett, M. Ramesh e Anthony Perl (2013) analisam o processo de produção de políticas públicas (policy-making) partindo do pressuposto de que as instituições “[...] compreendem apenas as estruturas ou organizações reais do Estado, da sociedade e do sistema internacional.” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 59). Dessa forma, na obra “Política pública: seus ciclos e subsistemas”, os autores interpretam as estruturas que condicionam as políticas públicas de forma restrita. As instituições são, então, “[...] consideradas como ‘dadas’, inquestionáveis, isto é, como entidades sociais históricas, observáveis em si mesmas, com pouco esforço feito no sentido de se derivar as razões para o seu surgimento [...]” (MARCH; OLSEN, 1994 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 53). Posicionando-se entre as correntes teóricas que buscam explicar a dinâmica das políticas públicas se centrando no papel desempenhado pela sociedade (abordagem pluralista, por exemplo) e pelo Estado (abordagem neoinstitucionalista, por exemplo) em seu processo de produção, os autores Howlett, Ramesh e Perl (2013) consideram o último autônomo, diante dos recursos financeiros, humanos e coercitivos de que dispõe. No entanto, não se devem negar os interesses de grupos de pressão e classes sociais, uma vez que as “regras do jogo” se dão sob o sistema capitalista de produção econômica e o regime político da democracia representativa. O interesse dos autores, sendo assim, é justamente avaliar de que forma as instituições são organizadas (suas formas, regras e procedimentos) e quais são as suas convenções e os seus princípios (éticos, ideológicos e epistêmicos) para se compreender como essas características influenciam os atores das políticas publicas. Portanto, de acordo com Howlett, Ramesh e Perl, sua intenção é descobrir como esses princípios “[...] ajudam a modelar [...] o comportamento dos atores ao condicionarem a percepção de seus interesses e a probabilidade de que estes sejam atingidos nos ‘outcomes’ da política.” (MARCH et al., 2000; TIMMERMANS; BLEIKLIE, 1999 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 60).
  • 13. 13 Desse modo, a análise do processo de produção de políticas públicas inicia-se no contexto político-econômico do capitalismo e da democracia. Trata-se de instituições nem sempre compatíveis, às vezes até mesmo antagônicas, que estruturam o processo de produção de políticas públicas na sociedade contemporânea. Como afirmam Howlett, Ramesh e Perl (2013, p. 65): Na medida em que o liberalismo e seu corolário, o capitalismo, se referem a direitos individuais e a democracia se refere a direitos coletivos, os dois estão em posição fundamentalmente contraditórias, não obstante a expressão comum “democracia liberal”, muitas vezes usada para descrever países com os dois sistemas em funcionamento. Dessa forma, o capitalismo se caracteriza pela propriedade privada dos meios de produção da economia, o que “[...] dá aos proprietários o direito de decidir o que será produzido, de que maneira e em que quantidade [...]” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 61). Logo, os capitalistas tendem a ser a classe social dominante, uma vez que as demais classes sociais dependem da sua produção econômica para auferir renda indiretamente, como vendedores de sua própria mão-de-obra. Já a democracia, por seu lado, tem como características principais a realização de eleições para que se escolham os ocupantes dos cargos públicos, que terão acesso ao poder do Estado, e a vigência de leis e direitos e deveres, sob o Estado de Direito (PNUD, 2004 apud RODRIGUES, 2010). Na obra “Políticas Públicas”, Marta M. Assumpção Rodrigues (2010) usa a definição de Schmitter e Karl (1991 apud RODRIGUES, 2010, p. 67) para afirmar o que a democracia não é, e nem é capaz de fazer: “[...] democracia não é estabilidade social, não traz harmonia política e nem crescimento econômico. Democracia também não elimina a pobreza, nem produz eficiência administrativa.”. Ainda assim, salienta-se a importância da vivência de um regime democrático para que se construam bens comuns em sociedade, como liberdade, paz social e igualdade. Destacando o papel das instituições e da sociedade na democracia, a autora conclui que “[...] o exercício das liberdades (civis, políticas e sociais) dos cidadãos, num regime democrático, não existe fora do âmbito das instituições (Estado) nem dos valores, práticas e princípios que a sociedade defende.” (RODRIGUES, 2010, p. 68). No entanto, assim como os autores Howlett, Ramesh e Perl (2013) apontam uma
  • 14. 14 contradição fundamental entre capitalismo e democracia envolvendo direitos individuais e direitos coletivos, Rodrigues aponta uma clivagem entre igualdade legal (civil e política), promovida pelo Estado, e desigualdade social e econômica, não resolvida pela democracia – e que se poderia atribuir à economia de mercado. Logo, traçando-se o cenário ideal do processo de produção de políticas públicas no contexto político-econômico das democracias capitalistas, conclui-se que: Quando se trata de eficácia da ‘policy-making’ e da implementação, a situação mais desejável para o Estado é que tanto ele quanto a sociedade sejam fortes, com estreita parceria entre ambos, dessa forma maximizando e dando equilíbrio tanto à capacidade como à autonomia política do Estado. (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 67, grifo dos autores). 1.2 Instituições, ideias e atores Instituições, ideias e atores compõem, de forma isolada, o nível de análise mais minucioso do processo de produção de políticas públicas. Ao mesmo tempo, em suas relações, são considerados fatores críticos para se compreender a dinâmica e os resultados das políticas públicas (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). 1.2.1 Instituições Marta M. Assumpção Rodrigues (2010, p. 61) define instituições como “[...] regras formais e informais que moldam o comportamento dos atores, redefinem suas alternativas políticas e mudam a posição relativa entre eles.”. Dessa forma, as instituições formais têm como características sua materialização em “[...] edifícios, carimbos, rituais e pessoas que ocupam funções que as autorizam a falar pela organização” (O’DONNELL, 1991 apud RODRIGUES, 2010), e seu papel como “[...] pontos decisórios estratégicos e importantes nos fluxos de influência, pressão e tomada de decisões públicas.” (RODRIGUES, 2010, p. 61). Por outro lado, as instituições informais, ou não formalizadas, “[...] reforçam padrões de acesso ao processo de tomada de decisão e de implementação de políticas públicas.” (RODRIGUES, 2010, p. 61) tais como o clientelismo, o patrimonialismo, a
  • 15. 15 corrupção, entre outros. No entanto, para que a democracia seja uma realidade são as instituições formais que devem fazer diferença na formação e representação de identidades e interesses coletivos (RODRIGUES, 2010). Segundo a autora, portanto, o Estado moderno, como conjunto de instituições públicas delimitadas em um território que têm como último recurso o domínio da coerção, é que “[...] detém o poder e a autoridade para fazer valer, para toda a população que vive num território delimitado, as políticas que se processam de diversos interesses, necessidades e demandas da sociedade.” (RODRIGUES, 2010, p. 18). Por fim, no artigo “Introdução à teoria da política pública”, Enrique Saravia (2006) afirma a importância das instituições no processo de produção de políticas públicas. Conforme o autor resume: Em toda política pública, as instituições desempenham um papel decisivo. Com efeito, delas emanam ou elas condicionam as principais decisões. Sua estrutura, seus quadros e sua cultura organizacional são elementos que configuram a política. As instituições impregnam as ações com seu estilo específico de atuação. (SARAVIA, 2006, p. 37). 1.2.2 Ideias Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015b) afirmam que a expansão da literatura em torno da importância das ideias na análise de políticas públicas se deu a partir dos anos 1990, com reflexões sobre interpretações, representações simbólicas e construção de discursos no processo de produção de políticas públicas. No entanto, segundo os autores, atualmente não existe consenso quanto às definições do termo ideias – consideradas às vezes como crenças, valores, visões de mundo ou entendimentos compartilhados –, nem quanto à sua real influência sobre o processo de produção de políticas públicas. Parte da literatura também relaciona as ideias com a construção de interesses dos atores (HAY, 2011 apud CAPELLA; BRASIL, 2015b). Dessa forma, os interesses são interpretados como ideias constituídas de forma social, política e histórica.
  • 16. 16 John Campbell (1998 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 58-59) estabelece quatro conjuntos de ideias que exercem influência sobre o processo de produção de políticas públicas:  Estruturas simbólicas: de forma visível, tendem a “[...] afetar a percepção de legitimidade ou de ‘justeza’ de certos cursos de ação [...]”;  Sentimentos públicos: de forma oculta, tendem a “[...] afetar a percepção de legitimidade ou de ‘justeza’ de certos cursos de ação [...]”;  Paradigmas de políticas públicas: representam um “conjunto de pressupostos cognitivos básicos que restringem a ação pela limitação da gama de alternativas que as elites da ‘policy-making’ com probabilidade consideram úteis e valiosas” (CAMPBELL, 1998, p. 385; SUREL, 2000 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013);  Ideias de programas: “[...] representam, em grande parte, a seleção das soluções específicas procedentes de um conjunto designado como aceitável dentro de um paradigma particular.”. Entre os conjuntos de ideias mencionados, os paradigmas ocupam espaço central na análise de políticas públicas uma vez que são essenciais para a consolidação dos regimes de políticas públicas. Os atores organizados em subsistemas tendem a se agrupar em torno de paradigmas de políticas públicas na busca de um padrão de interação estável e institucionalizado, que permita a manutenção de conteúdos e processos em setores de políticas públicas ao longo do tempo, configurando-se em um regime (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Segundo Howlett, Ramesh e Perl (2013), a compreensão da ideia de paradigma é fundamental para a análise dos conteúdos das políticas públicas: Porquanto capta a ideia de que as crenças, valores e atitudes dão sustentação aos entendimentos dos problemas públicos e enfatiza o modo como as noções de inspiração paradigmática de exequibilidade das soluções propostas, tanto quanto as do autointeresse do ator, são determinantes significativas do conteúdo da política. (HALL, 1990, p. 59; EDELMAN, 1988; HILGARTNER; BOSK, 1981; SCHNEIDER, 1985 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 59).
  • 17. 17 1.2.3 Atores Os atores políticos são responsáveis pelo desenho das políticas públicas, visto que, “[...] ao exercerem suas funções, mobilizam os recursos necessários para realizá- las.” (RODRIGUES, 2010, p. 21). Sendo assim, dividem-se os atores políticos entre individuais ou coletivos e públicos ou privados. Os atores privados (consumidores, empresários, trabalhadores, servidores públicos, organizações nacionais e internacionais, organizações não governamentais, mídia etc.) são “[...] aqueles que têm poder influenciar na formatação de políticas públicas quando pressionam o Governo a tomar determinadas ações.” (RODRIGUES, 2010, p. 21). Já os atores públicos (gestores públicos, burocratas, juízes, parlamentares, políticos, instituições do Estado e internacionais etc.) são “[...] os que têm, de fato, o poder de decidir políticas.” (RODRIGUES, 2010, p. 22). Ressaltando a importância dos atores, Howlett, Ramesh e Perl (2013) afirmam que diversos estudos apontam para o papel que atores individuais e organizados desempenham no processo de produção das políticas públicas – ou para as razões pelas quais as políticas públicas são feitas de uma maneira e não de outra. No entanto: Esta orientação comportamental, porém, é temperada pelo fato de que o que os atores procuram e fazem depende das estruturas políticas, econômicas e sociais que os envolvem. E, finalmente, números crescentes de estudos também procuram explicar o conteúdo da política com base nas ideias que os atores sustentam em suas expectativas sobre o governo adequado e ação política. (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 57). Vê-se assim, a importância de se compreender a relação de atores com as instituições e ideias, de forma conjunta. 1.3 O universo das políticas públicas: regimes e subsistemas O universo de uma política pública pode ser representado pelo conjunto de todos os atores e instituições internacionais, estatais e sociais que exercem influência, direta ou indiretamente, sobre ela ou uma área específica dela (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).
  • 18. 18 Dessa forma, em um contexto político-econômico (KNOKE, 1993; LAUMANN; KNOKE, 1987; SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013), os setores ou áreas de problemas das políticas públicas serão compostos por subsistemas (FREEMAN, 1955; CATER, 1964; FREEMAN; STEVENS, 1987; McCOOL, 1998 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013) e regimes, em torno dos quais atores e instituições se organizarão. Na abordagem de James Thurber (1996 apud CAPELLA; BRASIL, 2015a, p. 58) considera-se que as decisões que afetam uma política pública ou a sua estrutura de poder e têm impacto sobre toda a sociedade (tais como “[...] negociações sobre a aprovação final do orçamento, sobre a política macroeconômica, cortes orçamentários, entre outros.”), pertencem à dimensão dos macrossistemas das políticas públicas (macro policy systems). Nos microssistemas, por outro lado, seriam tomadas decisões de alta complexidade técnica, de forma centralizada e envolvendo poucos participantes (“técnicos dentro da burocracia pública”). Logo, entre os dois extremos dos sistemas estariam situados os subsistemas de políticas públicas. 1.3.1 Regimes de políticas públicas Os regimes de políticas públicas são definidos pela união de atores, instituições e ideias em um padrão de interação estável e institucionalizado, que permite a manutenção de conteúdos e processos em setores de políticas públicas ao longo do tempo (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Sendo assim, os regimes seriam formados por “[...] um conjunto comum de ideias de políticas públicas (paradigma de políticas públicas) e um conjunto comum ou típico de atores e instituições organizados em torno dessas ideias (subsistema político).” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 98). Cláudio G. Couto e Fernando Abrucio (2003, p. 274), por sua vez, relacionam a constituição de regimes com a estabilização das políticas públicas em decorrência do seu aprendizado (“de seus resultados, do custo de sua implementação, de sua maior ou
  • 19. 19 menor efetividade, de seus efeitos para a distribuição de recursos e de mudanças no campo epistêmico”) pelos atores. Sendo assim, afirma-se que: A constituição de um regime de políticas é, portanto, o resultado de um duplo processo de aprendizado: primeiro, o estabelecimento de um certo entendimento hegemônico acerca do que deve ser feito; segundo, o lastramento desse entendimento em interesses objetivos, cujos portadores percebem no regime o melhor instrumento para sua defesa, coalizionando-se em torno dele. (COUTO; ABRUCIO, 2003, p. 274). Diante da caracterização apresentada, então, pode-se concluir que “[...] compreender como se formam os subsistemas, paradigmas e regimes, como eles são mantidos e como mudam é um aspecto crucial da pesquisa em política pública.” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 98). 1.3.2 Subsistemas de políticas públicas: redes e comunidades De acordo com Howlett, Ramesh e Perl (2013), o conceito de subsistema “[...] ajuda a captar a interação entre os atores, instituições e ideias na ‘policy-making’.” (McCOOL, 1998 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 91). Figura 1 - Universo das políticas públicas. Fonte: Adaptado de Howlett, Ramesh e Perl (2013, p. 95).
  • 20. 20 Posicionados entre os macrossistemas e microssistemas de políticas públicas, os subsistemas seriam formados por grupos de atores e instituições com interesses em comum em questões específicas de uma política pública (THURBER, 1996 apud CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b). Sendo assim, programas ou interesses específicos (policy domain) envolvendo áreas como educação, saúde, transporte, meio ambiente etc. agrupam em torno de si arranjos institucionais e atores. Tabela 1 - Dimensões do sistema de produção de políticas públicas. Fonte: Thurber (1996, p. 77 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 453). Segundo Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015b, p. 453), portanto: Na análise do processo de produção de políticas, as questões movem-se por essas três dimensões do sistema político [macrossistemas, microssistemas e subsistemas]. No entanto, a maior parte delas reside nos subsistemas, caracterizados pela participação de um número reduzido de participantes reunidos em torno de questões que não despertam a atenção do público e que se processam de forma rotineira, em relação a uma determinada área de política. Subgovernos Historicamente, no entanto, o conceito de subsistemas de políticas públicas surgiu ligado à ideia de “subgovernos”, afirmam Howlett, Ramesh e Perl (2013). Segundo os autores, observava-se então que “[...] grupos de interesse, comissões parlamentares e órgãos de governo nos Estados Unidos desenvolviam sistemas de apoio
  • 21. 21 mútuo no curso de interações mútuas constantes sobre matéria legislativa e regulatória.” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 92). Por sua vez, Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015a, 2015b) consideram o surgimento da noção de “subgovernos” após o conceito pioneiro de “centros de atividades focalizados em questões específicas” (policy whirlpools), descrito por Ernest Griffith, em 1939. Segundo Capella e Brasil (2015a, 2015b), os subsistemas, propriamente definidos desta forma, viriam a ser caracterizados somente em 1955, por J. Leiper Freeman. Em oposição à perspectiva pluralista, o autor considera o processo de produção de políticas públicas a partir do papel determinante desempenhado por atores- chave, tais como integrantes do Executivo, líderes de comissões do Congresso e representantes de grupos de interesse. Dessa forma: Focalizando as relações entre esses grupos de atores na formulação de políticas públicas no governo americano, seu estudo buscou demonstrar uma maneira útil de examinar o processo político, revelando a existência de subunidades (subsistemas) como lócus do processo de discussão de temas específicos, construção de problemas públicos e formulação de soluções. Nos subsistemas, esse grupo de atores, que podem ser servidores públicos, grupos de interesse, pesquisadores acadêmicos, membros do Legislativo, representantes de governos locais, entre outros, estabelecem redes de relacionamento e utilizam estratégias de persuasão e barganha de forma a privilegiar seus interesses (CAPELLA; BRASIL, 2015a, p. 60). Triângulos de ferro Consequência da abordagem dos subsistemas, a teoria dos “triângulos de ferro” busca descrever como grupos de interesse, parlamentares e burocratas tendem a assumir o controle do processo de produção de políticas públicas, excluindo a participação dos demais atores (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b). Sendo assim, “[...] ao evidenciar a troca de favores e de interesses privados mútuos como propulsor da policymaking, [a abordagem do triângulo de ferro] desconsidera a existência da luta de grupos de interesses difusos [...]” (PETERS, 1986 apud CAPELLA; BRASIL, 2015a, p. 61).
  • 22. 22 Nas décadas de 1970 e 1980, porém, as críticas à teoria dos “triângulos de ferro” levaram à formulação dos conceitos de redes e comunidades para explicar o processo de produção de políticas públicas (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b; HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013; MASSARDIER, 2006). Sobre este período, Michael Howlett, M. Ramesh e Anthony Perl (2013) afirmam que “[...] novas pesquisas [...] revelaram que muitos subgovernos não foram onipotentes e que de fato sua influência sobre a ‘policy-making’ variou de acordo com os problemas e o tempo.” (HAYES, 1978; RIPLEY; FRANKLIN, 1980 apud HOWLETT, RAMESH; PERL, 2013, p. 92, grifo dos autores). 1.3.2.1 Redes 1.3.2.1.1 Redes de assuntos ou redes temáticas A literatura aponta Hugh Heclo como o fundador do conceito de redes na análise de políticas públicas (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b; HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013; MARQUES, 2013; MASSARDIER, 2006). No texto “As redes de assuntos e o poder Executivo”, o autor apresenta a tipologia das redes de assuntos ou redes temáticas (issue networks) para explicar a dinâmica que envolve o processo de produção de políticas públicas. Segundo Heclo (2000, p. 258, tradução nossa): Os observadores, preocupados em descobrir quais são os poucos atores realmente poderosos, tendem a subestimar o poder e a influência das novas configurações através das quais interagem e fazem negócios os dirigentes que definem e elegem as políticas públicas. Buscar só os triângulos fechados de controle [triângulos de ferro] significa perder de vista as grandes redes criadas por pessoas que incidem cada vez mais determinantemente no governo. Sendo assim, em oposição aos “triângulos de ferro”, as redes de assuntos seriam formadas por um grande número de participantes com diferentes graus de compromisso entre si, mas que se baseiam em compromissos intelectuais ou emocionais particulares (HECLO, 2000). Dessa forma, “Os que pertencem a uma rede compartilham de uma mesma base de informação e têm um entendimento similar de uma política pública e
  • 23. 23 seus problemas, ainda que tal conhecimento não necessariamente conduza a acordos.” (HECLO, 2000, p. 265, tradução nossa). Em relação ao seu perfil, os membros das redes são considerados ativistas políticos que se reconhecem reciprocamente por suas respectivas militâncias. Uma vez que se tornam líderes, entretanto, estes indivíduos passam a ser tratados como “políticos de políticas públicas”: Em vez de políticos de partido, os políticos executivos de nossos dias tendem a ser “políticos de políticas públicas” (policy politicians), capazes de se mover entre as diversas redes, reconhecidos e apreciados como conhecedores dos assuntos que a rede opera, mas sem serem identificados com posições que poderiam resultar em polêmicas. Sua reputação entre “os que sabem” os tornam elegíveis às nomeações presidenciais. (HECLO, 2000, p. 269, tradução nossa). Dessa forma, segundo Heclo (2000, p. 268, tradução nossa) a formulação de políticas públicas se converteria “[...] em uma atividade própria dos especialistas, de suas redes e de suas redes de redes.”. Consequentemente, o autor afirma: “Em uma situação assim, a distinção entre a estrutura governamental e seu entorno tende a se apagar.” (HECLO, 2000, p. 268, tradução nossa). 1.3.2.1.2 Redes de políticas públicas Dando prosseguimento aos estudos de redes nas décadas seguintes, Rhodes (1988 apud CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b) é apontado como o responsável por desenvolver o conceito de redes de políticas públicas (policy networks). Mudando o foco da abordagem, antes exclusivamente voltada para a sociedade, para as redes do governo também, o autor busca identificar a relação do Estado com os grupos de interesse, e vice-versa. Dessa forma, Rhodes entende que os atores e organizações estatais também têm interesse em se manter relacionados com grupos de interesse. Logo, conforme concluem Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015b, p. 456): [...] as redes representam uma abordagem que, de certa forma, rompe com a dicotomia Estado-sociedade, ao entender que atores pertencentes aos quadros
  • 24. 24 governamentais são também atores sociais e mantêm relações constantes com outros atores numa rede de relacionamentos. Para Rhodes, as redes temáticas (issues networks) estariam localizadas em um extremo das redes de políticas públicas (policy networks), tendo como características principais: participação ampla, baixa integração entre os membros, ausência de consenso, conflito e relações assimétricas de poder entre os integrantes (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b). Howlett, Ramesh e Perl (2013), por seu lado, afirmam que as redes de políticas públicas podem ser classificadas conforme o número e o tipo de afiliação de seus membros (i); e o domínio de suas atividades e interações por atores estatais ou sociais (ii) (SMITH, 1993; COLEMAN; PERL, 1999 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Consequentemente, os autores apresentam a seguinte tipologia das redes temáticas (issues networks) (COLEMAN; SKOGSTAD, 1990 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 96):  Redes corporativistas estatais: “[...] pequenas redes dominadas pelos atores governamentais [...], como em geral se encontra nas áreas de problemas com alto nível técnico [...]”;  Redes corporativistas pluralistas: “[...] em que se incluem muitos atores societários, [...] [como nas] áreas de policy-making a cargo do Estado.”;  Redes corporativistas sociais: “[...] em que uns poucos atores societários dominam uma pequena rede [...]”;  Redes pluralistas sociais: “[...] em que eles [atores societários] dominam grandes redes [...]”. 1.3.2.2 Comunidades 1.3.2.2.1 Comunidades de políticas públicas Atribui-se a Rhodes a sistematização dos subsistemas em uma sequência de modelos de redes de políticas públicas, conforme seus padrões de integração (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Dessa forma, o nível de integração de uma rede poderia ser medido pela estabilidade de seus membros (i); pelo grau de restrição à
  • 25. 25 entrada de novos participantes (ii); pelo grau de isolamento em relação a outras redes e ao público (iii); e pela natureza dos recursos que controla (iv). Sendo assim, “As comunidades configurariam um extremo da rede de políticas públicas, sendo o outro extremo caracterizado pelas redes temáticas.” (CAPELLA; BRASIL, 2015b, p. 456). As comunidades de políticas públicas (policy communities) são descritas pelo autor, então, com as seguintes características principais: participação limitada, alta integração entre os membros, consistência ao longo do tempo, controle de recursos e distribuição balanceada de poder (CAPELLA; BRASIL, 2015a, 2015b). 1.3.2.2.2 Comunidades epistêmicas ou de discurso Michael Howlett, M. Ramesh e Anthony Perl (2013), por outro lado, analisam os subsistemas de políticas públicas a partir da relação entre redes e comunidades epistêmicas ou comunidades de discurso. As redes de políticas públicas são compreendidas com base no seu engajamento “[...] na formulação ativa e contínua como também na consideração das opções e alternativas políticas.” (MARIER, 2008 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 94), como subconjuntos das comunidades epistêmicas. Estas, por sua vez, baseiam-se em conhecimentos ou ideias e englobam ainda atores “[...] engajados principalmente na luta pelas ideias [...]” (HAJER, 1993; FISCHER, 1993; KISBY, 2007 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 94). Sendo assim, os autores apresentam uma tipologia das comunidades epistêmicas baseada: na presença ou ausência de conhecimento dominante (i); no número de conjuntos distintos de ideias presentes (ii) (SCHULMAN, 1988; MACRAE, 1993; SMITH, 1993 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Logo, os modelos de comunidades epistêmicas apresentados são (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 95-96):  Comunidades hegemônicas: “Numa situação em que um conjunto de ideias é dominante e não é desafiado [...]”;  Comunidades caóticas: “[...] onde circulam conjuntos múltiplos de ideias, sem uma particular com posição dominante [...]”;  Comunidades disputadas: “Quando vários conjuntos de ideias importantes disputam a dominação [...]”;
  • 26. 26  Comunidades indisciplinadas: “[...] onde um conjunto de ideias é dominante, mas enfrenta desafios de ideias menos populares [...]”. Em uma terceira interpretação, no artigo “Redes de política pública”, Giles Massardier (2006) diferencia comunidades de política pública e comunidades epistêmicas. Segundo o autor, as primeiras podem ser definidas como redes densas e muito fechadas, em que os custos de entrada e permanência dos atores são altos em termos de investimento afetivo, temporal e de recursos, uma vez que suas relações são mais estreitas e duráveis (JORDAN; RICHARDSON, 1983 apud MASSARDIER, 2006). Por outro lado, reunidos em torno de uma política pública ou de um setor, estes atores compartilham de um mesmo sentido cognitivo ou razão para agir. As comunidades epistêmicas, por outro lado, reúnem especialistas (cientistas, peritos, consultores etc.) que compartilham ideias e crenças sobre um campo do conhecimento, um saber científico ou técnico, baseando-se em quatro aspectos: “crenças comuns sobre princípios, sobre causalidades, sobre os testes de validade do conhecimento e uma estratégia de empreendimento político para difundir as crenças internas da rede entre os lobbies e os decisores políticos.” (HAAS, 1992, p. 18 apud MASSARDIER, 2006, p. 177). Dessa forma, apesar da união dos indivíduos nas comunidades epistêmicas, a difusão e o monopólio do conhecimento são responsabilidade de outros atores (lobbies, funcionários de outros Estados ou organizações internacionais, com quem fazem acordos). 1.4 Ciclos das políticas públicas Os “ciclos das políticas públicas” podem ser definidos como um método de análise do processo de produção de políticas públicas, desenvolvido historicamente. Por meio dele, as políticas públicas são analisadas a partir de “[...] um conjunto de estágios inter-relacionados através dos quais os temas políticos (policy issues) e as deliberações [...] [fluem] de uma forma mais ou menos sequencial desde os ‘insumos’ (problemas) até os ‘produtos’ (políticas).” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 12).
  • 27. 27 Figura 2 - O ciclo e os atores das políticas públicas. Fonte: Adaptado de Howlett, Ramesh e Perl (2013, p. 16). Dessa forma, tal como o método de resolução aplicada de problemas, os estágios dos ciclos das políticas públicas (1. Montagem da agenda; 2. Formulação da política; 3. Tomada de decisão política; 4. Implementação da política; 5. Avaliação da política) podem ser considerados etapas de resolução de problemas (1. Reconhecimento do problema; 2. Propostas de solução; 3. Escolha da solução; 4. Efetivação da solução; 5. Monitoração dos resultados) (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Entretanto, conforme afirma Rodrigues (2010, p. 47), as etapas ou estágios dos ciclos das políticas públicas “[...] constituem-se de sistemas complexos de decisões e ações, tomadas por parte da autoridade legítima (ou instituições governamentais), de acordo com a lei.”. Enrique Saravia (2006, p. 33-35) apresenta os ciclos das políticas públicas a partir de sete etapas, a seguir resumidas: 1) Agenda: Primeiro momento do ciclo, “[...] inclusão de determinado pleito ou necessidade social na agenda, na lista de prioridades, do poder público.”. 2) Elaboração: Segundo momento, “[...] consiste na identificação e delimitação de um problema atual ou potencial da comunidade, a determinação das possíveis alternativas para sua solução ou satisfação, a
  • 28. 28 avaliação dos custos e efeitos de cada uma delas e o estabelecimento de prioridades.”. 3) Formulação: Caracteriza-se pela “[...] seleção e especificação da alternativa considerada mais conveniente, seguida de declaração que explicita a decisão adotada, definindo seus objetivos e seu marco jurídico, administrativo e financeiro.”. 4) Implementação: Constitui-se pelo “[...] planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos necessários para executar uma política.”. 5) Execução: É o “[...] conjunto de ações destinado a atingir os objetivos estabelecidos pela política.”. 6) Acompanhamento: Penúltima etapa do ciclo, é o “[...] processo sistemático de supervisão da execução de uma atividade (e de seus diversos componentes), que tem como objetivo fornecer a informação necessária para introduzir eventuais correções a fim de assegurar a consecução dos objetivos estabelecidos.”. 7) Avaliação: A última etapa do ciclo consiste “[...] na mensuração e análise, a posteriori, dos efeitos produzidos pelas políticas públicas, especialmente no que diz respeito às realizações obtidas e às consequências previstas e não previstas.”. Por fim, conforme Howlett, Ramesh e Perl (2013, p. 99) concluem ao relacionar o universo das políticas públicas ao ciclo das políticas públicas: Quando se associa os subsistemas e paradigmas político-administrativos [de políticas públicas] aos estágios próprios do ciclo político, torna-se possível descobrir como as questões políticas (policy issues) têm acesso à agenda; como as escolhas para abordá-las são selecionadas; como são tomadas as decisões dos cursos de ação adotados; e como são produzidas as avaliações do que está funcionando e do que não está e como estas são realimentadas nas rodadas subsequentes ou ciclos da policy-making.
  • 29. 29 1.5 Formação da agenda de políticas públicas 1.5.1 Histórico dos estudos de formação de agenda Os estudos de formação de agenda (agenda-setting) investigam os motivos que levam determinados temas e problemas a assumirem importância em períodos específicos de tempo (CAPELLA; BRASIL, 2015c; CAPELLA; BRASIL; ALVES, 2016). Dessa forma, diante da grande quantidade de acontecimentos, fatos e problemas do cotidiano, questiona-se porque alguns têm destaque e outros não. Portanto, o principal objetivo de tais estudos seria “[...] analisar o processo de ascensão e queda na importância de temas ao longo do tempo na agenda de alguns atores e na relação entre eles.” (SOROKA, 2002 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6). Sendo assim, os autores Rogers e Dearing (1988 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c; CAPELLA; BRASIL; ALVES, 2016) são reconhecidos por identificar e sistematizar os estudos de formação de agenda em três grandes áreas: agenda da mídia (media agenda-setting) (1); agenda da opinião pública (public agenda-setting) (2); e agenda de políticas públicas (policy agenda-setting) (3). Dessa forma, Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil afirmam (2015c, p. 6): [...] os três tipos de estudos apresentam forte relação teórica e metodológica na análise do processo de priorização de temas e formação da agenda, quer da mídia, da opinião pública ou dos formuladores de políticas governamentais, respectivamente. Existe, no entanto, uma tradição de pesquisa para cada um destes três tipos de agendas que envolve focos analíticos específicos.
  • 30. 30 Figura 3 - Três agendas. Fonte: Traquina (1995, p. 193 apud CAPELLA; BRASIL, 2015d, p. 51). 1.5.1.1 Agenda da mídia Primeira linha de estudos de formação de agenda a surgir, os estudos de agenda da mídia têm como principal objetivo a compreensão do “[...] processo de seleção dos assuntos que serão noticiados e enfatizados pelos veículos de comunicação de massa (mass media).” (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6). Segundo Capella e Brasil (2015c) estes estudos passaram a ser desenvolvidos após a Primeira Guerra Mundial, com o objetivo de se compreender a influência dos meios de comunicação de massa sobre a população, além dos critérios de seleção das notícias transmitidas. Em 1922, Lippmann (apud CAPELLA; BRASIL, 2015c) foi um dos primeiros estudiosos a se preocupar quanto ao potencial da comunicação de massa. Os veículos de comunicação de massa, então, estavam apenas surgindo: “As transformações na velocidade da produção e veiculação de notícias unida à rápida difusão de veículos de comunicação com alta capacidade de alcance de público, começaram a despertar a atenção de pesquisadores.” (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6).
  • 31. 31 1.5.1.2 Agenda da opinião pública Nas décadas seguintes ao desenvolvimento dos estudos de agenda da mídia, a preocupação com a influência dos meios de comunicação sobre a opinião pública torna- se predominante (CAPELLA; BRASIL, 2015c; CAPELLA; BRASIL; ALVES, 2016). Dessa forma, tem origem a segunda linha de estudos de formação de agenda: estudos de agenda da opinião pública. Estes têm como objetivo o estudo da “[...] importância percebida pela opinião pública geral sobre um conjunto de temas, ou seja, está relacionada com a identificação dos temas que o público considera importante.” (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6). Dessa forma, entre as décadas de 1940 e 1960, passou-se a estudar a relação entre os conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa e os resultados eleitorais, como forma de se avaliar a influência da mídia sobre a opinião pública. Basicamente, as pesquisas se desenvolveram na área da Comunicação ou da Comunicação Política. Entre os autores do período destaca-se Cohen, responsável pela seguinte hipótese: “[...] a imprensa pode não ser bem sucedida na maior parte do tempo em dizer às pessoas o que pensar, mas é impressionantemente bem sucedida em dizer a seus leitores sobre o que pensar [...].” (COHEN, 1963, p. 13 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 7, tradução nossa). No entanto, foi o “Estudo de Chapell Hill” que se tornou responsável por disseminar e consolidar o conceito de formação de agenda (agenda-setting). Nele, McCombs e Shaw (1972 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c; CAPELLA; BRASIL; ALVES, 2016) realizaram um estudo para avaliar o papel da mídia na campanha presidencial dos Estados Unidos em 1968. Segundo Capella e Brasil (2015c, p. 7), os autores: [...] elaboraram um específico desenho de investigação que pudesse testar a relação entre os assuntos que eram veiculados pela mídia (media agenda- setting) e os assuntos que eram identificados pelo público como sendo assuntos relevantes naquela conjuntura. (public agenda-setting). Baseados na combinação de dois recursos metodológicos - a análise de conteúdo (realizada por meio da análise das reportagens e temas tratados pelos veículos de comunicação de massa) e pesquisas de opinião pública (elaboradas por meio da aplicação de entrevistas a cem eleitores indecisos), os autores comprovaram empiricamente a existência de grande correlação entre os
  • 32. 32 temas noticiados pela mídia e os temas que os entrevistados entendiam como sendo mais importantes. 1.5.1.3 Agenda de políticas públicas ou agenda governamental A última área de estudos de formação de agenda a surgir, na década de 1970, foi a de agenda de políticas públicas (CAPELLA; BRASIL, 2015c, CAPELLA; BRASIL; ALVES, 2016). Vinculados à Ciência Política, os estudos de agenda de políticas públicas têm por objetivo “[...] estudar o processo de percepção e hierarquização de problemas que chamam a atenção dos formuladores de políticas e grupos próximos a eles.” (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 6). Cobb e Elder (1971 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 8) foram os primeiros autores a usar o termo agenda de políticas públicas (policy agenda-setting), para explicar a “[...] relação entre a formação da agenda de políticas públicas (como ela é definida, quais temas são considerados) e a participação de diferentes atores no policymaking process (quem participa? como participa?)”. Dessa forma, os autores buscavam estabelecer uma relação entre a formação da agenda governamental e a ampliação da democracia por meio da participação popular no processo de produção de políticas públicas (COBB; ELDER, 1972 apud CAPELLA; BRASIL, 2015c). Segundo os autores, a formação da agenda de políticas públicas se daria, então, a partir de dois níveis distintos. No primeiro nível, da agenda sistêmica, seria tratado “[...] o conjunto das questões consideradas pelos participantes do processo político.” (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 8). Já no segundo nível, da agenda governamental, seriam consideradas as questões que viriam a se tornar políticas públicas. Nas palavras de Ana Cláudia Niedhardt Capella e Felipe Gonçalves Brasil (2015c, p.8): As questões que estão contidas na agenda sistêmica podem ser identificadas como aquelas que despertaram a atenção da opinião pública. A partir do momento em que um grupo ou parte considerável do público passa a demandar algum tipo de ação concreta com relação ao problema identificado, ou ainda no caso de haver uma percepção pelos membros de uma comunidade política de que uma questão deve ser tratada pelo governo, passamos a identificá-la como parte da agenda sistêmica. Entretanto, [...] nem todas as questões na agenda sistêmica se tornarão alvo de políticas públicas.
  • 33. 33 Somente algumas dessas questões conseguirão chamar a atenção do governo e, ao serem priorizadas, passarão a um tipo de agenda, chamada de agenda institucional/governamental/formal. Portanto, o grande objetivo dos estudos de formação de agenda de políticas públicas é descobrir como as questões da agenda sistêmica transferem-se para a agenda institucional, sendo assim consideradas pelo governo para tornarem-se políticas públicas. 1.5.2 Agenda de políticas públicas: fusão de instituições, ideias e atores Considerando as relações entre estruturas sociais, paradigmas políticos e atores, Howlett, Ramesh e Perl (2013) afirmam que o desenvolvimento de modelos multivariáveis possibilitou a compreensão da formação da agenda de políticas públicas de forma mais abrangente e precisa. 1.5.2.1 Modelo do Ciclo de Atenção aos Problemas O “ciclo de atenção aos problemas” (issue attention cycle), de Anthony Downs, foi um dos primeiros modelos a considerar a interação entre instituições, ideias e atores na formação da agenda de políticas públicas. Lançado em 1972, o modelo busca descrever o comportamento do governo segundo a atenção dada aos problemas públicos. De acordo com Downs (1972, p. 38 apud HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 112): A atenção pública poucas vezes se mantém atentamente focada por muito tempo em uma questão doméstica, mesmo que ela envolva um problema contínuo de importância crucial para a sociedade. Ao contrário, o que parece influenciar fortemente as atitudes e os comportamentos públicos, em relação à maioria dos problemas domésticos básicos, é um certo ciclo sistemático de atenção aos problemas. Cada problema desses de repente ganha notoriedade, permanece neste estado por um breve período de tempo e em seguida, embora, em grande medida, ainda sem solução, vai desaparecendo, gradualmente, do centro da atenção pública.
  • 34. 34 Dessa forma, Downs considera que a formação da agenda de políticas públicas tenderia a seguir o mesmo padrão do “ciclo das notícias”, ou seja, da divulgação de notícias pelos meios de comunicação de massa (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Capella e Brasil (2015c), por sua vez, avaliam que o “ciclo de atenção aos problemas” ressalta a importância da atenção momentânea da opinião pública a problemas e questões sociais para o processo de formação de agenda de políticas públicas. Sendo assim, o modelo é descrito a partir do comportamento do público em cinco fases: (a) “pré-problema”, na qual uma condição social existente ainda não chama a atenção do público; depois passando a (b) um momento de “descoberta e entusiasmo”, na qual o público se torna consciente de uma questão e alarmado com suas consequências; seguindo para um momento de (c) percepção sobre as dificuldades e os custos envolvidos na resolução do problema; até que (d) o interesse do público sobre a questão começa a declinar gradualmente; e finalmente, (e) saída do problema do centro das preocupações do público, seja por meio da substituição do problema por outro ou seu deslocamento para fora do debate público, onde recebe um nível muito menor de atenção (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 9). 1.5.2.2 Modelo do Equilíbrio Pontuado Nas décadas de 1980 e 1990, os estudos de agenda de políticas públicas deixam de ter como foco a relação entre as agendas sistêmica e governamental para se concentrarem na dinâmica que envolve apenas a última (CAPELLA; BRASIL, 2015c). Sendo assim, tais estudos: [...] passaram a se concentrar nas intrincadas relações entre diferentes variáveis explicativas para a formação da agenda governamental buscando mostrar que, mesmo dentro desse limitado conjunto de questões que emergem à consideração dos policymakers, há ainda diversos processos de seleção. (CAPELLA; BRASIL, 2015c, p. 10). Nesse contexto é criado o Modelo do Equilíbrio Pontuado, de Frank Baumgartner e Bryan Jones, que representa até hoje o “estado da arte” dos estudos de formação de agenda de políticas públicas (JOHN, 2003, 2013; CAPELLA, 2007;
  • 35. 35 CAIRNEY; JONES, 2015 apud CAPELLA; BRASIL; SUDANO, 2015; CAPELLA; BRASIL; ALVES, 2016). A ideia de equilíbrio pontuado faz referência à concepção dos autores do processo de produção de políticas públicas: longos períodos de estabilidade interrompidos por momentos de rápidas mudanças (CAPELLA, 2007). Dessa forma, Baumgartner e Jones apresentam alguns conceitos centrais para descrever seu modelo: subsistemas; monopólios de políticas públicas (policy monopoly); imagens de políticas públicas (policy image); arenas de políticas públicas (policy venue); macrossistemas; feedback positivo e feedback negativo. Considerando-se que a compreensão dos períodos de estabilidade e mudança das políticas públicas tem papel central no modelo, os autores destacam que a construção da imagem de uma política pública (policy image) definirá o seu apoio e a sua manutenção, ou a sua substituição (CAPELLA, 2007). Ou seja: [...] a chave para a compreensão dos períodos de estabilidade e mudança, segundo Baumgartner e Jones, reside na forma como uma questão é definida, considerando que essa definição se desenvolve dentro de um contexto institucional que pode favorecer determinadas visões políticas em detrimento de outras. (CAPELLA, 2007, p. 112). Sendo assim, nos subsistemas “[...] prevalecem mudanças lentas, graduais e incrementais, configurando uma situação de equilíbrio [...]” (CAPELLA, 2007, p. 115). No entanto, os subsistemas têm como objetivo possuir as seguintes características para se tornarem monopólios de políticas públicas: “estrutura institucional definida, pela qual o acesso ao processo decisório é permitido (ou restringido); e uma ideia fortemente associada com a instituição e com os valores políticos da comunidade [de especialistas].” (CAPELLA, 2007, p. 112). Dessa forma, a partir do momento em que a questão que envolve o monopólio da política pública tenha uma ideia/imagem consolidada, seu acesso aos líderes governamentais (macrossistema) e, por consequência, à agenda governamental se torna factível. As imagens são construídas a partir de informações empíricas e apelos emotivos (tone), sendo responsáveis por conectar problemas e soluções. Vê-se assim a importância do conceito de imagens de políticas públicas (policy images) no Modelo do Equilíbrio Pontuado:
  • 36. 36 As policy images são ideias que sustentam os arranjos institucionais, permitindo que o entendimento acerca da política seja comunicado de forma simples e direta entre os membros de uma comunidade, e contribuindo para a disseminação das questões, processo fundamental para a mudança rápida e o acesso de uma questão ao macrossistema. (CAPELLA, 2007, p. 112). Os macrossistemas, por seu lado, “[...] caracterizam-se por intensas e rápidas mudanças, diversos entendimentos sobre uma mesma política (diferentes policy images) e feedback positivo [...]” (CAPELLA, 2007, p. 115). Sendo assim, “Quando uma questão ascende ao macrossistema, o subsistema, por sua vez, torna-se propenso à mudança, já que a atenção dos líderes governamentais e do público pode levar à introdução de novas ideias e de novos atores naquele subsistema.” (CAPELLA, 2007, p. 115). Portanto, enquanto que o “[...] pouco ganho dos atores políticos em relação aos investimentos [...]” (CAPELLA, 2007, p. 115) impede a realização de mudanças nos subsistemas (feedback negativo), nos macrossistemas o feedback positivo permite o contrário: “[...] algumas questões se tornam importantes, atraindo outras que se difundem como um efeito cascata (bandwagon) [...]” (CAPELLA, 2007, p. 111). Por fim, Baumgartner e Jones (1993, p. 32 apud CAPELLA, 2007, p. 114) ainda ressaltam o papel das instituições ou arenas políticas em seu modelo: “As arenas políticas são locais institucionais em que as decisões oficiais sobre uma determinada questão são tomadas”. Dessa forma, a construção de imagens “fortes” e a busca de apoio das instituições são essenciais para que uma questão seja inserida na agenda governamental: [...] ao mesmo tempo em que os formuladores de políticas procuram assegurar um entendimento comum sobre as questões com as quais estão lidando, procuram também influenciar as instituições que têm autoridade sobre essas questões. Enquanto uma instituição pode ser refratária aos argumentos desenvolvidos para dar suporte a uma política, outra pode aceitar a imagem. (CAPELLA, 2007, p. 115).
  • 37. 37 Modelo do Equilíbrio Pontuado (Baumgartner e Jones) Problemas  Não há vínculo causal entre problemas e soluções.  Questões não se transformam em problemas automaticamente: problemas são construídos (policy images) e difundidos.  Definição de problemas é essencial para mobilizar a atenção em torno de uma questão.  Problemas são representados por meio de componentes empíricos e valorativos (tone): números, estatísticas, argumentação, histórias causais. Soluções  Não são desenvolvidas necessariamente para resolver um problema.  Geradas nos subsistemas, difundem-se e espalham-se rapidamente (bandwagon).  Soluções que têm imagens fortemente vinculadas a uma instituição e representam valores políticos (policy images) têm maiores chances de chegar ao macrossistema. Dinâmica Político- Institucional  O contexto político e institucional exerce influência sobre a definição de problemas e soluções.  Imagens sustentam arranjos institucionais (policy venues), incentivando ou restringindo a mudança na agenda.  Disputa em torno da policy image é fundamental na luta política. Atores  O presidente exerce influência decisiva sobre a agenda.  Grupos de interesse desempenham papel importante na definição das questões.  A mídia direciona a atenção dos indivíduos, sendo fundamental à formação da agenda. Mudança na Agenda  Momentos críticos, em que uma questão chega ao macrossistema, favorecem rápidas mudanças (punctuations) em subsistemas anteriormente estáveis. Policy entrepreneurs, imagens compartilhadas (policy image) e a questão institucional são fundamentais nesse processo. Tabela 2 - Modelo do Equilíbrio Pontuado. Fonte: Adaptado de Capella (2006, p. 35-36). Notas: MARCH, James G.; OLSEN, Johan P. Institutional perspectives on governance. ARENA, 1994. MARCH, James G.; SCHULZ, Martin; ZHOU, Xueguang. The dynamics of rules: Change in written organizational codes. Stanford University Press, 2000.
  • 38. 38 TIMMERMANS, Arco; BLEIKLIE, Ivar. Institutional conditions for policy design: Types of arenas and rules of the game. In: Paper presented at the ECPR Joint Sessions of Workshops Mannheim. 1999. p. 31. PNUD, A Democracia na América Latina. Rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos, PNUD, 2004. SCHMITTER, Philippe C.; KARL, Terry Lynn. What democracy is... and is not. Journal of democracy, v. 2, n. 3, p. 75-88, 1991. KNOKE, D. Networks as political glue. Sociology and the public agenda. 1993. LAUMANN, Edward O.; KNOKE, David. The organizational state: Social choice in national policy domains. Univ of Wisconsin Press, 1987. SABATIER, Paul A.; JENKINS-SMITH, Hank. Policy change and learning: An advocacy coalition framework. Boulder: Westview, 1993. FREEMAN, J. Leiper. The political process: executive-bureau-legislative committee relations. Nova York: Random House, 1955. CATER, Douglass. Power in Washington: A critical look at today's struggle to govern in the nation's capital. Nova York: Random House, 1964. FREEMAN, J. Leiper; STEVENS, Judith Parris. A theoretical and conceptual reexamination of subsystem politics. Public policy and administration, v. 2, n. 1, p. 9-24, 1987. McCOOL, Daniel. The subsystem family of concepts: a critique and a proposal. Political Research Quarterly, v. 51, n. 2, p. 551-570, 1998. THURBER, James A. Political power and policy subsystems in American politics. In: Peters, Guy; Rockman, Bert A. (Eds.). Agenda for excellence: administering the State. Chatham/NJ: Chatham House Publishers, p. 76-104, 1996. GRIFFITH, Ernest Stacey. The impasse of democracy: A study of the modern government in action. Harrison-Hilton Books, Incorporated, 1939. PETERS, Guy B. American public policy. Nova York: MacMillan, 1986 HAYES, Michael T. The semi-sovereign pressure groups: A critique of current theory and an alternative typology. The Journal of Politics, v. 40, n. 1, p. 134-161, 1978. RIPLEY, Randall B.; FRANKLIN, Grace A. Congress, the bureaucracy and public policy (Homewood, Ill.: Dorsey). 1980. RHODES, R. A. W. Beyond Westminster and Whitehall: The Sub-central Governments of Britain. Londres: Unwin Hyman, 1988.
  • 39. 39 SMITH, Martin J. Pressure, power and policy: State autonomy and policy networks in Britain and the United States. London: Harvester Wheatsheaf, 1993. COLEMAN, William D.; PERL, Anthony. Internationalized policy environments and policy network analysis. Political studies, v. 47, n. 4, p. 691-709, 1999. COLEMAN, William D.; SKOGSTAD, Grace. Policy communities and public policy in Canada: A structuralist approach. Toronto: Copp Clark Pitman, 1990. MARIER, Patrik. Empowering epistemic communities: Specialised politicians, policy experts and policy reform. West European Politics, v. 31, n. 3, p. 513-533, 2008. HAJER, Maarten A. The politics of environmental discourse: a study of the acid rain controversy in Great Britain and the Netherlands. 1993. Tese de Doutorado. University of Oxford. FISCHER, Frank. Policy discourse and the politics of Washington think tanks. The argumentative turn in policy analysis and planning, p. 21-42, 1993. KISBY, Ben. Analysing policy networks: Towards an ideational approach. Policy Studies, v. 28, n. 1, p. 71-90, 2007. SCHULMAN, Paul R. The Politics of" Ideational Policy". The journal of politics, v. 50, n. 2, p. 263-291, 1988. MACRAE JR, Duncan. Guidelines for policy discourse: Consensual versus adversarial. The argumentative turn in policy analysis and planning, p. 291-318, 1993. JORDAN, A. Grant; RICHARDSON, Jeremy J. Policy communities: the British and European policy style. Policy Studies Journal, v. 11, n. 4, p. 603-615, 1983. HAAS, Peter M. Introduction: epistemic communities and international policy coordination. International organization, v. 46, n. 1, p. 1-35, 1992. O’DONNELL, Guillermo. Democracia delegativa. Novos estudos, v. 31, p. 25-40, 1991. HAY, Colin. Ideas and the construction of interests. In: Béland, D.; Cox, R. H. Ideas and politics in Social Science research. New York: Oxford University Press, 2011. CAMPBELL, John L. Institutional analysis and the role of ideas in political economy. Theory and society, v. 27, n. 3, p. 377-409, 1998. HALL, Peter A. Policy paradigms, experts, and the state: The case of macroeconomic policy- making in Britain. Social scientists, policy and the state, p. 59, 1990. EDELMAN, Murray. Constructing the political spectacle. 1988.
  • 40. 40 HILGARTNER, Stephen; BOSK, Charles L. The rise and fall of social problems: A public arenas model. American journal of Sociology, v. 94, n. 1, p. 53-78, 1988. SCHNEIDER, Joseph W. Social problems theory: The constructionist view. Annual review of sociology, v. 11, n. 1, p. 209-229, 1985. SOROKA, S. N. Agenda-setting dynamics in Canada. Vancouver, BC: UBC Press, 2002. ROGERS, E. M.; DEARING, J. W. Agenda-setting research: Where has it been? Where is it going? Newbury Park: Sage, 1988. LIPPMANN, W. Public opinion. New York: Harcourt Brace, 1922. COHEN, B. C. The press and foreign policy. Princeton: Princeton University Press, 1963. McCOMBS, M.; SHAW, D. The agenda-setting function of mass media. Public Opinion Quarterly, v. 36, p. 176-195, 1972. COBB, R. W.; ELDER, C. D. The politics of agendabuilding: an alternative perspective for modern democratic theory. The Journal of Politics, v. 33, n. 4, p. 892-915, 1971. COBB, R. W.; ELDER, C. D. Participation in American Politics: The dynamics of agenda building. Boston: Allyn and Bancon, 1972. DOWNS, Anthony. Up and down with ecology-the issue-attention cycle. The Public Interest, v. 28, p. 38, 1972. JOHN, Peter. Is There Life After Policy Streams, Advocacy Coalitions, and Punctuations: Using Evolutionary Theory to Explain Policy Change? Policy Studies Journal, Vol. 31, No. 4, 2003. JOHN, Peter. New directions in public policy: theories of policy change and variation reconsidered. Trabalho apresentado no International Conference on Public Policy. Grenoble, jun, 2013. Disponível em http://www.icpublicpolicy.org/IMG/pdf/panel_84_1_peter_john.pdf. Acesso em setembro de 2015. CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In Hochman, G.; Arretche, M; Marques, E. (orgs.). Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro, Fiocruz, 2007. CAIRNEY, Paul; JONES, Michael D. Kingdon´s Multiple Streams Approach: What is the empirical impact of this universal theory? Policy Studies Journal, jun 2015. Disponível em <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/psj.12111/abstract>. BAUMGARTNER, Frank R & JONES, Bryan D. (1993). Agendas and instability in American politics. Chicago, University of Chicago Press.
  • 41. 41 CAPÍTULO 2: A COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA 2.1 Constituição de 1988: Paradigmas de liberdade e legalidade (regulação) 2.1.1 A comunicação social na Constituição de 1988 Na Constituição do Brasil de 1988, os meios de comunicação são tratados a partir dos cinco artigos do Capítulo V (Da Comunicação Social), do Título VIII (Da Ordem Social), a seguir apresentados de forma resumida. O primeiro artigo (art. 220) aborda o tema da liberdade de pensamento ou liberdade de expressão, assegurando-se: a plena liberdade de informação jornalística (§1º); a vedação a toda e qualquer censura política, ideológica e artística (§2º); a regulação de diversões e espetáculos públicos segundo suas naturezas, faixas etárias não recomendadas, locais e horários de apresentação inadequados (§3º, I); o estabelecimento dos meios legais que garantam a defesa das pessoas diante de programas ou programações de rádio e televisão, assim como de propagandas de produtos, práticas e serviços, que contrariem a lei (§3º, II); a exigência de restrições legais e advertência à propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias (§4º); a proibição de que os meios de comunicação social, direta ou indiretamente, sejam objeto de monopólio ou oligopólio (§5º); e a publicação de veículo impresso de comunicação independente de licença de autoridade (§6º). O artigo 221, por sua vez, disciplina os princípios a serem atendidos pela produção e programação das emissoras de rádio e televisão. São eles: a preferência por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (I); a promoção da cultura nacional e regional e o estímulo à produção independente que a divulgue (II); a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais definidos em lei (III); e o respeito a valores éticos e sociais (IV). O artigo seguinte (art. 222) trata da propriedade das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens: exclusividade de brasileiros ou estrangeiros naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e com sede no país. O §1º determina que pelos menos setenta por cento (70%) do capital total das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e
  • 42. 42 imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros, com obrigação sobre a gestão das atividades e o conteúdo da programação; o §2º define que a responsabilidade editorial e a seleção e direção da programação veiculada em qualquer meio de comunicação social são privativas a brasileiros; o §3º define que os meios de comunicação social eletrônica, independentemente de sua tecnologia, deverão observar os princípios anteriores, na forma de lei específica; o §4º afirma que a lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas, conforme estabelecido no §1º; e o último parágrafo (§5º) determina que as alterações de controle societário das empresas deverão ser comunicadas ao Congresso Nacional. Já o artigo 223 e seus parágrafos estabelece a competência do Poder Executivo para outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, a ser deliberada pelo Congresso Nacional, observando-se a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Por fim, o último artigo do capítulo, o art. 224 dispõe sobre a criação do Conselho de Comunicação Social como órgão auxiliar do Congresso Nacional. 2.1.2 A comunicação social na Constituição de 1988 segundo a doutrina 2.1.2.1 Paradigma de liberdade Na obra “Curso de Direito Constitucional Positivo”, José Afonso da Silva (2014) trata do tema dos meios de comunicação a partir da relação entre comunicação social e direito de liberdade, dentro do debate maior acerca dos direitos e garantias fundamentais da Constituição. Segundo o autor, com base na lei maior podem-se distinguir “formas de liberdade”, expressas cada uma à sua maneira, separadas em cinco grupos: liberdade da pessoa física (1); liberdade de pensamento (2); liberdade de expressão coletiva (3); liberdade de ação profissional (4); e liberdade de conteúdo econômico e social (5). Entre estas, a que estaria mais associada ao tema dos meios de comunicação seria a liberdade de pensamento – consagrada no inciso IV do artigo 5º da Constituição (“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”) –, que abrange a liberdade de comunicação.
  • 43. 43 O conceito de liberdade de pensamento de José Afonso da Silva, emprestado da definição de Sampaio Dória (1946 apud SILVA, 2014, p. 243), define-se pelo “[...] direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte, ou o que for”. Por sua vez, tendo como referência os incisos IV, V, IX, XII e XIV do art. 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, e os arts. 220 a 224 da Constituição, a liberdade de comunicação corresponderia ao “[...] conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação.” (SILVA, 2014, p. 245). Sendo assim, José Afonso da Silva discorre acerca dos princípios constitucionais que orientam a liberdade de comunicação no país, incluídos neste tema os “meios de exteriorização e difusão das informações” ou meios de comunicação (livros, jornais, periódicos em geral, serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens e serviços de notícia). Em relação ao princípio de liberdade de informação, o autor diferencia os conceitos de liberdade de informação e direito à informação. O primeiro estaria ligado aos direitos individuais, enquanto o segundo aos direitos coletivos. Dessa forma, a “liberdade de informar” e a “liberdade de ser informado”, do conceito de liberdade de informação, são parte dos direitos fundamentais individuais que “[...] reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado.” (SILVA, 2014, p. 193). O conceito de direito à informação, por outro lado, relaciona-se ao “direito coletivo da informação” ou “direito da coletividade à informação”, pois está mais diretamente ligado às transformações dos meios de comunicação na sociedade contemporânea, em decorrência das atividades desempenhadas pelos meios de comunicação de massa. Sendo assim, trata-se de direito conferido em função da coletividade, como se pode observar, por exemplo, no art. 5º, XIV, referenciado pelo art. 220, §1º: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (BRASIL, 2017, p. 11, grifo nosso). Outro princípio constitucional comentado por José Afonso da Silva abrangendo o tema da liberdade de comunicação é o da liberdade de informação jornalística,
  • 44. 44 apresentado no mesmo art. 220, §1º, da Constituição: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Segundo o autor, tal princípio “[...] alcança qualquer forma de difusão de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comunicação social.” (SILVA, 2014, p. 248). Dessa forma, José Afonso da Silva destaca o papel desempenhado pela imprensa, através dos meios de comunicação, na formação da opinião pública, situando- a conforme Foderaro (1974 apud SILVA, 2014) como um quarto poder republicano, ao lado do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Diante de tamanha importância e responsabilidade concentradas na atuação dos meios de comunicação, José Afonso da Silva não deixa de fazer sua crítica aos profissionais e empresas de jornalismo: Reconhece-se-lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e ideias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade de tais acontecimentos e ideias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas deformação. Os jornalistas e empresas jornalísticas reclamam mais seu direito do que cumprem seus deveres. (SILVA, 2014, p. 249). 2.1.2.2 Paradigma de legalidade (regulação) Por sua vez, Ingo Wolfgang Sarlet (2012), na obra “Curso de Direito Constitucional”, também considera o tema dos meios de comunicação a partir do princípio da liberdade de pensamento e sua relação com a liberdade de comunicação e informação. No entanto, diferentemente de José Afonso da Silva (2014), o autor se aprofunda na discussão em torno das limitações aos princípios constitucionais mencionados. Segundo Sarlet, a liberdade de manifestação do pensamento – ou liberdade de expressão, como prefere o autor – pode ser definida basicamente como a “[...] liberdade de exprimir opiniões, portanto, juízos de valor a respeito de fatos, ideias, portanto, juízos de valor sobre opiniões de terceiros etc.” (SARLET, 2012, p. 442). Dessa forma,
  • 45. 45 ao constituir o que seria um “livre mercado das ideias”, a liberdade de expressão garante as condições ao exercício da democracia e do pluralismo político, e vice-versa. No entanto, apesar do caráter complementar entre liberdade de expressão e democracia, ambas podem representar um perigo uma à outra. Segundo o autor, além da necessária restrição às formas de manifestação violentas, questões polêmicas como a “negativa de fatos históricos” ou o “dever de verdade quanto aos fatos”, e “delitos de opinião” costumam gerar controvérsia em relação ao exercício da liberdade de expressão. Diante de tais questões, Sarlet adota o ponto de vista dos autores J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2010 apud SARLET, 2012), os quais: [...] negam a existência de um dever de verdade quanto aos fatos, assim como afastam, em princípio, qualquer tipo de “delito de opinião”, ainda que se cuide de opiniões que veiculem posições contrárias a ordem constitucional democrática, ressalvando, contudo, que eventuais distorções dos fatos e manifestações que atinjam direitos fundamentais e interesses de terceiros e que representem incitação ao crime, devem ser avaliadas quando da solução dos conflitos entre normas de direitos fundamentais. (SARLET, 2012, p. 443). Dessa forma, diante do que afirmam os arts. 5º, IX, e 220, §2º, da Constituição em relação à vedação de censura, o autor admite que seja impossível e mesmo indesejável a “[...] restrição prévia à liberdade de expressão realizada pela autoridade administrativa e que resulta na proibição da veiculação de determinado conteúdo”, conforme a definição de censura de Jónatas Machado (2001, p. 486-487 apud SARLET, 2012, p. 446). Dada a importância deste princípio para a Democracia, parte da doutrina entende até mesmo que sua aplicação se realiza a partir de uma posição preferencial. No entanto, por outro lado, a liberdade de expressão não pode ser compreendida como um direito absoluto, principalmente tendo em vista os demais direitos fundamentais previstos no texto constitucional, como o autor reconhece. Considerando- se como exemplo os casos de prática de incitação ao ódio ou “discurso do ódio” – veiculação de mensagens de “teor discriminatório e destinadas a incitar o ódio e até mesmo a violência” –, no Brasil e no direito comparado reconhece-se que o princípio da
  • 46. 46 dignidade da pessoa humana funciona nestes casos como limite ao exercício da liberdade de expressão. No Brasil, como aponta Sarlet, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF reconhece que são admissíveis restrições à liberdade de expressão, desde que visem à promoção de outros valores e interesses constitucionais também relevantes, conforme voto proferido em julgamento por um de seus ministros (Rec. Ext. n. 511.961/SP). Portanto, mostra-se legítima a noção de que eventuais limites e restrições ao princípio da liberdade de expressão possam ser discutidos e colocados em prática na defesa do Estado Democrático de Direito, não se traduzindo isto em censura. Sendo assim, conforme Sarlet (2012, p. 452) resume ao descrever a questão: Que também a liberdade de expressão, incluindo a liberdade de informação e de imprensa (comunicação social), não é absoluta e encontra limites no exercício de outros direitos fundamentais e salvaguarda, mesmo na dimensão objetiva (por via dos deveres de proteção estatal), de outros bens jurídico- constitucionais, praticamente não é contestado no plano do direito constitucional contemporâneo e mesmo no âmbito do direito internacional dos direitos humanos. Contudo, a controvérsia a respeito de quais são tais limites e de como e em que medida se pode intervir na liberdade de expressão segue intensa e representa um dos maiores desafios, especialmente para o legislador, mas também para os órgãos do Poder Judiciário [...]. Portanto, conforme a discussão da doutrina acerca dos princípios constitucionais que orientam o funcionamento dos meios de comunicação no Brasil, vê-se que há um impasse quanto ao exercício da liberdade de expressão ou liberdade de pensamento no país. Por um lado, admite-se que a censura prévia a qualquer tipo de conteúdo veiculado por qualquer meio de comunicação é inadmissível, ainda mais tendo em conta a história recente do país no período da ditadura militar. Porém, por outro lado, a liberdade de expressão não pode ser encarada como um direito incontestável, a ser invocado na defesa de práticas que atentem contra as instituições e o próprio regime democrático. Para melhor compreender-se este impasse e seus contornos, pode-se refletir em torno dos limites da liberdade no próprio regime democrático. Este debate, por sua vez,
  • 47. 47 remete às discussões históricas que deram origem à forma do Estado contemporâneo, tal qual o conhecemos hoje em dia. Ao analisar as leis constitucionais que contribuem para a liberdade política, Montesquieu, um dos principais teóricos da democracia moderna, afirma: É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade política não consiste em se fazer o que se quer. Em um Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não ser forçado a fazer o que não se tem o direito de querer. Deve-se ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros também teriam este poder (MONTESQUIEU, 2000, p. 166). Vê-se assim que para o autor o Estado é constituído por uma sociedade em que há leis, sendo a liberdade “o direito de fazer tudo o que as leis permitem”. Dessa forma, cabe aos representantes do povo, eleitos por meio do voto, elaborar as leis de acordo com os anseios da sociedade para que esta tenha liberdade. José Afonso da Silva (2014) afirma que toda lei ou autoridade precisa ser legítima, portanto consentida por aquelas pessoas que vêm sua liberdade ser limitada por ela. Sendo assim, “[...] autoridade e liberdade são situações que se complementam. É que a autoridade é tão indispensável à ordem social - condição mesma da liberdade - como esta é necessária à expansão individual.” (SILVA, 2014, p. 234). Na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada sob inspiração da Revolução Francesa em 1789, observa-se mais uma vez a relação complementar entre liberdade e lei, conforme seu artigo 4º: A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei. (USP, 2017). Por sua vez, na Constituição do Brasil de 1988, o artigo 5º, II, (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”) é apontado
  • 48. 48 por Ingo Wolfgang Sarlet (2012) como exemplo do princípio da relação entre liberdade e legalidade na lei maior brasileira. Para o autor, a ordem jurídico-constitucional é condição para que haja possibilidade do pleno exercício da liberdade. Portanto, o direito à liberdade de expressão possui duas dimensões: uma negativa, que implica na ausência de obstáculos à livre expressão dos indivíduos; e outra positiva, sujeita a prestação, que tem como consequência “[...] deveres estatais de proteção, em parte satisfeitos mediante a edição de normas de cunho procedimental e criação e regulamentação de instituições (órgãos) que atuam na proteção e promoção dos direitos [...]” (SARLET, 2012, p. 444). Dessa forma, uma vez que os princípios constitucionais que regem o funcionamento dos meios de comunicação no Brasil já foram apreciados, cabe então analisar as instituições e leis infraconstitucionais que regulam sua atuação cotidiana no território nacional. 2.2 Órgãos e leis infraconstitucionais: instituições, ideias e atores 2.2.1 Os coronéis da mídia 2.2.1.1 Conceito de coronelismo Em 1949, a obra “Coronelismo, enxada e voto”, de Victor Nunes Leal, foi publicada pela primeira vez. Nela, o autor descreve a estrutura e o processo do “coronelismo”. Assentados sobre uma estrutura econômica e social desigual, em que predomina a figura do coronel, os munícipios do interior vêm o poder público diminuído pelo poder privado (LEAL, 2012). Situando-o como um resquício do passado colonial brasileiro em coexistência com o regime político representativo, segundo Victor Nunes Leal (2012, p. 44) “[...] o ‘coronelismo’ é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras.”. Dessa forma, o coronel, basicamente, é o grande proprietário de terras que usa do seu poder pessoal como latifundiário para promover uma série de práticas que se
  • 49. 49 confundem com o exercício do poder público local – por exemplo, o mandonismo (perseguição aos adversários: “aos amigos se faz justiça, aos inimigos se aplica a lei”). Segundo o autor, toda essa estrutura se resume, então, no voto de cabresto: Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o “coronel”, que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras. Dentro da esfera própria de influência, o “coronel” como que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes instituições sociais. Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também se enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que frequentemente se desincumbe com a sua pura ascendência social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas. (LEAL, 2012, p. 45-46). Portanto, a maior parte da população, vivendo na pobreza e acostumada a recorrer ao coronel para sua subsistência, vê o voto apenas como parte de uma troca de favores. No entanto, Victor Nunes Leal (2012, p. 67) ressalta ainda em sua obra como a estrutura política brasileira, desde os municípios à União, passando pelos estados, relaciona-se com o sistema “coronelista”: As eleições municipais constituem pelejas tão aguerridas em nosso país, justamente porque é pela comprovação de possuir a maioria do eleitorado no município que qualquer facção local mais se credencia às preferências da situação estadual. A esta, [...] o que mais interessa é ter nas eleições estaduais e federais, que se seguirem, maior número de votos, com menor dispêndio de favores e mais moderado emprego da violência. Sendo assim, o poder dos representantes políticos dos estados depende também dos votos de cabresto angariados pelo coronel do município. Em troca, os servidores e toda a estrutura pública estadual com funcionamento no município se revertem em benefício do coronel.