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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA
Instituto Superior Politécnico Católico do Huambo – ISPOC
LIÇÕES DE
DIREITO ECONÓMICO
Contém o desenvolvimento do
Programa da Cadeira de Direito
Económico (objecto de revisão e
actualização) apresentado, no
ano lectivo 2022/2023, aos
estudantes do 3.º ano do Curso de
Licenciatura em Direito, pelo
Docente da disciplina José
SAPALO.
H U A M B O, 2022/2023
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”
5
“A crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia. Na crise nasce a
invenção, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem atribui à crise os
seus fracassos e penúrias viola o seu próprio talento e respeita mais os
problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência.
Sem crise não há desafios, sem desafios a vida é uma rotina, uma lenta
agonia. Sem crise não há mérito. A única crise ameaçadora é a tragédia de
não querer lutar”.
ALBERT EINSTEIN
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”
4
SUMÁRIO
SUMÁRIO............................................................................................................................................ 4
PARTE I - CONSPECTOS GERAIS SOBRE O DIREITO ECONÓMICO.................................................. 7
CAPÍTULO I – FORMAÇÃO E DELIMITAÇÃO DOGMÁTICA DO DIREITO ECONÓMICO .................. 7
1.1. Noções preliminares .................................................................................................................... 7
1.2. Da Política e do Direito................................................................................................................ 8
1.4. Do Direito Económico ............................................................................................................... 10
1.4.1. Evolução Histórica................................................................................................................... 10
1.4.2. Conceito .................................................................................................................................. 11
1.4.3- Objecto do Direito Económico .............................................................................................. 12
1.4.4- Denominação e Natureza jurídica......................................................................................... 14
1.4.5- Objectivos ............................................................................................................................... 15
1.4.6- Autonomia .............................................................................................................................. 17
1.4.7- Princípios Gerais ..................................................................................................................... 18
1.5- Fundamentos que justificam a necessidade de se conceber o Direito Económico .............. 20
1.6- Características do Direito Económico...................................................................................... 22
1.7- Sujeito da Relação Jurídica Económica.................................................................................... 23
1.8- Fontes......................................................................................................................................... 24
1.8.1- A Ordem Económica e a Ordem Jurídica Económica ........................................................... 24
1.8.2- Fontes Angolanas do Direito Económico ............................................................................. 25
1.8.3- Fontes Tradicionais: Fontes Internas e Internacionais........................................................ 25
1.8.4- Fontes não Tradicionais......................................................................................................... 26
CAPÍTULO II – MODELOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA.................................. 27
2.1- Direito e Economia .................................................................................................................... 27
2.2- Classificação das Actividades Económicas.............................................................................. 28
2.3- Sistemas Económicos ............................................................................................................... 30
2.4- Formas de Posicionamento Económico do Estado ................................................................ 32
2.4.1- Estado Liberal ......................................................................................................................... 33
2.4.2- Modelo Jurídico do Estado Social: Surgimento Do Estado Providência............................ 35
2.4.3- O Neoliberalismo ................................................................................................................... 37
2.4.4- A Terceira Via ......................................................................................................................... 39
CAPÍTULO III – CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA ................................................................................ 41
3.1- Noção de Constituição Económica........................................................................................... 41
3.2- Concepções da Constituição Económica................................................................................. 43
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”
5
3.3- Funções da Constituição Económica........................................................................................ 43
3.4- Tipos de Constituição Económica............................................................................................ 44
3.5- Relação entre Constituição Económica e Constituição Política ............................................ 45
3.6- Âmbito e Sentido da Constituição Económica........................................................................ 46
3.8- A Constituição Económica Angolana....................................................................................... 48
3.8.1- A Evolução da Constituição Económica Angolana............................................................... 48
3.8.2- A Constituição Económica de 2010 ....................................................................................... 52
3.8.3- Os direitos e deveres fundamentais, com incidência na ordem económica, consagrados
pela CRA ........................................................................................................................................... 54
3.8.4- Configuração Constitucional da propriedade, iniciativa económica e concorrência....... 56
3.8.6- Princípio da Defesa do Ambiente......................................................................................... 62
3.8.7- Princípio da Defesa do Consumidor ..................................................................................... 64
PARTE II – ORGANIZAÇÃO E DIRECÇÃO DA ACTIVIDADE ECONÓMICA ...................................... 66
CAPÍTULO I - A INTERVENÇÃO PÚBLICA DIRECTA NA ECONOMIA .............................................. 66
1.1- Conspecto Geral ......................................................................................................................... 66
1.2- A Intervenção Económica do Estado e o Princípio da Subsidiariedade ................................ 67
1.3- Intervenção Económico-Empresarial....................................................................................... 71
1.4- A Natureza Empresarial de uma Actividade Económica......................................................... 71
1.5- O Direito Privado como Instrumento da Actividade Empresarial ......................................... 72
1.6- Direito aplicável no SEP Angolano........................................................................................... 73
1.7- O Sector Empresarial do Estado Angolano.............................................................................. 75
1.7.1- A evolução do Sector Empresarial Público Angolano .......................................................... 75
1.7.2- Âmbito do Sector Empresarial do Estado............................................................................. 77
1.7.3- A Empresa Pública .................................................................................................................. 78
CAPÍTULO II- DAS NACIONALIZAÇÕES E CONFISCOS ................................................................... 91
2.1- Conspecto Geral......................................................................................................................... 91
2.2- Nacionalizações......................................................................................................................... 91
2.2.1- Natureza Jus Económica dos Actos de Nacionalizações e Confiscos.................................. 93
2.2.2- Objecto das Nacionalizações e dos Confiscos...................................................................... 93
2.2.3- Tipos de Nacionalização......................................................................................................... 94
2.2.4- Efeitos Jurídicos das Nacionalizações .................................................................................. 94
2.2.5- Irreversibilidade das nacionalizações................................................................................... 96
2.2.6- Figuras afins das nacionalizações......................................................................................... 97
CAPÍTULO III - O SECTOR PRIVADO E AS PRIVATIZAÇÕES............................................................ 99
3.1- Conspecto Geral......................................................................................................................... 99
3.2 - O acesso à actividade económica............................................................................................ 99
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3.2.1- Sectores Económicos e Delimitação da Actividade Económica........................................ 100
3.2- Privatizações e o Fenómeno da Liberalização da Economia................................................ 103
3.3.1- Causas e Objectivos das Privatizações ................................................................................ 104
3.3.2- Dificuldades e Evolução do Processo das Privatizações ................................................... 105
3.3.3- Sociedades de Capitais Públicos e as Sociedades de Economia Mista............................. 105
3.3.4- Destino das Receitas e Controlo do Processo de Privatizações ....................................... 106
3.3.5- A Privatização e a Reprivatização ....................................................................................... 106
CAPÍTULO IV - SECTOR COOPERATIVO......................................................................................... 108
4.1- Conspecto Geral e Evolução Histórica ................................................................................... 108
4.2- Classificação das Cooperativas .............................................................................................. 111
CAPÍTULO V - PARCERIA PÚBLICO-PRIVADAS ............................................................................. 113
5.1- Conspecto Geral....................................................................................................................... 113
5.2- Conceito e Caracterização das Parcerias Público-Privadas.................................................. 113
5.3- Classificação das Parcerias Público-Privadas na Ordem Económica Angolana.................. 115
5.4- Pressupostos para a Formação de PPP ................................................................................. 116
5.5- Classificação do Risco das PPP’s ............................................................................................ 116
5.6- Fundamentos e Sectores em que se Desenvolvem as PPP’s ............................................... 117
5.7- Vantagens e Desvantagens..................................................................................................... 118
CAPÍTULO VI - DIREITO DA REGULAÇÃO...................................................................................... 119
6.1- A Regulação Pública da Economia: Aspectos Gerais....................................................... 119
6.2- Noção e Modalidades ........................................................................................................ 119
6.3- Âmbitos e Fins da Intervenção Indirecta ou Reguladora................................................ 120
6.4- Procedimentos de Regulação Económica........................................................................ 121
6.5- Principais Áreas de Regulação Pública............................................................................. 121
6.6- A “NOVA” Regulação da Economia.................................................................................. 122
CAPÍTULO VII – PLANEAMENTO E AUXÍLIOS DO ESTADO.......................................................... 124
7.1- Conspecto Geral....................................................................................................................... 124
7.2- Sistema de Planeamento Económico e Social de Angola .................................................... 125
7.3- Instrumentos de Aplicação do Plano..................................................................................... 126
7.4- Auxílios do Estado .................................................................................................................. 126
7.5- A Concorrência e a Problemática dos Auxílios de Estado.................................................... 127
7.6- Contratos de financiamento .................................................................................................. 128
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 132
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7
PARTE I - CONSPECTOS GERAIS SOBRE O DIREITO ECONÓMICO
CAPÍTULO I – FORMAÇÃO E DELIMITAÇÃO DOGMÁTICA DO DIREITO ECONÓMICO
1.1. Noções preliminares
Durante o processo de derrocada do modelo estatal absolutista, que culminou com o
nascimento do Estado Democrático de Direito, a ordem económica e social era matéria que
ficava alheia à intervenção do Poder Público.
O Estado, até então, posicionava-se de forma absenteísta, garantindo, tão-somente, a
defesa externa, a segurança interna e o cumprimento dos acordos contratuais celebrados.
Isto porque, no campo económico, apregoavam-se as ideias do liberalismo,
consubstanciadas na teoria da mão invisível de Adam Smith, na qual a persecução dos
interesses individuais resultaria no atendimento às necessidades coletivas, não havendo
necessidade de intervenção do Poder Público1.
Todavia, a teoria da mão invisível somente conduzia o mercado à realização de resultados
socialmente desejáveis em ambientes concorrencialmente perfeitos, isto é, nos mercados
onde todos os agentes económicos estivessem em perfeita igualdade de competição.
Assim, diante das desigualdades entre os competidores de mercado, houve uma selecção
adversa entre estes, fruto, tanto da diferença natural de poderio económico, quanto de
práticas anti-concorrenciais, engendradas com o fim de eliminar os demais agentes
competidores.
Tais práticas tiveram efeitos funestos para a economia das nações, uma vez que
proporcionaram a criação de diversos trustes, cartéis e monopólios, que perpetraram
diversos abusos económicos, e também para sua ordem social, tendo em vista que acirrou
a concentração de renda nas mãos da parcela mais abastada, gerando uma gama
inaceitável de párias socialmente marginalizados, excluídos do processo de geração de
riquezas.
Deste fuste, mister se fez ao Estado rever seu posicionamento em face de sua ordem
económica e social, saindo de uma postura de inércia, a fim de adoptar um posicionamento
mais activo de intervenção, e, assim, garantir equilíbrio e harmonia económicos, para que
o mercado, diante da interferência do Poder Público, atingisse metas socialmente
desejáveis para o desenvolvimento da nação. Desse modo, positivou-se, no plano
constitucional, uma ordem económica e social como normas materialmente
constitucionais, legitimando, no plano infraconstitucional, leis de intervenção pública na
economia e de garantia de direitos no campo social.
1
Cf. SMITH, Adam. A riqueza das nações, investigação sobre sua natureza e causas. São Paulo: Abril, 1983.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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8
1.2. Da Política e do Direito
A vida em sociedade é indispensável à sobrevivência do homem, enquanto ser sociável que
é, uma vez que, individualmente, não teria como suprir todas as suas necessidades.
A convivência em um meio comum pressupõe a busca de interesses gerais que atendam às
necessidades colectivas, bem como a persecução das expectativas individuais. Assim, toda
a aglomeração de indivíduos, em que pese objectivar o atendimento dos anseios comuns
(bem-estar social), gera zonas de atritos entre os diversos interesses individuais presentes,
que muitas vezes se revelam antagônicos e colidentes. O estudo da reunião de pessoas em
torno de uma mesma base territorial para atendimento de suas necessidades originou-se
com a filosofia grega, a partir do conceito de polis2. Esta representa o ambiente no qual os
indivíduos convivem e buscam a realização de seus interesses, seja em carácter colectivo
ou para fins meramente pessoais.
A fim de garantir a persecução de tais interesses, os pensadores helenos conceberam a
política como a arte da defesa e do atendimento das necessidades colectivas e dos anseios
individuais; isto é, a arte de se administrar o consenso e harmonizar o dissenso social. Para
tanto, mister se fez garantir a todos, voz participativa e representatividade individual
perante a colectividade.
Na constante busca das necessidades gerais e individuais, deve-se estabelecer um conjunto
de normas, permeadas de valores éticos, morais, científicos, entre outros, visando garantir
o respeito às pessoas e suas opiniões, evitando que a colisão de interesses antagônicos
gere conflitos violentos e irracionais. Para tanto, os valores constantes na norma, que
representa o código de conduta daquilo que a sociedade considera como padrão de
comportamento íntegro, correcto e direito, a ser por todos respeitado, devem gozar de
proteção especial, cuja inobservância acarreta aplicação de sanção por parte do colectivo.
A este conjunto de normas dotadas de observância obrigatória, coercitivamente impostas,
que representam o comportamento-padrão colectivo a ser seguido pelo indivíduo, para se
garantir a pacificação na persecução de seus interesses, denomina-se Direito. Da
aglomeração de pessoas em torno da polis nasceu a política, como forma de se assegurar
a sobrevivência colectiva dos indivíduos. Por sua vez, da arte política, isto é, da arte da
procura do atendimento dos anseios e expectativas do colectivo e do indivíduo, nasceu o
Direito.
O Direito, enquanto ciência social, é gerado, destarte, em função da necessidade que o
homem tem de viver em sociedade, uma vez que não se pode conceber a vida em
colectividade sem a existência de um certo número de normas reguladoras entre os
indivíduos: Ubi societas ibi ius.
2
BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Trad. Maurício de Andrade. São Paulo:
Manole, 2005.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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9
Nem todas as relações sociais são objecto de estudo pelo Direito, mas tão-somente as
relações jurídicas lato sensu, isto é, as relações decorrentes de um vínculo jurídico, oriundo
de uma das fontes obrigacionais do próprio Direito (a saber, lei, contratos, usos e
costumes, promessas unilaterais de vontade, etc.).
O Direito, partindo-se de um conceito objectivo, derivado de nossa herança romano-
germânica, é o conjunto de normas coercitivamente impostas pelo Estado com o fim de
promover a pacificação e a harmonização da sociedade.
Por sua vez, no plano subjectivo, o direito é a faculdade que o indivíduo tem de invocar a
seu favor o amparo legal para defender seu patrimônio jurídico, quando violado ou
ameaçado por outrem. Na lição romana é o facultas agendi.
O titular do direito subjectivo exerce-o, via de regra, sobre o patrimônio jurídico de outrem,
isto é, o exercício deste direito implica em dever e obrigação para com terceiro. Já o direito
potestativo trata-se de um direito potencialmente existente, cujo nascimento depende da
manifestação volitiva exclusiva de seu titular.
Diante disso, o direito potestativo não se encontra atrelado ao cumprimento de uma
prestação por parte de outrem. Seus efeitos patrimoniais somente irão acontecer após a
exteriorização de vontade do sujeito, podendo, ou não, ter reflexos sobre terceiros, ou
seja, a contraparte de um direito potestativo está sujeita e não adstrita a um dever como
no direito subjectivo em sentido estrito. Segundo Rudolph Von Jhering, jurisfilósofo
alemão, adoptando-se um conceito de caráter subjectivo, o direito pode ser visto como um
complexo de condições existenciais da sociedade, asseguradas de forma imperativa pelo
Poder Público, a fim de que os indivíduos possam exercê-las quando se fizer necessário.
Em suma, podemos definir o Direito como o conjunto de normas das acções humanas na
vida social, estabelecidas por uma organização soberana e impostas coactivamente à
observância de todos.
Enquanto ciência social aplicada, o Direito é uno per si, não havendo que se falar em
qualquer segregação em seus campos de estudo. Todavia, a clássica separação do Direito
em público e privado é oriunda do modelo de reconfiguração estatal que resultou no
aparecimento do Estado Democrático de Direito, pautado nas ideias de Thomas Hobbes,
somadas ao pensamento de John Locke, dois grandes pensadores que primeiramente
apontaram para a necessidade de contenção da autoridade pública em face do cidadão,
consagrando o regime de protecção do domínio privado e das liberdades individuais.
O Direito privado é aquele que regula as relações jurídicas entre membros da sociedade
civil, sejam pessoas naturais ou jurídicas, tendo em vista o interesse particular dos
indivíduos ou a ordem privada. Por sua vez, Direito público é o que disciplina as relações
jurídicas de cunho transindividual, focando-se nos interesses públicos, difusos e coletivos,
isto é, os interesses sociais e estatais, tratando dos interesses individuais de forma reflexa.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”
10
1.4. Do Direito Económico
1.4.1. Evolução Histórica
O surgimento do Direito Económico como ramo do Direito é relativamente recente. Isto
porque, durante muito tempo, após a consolidação do modelo de Estado Democrático de
Direito, o ideário do liberalismo económico prevalecia, facto que mitigava e, não raro,
anulava a legitimação do Poder Público para interferir no processo de geração de riquezas
da nação.
Os primeiros actos normativos que versavam sobre matéria económica tratavam
basicamente de coibição à prática de truste (merece destaque o Decreto de Allarde, na
França, em 1791). Todavia, a legislação antitruste de combate à concentração de empresas,
à imposição arbitrária de preços, dentre outras infracções à ordem económica, somente
foi sistematizada na América do Norte, por meio da edição do Competition Act, em 1889 no
Canadá, e do Sherman Act, no ano de 1890 nos Estados Unidos.
Nos primórdios, o Direito Económico era sinônimo de Direito antitruste. Todavia, em
virtude do acirramento das disputas comerciais e das desigualdades sociais, oriundos dos
efeitos excludentes do capitalismo liberal, restou patente a necessidade de intervenção do
Estado na área económica, para garantir a salutar manutenção de seus mercados internos
e da pacificação externa, e no campo social, a fim de se estabelecer políticas públicas de
redistribuição de rendas e de inclusão social. Isto porque a experiência liberal conduziu a
uma ordem económica e social onde eram patentes a concentração monopolística de
poderio económico nas mãos dos grandes conglomerados empresariais, por meio da
exclusão de mercado dos médios e pequenos competidores, resultando na quebra da
Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929; as disputas bélicas externas que culminaram em
dois grandes conflitos mundiais3; e à marginalização e exclusão social de todos os menos
abastados, que, por qualquer razão, encontravam-se excluídos do processo de labor diário
de geração de renda. Na esteira de Domingos F. JOÃO,
(...) é a disputa pelos mercados económicos, bem como o exercício abusivo das liberdades
e dos direitos individuais que levaram à derrocada do modelo liberal económico, tendo
como marcos históricos a 1.ª e a 2.ª Guerras Mundiais, factos que motivaram o Estado a
repensar o seu papel diante da Ordem Económica interna e internacional, actuando,
inclusive, no sentido de limitar e cercear os direitos e liberdades individuais4
.
Assim, no campo do Direito Constitucional comparado, podemos destacar que a primeira
constituição legada ao mundo que tratava de matéria económica foi a Carta Política do
3
A Primeira Guerra demonstrou que a vitória não seria obtida somente nas áreas de combate, mas sim nas
indústrias e nos laboratórios, pesquisando, produzindo, e abastecendo todos os envolvidos no combate. No
entanto, não eram todos os produtores que tinham interesse em voltar suas actividades económicas para a
guerra. Para contornar este facto, deu-se início a um processo de "regulamentação abundante, estrita e
minuciosa das actividades económicas, que transformaram em pouco tempo o panorama clássico do direito
patrimonial, abolindo princípios, deformando institutos e confundindo fronteiras" (COMPARATO, Fábio Konder.
O indispensável direito económico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.353, p.15, 1965.).
4
JOÃO, D. F. (2018). Lições de Direito Económico de Angola. Luanda: ZOE Publicações, pp. 31-32
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”
11
México de 05 de Fevereiro de 1917. Esta Constituição foi a primeira a dispor sobre
propriedade privada, tratando das formas originárias e derivadas de aquisição da
propriedade, abolindo, ainda, seu carácter absoluto para submeter seu uso,
incondicionalmente, ao interesse público, originando o princípio da função social da
propriedade, facto que serviu de sustentáculo jurídico para a transformação sociopolítica
oriunda da reforma agrária ocorrida naquele País e a primeira a se realizar no continente
latino-americano. Nitidamente influenciada pela legislação antitruste norte-americana,
combatia o monopólio, a elevação vertical de preços e qualquer prática tendente a eliminar
a concorrência.
Todavia, a ordem económica e social somente ganhou status de norma materialmente
constitucional com a Constituição alemã de 11 de Agosto de 1919 (Weimar), que foi a
primeira a abandonar a concepção formalista e individualista oriunda do liberalismo do
século XIX para se ocupar da justiça e do social, estabelecendo que a ordem económica
deve corresponder aos princípios da justiça, tendo por objectivo garantir a todos uma
existência conforme a dignidade humana. Só nestes limites fica assegurada a liberdade
económica do indivíduo.
Outrossim, deu maior relevância à função social da propriedade, querendo isto dizer que
ela cria obrigações ao seu titular e que seu uso deve ser condicionado ao interesse geral
(art. 89.º n.º 1 al. e)). Rompendo os cânones do direito individualista, a Constituição conferiu
ao Estado competência para legislar sobre socialização das riquezas naturais e as empresas
económicas.
Assim, depreende-se que o nascimento do Direito Económico se deu diante da necessidade
de se normatizar um conjunto de princípios e regras que disciplinassem o processo de
intervenção do Estado na ordem económica e social.
1.4.2. Conceito
Após a análise de sua evolução histórica, podemos conceituar o Direito Económico que em
termos gerais pode ser entendido como o ramo de Direito público que disciplina as formas
de interferência do Estado no processo de geração de rendas e riquezas da nação, com o
fim de direcionar e conduzir a economia à realização e ao alcance de objectivos e metas
socialmente desejáveis.
Bastante sugestiva é posição sufragada por Vizeu FIGUEIREDO, segundo a qual:
(...) podemos conceituar o Direito Económico como o ramo do Direito público que disciplina
a condução da vida económica da Nação, tendo como finalidade o estudo, o disciplinamento
e a harmonização das relações jurídicas entre os entes públicos e os agentes privados,
detentores dos factores de produção, nos limites estabelecidos para a intervenção do
Estado na ordem económica. Outrossim, podemos conceituar, subjetivamente, o Direito
Económico como o ramo jurídico que disciplina a concentração ou colectivização dos bens
de produção e da organização da economia, intermediando e compondo o ajuste de
interesses entre os detentores do poder económico privado e os entes públicos. Podemos
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
Compilado por “José Sapalo”
12
definir, ainda, objectivamente o Direito Económico como o conjunto normativo que rege as
medidas de política económica concebidas pelo Estado para disciplinar o uso racional dos
factores de produção5
, com o fito de regular a ordem económica interna e externa6
.
Num primeiro momento, considerámo-lo um ramo do direito público, uma vez que
disciplina as relações jurídicas travadas pelo Poder Público em face dos agentes
económicos privados que actuam e operam no mercado. Todavia, conforme veremos
adiante, trata-se de ramo eclético do Direito, uma vez que é fortemente permeado de
institutos do Direito privado, por disciplinar actividades típicas do particular.
Para nós, o Direito Económico deverá ser entendido como o conjunto de normas, princípios
e regras, que visam a organização e direcção das actividades económicas, desenvolvidas por
agentes públicos ou privados, desde que para tal estejam habilitados por lei, ou seja, quando
dotados de capacidade de editar e contribuir para a edição de regras com carácter geral,
vinculativos aos agentes económicos.
1.4.3- Objecto do Direito Económico
A questão do objecto do Direito Económico não é tratada de forma unívoca pela doutrina.
A maioria dos autores sustenta que se trata de uma nova disciplina, com identidade própria
e autonomia científica. Para outros, o que existe é uma mera justaposição de diversas
disciplinas tradicionais.
Para Andrè de Laubadère, o objecto do Direito Público da Economia são as intervenções
do Estado na economia, ou melhor, "o direito aplicável às intervenções das pessoas
públicas na economia e aos órgãos dessas intervenções"7. A definição do autor francês é
bastante interessante. Porém, comete-se um descuido terminológico que merece ser
explicado.
A noção de "intervir" pressupõe um agir numa esfera da qual não se tem domínio. Ocorre
que, na grande maioria das constituições actuais, inclusive a CRA, a ordem económica é
tratada como um dos objectos de acção do Estado, e não como um factor externo. Desta
forma, o Poder Público não tem condições de intervir em algo que é seu. O que ele pode
fazer é regular.
Além desta questão terminológica, pode-se argumentar que o conceito aqui exposto deixa
de fora um dos fundamentos do Direito Económico; mais especificamente, o segundo.
Laubadère não se refere à possibilidade de regulação da economia pelos entes privados, e
também não deixa claro se os órgãos regulatórios podem ter personalidade de direito
privado.
5
Por factores de produção podemos entender todo o aparato à disposição do homem para criar bens e serviços
necessários e úteis à vida em sociedade.
6
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
7
LAUBADÈRE, André de. Direito Público Económico. Coimbra: Almedina, 1985, p.28.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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13
Tendo isto em mente, pode-se citar um conceito mais recente de Direito Económico, que
procura dar conta de toda a sua complexidade:
No presente estádio do conhecimento, e de forma aproximativa, define-se o objecto da
disciplina do Direito Económico como o estudo da ordenação (ou regulação) jurídica
específica da organização e direcção da actividade económica pelos poderes públicos se
(ou) pelos poderes privados, quando dotados de capacidade de editar ou contribuir para a
edição de regras com carácter geral, vinculativa dos agentes económicos8
.
Mesmo assim, algumas críticas podem ser direcionadas a este conceito:
Em primeiro lugar, o Direito Económico não se preocupa somente com a regulação. É bem
verdade que esta é uma de suas principais facetas, mas parece mais adequado se referir
somente à ordenação da actividade económica. Com isto, abre-se espaço para outras
figuras que também são acolhidas por este ramo do Direito, como as privatizações, a
economia mista e a auto-regulação.
Em segundo lugar, deve-se questionar se as regras de Direito Económico devem ter
carácter geral e vincular todos os agentes económicos. Parece que não. Este mesmo
raciocínio é seguido por Agustin Gordillo, ao tratar da regulação económica e social: "Pero
em modo alguno há de verse aqui um muestrario de reglas generales a aplicar a casos
concretos; antes bien al contrario, intentaremos uma vez más demonstrar la ausência de
reglas generales en materia regulatoria"9.
Diz-se isso porque existem regras que não se aplicam a todos os agentes económicos, mas
somente a alguns deles. Existem, por exemplo, regras destinadas somente aos agentes
que actuam no sector de telecomunicações; outras que se dirigem ao sector de
transportes. Pode-se argumentar que este tipo de regra não deixa de ser geral, pois, se
aplicam a todos que pretenderem ingressar naquele mercado específico. Para estes casos
pode-se dar um outro exemplo, que é bastante complexo: a obrigação de contratar,
imposta pelo Estado, ao detentor de essential facilities, as quais podem ser traduzidas
como instalações essenciais para a concorrência10.
Estas regras são destinadas a agentes económicos específicos, e contrariam o conceito que
limita o Direito Económico ao exame de regras gerais destinadas à ordenação da economia.
A pretensão seria grande demais ao se formular um novo conceito de Direito Económico.
No entanto, parece necessário levar em consideração estas duas críticas e procurar
compreender o objecto do Direito Económico como algo mais amplo do que os conceitos
apresentados.
8
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.13.
9
GORDILLO, Agustin. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey e FDA, 2003. T. 2. p.VIII-
6.
10
Sobre o tema, cf.VILLAR ROJAS, Francisco José. Las instalaciones esenciales para la competencia. Granada:
Comares, 2004; e, no Brasil, NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência: compartilhamento de infra-
estruturas e redes. São Paulo, Dialética, 2007
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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14
1.4.4- Denominação e Natureza Jurídica
Sendo que o Direito Económico é um ramo de formação recente, distingue-se amplamente
o seu posicionamento perante a fisionomia da bifurcação das grandes famílias tradicionais
do Direito (Direito Público/Direito Privado), bem como a sua natureza face o seu objecto
de estudo. Daí, vislumbrar a problematicidade da sua distinta denominação movediça na
indústria académica que gravita em torno do edifício jurídico da sua designação - Direito
Económico, ou Direito da Economia.
Ora bem, perante o imbróglio meramente académico da etimologia do léxico jurídico-
económico, foram avançadas várias ideias antagónicas para tentar a superação da tal
situação. Destas, temos a destacar as expressões “Direito Económico” e o “Direito da
Economia” que tiveram a sua construção na escola francesa e alemã, respectivamente.
Para a escola alemã, a opção é pela designação de Direito da Economia, pois que, esta
traduziria melhor a inclusão deste ramo de direito no âmbito do Direito Público, já a escola
francesa, opta pela designação de Direito Económico, pois, assim é possível vislumbrar a
dupla natureza deste novo ramo de direito (pública e privada) sendo, portanto, um ramo
misto com predomino do Direito Público, tendo em conta as funções do Estado regulatório
organizatório por via do Direito Administrativo da Economia11.
“Brevitatis causa”, podemos asseverar que as expressões acima destacadas, à luz da
unidade do sistema jurídico económico angolano e o carácter da ciência do Direito
Económico presidida pela dupla natureza (Público-Privada) somos a preferir o designativo
do Direito Económico, daí também inferir-se a sua natureza como Direito híbrido de dupla
natureza com predomínio Público, atento a forte intervenção do Estado na economia.
Relativamente à natureza, como acima aludido, não se encontram no Direito Económico
algumas das manifestações clássicas dos ramos clássicos do Direito, como a codificação12.
Mas isso não impede que ele seja tratado como um ramo em formação:
Como ramo de Direito (e na constituição dos ramos de Direito jogam factores histórico-
culturais mas também um certo convencionalismo), o Direito Económico tem vindo a
construir-se a partir da reavaliação de certos núcleos temáticos oriundos de outros ramos
de Direito (relações entre economia e constituição, intervenção económica do Estado, bens
produtivos, etc.) e da consideração de novas realidades para as quais os ramos existentes
se mostraram insuficientes ou inadequados (empresa, concorrência, concertação social,
etc.)13
.
Levando em consideração estas advertências, é difícil estabelecer o plano em que se situa
o Direito Económico. Ele é direito público ou privado?
11
O Direito Económico Administrativo, é aquele que é constituído pelas normas de Direito Administrativo que
regula as formas de intervenção do Estado na Economia, quando actua sob forma administrativa, dispondo de
poderes especiais de autoridade. - SOUSA FRANCO, citado por FERREIRA, EDUARDO PAZ, – Direito da Economia,
Lisboa, AAFDL-2003. Pág. 43.
12
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.16.
13
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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15
Para o nosso caso, é possível situá-lo, preponderantemente, no âmbito do direito público,
pois, a maioria de suas regras tem origem constitucional, ou no Direito Administrativo. No
entanto, com os processos de privatização a que se tem dado efeito – seja a privatização
de gestão ou substancial14– uma série de normas tem assumido a natureza de direito
privado.
A verdade, portanto, é que dois movimentos convergem em direção ao Direito Económico:
a privatização da esfera pública e a publicização da esfera privada15, e nenhum destes
movimentos tem sido taxado de barbarismos. Isto não quer dizer que estes movimentos
puseram um fim à distinção entre público e privado, o que seria um exagero. Uma opinião
mais comedida parece indicar o caminho correcto:
Mais correcto parece ser afirmar que no campo do Direito Económico há um relativo
apagamento da importância dessa distinção o que, longe de ser um obstáculo à sua
afirmação como disciplina autônoma, constitui mesmo uma das problemáticas mais
aliciantes que contribuem para a sua diferenciação16
.
Não há, portanto, como se definir com certeza a natureza do Direito Económico. Mas, por
outro lado, também não há como negar que ele tem se fixado, cada vez mais, como um
ramo autônomo, com seus próprios desafios e objecto de estudo.
À guisa de conclusão, podemos asseverar que, não obstante as dificuldades em proceder
à classificação do Direito Económico como ramo do Direito Público ou do Direito Privado
de acordo com as habituais distinções tradicionais, porquanto em boa razão, denota-se
que no Direito Privado há manifestação do um princípio de igualdade dos sujeitos e, por
seu turno no Direito Público identifica-se com a realidade da manifestação do Ius Imperi17,
por via da legalidade, é consensual afirmar a qualificação do Direito Económico como
Direito misto com predominância do Direito Público, pois que, abarca no seu seio uma
amálgama de normas de fonte de produção privatística e de fonte de produção pública.
1.4.5- Objectivos
A intervenção do Estado na ordem económica18 somente se legitima na realização do
interesse público. Em outras palavras, somente há que se falar em interferência do Poder
14
Sobre privatizações, ver, dentre outros, OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da administração
pública. In: Os caminhosda privatização da administração pública: IV colóquio luso-espanhol de Direito
Administrativo. Studia Iuridica 60. Coimbra: Coimbra ed., 2001. p.31-57.
15
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, op. cit., p.16.
16
Idem.
17
Cfr. Ibid., Pág. 19.
18
No que se refere à classificação das formas de intervenção do Estado na Economia, merecem destaque os
critérios propostos tanto por Luís S. Cabral de Moncada (Op. Cit., p. 33-38) quanto por André de Laubadère (Op.
Cit., p. 28-31) para classificação das formas de intervenção económica do Poder Público, a saber:
a) Quanto à abrangência: intervenções globais, sectoriais e pontuais ou avulsas: a.1) Intervenção global: quando
o Estado fixa uma política macro de planejamento económico, intervindo em carácter conjunto na economia
nacional, através de normas gerais e abstractas; a.2) Intervenção sectorial: quando o Estado fixa políticas
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16
Público no processo de geração de riquezas da nação quando esta se der no interesse
colectivo, a fim de garantir a persecução do bem-estar social.
No que tange à nossa actual Constituição, perfazendo-se uma exegese sistemática dos
dispositivos que disciplinam a Constituição Económica, seja em sentido material ou em
sentido formal, depreende-se que a interferência do Poder Público na vida económica da
nação somente se justifica quando visa colimar fins maiores de interesse colectivo,
mormente o atendimento das necessidades da população.
Por óbvio, uma vez que a República de Angola adopta a livre-iniciativa como princípio
fundamental e valor da ordem económica, a interferência do Poder Público na economia
da Nação somente se justifica quando objectivar a persecução de interesses sociais
maiores, tais como os objectivos fundamentais, positivados nos artigos 21.º, 89.º n.º 1, 90.º
e 99.º todos da CRA.
Note-se que, os agentes económicos, ou seja, os sujeitos das actividades económicas
perfazem uma gama de entidades bastante ampla, estando ali inclusos os indivíduos
particulares, o Estado, as empresas, os órgãos nacionais, internacionais e comunitários,
bem como os titulares de direitos difusos e colectivos, e o Direito Económico actua no
sentido de cumprir a espinhosa missão de conciliar os interesses económicos de todos eles
por meio da política económica elaborada. É assim que, concebe-se que o Direito
Económico tem como finalidade a realização das metas de transformação social e
maximização do desenvolvimento da sociedade, mediante a harmonização das medidas de
política económica públicas e privadas, através do princípio da economicidade, com a
ideologia constitucionalmente adoptada.
aplicáveis, tão somente, a sectores determinados da economia, através de normas gerais e abstractas; a.3)
Intervenção pontual (avulsa): ocorre quando o Estado necessita intervir no caso concreto em determinadas
entidades empresariais que actuam no mercado, através de actos concretos e específicos.
b) Quanto aos efeitos: intervenções imediatas e mediatas: b.1) Intervenção imediata: são os casos de intervenção
directa, que produzem efeitos instantâneos, tendo carácter nitidamente econômico; b.2) Intervenção mediata:
são os casos de intervenção indirecta, que produzem efeitos graduais, que só se fazem perceber ao longo do
tempo, uma vez que tal intervenção tem carácter político, com reflexos econômicos.
c) Quanto à manifestação de vontade: intervenções unilaterais e bilaterais: c.1) Intervenção unilateral: quando
o Estado actua no exercício de seu ius imperii proibindo ou autorizando determinadas actividades, intervindo no
mercado econômico através de actos unilaterais (leis, regulamentos ou actos administrativos normativos), nos
quais não há espaço para manifestação volitiva do agente econômico; c.2) Intervenção bilateral: ocorre quando
o Estado, em que pese actuar no exercício de seu ius imperii, condiciona a eficácia do acto de intervenção à
conjugação da manifestação de vontade do agente econômico, subordinada à ratificação do Poder Público.
d) quanto à actuação do Estado: intervenção direta e indirecta: d.1) Intervenção direta: ocorre quando o próprio
Estado assume para si a exploração da atividade econômica, na qualidade de agente empreendedor no mercado;
d.2) Intervenção indireta: ocorre quando o Estado se limita a condicionar o exercício da exploração da actividade
econômica, sem assumir posição de agente econômico activo.
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17
1.4.6- Autonomia
O Direito enquanto ciência é uno e indivisível. A segregação em ramos jurídicos se dá, tão-
somente, para fins didácticos de estudos científicos. Um ramo jurídico somente é
considerado autónomo quando possui princípios próprios que orientem a sua produção
normativa, legando-lhe um ordenamento jurídico peculiar, independente da produção
legislativa de outros ramos do Direito.
O Direito Económico e a sua autonomia fundam-se na intervenção do Estado na vida
económica. Neste sentido, o Direito Económico vai ganhando características específicas,
normas e princípios próprios construídos de direito que dá autonomia tanto científica e
pedagógica.
Mas, fala-se de uma interdisciplinaridade no estudo do Direito Económico que ultrapassa o
campo jurídico, querendo com isto sublinhar-se o especial peso que os temas económicos
assumem no objecto desta disciplina. Por vezes, chega mesmo a ser visto numa óptica
funcionalista, como mero instrumento da economia, um Direito ao serviço dos ditames
económicos, que apenas vê justificada a sua existência na medida em que cumpre esses
objectivos.
Deste fuste, somos a asseverar que a linha que separa o Direito Económico de outros ramos
de Direito é bastante ténue, uma vez que, tratando-se de um ramo de Direito recente,
muitas das matérias por ele abordadas, já foram tratadas por outros ramos de Direito,
embora o faça normalmente numa perspectiva diferente, ou seja, ramos como o Direito
Administrativo, o Direito Constitucional e tantos outros tratam já de matérias relativas às
actividades económicas, no entanto, apenas o Direito Económico as adopta com primazia,
considerando a regulação dessas, de modo a torna-las numa política económica objecto
exclusivo seu.
A sua finalidade é, dessa forma, regulamentar a actividade económica do mercado,
estabelecendo limites e parâmetros para empresas privadas e públicas. Ele trata de
estabelecer uma política económica19, no sentido de concretização dos ditames e princípios
constitucionais, ou seja, a política económica é definida com base na ideologia existente na
Constituição.
Outro aspecto a se ter em conta no tocante ao assunto em afloramento é o facto de que,
alguns domínios jurídicos que a priori seriam abrangidos pelo Direito Económico foram se
especializando e autonomizando, como é o caso do Direito Agrário e do Direito Bancário.
No entanto, vale aqui ressaltar que o Direito Económico e a sua autonomia fundam-se na
intervenção do Estado na vida económica, tendo como conteúdo específico as actividades
19
Por política económica deve-se entender a reunião das prioridades, medidas e metas económicas traçadas e
executadas, de forma a serem atingidos os objetivos de determinada ideologia vigente. É a superação dos limites
dos interesses privados ou dos conflitos destes com os públicos. (...) e esta política económica é definida com
base a ideologia existente na Constituição. (Helena PRATA, Lições de Direito Económico, Casas das Ideias, Luanda,
2020. P. 25).
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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18
económicas que ocorrem no mercado, sejam elas provenientes do sector privado ou
público. Neste sentido, o Direito Económico vai ganhando características específicas,
normas e princípios próprios construídos de direito que lhe dá autonomia tanto científica
e pedagógica.
1.4.7- Princípios Gerais
O Direito é um conjunto de normas de conduta, entendendo-se estas como os valores
axiológicos juridicamente protegidos que fundamentam o ordenamento legal. Por sua vez,
as normas se dividem em duas espécies: os princípios e as regras.
Os princípios são a viga mestra do Direito, sendo comandos gerais dotados de alto grau de
abstração, com amplo campo de incidência e abrangência, que orientam a produção do
ordenamento jurídico. Em razão de seu maior campo de amplitude, os princípios admitem
maior flexibilização às situações sociais, aquando da aplicação da literalidade do texto da
norma aos casos concretos.
Da mesma forma, as regras são comandos aplicáveis em um campo de incidência
específico, com elementos próximos ao direito comum, capazes de investir um indivíduo
na titularidade de direitos subjetivos. O comando normativo da regra aplica-se no campo
de acção individual de cada pessoa, sendo mais restrito na realização de seus objectivos,
não admitindo tamanha amplitude e flexibilização por parte do operador do Direito.
Assim, podemos verificar que a distinção entre princípios e regras se encontra em seu grau
de abstração. Princípios e regras concretizam-se à medida que vão sendo positivados no
texto legal, ganhando, assim, compreensão cada vez maior.
Os princípios gerais do Direito Económico são fundados, norteados e permeados,
concomitantemente, em valores de Direito público e privado, dado o ecletismo que
caracteriza este ramo jurídico, outorgando aos referidos princípios traços próprios e
específicos que os distinguem de sua aplicação em outros ramos do Direito.
a) Princípio da Economicidade
O princípio da economicidade provém do Direito Financeiro, pelo que, a sua aplicação no
Direito Económico deve ser precedida de um exercício de interpretação com base nos
valores e ideais constitucionalmente consagrados, processo este que exige uma simbiose
de valores muitos deles provenientes do Direito privado, mas que caracterizam,
igualmente, este ramo jurídico.
Deveras, o sentido do termo “economicidade” é muito mais amplo do que simples princípio
económico, ao qual se liga intrinsecamente a ideia de lucro financeiro, ou do custo
benefício (Finanças) visando a satisfação das necessidades da colectividade (Cfr. o art. 88º;
90º, da al. e) e99º,nº 1,daCRA), ou seja, o Direito Económico busca harmonizar as medidas
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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19
de política económica públicas e privadas, através do princípio da economicidade, com o
primado da ideologia constitucionalmente adoptada20.
Neste contexto, o princípio da economicidade pode ser definido como aquele através do
qual se busca a concretização dos objectivos constitucionalmente traçados por uma linha
de maior vantagem, isto é, de forma mais viável possível para o suprimento de determinada
necessidade, seja esta de que ordem for, não apenas patrimonial, mas também social,
política, cultural, ética e moral21.
Bastante sugestiva é a apreciação da Advogada de Minas Gerais (Brasil) CLÁUDIA MARIA
SILVEIRA, segundo a qual muitas vezes, a solução mais vantajosa para a situação não se
trata daquela mais lucrativa em termos financeiros, capitalistas. Tudo dependerá da
finalidade que se busca atingir. Se se almeja, por exemplo, o alcance da instalação
telefónica em meios rurais de difícil acesso, apesar de ser uma obra extremamente
dispendiosa e de pouco retorno financeiro, se concretizando tal meta, o objectivo social
terá sido realizado, embora não sejam auferidos lucros em matéria de rendas mas sim de
benefícios para a população22.
Destarte, o emprego deste princípio, vem a corresponder à necessidade de flexibilidade
das normas de Direito Económico face às diversas circunstâncias com que este se depara
ao longo da trajectória económica de um País23. Porém, um mesmo facto em contextos
distintos pode levar a decisões inteiramente contrárias, sem a ocorrência de qualquer
contradição. Trata-se de simples ajuste ao dispositivo constitucional adequado para
situações individualizadas, realizado pelo instrumento harmonizador da economicidade.
O que significa dizer que, maior vantagem há de ser adequada aos objectivos
constitucionalmente definidos. Permite, desta maneira, a opção mais justa ou
recomendável, em política económica, a ser realizada pelo aplicador ou intérprete da
norma, aquando da realização concreta de situações hipoteticamente previstas. O ideal é
que se consiga conciliar aquilo tomado como certo economicamente, com o considerado
justo juridicamente. Em caso deincompatibilidade,deveprevalecerojusto.Afinala“linhade
maior vantagem”é pautada em temos do “valor da justiça”. Restringe-se o arbítrio, o poder
de decidir do aplicador, o qual se deve ater às disposições constitucionais e princípios
hermenêuticos, preterindo-se qualquer subjectividade24.
20
Capitalismo ou socialismo.
21
Cfr. SILVEIRA, CLÁUDIA MARIA, - Advogada em Belo Horizonte (Minas Gerais) art. Direito Económico e
Cidadania - fonte internet. http://jus.com.br/946428-claudia-maria-toledo-silveira/publicacoes#ixzz2wfzDdXQK.
Consultada 10/2/2014.
22
Ibidem.
23
Daí que, o Direito Económico tem como característica marcante a efemeridade e a flexibilidade das suas
normas. Efemeridade devido ao facto de que elas são, necessariamente, adstritas à ideologia de determinada
constituição. Revogada ou reformada esta, acrescentando-se palpáveis modificações em termos ideológicos,
consequentemente, muda-se aquela, para que, novamente, se adeque à nova ordem.
24
Ibidem.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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20
b) Princípio da Eficiência
É oriundo do Direito Administrativo, sendo aplicado no Direito Económico mediante
exegese sistêmica de vários princípios, mormente o da livre-iniciativa e a livre concorrência.
Assim, no campo do Direito, determina que o Estado, ao estabelecer suas políticas públicas,
deve pautar sua conduta com o fim de viabilizar e maximizar a produção de resultados da
actividade económica, conjugando os interesses privados dos agentes económicos com os
interesses da sociedade, permitindo a obtenção de efeitos que melhor atendam ao
interesse público, garantido, assim, o êxito de sua ordem económica.
Através deste princípio, as entidades públicas ficam obrigadas a acomodar a sua gestão
económica a um aproveitamento racional dos meios humanos, económicos e financeiros
de que dispõem, minimizando os custos de produção de distribuição comercialização de
modo a poder responder na maior escala possível às necessidades que se propõe
satisfazer.
É corolário do princípio da economicidade que visa criar as condições para que a
rentabilidade empresarial seja possível25. O que significa dizer que o Estado quando está a
regular ou a intervir na economia visa alcançar a eficiência e não abstruir. A Lei
constitucional de 1992, já consagrava a eficiência no artigo 11º, nº 2, por conseguinte, na
actual Constituição Económica vem consagrada no art. 21º, al. p), da CRA.
c) Princípio da Generalidade
Confere às normas de Direito Económico alto grau de generalidade e abstração, ampliando
seu campo de incidência ao máximo possível, a fim de possibilitar sua aplicação em relação
à grande multiplicidade de organismos económicos, à diversidade de regimes jurídicos de
intervenção estatal, bem como às constantes e dinâmicas mudanças que ocorrem no
mercado. Isto porque o ordenamento de Direito Económico deve ser capaz de se adaptar
às alterações mercadológicas de maneira célere, garantido a eficácia de sua força
normativa, como instrumento disciplinador do facto económico.
1.5- Fundamentos que justificam a necessidade de se conceber o Direito Económico
Na verdade, é natural que as discussões sobre a natureza, objecto, sentido e limites da
disciplina ainda não tenham se pacificado. Afinal, trata-se de um ramo do direito com ainda
poucos anos de existência, em comparação com outros ramos mais tradicionais, o que
justifica que a doutrina não tenha entrado em um acordo sobre estas questões. O que se
pode fazer, porém, é definir quais os fundamentos e quais as condições sociais e teóricas
que presidem a necessidade de sua emergência26.
25
Cfr. MONCADA, Luís Cabral de, - Direito Económico, 5ª edição, 2007, Pág. 334.
26
SANTOS, António Carlos; GONÇALVES, Maria Eduarda; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel. Direito Económico.
5. ed. Coimbra: Almedina, 2006.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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21
O primeiro fundamento é o de que nem mesmo as economias de mercado mais liberais não
são, actualmente, produto de um funcionamento automático do mercado, regido somente
pelas leis económicas do século XIX. Neste sentido:
Com as transformações da ordem liberal clássica, surgiram, com efeito, formas específicas
de regulação pública da economia, dando origem a um conjunto de normas, princípios e
instituições que regem a organização e direcção da actividade económica nas suas diversas
manifestações (produção, circulação, distribuição e consumo), impondo limites,
condicionando ou incentivando os agentes económicos ou mesmo alterando, de um ponto
de vista estrutural, algumas tendências que resultam do livre funcionamento do mercado27
.
Este conjunto de normas, princípios e instituições de origem pública buscou suprir as
lacunas deixadas pelo direito privado clássico e até hoje constitui o núcleo mais relevante
do Direito Económico: a regulação. Mas esta regulação não se confunde com a típica
regulação administrativa; pois, ela utiliza técnicas privatísticas que as diferenciam
consideravelmente. Portanto, no presente contexto, o mercado de regulador passou a
instituição regulada.
Já o segundo fundamento é o de que as próprias entidades privadas passaram a produzir
normas, seja por delegação pública, seja por sua própria iniciativa. Isto se deve, em grande
parte, à multiplicação e complexificação dos agentes económicos28. Algumas dessas
normas são fruto de negociações, nos moldes do direito privado, entre o Poder Público e
os agentes económicos. É possível, inclusive, discutir a validade e a natureza destas
normas, mas é inegável que elas tratam de matérias vitais para a compreensão de diversos
sectores económicos. Estamos diante da chamada auto-regulação.
Acordos de concertação social, pactos sociais, regulamentos associativos, códigos de
conduta, instituições mistas, são fenómenos de direcção ou organização, global ou sectorial,
da economia e que traduzem complexa imbricação das esferas pública e privada clássicas,
possibilitando um especial desenvolvimento do Direito Económico29
.
O terceiro e último fundamento refere-se à crescente complexidade das relações entre o
sistema económico e os sistemas jurídico e político30. Ao longo do século XX descobriu-se
que a economia também é um poder, e que, por isso, a política e a justiça não podem
permanecer indiferentes. Isto toma ainda mais forma no momento em que se configura
um Estado Social, preocupado em garantir aos cidadãos as necessidades básicas e a
protecção de seus direitos fundamentais. Este fundamento traz consigo as questões de
controle do poder económico pelo Poder Público e da constituição económica (direito do
trabalho, do consumidor e ambiental são alguns exemplos)31.
27
Ibid., p.10.
28
Idem.
29
Ibid., p.10-11.
30
Ibid., p.11.
31
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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22
1.6- Características do Direito Económico
Com tudo o que já foi exposto, é possível enumerar algumas das características do Direito
Económico:
1- Carácter recente do Direito Económico: tanto no Direito angolano como noutros
ordenamentos jurídicos do Direito comparado, é sempre considerado como nova
disciplina em relação as disciplinas tradicionais, ou seja, mais antigas do Direito,
designadamente Direito civil, Direito das Obrigações, Direitos Reais e etc.
2- Suas fontes são dispersas e heterogêneas: o Direito Económico tem uma pluralidade
de fontes. Existem, em primeiro lugar, fontes internas. Dentre elas, a primeira fonte
é a Constituição. A CRA, por exemplo, contém um conjunto extenso de preceitos que
se referem directamente à economia, e constitui a essência da ordem económica32. À
Constituição seguem as Leis, os Decretos e os demais actos do Poder Público que
produzem efeitos sobre a economia.
Há também fontes internacionais, costumeiramente previstas em tratados ou
convenções. As fontes internacionais têm grande importância para os países da
União Europeia, a qual emite uma série de directivas a fim de ordenar um direito
comunitário. Estas directivas, diga-se, tem apontado para a privatização da
economia, inclusive dos serviços públicos.
Ainda, as regras de Direito Económico podem ter origem privada, ou mista. Como já
se noticiou anteriormente, os agentes económicos privados podem se reunir e emitir
regras com carácter supletivo ou complementar33, ou eles podem se reunir com o
Poder Público, e definir medidas de concertação. Não se pode esquecer, por fim, da
importância das decisões jurisdicionais e administrativas para o desenvolvimento da
disciplina.
3- A ampliação do âmbito das fontes tradicionais: como fontes tradicionais, deve-se
compreender as "leis". O Direito Económico não se restringe ao modelo clássico de
lei, que prevê uma regra primária e outra secundária (preceito-sanção). Pelo
contrário, há a inclusão de leis-plano, leis-medida, actos de fomento. Todas estas
modalidades não eram conhecidas pela doutrina jurídica clássica.
4- Mobilidade, ou mutabilidade: esta característica se manifesta "na transitoriedade da
vigência e na plasticidade na adaptação aos casos concretos de uma parte das suas
normas, em parte justificada pela sua natural sensibilidade às mudanças sociais e
políticas e pela sua ligação às políticas económicas conjunturais"34.
5- Privatização das fontes: trata-se da elaboração de normas pela auto-regulação, pelo
processo de concertação entre autoridades privadas e públicas, e também pelo
32
Ibid., p.22.
33
Sobre a autorregulação, cf. MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra:
Almedina, 1997.
34
SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.25.
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23
processo de privatização de gestão das entidades governamentais.
6- Declínio da coercibilidade: no Direito Económico predominam as regras de conteúdo
positivo, ou seja, regras que permitem e incentivam. As regras proibitivas são menos
numerosas. Estas características podem até mesmo fazer alguns juristas
questionarem o carácter jurídico do Direito Económico, já que as suas regras não
trabalham com o sistema clássico de preceitos e sanções. Mas a eles, o que se pode
responder é que a realidade é esta, e ela deve ser observada no âmbito jurídico.
1.7- Sujeito da Relação Jurídica Económica
Como é de práxis, as normas e princípios jurídicos que constituem qualquer ramo de
Direito tem sempre como centro as pessoas, isto é, pessoas físicas e/ou colectivas de
Direito Público ou de Direito Privado, como sendo os seus destinatários. Relativamente a
teoria da relação jurídica, ela pode-se definir, segundo a doutrina de MANUEL DOMINGUES
DE ANDRADE, como uma relação da vida social disciplinada pelo direito, mediante
atribuição à uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjectivo e a correspondente
imposição à outra pessoa de um dever ou de uma sujeição35.
O que será, no caso particular a relação jurídica económica? LUÍS CABRAL DE MONCADA diz
que, - “A relação jurídica Administrativa é, deste modo, o vínculo abstracto e geral ou
individual e concreto constituído entre dois ou mais sujeitos de direito por uma norma de
direito administrativo ou por um acto individual concreto, mediante o qual cada um dos
intervenientes pode exigir de outro certa conduta positiva ou negativa”36.
Portanto, podemos inferir a partir da compreensão das contribuições dogmáticas acima
referenciadas e que, neste passo, a relação jurídica económica pode ser axiomada na
seguinte definição: - “um o vínculo geral e concreto que se estabelece entre dois sujeitos ou
mais Agentes Económicos disciplinado por uma norma de Direito Público ou Privado,
contrato ou por um acto individual concreto, mediante atribuição de um direito subjectivo a
um dos intervenientes, do qual pode-se exigir de outrem certa conduta positiva ou
negativa”37. Para o Direito moderno todo indivíduo é pessoa para todos efeitos jurídicos,
no entanto, outras entidades, as pessoas não humanas também são pessoas jurídicas
próprio da construção do Direito, pois que, veem reconhecidas a personalidade jurídica.
Neste sentido, a personalidade do sujeito jus-económico define-se como conjunto de
direitos e deveres atribuídos em função da organização e direcção económica; e será
sujeito ius-económico, todo centro de imputação das normas ius-económicas, atribuídas
em função do papel que cada um desempenha no seio do sistema económico38.
35
Cfr. ANDRADE, MANUEL A. DOMINGUES, – Teoria Geral da Relação Jurídica – vol. I, Sujeito e Objecto, Coimbra
2003, Reimpressão, Pág. 2.
36
Cfr. MONCADA, LUÍS CABRAL DE, – Relação Jurídica Administrativa, Coimbra editora 2009, Pág. 13.
37
Definição nossa.
38
Cfr. PRATA, HELENA, – Lições de Direito Económico, casa das ideias Pág. 138.
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1.7.1- Critérios de determinação e tipos legais de sujeitos jus-económico
Regra geral, são sujeitos jus-económico aquelas todas entidades (públicas ou privadas) as
quais serão centro de imputação das normas económicas segundo o papel que cada uma
delas desempenha no âmbito da relação jurídica económica.
Para a determinação do tipo legal de sujeitos jus-económicos são utilizados dois critérios:
o económico e o jurídico. Para o critério económico, ou de agentes económicos (aqueles
que intervêm de uma maneira directa no circuito económico – da produção ou consumo).
Nesta perspectiva são sujeitos o Estado, as Empresas e os Consumidores.
No entanto, nós seguimos o critério jurídico, que é mais extenso, pelo que, a sua
classificação parte dos nexos funcionais de titularidade e outros teleologicamente jus-
económico que imputam ou vinculam, quer em termos característicos da pessoa jurídica,
quer em termos análogos e eruptivos à essa classificação o Estado; as Associações
Privadas de natureza económica, as famílias39, o Consumidor e as Empresas.
Nestes moldes, segundo a Prof.ª Helena PRATA, podemos identificar seis tipos de sujeitos
jus-económico: o Estado, as empresas, as associações económicas, o consumidor e os
agrupamentos de empresas40.
1.8- Fontes
1.8.1- A Ordem Económica e a Ordem Jurídica Económica
Num primeiro momento, os conceitos de Ordem Económica e de Ordem Jurídica
Económica ou Ordem Jus-económica são tomadas como conjunto de regras e princípios,
segundo os quais a actividade económica se pauta. No entanto, a presente justaposição
não é inteiramente coincidente: a ordem económica em sentido económico, aquém ou
além das regras e princípios jurídicos vigentes, integra leis ajurídicas que exprimem o
funcionamento da Economia e que cognitivamente relevam da Ciência da Economia,
encerrando uma ideia de um certo determinismo funcional causal.
Deveras, a Ordem Jurídica Económica (OJE) vai mais longe, extensiva e intensivamente,
quando concebida como o conjunto de normas e princípios jurídicos que pautam a
actividade económica41. Gerard FARJAT distingue-nos, adentro desta vasta ordem
económica jurídica, uma ordem pública da economia como conjunto de normas, medidas
tomadas pelos poderes públicos com o fim de organizar as relações económicas que a
opõe a uma ordem privada da economia e a uma ordem mista ou ordem concertada, todas
passíveis de coexistirem num mesmo espaço.
39
A família no Direito Económico como instituição social não é sujeito jus-económico por lhe escapar aquele
substrato jurídico de personalidade e capacidade jurídicas, ou seja, de ser centro de imputação de direitos e
obrigações
40
Helena PRATA, Op. Cit., pág. 112.
41
Conceito de ordem jurídica económica: conjunto de regras jurídicas, institutos e princípios incluídos, que
regulam a actividade económica.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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1.8.2- Fontes Angolanas do Direito Económico
A Ordem Jurídica Económica é constituída por todas as normas e actos jurídicos que
disciplinam a actividade económica, sejam elas normas internacionais, leis, decretos
presidenciais, portarias despachos ou outros.
Por fontes do Direito entende-se os modos de produção e revelação das normas jurídicas.
Em matéria de Direito Económico podemos encontrar as fontes tradicionais (a
Constituição, actos normativos, regulamentos) e as fontes não tradicionais (os acordos de
concertação económica; as várias formas contratualistas estabelecidas entre o Estado e os
particulares)42. Isto faz com que as fontes de Direito Económico tenham como
características principais a complexidade e diversificação, uma vez que elas podem ser
públicas, mistas e privadas, estando na base desta situação os seguintes factores:
✓ A perda do monopólio dos poderes públicos na produção de normas jurídicas;
✓ A emergência de uma ordem negociada entre poderes públicos e privados (o direito
de concertação económica);
✓ Auto-regulação por devolução pública.
1.8.3- Fontes Tradicionais: Fontes Internas e Internacionais.
A) Fontes Internas
✓ A Constituição (naturalmente, é a primeira e a mais importante fonte do Direito,
porque é a Lei fundamental é a carta magna, portanto, fixa as grandes balizas de
toda actividade económica como por exemplo os artigos: 2º, 8º, 12º, 14º, 15º, 16º, 38º,
78º, 89º, e ss da CRA);
✓ Actos normativos (Leis, Decretos-lei, Decretos); e,
✓ Regulamentos – São um conjunto de regras e princípios jurídicos que regulam uma
determinada actividade económica art. 201º da CRA.
B) Fontes Internacionais:
São fontes do Direito Económico Internacional os tratados Internacionais e regionais.
Efectivamente são numerosas as convenções Internacionais que vinculam o Estado em
matéria económica que ingressam na ordem jurídica económica através da transposição
semiplena e plena nos termos densificados no corpo do art. 13º, da CRA. Por outro lado,
confluem para efeitos das fontes do Direito Económico no plano internacional a Lei nº 4/11,
de 14 de Janeiro, Lei sobre os Tratados Internacionais ex.: GATT, SADC, OMA, OMC etc.
42
Cfr. AAVV. – DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS/GONÇALVES, MARIA EDUARDA/MARQUES, MARIA MANUEL
LEITÃO, - Op. Cit., pp. 21-25.
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1.8.4- Fontes não Tradicionais
Em consequência da evolução que se tem verificado no mundo actual, na forma de
conceber a actividade económica e o papel do Estado quer quando intervém diretamente,
quer quando procura obter resultados por outra via, as fontes não tradicionais tendem a
ganhar uma importância crescente no Direito Económico, pois, a regulação da actividade
económica tem origem pública, particular ou mista.
É este o caso dos Acordos de concertação económica, de várias formas contratualistas
estabelecidas entre os Estados e os particulares etc. Em qualquer caso, é difícil fazer uma
valoração definitiva da importância dessas fontes de Direito, que de alguma forma revelam
um grande poder de adaptação do Direito Económico às mutações económicas e sociais.
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CAPÍTULO II – MODELOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA
2.1- Direito e Economia
Economia é a ciência que estuda a forma pela qual os indivíduos e a sociedade interagem
com os fatores de produção, integrando-os em um ciclo económico (produção, circulação
e consumo). Trata dos fenómenos relativos à produção, distribuição e consumo de bens.
Microeconomia é a teoria clássica económica, baseada nas unidades individuais da
economia (liberdade individual nas relações jurídico-económicas), focando-se, tão-
somente, em cada agente económico. Macroeconomia ou economia política é a moderna
teoria económica, que teve origem com o processo de intervenção do Estado na economia,
focando-se no funcionamento do fenómeno económico em caráter colectivo, como um
todo. Conforme o magistério de Carlos Maximiliano, “não pode o Direito isolar-se do
ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e
económica. [...] As mudanças económicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de
toda a evolução jurídica; e o Direito é feito para traduzir em disposições positivas e
imperativas toda a evolução do igualitarismo”43 (grifamos).
A clássica doutrina económica é fortemente permeada no pensamento de Adam Smith,
cuja teoria da mão invisível partia do pressuposto de que os negócios jurídicos realizados
no mercado, em condições perfeitas de competição, resultam na satisfação dos interesses
coletivos da sociedade, mesmo que os agentes ajam, tão-somente, em interesse individual
e próprio.
Por sua vez, a moderna doutrina económica segue novas tendências de pensamentos,
mormente a teoria dos jogos, desenvolvida pelo matemático suíço John Von Neumann no
início do século XX, que analisa a forma como agentes económicos ou sociais definem sua
actuação no mercado, considerando as possíveis acções e estratégias dos demais agentes
económicos44. Vale ressaltar o pensamento do economista, ganhador do Prêmio Nobel,
John Nash, que aprofundou os estudos de equilíbrios entre os agentes económicos,
mormente em relação à aplicação da Teoria dos Jogos em ambientes não cooperativos.
Denomina-se “Equilíbrio de Nash” a solução para determinado mercado competitivo no
qual nenhum agente pode maximizar seus resultados diante da estratégia do outros
agentes45.
Destarte, pela conceituação acima delineada, resta claro que o Direito económico se
interessa pelos fenómenos macroeconómicos, focando seu estudo nas relações jurídicas
oriundas da intervenção do Estado no controle e condução da utilização racional dos
factores de produção por parte de seus detentores. Assim, o Direito Económico visa, com
43
MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do direito. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 157-9.
44
Ver, a respeito da teoria dos jogos: BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C. Game Theory
and the Law. Cambridge: Harvard University Press, 1998.
45
SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D. Economia. Rio de Janeiro: Mcgraw-Hill, 1999. p. 199
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a condução da política económica, alcançar e realizar os interesses coletivos e
transindividuais traçados pelo Estado.
2.2- Classificação das Actividades Económicas
O estudo do Direito Económico envolve, inicialmente, a preocupação com a compreensão
do que seja actividade económica, principalmente o seu modo de acontecer, para que as
normas jurídicas não interfiram nas regras naturais da Ciência Económica. Do ponto de vista
estritamente concebido, a actividade económica corresponde a todo acto de produção e
consumo de bens e serviços, cuja finalidade é a satisfação das ilimitadas necessidades
humanas46-47.
Desfazendo este primeiro entendimento podemos conceber por actividade económica
todo o empreendimento envidado no sentido de se produzir, circular ou consumir bens, a
fim de atender as necessidades colectivas e individuais da sociedade. Por sua vez, o ciclo
económico corresponde ao conjunto das etapas em que irão ser criados os bens, colocá-
los no mercado para se efectuar as trocas comerciais, bem como disponibilizá-los para
consumo final.
Observe-se que, o atendimento das necessidades humanas pode se dar tanto por parte do
particular quanto por parte do Poder Público. Como é óbvio, o agente privado constituído
sob a forma empresarial actua sempre no sentido de alcançar seus interesses próprios,
vendo nas necessidades colectivas e individuais da sociedade uma forma de se obter lucro.
Assim, quando participa do ciclo económico seu objectivo imediato e principal é a
persecução de resultados financeiros, que serão alcançados mediante o atendimento das
necessidades da colectividade, por meio da venda de seus bens e produtos. Trata-se da
teorizada “mão invisível” advogada por Adam Smith.
Por sua vez, o Estado tem por finalidade maior o atendimento dos interesses da sociedade,
em especial as necessidades da parcela da população que, por qualquer razão que seja, não
pode, por si, auferir renda e adquirir com o produto de seu labor os bens necessários para
a subsistência48. Para tanto, actua sempre em regime de Direito Público, de modo a
garantir o acesso universal aos bens que disponibiliza e, excepcionalmente, em regime de
direito privado. Isto porque, no que se refere ao mercado privado, o consumo de bens é
estritamente ligado à capacidade económica dos indivíduos. Em outras palavras, a
aquisição de bens é directamente proporcional ao poder de geração de renda do cidadão.
46
Lei n.º 5/02, de 16 de Abril: art.º 1.º São actividades económicas aquelas que se destinam à produção e
distribuição de bens e à prestação de serviços a título oneroso e com finalidade lucrativa.
47
No âmbito das actividades económicas é usual distinguir-se três sectores: o primário, composto pela
agricultura, pesca, caça, pecuária e silvicultura; o secundário, pela indústria, podendo ser esta compreendida
enquanto actividade transformadora; e o terciário, integrado pelas actividades latamente aferidas ao comércio
e aos serviços.
48
Essa é uma filosofia de actuação e missão que tem no moderno Estado Social a sua origem e fundamento.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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29
Todavia, tal facto não se traduz no abandono do mais desfavorecido por parte da
sociedade civil, uma vez que, esta se organiza juridicamente em torno do Estado, a quem
incumbe conduzir o processo de redistribuição de renda e atendimento dos necessitados
(Cfr. art.º 90.º da CRA). Assim, aqueles que, por si, possuem renda e podem adquirir os bens
essenciais à vida, contribuem na arrecadação de receitas do Poder Público (princípio da
capacidade contributiva), para que este disponibilize à parcela desfavorecida da sociedade
os bens necessários à existência digna.
Destarte, podemos conceber que a actividade económica em sentido lato envolve tanto o
atendimento das necessidades da sociedade pelo mercado privado, quanto pelo Poder
Público. Este actua prestando serviços públicos à sociedade como um todo, mormente aos
mais desfavorecidos, ao passo que aquele actua explorando actividades económicas em
sentido estrito. Assim, podemos classificar as actividades económicas em:
a) Actividade económica em sentido estrito
Trata-se de todas as actividades típicas do mercado, que envolvem a produção, circulação
e o consumo de bens e serviços, sendo regidas exclusivamente pelas normas do direito
privado. Assim, as actividades económicas em sentido estrito são exploradas
precipuamente pelo particular e subsidiariamente pelo Poder Público, somente nas
hipóteses e excepções constitucionalmente previstas, devendo o mesmo, para tanto, estar
previamente autorizado por lei, sempre em regime de direito privado e em caráter
concorrencial com o particular49.
b) Serviços Públicos
Por serviços públicos entende-se toda a actividade prestada para atendimento das
necessidades do Estado ou da sociedade, sempre sob regime de Direito Público. Os
serviços públicos são precipuamente prestados pela Administração Pública, cabendo,
todavia, sua delegação aos particulares, seja por via de concessão ou permissão, precedida
obrigatoriamente de concurso. Observe-se que a regência de tais actividades será sempre
por normas de Direito Público, ainda quando prestadas por particular em regime de
concessão50.
49
Observe-se que a oferta e aquisição dos produtos oriundos da exploração de actividade económica em sentido
estrito são restritas, tão somente, à parcela da população com renda própria para tanto. Isto porque a exploração
destas actividades se orienta em princípios de direito privado e nas leis de mercado, não havendo como se impor
aos agentes económicos particulares atendimento caritativo e assistencialista às necessidades dos
desfavorecidos. Estes, quando se fizer necessário, devem valer-se das políticas públicas de redistribuição de
renda, de erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais a serem implementadas pelo Poder
Público. Tal facto não se traduz na volta ao liberalismo puro, uma vez que ao Estado compete normatizar, regular
e planejar sua ordem económica e seu mercado interno, conduzindo-os ao atingimento de metas socialmente
desejáveis. Some-se a isso que o próprio agente económico tem funções sociais a desempenhar perante o
mercado e a colectividade. Todavia, o fim maior de realização da justiça social, tendo em vista a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, compete precipuamente ao Estado, que nada mais é do que a Nação
juridicamente organizada em torno da Constituição e das leis.
50
Observe-se que, no modelo de Estado Regulador, não compete mais ao Poder Público o atendimento irrestrito
de toda e qualquer necessidade da população, mas sim focar esforços para realização dos objectivos
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2.3- Sistemas Económicos
Inicialmente, há que se ter em mente que sistema se trata de um conjunto de elementos
que se sustentam por si. Assim, os sistemas ou modelos económicos são, especificamente,
a forma pela qual o Estado organiza suas relações sociais de produção, na qual estrutura
sua política, isto é, a forma adoptada pelo Estado no que se refere à propriedade dos
factores de produção e distribuição do produto do trabalho. Alternativamente, é o
conjunto de princípios e técnicas com os quais os problemas de economia são
endereçados, tais como o problema da escassez com a alocação de recursos produtivos
limitados. É composto por pessoas, instituições e a sua relação com os recursos produtivos,
como seja a convenção de propriedade. Vale destacar que o sistema económico pode ser
concebido como uma especialização do sistema de direito51.
Inicialmente, o mundo adoptou dois sistemas económicos bem definidos, que foram
classificados em dois grandes modelos, diametralmente opostos, a saber, capitalismo e
socialismo. Actualmente, diante das actuais necessidades económicas internas e da nova
configuração da economia mundial, presenciamos o surgimento de modelos económicos
que mesclam tanto características capitalistas, quanto socialistas. Destarte, a classificação
a seguir delineada se dá para fins meramente didáticos, uma vez que, no mundo
globalizado, as relações jurídico-económicas podem assumir feições de cunho capitalista,
em que pese embora serem oriundas de um sistema socialista, como ocorre, actualmente,
na República Chinesa.
A) Capitalismo
É o sistema económico no qual as relações de produção estão assentadas na propriedade
privada dos bens em geral, dos factores de produção, na ampla liberdade de iniciativa e de
concorrência, bem como na livre contratação de mão de obra. Tem no capital um de seus
principais factores de produção, sendo este um dos elementos preponderantes para a
sustentação da vida económica. É, outrossim, denominado sistema da livre empresa.
Este sistema assenta-se basicamente no individualismo próprio do liberalismo económico,
tendo como principais características:
a) Propriedade privada dos meios de produção;
fundamentais da sociedade em especial a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o
desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e
regionais; e a promoção indiscriminada do bem de todos (Cfr. art.º 21.º da CRA). Assim, a prestação dos serviços
públicos por parte do Estado deve ter como finalidade o atendimento precípuo das necessidades da parcela da
população que, por qualquer razão que seja, não esteja em condições de auferir renda e, com o produto de seu
labor diário, adquirir os bens essenciais à sua existência digna.
51
Por sistemas de direito, podemos entender o conjunto de normas, regras e princípios, que regerão as diversas
formas pelas quais a sociedade organizará os mecanismos de legitimação política da autoridade estatal; de
participação popular na condução da vida política do Estado; os paradigmas de comportamento para a regulação
da vida no meio social; bem como as diversas formas de relação, individual e social, com as riquezas e os factores
de produção.
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31
b) Trabalho assalariado como base de mão de obra; e,
c) Sistema de mercado baseado na livre-iniciativa e na liberdade de concorrência.
Neste sistema económico, os meios de produção e distribuição são de propriedade privada
e com fins lucrativos. As decisões sobre oferta, demanda, preço, distribuição e
investimentos não são tomadas pelo governo, mas concebidas pelo mercado, os lucros são
distribuídos para os proprietários que investem em empresas e os salários são pagos aos
trabalhadores pelas empresas. Não há consenso sobre a definição exacta do capitalismo,
nem como o termo deve ser utilizado como categoria analítica.
B) Socialismo
É o sistema económico baseado na autoridade estatal, que centraliza e unifica a economia
em torno do Poder Central. É oriundo do processo crítico que apontou as falhas no modelo
capitalista, principalmente no que se refere ao acirramento das desigualdades sociais e
empobrecimento do proletariado, sendo um sistema de cunho social e político, além de
económico.
Tem como principais características:
a) Direito de propriedade limitado e mitigado pela vontade estatal e, não raro,
suprimido;
b) Estatização e controle dos factores de produção e recursos económicos por parte
da classe trabalhadora;
c) Gestão política que visa à redução das desigualdades sociais; e,
d) Remuneração do trabalho mediante a repartição do produto económico que se dá
por decisão do governo central.
Refere-se, portanto, a um sistema de organização económica baseado na propriedade
pública ou colectiva e na administração dos meios de produção e distribuição de bens por
parte de uma única autoridade central. Por sua vez, a sociedade se caracteriza pela
igualdade de oportunidades para todos como um meio mais igualitário de compensação
das diferenças naturais entre os indivíduos.
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32
Quadro sinóptico das soluções dadas pelos dois sistemas às questões fundamentais da
economia:
Produzir
Economia de mercado:
Capitalismo
Economia planificada:
Socialismo
O quê?
(consumo)
O consumo é determinado pelos
consumidores que definem as suas
necessidades, prioridades e
intensidades, confrontando-as no
mercado livre.
Cabe à Direcção Central interpretar as
necessidades dos sujeitos económicos,
estabelecendo quais são elas e qual a
prioridade relativa de satisfação.
Como?
(Produção)
A produção é organizada livremente
pelos agentes económicos que
escolhem as técnicas e os bens a
produzir, tendo em conta a lei da
procura e da oferta no mercado livre.
Cabe à Direcção Central através da
planificação da economia, definir quais os
bens a produzir e em que quantidades.
Para quem?
(Repartição)
A repartição do produto é feita através
dos mercados de factores de produção
(em que uns vendem trabalho, capital,
terra ou técnica e outros compram tais
bens com as receitas da venda dos seus
produtos.)
A Direcção Central fixa as quotas de
resultados de produção que são
distribuídas a cada sujeito económico, a
cada factor de produção, a cada região e
sector.
Síntese
O sistema de economia de mercado é
um modelo económico abstracto
totalmente descentralizado, em que a
resolução dos problemas económicos
fundamentais se passa
espontaneamente, como se não
houvesse Estado, através dos
mecanismos da procura e da oferta
num mercado de livre concorrência.
O sistema de economia planificada é um
modelo económico abstracto totalmente
centralizado, dependendo de um plano
central obrigatório, que constitui o seu
instrumento privilegiado para a resolução
de todos os problemas económicos
fundamentais.
2.4- Formas de Posicionamento Económico do Estado
Trata-se do estudo da forma de participação do Estado nas actividades de cunho
económico, desenvolvida em seu respectivo território. O ponto de partida é o de que a
intervenção é um fenómeno historicamente permanente, uma vez que desde sempre
existiram formas de intervenção na economia por parte do Estado, embora qualitativa e
quantitativamente diferentes das que são, por exemplo, as características do Estado de
Direito Social dos nossos dias.
Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023
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33
Desta feita, entende-se claramente que a questão da intervenção estatal na economia
descreveu assim uma clara evolução, cujos contornos interessa precisar de modo a melhor
identificar as suas características principais nos nossos dias. Historicamente, a maioria das
normas interventoras anteriores às actuais assumiam um carácter proibitivo e repressivo,
não se pretendendo com elas levar os entes privados a adoptar certos comportamentos
ou a efectuar certas prestações positivas conformes ao interesse geral definido pelas
autoridades.
Desta feita, pode-se identificar as seguintes formas económicas de Estado:
2.4.1- Estado Liberal
Baseia-se na doutrina filosófica e política do liberalismo, que se assenta no respeito do
Estado ao pleno exercício dos direitos e garantias por parte de seus respectivos indivíduos.
A principal manifestação económica do Estado Liberal é o postulado da livre-iniciativa, que
se traduz no direito de qualquer cidadão exercer actividade económica livre de qualquer
restrição, condicionamento ou imposição descabida do Estado.
Outrossim, cumpre ressaltar que tal sistema económico igualmente pautava-se na plena
liberdade contratual, devendo o Poder Público garantir o cumprimento das cláusulas
pactuadas, a fim de se manter a estabilidade e a segurança nas relações jurídicas
contratuais.
Por fim, o Estado Liberal, igualmente, se assenta na liberdade de mercado, na qual o
sistema económico fica sujeito à auto-organização (auto-regulação) da economia, não
sofrendo qualquer influência ou interferência estatal (sistema económico autônomo –
descentralização das decisões económicas), uma vez que, ao Governo Central compete tão
somente a manutenção da ordem interna e a defesa externa das fronteiras. Consubstancia-
se, no plano jurídico, no princípio da autonomia de vontades privadas, no dirigismo
contratual e no carácter absoluto dos direitos privados, tais como a propriedade e a
liberdade52.
No plano económico, o Estado Liberal é fruto directo das doutrinas do filósofo escocês
Adam Smith, que defendia que a harmonia social seria alcançada por meio da liberdade de
mercado, aliando-se a persecução do interesse privado dos agentes económicos a um
ambiente concorrencialmente equilibrado.
52
Os primeiros economistas clássicos pensavam que os mercados se auto regulavam, sendo a economia liberal
identificada como economia não regulada, querendo com isto dizer-se, não que funcionava desreguladamente,
pelo contrário, mas sim que para funcionar reguladamente não precisava ser hetero-regulada ou regulada
artificialmente. Eles argumentavam que as tentativas para aliviar a pobreza através das intervenções
governamentais na economia eram esforços inglórios que acabariam simplesmente por reduzir o rendimento
nacional total. Esta perspectiva foi contestada pelo economista inglês John Stuart Mill, o qual, embora alertando
contra as interferências no mecanismo de mercado, argumentou que as políticas governamentais podiam reduzir
a desigualdade.
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34
Por meio do devido processo competitivo, os agentes mais aptos iriam se sobressair sobre
os menos eficientes, sendo estes naturalmente eliminados. Desta feita, em um mercado,
cujos participantes estão em constante disputa para atrair maior número de consumidores,
estes experimentam os benefícios da competição, tendo à disposição produtos e bens
qualitativamente diferenciados, por preços cada vez menores, garantindo, assim, a
maximização de seu nível de bem-estar socioeconómico. Tal teoria económica é a
denominada “Mão Invisível”.
No campo do Direito Constitucional comparado, merece destaque o Estado Liberal Norte-
Americano, inaugurado com a Constituição de 1787, emendada aditivamente pelo Bill of
Rights de 1791, bem como o francês, inaugurado pela Carta de 1789. Neste sentido, cabe
citar o magistério de Manoel Afonso Vaz:
Laissez-faire, laissez-passer; le monde va de lui-même – eis o lema apontado por Adam Smith
que, na sua “Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” (1776),
preconizava: cessem todas as medidas de limitação e surgirá por si próprio o sistema claro
e simples da liberdade natural. (...) De acordo com o sistema da liberdade natural só restam
ao Estado três funções para desempenhar: a) a obrigação de defender a nação contra as
violações e ataques de outras nações independentes; b) a obrigação de salvaguardar todo
o membro da própria nação contra ataques, mesmo legais, de todos os outros, ou seja,
manter uma legislação imparcial; c) criar e manter certas instituições públicas cuja criação e
manutenção não possam ser esperadas da iniciativa privada53
.
Conforme bem observado por Nagib Slaibi Filho, o Estado Liberal caracteriza-se por uma
postura abstencionista, uma vez que actua de forma neutra e imparcial no que tange à
actividade económica. Na lição do ilustre constitucionalista:
O Estado liberal é absenteísta quanto à actuação na Economia (...) Se o Estado absenteísta
pretende deixar fluir as forças naturais do mercado, isto é, não corrige nem dirige os
aspectos económicos, já o Estado intervencionista actua sobre a ordem económica,
legislando e transformando os factores de produção, de acordo com o ideário político que
inspira sua actuação54
.
Após a derrocada do modelo estatal liberal houve a ascensão de uma nova forma de
posicionamento do Poder Público em face da economia e dos mercados, não havendo mais
que se falar em liberalismo puro, mas em diferentes formas e aspectos intervencionistas,
cada qual influenciado pelo ideário político da corrente partidária que se encontra no
poder, conforme adiante explicitado.
De tudo o que fica dito resultam na prática um conjunto de elementos que caracterizam o
sistema económico capitalista liberal:
✓ Não intervenção do Estado na economia;
✓ Liberdade de iniciativa económica privada em todos os sectores;
53
VAZ, Manoel Afonso. Direito econômico, a ordem econômica portuguesa. Coimbra: Coimbra, 1985. p. 15.
54
SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 862-863.
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  • 1. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA Instituto Superior Politécnico Católico do Huambo – ISPOC LIÇÕES DE DIREITO ECONÓMICO Contém o desenvolvimento do Programa da Cadeira de Direito Económico (objecto de revisão e actualização) apresentado, no ano lectivo 2022/2023, aos estudantes do 3.º ano do Curso de Licenciatura em Direito, pelo Docente da disciplina José SAPALO. H U A M B O, 2022/2023
  • 2. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 5 “A crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia. Na crise nasce a invenção, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem atribui à crise os seus fracassos e penúrias viola o seu próprio talento e respeita mais os problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência. Sem crise não há desafios, sem desafios a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. A única crise ameaçadora é a tragédia de não querer lutar”. ALBERT EINSTEIN
  • 3. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 4 SUMÁRIO SUMÁRIO............................................................................................................................................ 4 PARTE I - CONSPECTOS GERAIS SOBRE O DIREITO ECONÓMICO.................................................. 7 CAPÍTULO I – FORMAÇÃO E DELIMITAÇÃO DOGMÁTICA DO DIREITO ECONÓMICO .................. 7 1.1. Noções preliminares .................................................................................................................... 7 1.2. Da Política e do Direito................................................................................................................ 8 1.4. Do Direito Económico ............................................................................................................... 10 1.4.1. Evolução Histórica................................................................................................................... 10 1.4.2. Conceito .................................................................................................................................. 11 1.4.3- Objecto do Direito Económico .............................................................................................. 12 1.4.4- Denominação e Natureza jurídica......................................................................................... 14 1.4.5- Objectivos ............................................................................................................................... 15 1.4.6- Autonomia .............................................................................................................................. 17 1.4.7- Princípios Gerais ..................................................................................................................... 18 1.5- Fundamentos que justificam a necessidade de se conceber o Direito Económico .............. 20 1.6- Características do Direito Económico...................................................................................... 22 1.7- Sujeito da Relação Jurídica Económica.................................................................................... 23 1.8- Fontes......................................................................................................................................... 24 1.8.1- A Ordem Económica e a Ordem Jurídica Económica ........................................................... 24 1.8.2- Fontes Angolanas do Direito Económico ............................................................................. 25 1.8.3- Fontes Tradicionais: Fontes Internas e Internacionais........................................................ 25 1.8.4- Fontes não Tradicionais......................................................................................................... 26 CAPÍTULO II – MODELOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA.................................. 27 2.1- Direito e Economia .................................................................................................................... 27 2.2- Classificação das Actividades Económicas.............................................................................. 28 2.3- Sistemas Económicos ............................................................................................................... 30 2.4- Formas de Posicionamento Económico do Estado ................................................................ 32 2.4.1- Estado Liberal ......................................................................................................................... 33 2.4.2- Modelo Jurídico do Estado Social: Surgimento Do Estado Providência............................ 35 2.4.3- O Neoliberalismo ................................................................................................................... 37 2.4.4- A Terceira Via ......................................................................................................................... 39 CAPÍTULO III – CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA ................................................................................ 41 3.1- Noção de Constituição Económica........................................................................................... 41 3.2- Concepções da Constituição Económica................................................................................. 43
  • 4. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 5 3.3- Funções da Constituição Económica........................................................................................ 43 3.4- Tipos de Constituição Económica............................................................................................ 44 3.5- Relação entre Constituição Económica e Constituição Política ............................................ 45 3.6- Âmbito e Sentido da Constituição Económica........................................................................ 46 3.8- A Constituição Económica Angolana....................................................................................... 48 3.8.1- A Evolução da Constituição Económica Angolana............................................................... 48 3.8.2- A Constituição Económica de 2010 ....................................................................................... 52 3.8.3- Os direitos e deveres fundamentais, com incidência na ordem económica, consagrados pela CRA ........................................................................................................................................... 54 3.8.4- Configuração Constitucional da propriedade, iniciativa económica e concorrência....... 56 3.8.6- Princípio da Defesa do Ambiente......................................................................................... 62 3.8.7- Princípio da Defesa do Consumidor ..................................................................................... 64 PARTE II – ORGANIZAÇÃO E DIRECÇÃO DA ACTIVIDADE ECONÓMICA ...................................... 66 CAPÍTULO I - A INTERVENÇÃO PÚBLICA DIRECTA NA ECONOMIA .............................................. 66 1.1- Conspecto Geral ......................................................................................................................... 66 1.2- A Intervenção Económica do Estado e o Princípio da Subsidiariedade ................................ 67 1.3- Intervenção Económico-Empresarial....................................................................................... 71 1.4- A Natureza Empresarial de uma Actividade Económica......................................................... 71 1.5- O Direito Privado como Instrumento da Actividade Empresarial ......................................... 72 1.6- Direito aplicável no SEP Angolano........................................................................................... 73 1.7- O Sector Empresarial do Estado Angolano.............................................................................. 75 1.7.1- A evolução do Sector Empresarial Público Angolano .......................................................... 75 1.7.2- Âmbito do Sector Empresarial do Estado............................................................................. 77 1.7.3- A Empresa Pública .................................................................................................................. 78 CAPÍTULO II- DAS NACIONALIZAÇÕES E CONFISCOS ................................................................... 91 2.1- Conspecto Geral......................................................................................................................... 91 2.2- Nacionalizações......................................................................................................................... 91 2.2.1- Natureza Jus Económica dos Actos de Nacionalizações e Confiscos.................................. 93 2.2.2- Objecto das Nacionalizações e dos Confiscos...................................................................... 93 2.2.3- Tipos de Nacionalização......................................................................................................... 94 2.2.4- Efeitos Jurídicos das Nacionalizações .................................................................................. 94 2.2.5- Irreversibilidade das nacionalizações................................................................................... 96 2.2.6- Figuras afins das nacionalizações......................................................................................... 97 CAPÍTULO III - O SECTOR PRIVADO E AS PRIVATIZAÇÕES............................................................ 99 3.1- Conspecto Geral......................................................................................................................... 99 3.2 - O acesso à actividade económica............................................................................................ 99
  • 5. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 6 3.2.1- Sectores Económicos e Delimitação da Actividade Económica........................................ 100 3.2- Privatizações e o Fenómeno da Liberalização da Economia................................................ 103 3.3.1- Causas e Objectivos das Privatizações ................................................................................ 104 3.3.2- Dificuldades e Evolução do Processo das Privatizações ................................................... 105 3.3.3- Sociedades de Capitais Públicos e as Sociedades de Economia Mista............................. 105 3.3.4- Destino das Receitas e Controlo do Processo de Privatizações ....................................... 106 3.3.5- A Privatização e a Reprivatização ....................................................................................... 106 CAPÍTULO IV - SECTOR COOPERATIVO......................................................................................... 108 4.1- Conspecto Geral e Evolução Histórica ................................................................................... 108 4.2- Classificação das Cooperativas .............................................................................................. 111 CAPÍTULO V - PARCERIA PÚBLICO-PRIVADAS ............................................................................. 113 5.1- Conspecto Geral....................................................................................................................... 113 5.2- Conceito e Caracterização das Parcerias Público-Privadas.................................................. 113 5.3- Classificação das Parcerias Público-Privadas na Ordem Económica Angolana.................. 115 5.4- Pressupostos para a Formação de PPP ................................................................................. 116 5.5- Classificação do Risco das PPP’s ............................................................................................ 116 5.6- Fundamentos e Sectores em que se Desenvolvem as PPP’s ............................................... 117 5.7- Vantagens e Desvantagens..................................................................................................... 118 CAPÍTULO VI - DIREITO DA REGULAÇÃO...................................................................................... 119 6.1- A Regulação Pública da Economia: Aspectos Gerais....................................................... 119 6.2- Noção e Modalidades ........................................................................................................ 119 6.3- Âmbitos e Fins da Intervenção Indirecta ou Reguladora................................................ 120 6.4- Procedimentos de Regulação Económica........................................................................ 121 6.5- Principais Áreas de Regulação Pública............................................................................. 121 6.6- A “NOVA” Regulação da Economia.................................................................................. 122 CAPÍTULO VII – PLANEAMENTO E AUXÍLIOS DO ESTADO.......................................................... 124 7.1- Conspecto Geral....................................................................................................................... 124 7.2- Sistema de Planeamento Económico e Social de Angola .................................................... 125 7.3- Instrumentos de Aplicação do Plano..................................................................................... 126 7.4- Auxílios do Estado .................................................................................................................. 126 7.5- A Concorrência e a Problemática dos Auxílios de Estado.................................................... 127 7.6- Contratos de financiamento .................................................................................................. 128 REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 132
  • 6. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 7 PARTE I - CONSPECTOS GERAIS SOBRE O DIREITO ECONÓMICO CAPÍTULO I – FORMAÇÃO E DELIMITAÇÃO DOGMÁTICA DO DIREITO ECONÓMICO 1.1. Noções preliminares Durante o processo de derrocada do modelo estatal absolutista, que culminou com o nascimento do Estado Democrático de Direito, a ordem económica e social era matéria que ficava alheia à intervenção do Poder Público. O Estado, até então, posicionava-se de forma absenteísta, garantindo, tão-somente, a defesa externa, a segurança interna e o cumprimento dos acordos contratuais celebrados. Isto porque, no campo económico, apregoavam-se as ideias do liberalismo, consubstanciadas na teoria da mão invisível de Adam Smith, na qual a persecução dos interesses individuais resultaria no atendimento às necessidades coletivas, não havendo necessidade de intervenção do Poder Público1. Todavia, a teoria da mão invisível somente conduzia o mercado à realização de resultados socialmente desejáveis em ambientes concorrencialmente perfeitos, isto é, nos mercados onde todos os agentes económicos estivessem em perfeita igualdade de competição. Assim, diante das desigualdades entre os competidores de mercado, houve uma selecção adversa entre estes, fruto, tanto da diferença natural de poderio económico, quanto de práticas anti-concorrenciais, engendradas com o fim de eliminar os demais agentes competidores. Tais práticas tiveram efeitos funestos para a economia das nações, uma vez que proporcionaram a criação de diversos trustes, cartéis e monopólios, que perpetraram diversos abusos económicos, e também para sua ordem social, tendo em vista que acirrou a concentração de renda nas mãos da parcela mais abastada, gerando uma gama inaceitável de párias socialmente marginalizados, excluídos do processo de geração de riquezas. Deste fuste, mister se fez ao Estado rever seu posicionamento em face de sua ordem económica e social, saindo de uma postura de inércia, a fim de adoptar um posicionamento mais activo de intervenção, e, assim, garantir equilíbrio e harmonia económicos, para que o mercado, diante da interferência do Poder Público, atingisse metas socialmente desejáveis para o desenvolvimento da nação. Desse modo, positivou-se, no plano constitucional, uma ordem económica e social como normas materialmente constitucionais, legitimando, no plano infraconstitucional, leis de intervenção pública na economia e de garantia de direitos no campo social. 1 Cf. SMITH, Adam. A riqueza das nações, investigação sobre sua natureza e causas. São Paulo: Abril, 1983.
  • 7. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 8 1.2. Da Política e do Direito A vida em sociedade é indispensável à sobrevivência do homem, enquanto ser sociável que é, uma vez que, individualmente, não teria como suprir todas as suas necessidades. A convivência em um meio comum pressupõe a busca de interesses gerais que atendam às necessidades colectivas, bem como a persecução das expectativas individuais. Assim, toda a aglomeração de indivíduos, em que pese objectivar o atendimento dos anseios comuns (bem-estar social), gera zonas de atritos entre os diversos interesses individuais presentes, que muitas vezes se revelam antagônicos e colidentes. O estudo da reunião de pessoas em torno de uma mesma base territorial para atendimento de suas necessidades originou-se com a filosofia grega, a partir do conceito de polis2. Esta representa o ambiente no qual os indivíduos convivem e buscam a realização de seus interesses, seja em carácter colectivo ou para fins meramente pessoais. A fim de garantir a persecução de tais interesses, os pensadores helenos conceberam a política como a arte da defesa e do atendimento das necessidades colectivas e dos anseios individuais; isto é, a arte de se administrar o consenso e harmonizar o dissenso social. Para tanto, mister se fez garantir a todos, voz participativa e representatividade individual perante a colectividade. Na constante busca das necessidades gerais e individuais, deve-se estabelecer um conjunto de normas, permeadas de valores éticos, morais, científicos, entre outros, visando garantir o respeito às pessoas e suas opiniões, evitando que a colisão de interesses antagônicos gere conflitos violentos e irracionais. Para tanto, os valores constantes na norma, que representa o código de conduta daquilo que a sociedade considera como padrão de comportamento íntegro, correcto e direito, a ser por todos respeitado, devem gozar de proteção especial, cuja inobservância acarreta aplicação de sanção por parte do colectivo. A este conjunto de normas dotadas de observância obrigatória, coercitivamente impostas, que representam o comportamento-padrão colectivo a ser seguido pelo indivíduo, para se garantir a pacificação na persecução de seus interesses, denomina-se Direito. Da aglomeração de pessoas em torno da polis nasceu a política, como forma de se assegurar a sobrevivência colectiva dos indivíduos. Por sua vez, da arte política, isto é, da arte da procura do atendimento dos anseios e expectativas do colectivo e do indivíduo, nasceu o Direito. O Direito, enquanto ciência social, é gerado, destarte, em função da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, uma vez que não se pode conceber a vida em colectividade sem a existência de um certo número de normas reguladoras entre os indivíduos: Ubi societas ibi ius. 2 BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Trad. Maurício de Andrade. São Paulo: Manole, 2005.
  • 8. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 9 Nem todas as relações sociais são objecto de estudo pelo Direito, mas tão-somente as relações jurídicas lato sensu, isto é, as relações decorrentes de um vínculo jurídico, oriundo de uma das fontes obrigacionais do próprio Direito (a saber, lei, contratos, usos e costumes, promessas unilaterais de vontade, etc.). O Direito, partindo-se de um conceito objectivo, derivado de nossa herança romano- germânica, é o conjunto de normas coercitivamente impostas pelo Estado com o fim de promover a pacificação e a harmonização da sociedade. Por sua vez, no plano subjectivo, o direito é a faculdade que o indivíduo tem de invocar a seu favor o amparo legal para defender seu patrimônio jurídico, quando violado ou ameaçado por outrem. Na lição romana é o facultas agendi. O titular do direito subjectivo exerce-o, via de regra, sobre o patrimônio jurídico de outrem, isto é, o exercício deste direito implica em dever e obrigação para com terceiro. Já o direito potestativo trata-se de um direito potencialmente existente, cujo nascimento depende da manifestação volitiva exclusiva de seu titular. Diante disso, o direito potestativo não se encontra atrelado ao cumprimento de uma prestação por parte de outrem. Seus efeitos patrimoniais somente irão acontecer após a exteriorização de vontade do sujeito, podendo, ou não, ter reflexos sobre terceiros, ou seja, a contraparte de um direito potestativo está sujeita e não adstrita a um dever como no direito subjectivo em sentido estrito. Segundo Rudolph Von Jhering, jurisfilósofo alemão, adoptando-se um conceito de caráter subjectivo, o direito pode ser visto como um complexo de condições existenciais da sociedade, asseguradas de forma imperativa pelo Poder Público, a fim de que os indivíduos possam exercê-las quando se fizer necessário. Em suma, podemos definir o Direito como o conjunto de normas das acções humanas na vida social, estabelecidas por uma organização soberana e impostas coactivamente à observância de todos. Enquanto ciência social aplicada, o Direito é uno per si, não havendo que se falar em qualquer segregação em seus campos de estudo. Todavia, a clássica separação do Direito em público e privado é oriunda do modelo de reconfiguração estatal que resultou no aparecimento do Estado Democrático de Direito, pautado nas ideias de Thomas Hobbes, somadas ao pensamento de John Locke, dois grandes pensadores que primeiramente apontaram para a necessidade de contenção da autoridade pública em face do cidadão, consagrando o regime de protecção do domínio privado e das liberdades individuais. O Direito privado é aquele que regula as relações jurídicas entre membros da sociedade civil, sejam pessoas naturais ou jurídicas, tendo em vista o interesse particular dos indivíduos ou a ordem privada. Por sua vez, Direito público é o que disciplina as relações jurídicas de cunho transindividual, focando-se nos interesses públicos, difusos e coletivos, isto é, os interesses sociais e estatais, tratando dos interesses individuais de forma reflexa.
  • 9. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 10 1.4. Do Direito Económico 1.4.1. Evolução Histórica O surgimento do Direito Económico como ramo do Direito é relativamente recente. Isto porque, durante muito tempo, após a consolidação do modelo de Estado Democrático de Direito, o ideário do liberalismo económico prevalecia, facto que mitigava e, não raro, anulava a legitimação do Poder Público para interferir no processo de geração de riquezas da nação. Os primeiros actos normativos que versavam sobre matéria económica tratavam basicamente de coibição à prática de truste (merece destaque o Decreto de Allarde, na França, em 1791). Todavia, a legislação antitruste de combate à concentração de empresas, à imposição arbitrária de preços, dentre outras infracções à ordem económica, somente foi sistematizada na América do Norte, por meio da edição do Competition Act, em 1889 no Canadá, e do Sherman Act, no ano de 1890 nos Estados Unidos. Nos primórdios, o Direito Económico era sinônimo de Direito antitruste. Todavia, em virtude do acirramento das disputas comerciais e das desigualdades sociais, oriundos dos efeitos excludentes do capitalismo liberal, restou patente a necessidade de intervenção do Estado na área económica, para garantir a salutar manutenção de seus mercados internos e da pacificação externa, e no campo social, a fim de se estabelecer políticas públicas de redistribuição de rendas e de inclusão social. Isto porque a experiência liberal conduziu a uma ordem económica e social onde eram patentes a concentração monopolística de poderio económico nas mãos dos grandes conglomerados empresariais, por meio da exclusão de mercado dos médios e pequenos competidores, resultando na quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929; as disputas bélicas externas que culminaram em dois grandes conflitos mundiais3; e à marginalização e exclusão social de todos os menos abastados, que, por qualquer razão, encontravam-se excluídos do processo de labor diário de geração de renda. Na esteira de Domingos F. JOÃO, (...) é a disputa pelos mercados económicos, bem como o exercício abusivo das liberdades e dos direitos individuais que levaram à derrocada do modelo liberal económico, tendo como marcos históricos a 1.ª e a 2.ª Guerras Mundiais, factos que motivaram o Estado a repensar o seu papel diante da Ordem Económica interna e internacional, actuando, inclusive, no sentido de limitar e cercear os direitos e liberdades individuais4 . Assim, no campo do Direito Constitucional comparado, podemos destacar que a primeira constituição legada ao mundo que tratava de matéria económica foi a Carta Política do 3 A Primeira Guerra demonstrou que a vitória não seria obtida somente nas áreas de combate, mas sim nas indústrias e nos laboratórios, pesquisando, produzindo, e abastecendo todos os envolvidos no combate. No entanto, não eram todos os produtores que tinham interesse em voltar suas actividades económicas para a guerra. Para contornar este facto, deu-se início a um processo de "regulamentação abundante, estrita e minuciosa das actividades económicas, que transformaram em pouco tempo o panorama clássico do direito patrimonial, abolindo princípios, deformando institutos e confundindo fronteiras" (COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito económico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.353, p.15, 1965.). 4 JOÃO, D. F. (2018). Lições de Direito Económico de Angola. Luanda: ZOE Publicações, pp. 31-32
  • 10. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 11 México de 05 de Fevereiro de 1917. Esta Constituição foi a primeira a dispor sobre propriedade privada, tratando das formas originárias e derivadas de aquisição da propriedade, abolindo, ainda, seu carácter absoluto para submeter seu uso, incondicionalmente, ao interesse público, originando o princípio da função social da propriedade, facto que serviu de sustentáculo jurídico para a transformação sociopolítica oriunda da reforma agrária ocorrida naquele País e a primeira a se realizar no continente latino-americano. Nitidamente influenciada pela legislação antitruste norte-americana, combatia o monopólio, a elevação vertical de preços e qualquer prática tendente a eliminar a concorrência. Todavia, a ordem económica e social somente ganhou status de norma materialmente constitucional com a Constituição alemã de 11 de Agosto de 1919 (Weimar), que foi a primeira a abandonar a concepção formalista e individualista oriunda do liberalismo do século XIX para se ocupar da justiça e do social, estabelecendo que a ordem económica deve corresponder aos princípios da justiça, tendo por objectivo garantir a todos uma existência conforme a dignidade humana. Só nestes limites fica assegurada a liberdade económica do indivíduo. Outrossim, deu maior relevância à função social da propriedade, querendo isto dizer que ela cria obrigações ao seu titular e que seu uso deve ser condicionado ao interesse geral (art. 89.º n.º 1 al. e)). Rompendo os cânones do direito individualista, a Constituição conferiu ao Estado competência para legislar sobre socialização das riquezas naturais e as empresas económicas. Assim, depreende-se que o nascimento do Direito Económico se deu diante da necessidade de se normatizar um conjunto de princípios e regras que disciplinassem o processo de intervenção do Estado na ordem económica e social. 1.4.2. Conceito Após a análise de sua evolução histórica, podemos conceituar o Direito Económico que em termos gerais pode ser entendido como o ramo de Direito público que disciplina as formas de interferência do Estado no processo de geração de rendas e riquezas da nação, com o fim de direcionar e conduzir a economia à realização e ao alcance de objectivos e metas socialmente desejáveis. Bastante sugestiva é posição sufragada por Vizeu FIGUEIREDO, segundo a qual: (...) podemos conceituar o Direito Económico como o ramo do Direito público que disciplina a condução da vida económica da Nação, tendo como finalidade o estudo, o disciplinamento e a harmonização das relações jurídicas entre os entes públicos e os agentes privados, detentores dos factores de produção, nos limites estabelecidos para a intervenção do Estado na ordem económica. Outrossim, podemos conceituar, subjetivamente, o Direito Económico como o ramo jurídico que disciplina a concentração ou colectivização dos bens de produção e da organização da economia, intermediando e compondo o ajuste de interesses entre os detentores do poder económico privado e os entes públicos. Podemos
  • 11. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 12 definir, ainda, objectivamente o Direito Económico como o conjunto normativo que rege as medidas de política económica concebidas pelo Estado para disciplinar o uso racional dos factores de produção5 , com o fito de regular a ordem económica interna e externa6 . Num primeiro momento, considerámo-lo um ramo do direito público, uma vez que disciplina as relações jurídicas travadas pelo Poder Público em face dos agentes económicos privados que actuam e operam no mercado. Todavia, conforme veremos adiante, trata-se de ramo eclético do Direito, uma vez que é fortemente permeado de institutos do Direito privado, por disciplinar actividades típicas do particular. Para nós, o Direito Económico deverá ser entendido como o conjunto de normas, princípios e regras, que visam a organização e direcção das actividades económicas, desenvolvidas por agentes públicos ou privados, desde que para tal estejam habilitados por lei, ou seja, quando dotados de capacidade de editar e contribuir para a edição de regras com carácter geral, vinculativos aos agentes económicos. 1.4.3- Objecto do Direito Económico A questão do objecto do Direito Económico não é tratada de forma unívoca pela doutrina. A maioria dos autores sustenta que se trata de uma nova disciplina, com identidade própria e autonomia científica. Para outros, o que existe é uma mera justaposição de diversas disciplinas tradicionais. Para Andrè de Laubadère, o objecto do Direito Público da Economia são as intervenções do Estado na economia, ou melhor, "o direito aplicável às intervenções das pessoas públicas na economia e aos órgãos dessas intervenções"7. A definição do autor francês é bastante interessante. Porém, comete-se um descuido terminológico que merece ser explicado. A noção de "intervir" pressupõe um agir numa esfera da qual não se tem domínio. Ocorre que, na grande maioria das constituições actuais, inclusive a CRA, a ordem económica é tratada como um dos objectos de acção do Estado, e não como um factor externo. Desta forma, o Poder Público não tem condições de intervir em algo que é seu. O que ele pode fazer é regular. Além desta questão terminológica, pode-se argumentar que o conceito aqui exposto deixa de fora um dos fundamentos do Direito Económico; mais especificamente, o segundo. Laubadère não se refere à possibilidade de regulação da economia pelos entes privados, e também não deixa claro se os órgãos regulatórios podem ter personalidade de direito privado. 5 Por factores de produção podemos entender todo o aparato à disposição do homem para criar bens e serviços necessários e úteis à vida em sociedade. 6 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu, Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 7 LAUBADÈRE, André de. Direito Público Económico. Coimbra: Almedina, 1985, p.28.
  • 12. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 13 Tendo isto em mente, pode-se citar um conceito mais recente de Direito Económico, que procura dar conta de toda a sua complexidade: No presente estádio do conhecimento, e de forma aproximativa, define-se o objecto da disciplina do Direito Económico como o estudo da ordenação (ou regulação) jurídica específica da organização e direcção da actividade económica pelos poderes públicos se (ou) pelos poderes privados, quando dotados de capacidade de editar ou contribuir para a edição de regras com carácter geral, vinculativa dos agentes económicos8 . Mesmo assim, algumas críticas podem ser direcionadas a este conceito: Em primeiro lugar, o Direito Económico não se preocupa somente com a regulação. É bem verdade que esta é uma de suas principais facetas, mas parece mais adequado se referir somente à ordenação da actividade económica. Com isto, abre-se espaço para outras figuras que também são acolhidas por este ramo do Direito, como as privatizações, a economia mista e a auto-regulação. Em segundo lugar, deve-se questionar se as regras de Direito Económico devem ter carácter geral e vincular todos os agentes económicos. Parece que não. Este mesmo raciocínio é seguido por Agustin Gordillo, ao tratar da regulação económica e social: "Pero em modo alguno há de verse aqui um muestrario de reglas generales a aplicar a casos concretos; antes bien al contrario, intentaremos uma vez más demonstrar la ausência de reglas generales en materia regulatoria"9. Diz-se isso porque existem regras que não se aplicam a todos os agentes económicos, mas somente a alguns deles. Existem, por exemplo, regras destinadas somente aos agentes que actuam no sector de telecomunicações; outras que se dirigem ao sector de transportes. Pode-se argumentar que este tipo de regra não deixa de ser geral, pois, se aplicam a todos que pretenderem ingressar naquele mercado específico. Para estes casos pode-se dar um outro exemplo, que é bastante complexo: a obrigação de contratar, imposta pelo Estado, ao detentor de essential facilities, as quais podem ser traduzidas como instalações essenciais para a concorrência10. Estas regras são destinadas a agentes económicos específicos, e contrariam o conceito que limita o Direito Económico ao exame de regras gerais destinadas à ordenação da economia. A pretensão seria grande demais ao se formular um novo conceito de Direito Económico. No entanto, parece necessário levar em consideração estas duas críticas e procurar compreender o objecto do Direito Económico como algo mais amplo do que os conceitos apresentados. 8 SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.13. 9 GORDILLO, Agustin. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey e FDA, 2003. T. 2. p.VIII- 6. 10 Sobre o tema, cf.VILLAR ROJAS, Francisco José. Las instalaciones esenciales para la competencia. Granada: Comares, 2004; e, no Brasil, NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência: compartilhamento de infra- estruturas e redes. São Paulo, Dialética, 2007
  • 13. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 14 1.4.4- Denominação e Natureza Jurídica Sendo que o Direito Económico é um ramo de formação recente, distingue-se amplamente o seu posicionamento perante a fisionomia da bifurcação das grandes famílias tradicionais do Direito (Direito Público/Direito Privado), bem como a sua natureza face o seu objecto de estudo. Daí, vislumbrar a problematicidade da sua distinta denominação movediça na indústria académica que gravita em torno do edifício jurídico da sua designação - Direito Económico, ou Direito da Economia. Ora bem, perante o imbróglio meramente académico da etimologia do léxico jurídico- económico, foram avançadas várias ideias antagónicas para tentar a superação da tal situação. Destas, temos a destacar as expressões “Direito Económico” e o “Direito da Economia” que tiveram a sua construção na escola francesa e alemã, respectivamente. Para a escola alemã, a opção é pela designação de Direito da Economia, pois que, esta traduziria melhor a inclusão deste ramo de direito no âmbito do Direito Público, já a escola francesa, opta pela designação de Direito Económico, pois, assim é possível vislumbrar a dupla natureza deste novo ramo de direito (pública e privada) sendo, portanto, um ramo misto com predomino do Direito Público, tendo em conta as funções do Estado regulatório organizatório por via do Direito Administrativo da Economia11. “Brevitatis causa”, podemos asseverar que as expressões acima destacadas, à luz da unidade do sistema jurídico económico angolano e o carácter da ciência do Direito Económico presidida pela dupla natureza (Público-Privada) somos a preferir o designativo do Direito Económico, daí também inferir-se a sua natureza como Direito híbrido de dupla natureza com predomínio Público, atento a forte intervenção do Estado na economia. Relativamente à natureza, como acima aludido, não se encontram no Direito Económico algumas das manifestações clássicas dos ramos clássicos do Direito, como a codificação12. Mas isso não impede que ele seja tratado como um ramo em formação: Como ramo de Direito (e na constituição dos ramos de Direito jogam factores histórico- culturais mas também um certo convencionalismo), o Direito Económico tem vindo a construir-se a partir da reavaliação de certos núcleos temáticos oriundos de outros ramos de Direito (relações entre economia e constituição, intervenção económica do Estado, bens produtivos, etc.) e da consideração de novas realidades para as quais os ramos existentes se mostraram insuficientes ou inadequados (empresa, concorrência, concertação social, etc.)13 . Levando em consideração estas advertências, é difícil estabelecer o plano em que se situa o Direito Económico. Ele é direito público ou privado? 11 O Direito Económico Administrativo, é aquele que é constituído pelas normas de Direito Administrativo que regula as formas de intervenção do Estado na Economia, quando actua sob forma administrativa, dispondo de poderes especiais de autoridade. - SOUSA FRANCO, citado por FERREIRA, EDUARDO PAZ, – Direito da Economia, Lisboa, AAFDL-2003. Pág. 43. 12 SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.16. 13 SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.
  • 14. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 15 Para o nosso caso, é possível situá-lo, preponderantemente, no âmbito do direito público, pois, a maioria de suas regras tem origem constitucional, ou no Direito Administrativo. No entanto, com os processos de privatização a que se tem dado efeito – seja a privatização de gestão ou substancial14– uma série de normas tem assumido a natureza de direito privado. A verdade, portanto, é que dois movimentos convergem em direção ao Direito Económico: a privatização da esfera pública e a publicização da esfera privada15, e nenhum destes movimentos tem sido taxado de barbarismos. Isto não quer dizer que estes movimentos puseram um fim à distinção entre público e privado, o que seria um exagero. Uma opinião mais comedida parece indicar o caminho correcto: Mais correcto parece ser afirmar que no campo do Direito Económico há um relativo apagamento da importância dessa distinção o que, longe de ser um obstáculo à sua afirmação como disciplina autônoma, constitui mesmo uma das problemáticas mais aliciantes que contribuem para a sua diferenciação16 . Não há, portanto, como se definir com certeza a natureza do Direito Económico. Mas, por outro lado, também não há como negar que ele tem se fixado, cada vez mais, como um ramo autônomo, com seus próprios desafios e objecto de estudo. À guisa de conclusão, podemos asseverar que, não obstante as dificuldades em proceder à classificação do Direito Económico como ramo do Direito Público ou do Direito Privado de acordo com as habituais distinções tradicionais, porquanto em boa razão, denota-se que no Direito Privado há manifestação do um princípio de igualdade dos sujeitos e, por seu turno no Direito Público identifica-se com a realidade da manifestação do Ius Imperi17, por via da legalidade, é consensual afirmar a qualificação do Direito Económico como Direito misto com predominância do Direito Público, pois que, abarca no seu seio uma amálgama de normas de fonte de produção privatística e de fonte de produção pública. 1.4.5- Objectivos A intervenção do Estado na ordem económica18 somente se legitima na realização do interesse público. Em outras palavras, somente há que se falar em interferência do Poder 14 Sobre privatizações, ver, dentre outros, OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da administração pública. In: Os caminhosda privatização da administração pública: IV colóquio luso-espanhol de Direito Administrativo. Studia Iuridica 60. Coimbra: Coimbra ed., 2001. p.31-57. 15 SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, op. cit., p.16. 16 Idem. 17 Cfr. Ibid., Pág. 19. 18 No que se refere à classificação das formas de intervenção do Estado na Economia, merecem destaque os critérios propostos tanto por Luís S. Cabral de Moncada (Op. Cit., p. 33-38) quanto por André de Laubadère (Op. Cit., p. 28-31) para classificação das formas de intervenção económica do Poder Público, a saber: a) Quanto à abrangência: intervenções globais, sectoriais e pontuais ou avulsas: a.1) Intervenção global: quando o Estado fixa uma política macro de planejamento económico, intervindo em carácter conjunto na economia nacional, através de normas gerais e abstractas; a.2) Intervenção sectorial: quando o Estado fixa políticas
  • 15. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 16 Público no processo de geração de riquezas da nação quando esta se der no interesse colectivo, a fim de garantir a persecução do bem-estar social. No que tange à nossa actual Constituição, perfazendo-se uma exegese sistemática dos dispositivos que disciplinam a Constituição Económica, seja em sentido material ou em sentido formal, depreende-se que a interferência do Poder Público na vida económica da nação somente se justifica quando visa colimar fins maiores de interesse colectivo, mormente o atendimento das necessidades da população. Por óbvio, uma vez que a República de Angola adopta a livre-iniciativa como princípio fundamental e valor da ordem económica, a interferência do Poder Público na economia da Nação somente se justifica quando objectivar a persecução de interesses sociais maiores, tais como os objectivos fundamentais, positivados nos artigos 21.º, 89.º n.º 1, 90.º e 99.º todos da CRA. Note-se que, os agentes económicos, ou seja, os sujeitos das actividades económicas perfazem uma gama de entidades bastante ampla, estando ali inclusos os indivíduos particulares, o Estado, as empresas, os órgãos nacionais, internacionais e comunitários, bem como os titulares de direitos difusos e colectivos, e o Direito Económico actua no sentido de cumprir a espinhosa missão de conciliar os interesses económicos de todos eles por meio da política económica elaborada. É assim que, concebe-se que o Direito Económico tem como finalidade a realização das metas de transformação social e maximização do desenvolvimento da sociedade, mediante a harmonização das medidas de política económica públicas e privadas, através do princípio da economicidade, com a ideologia constitucionalmente adoptada. aplicáveis, tão somente, a sectores determinados da economia, através de normas gerais e abstractas; a.3) Intervenção pontual (avulsa): ocorre quando o Estado necessita intervir no caso concreto em determinadas entidades empresariais que actuam no mercado, através de actos concretos e específicos. b) Quanto aos efeitos: intervenções imediatas e mediatas: b.1) Intervenção imediata: são os casos de intervenção directa, que produzem efeitos instantâneos, tendo carácter nitidamente econômico; b.2) Intervenção mediata: são os casos de intervenção indirecta, que produzem efeitos graduais, que só se fazem perceber ao longo do tempo, uma vez que tal intervenção tem carácter político, com reflexos econômicos. c) Quanto à manifestação de vontade: intervenções unilaterais e bilaterais: c.1) Intervenção unilateral: quando o Estado actua no exercício de seu ius imperii proibindo ou autorizando determinadas actividades, intervindo no mercado econômico através de actos unilaterais (leis, regulamentos ou actos administrativos normativos), nos quais não há espaço para manifestação volitiva do agente econômico; c.2) Intervenção bilateral: ocorre quando o Estado, em que pese actuar no exercício de seu ius imperii, condiciona a eficácia do acto de intervenção à conjugação da manifestação de vontade do agente econômico, subordinada à ratificação do Poder Público. d) quanto à actuação do Estado: intervenção direta e indirecta: d.1) Intervenção direta: ocorre quando o próprio Estado assume para si a exploração da atividade econômica, na qualidade de agente empreendedor no mercado; d.2) Intervenção indireta: ocorre quando o Estado se limita a condicionar o exercício da exploração da actividade econômica, sem assumir posição de agente econômico activo.
  • 16. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 17 1.4.6- Autonomia O Direito enquanto ciência é uno e indivisível. A segregação em ramos jurídicos se dá, tão- somente, para fins didácticos de estudos científicos. Um ramo jurídico somente é considerado autónomo quando possui princípios próprios que orientem a sua produção normativa, legando-lhe um ordenamento jurídico peculiar, independente da produção legislativa de outros ramos do Direito. O Direito Económico e a sua autonomia fundam-se na intervenção do Estado na vida económica. Neste sentido, o Direito Económico vai ganhando características específicas, normas e princípios próprios construídos de direito que dá autonomia tanto científica e pedagógica. Mas, fala-se de uma interdisciplinaridade no estudo do Direito Económico que ultrapassa o campo jurídico, querendo com isto sublinhar-se o especial peso que os temas económicos assumem no objecto desta disciplina. Por vezes, chega mesmo a ser visto numa óptica funcionalista, como mero instrumento da economia, um Direito ao serviço dos ditames económicos, que apenas vê justificada a sua existência na medida em que cumpre esses objectivos. Deste fuste, somos a asseverar que a linha que separa o Direito Económico de outros ramos de Direito é bastante ténue, uma vez que, tratando-se de um ramo de Direito recente, muitas das matérias por ele abordadas, já foram tratadas por outros ramos de Direito, embora o faça normalmente numa perspectiva diferente, ou seja, ramos como o Direito Administrativo, o Direito Constitucional e tantos outros tratam já de matérias relativas às actividades económicas, no entanto, apenas o Direito Económico as adopta com primazia, considerando a regulação dessas, de modo a torna-las numa política económica objecto exclusivo seu. A sua finalidade é, dessa forma, regulamentar a actividade económica do mercado, estabelecendo limites e parâmetros para empresas privadas e públicas. Ele trata de estabelecer uma política económica19, no sentido de concretização dos ditames e princípios constitucionais, ou seja, a política económica é definida com base na ideologia existente na Constituição. Outro aspecto a se ter em conta no tocante ao assunto em afloramento é o facto de que, alguns domínios jurídicos que a priori seriam abrangidos pelo Direito Económico foram se especializando e autonomizando, como é o caso do Direito Agrário e do Direito Bancário. No entanto, vale aqui ressaltar que o Direito Económico e a sua autonomia fundam-se na intervenção do Estado na vida económica, tendo como conteúdo específico as actividades 19 Por política económica deve-se entender a reunião das prioridades, medidas e metas económicas traçadas e executadas, de forma a serem atingidos os objetivos de determinada ideologia vigente. É a superação dos limites dos interesses privados ou dos conflitos destes com os públicos. (...) e esta política económica é definida com base a ideologia existente na Constituição. (Helena PRATA, Lições de Direito Económico, Casas das Ideias, Luanda, 2020. P. 25).
  • 17. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 18 económicas que ocorrem no mercado, sejam elas provenientes do sector privado ou público. Neste sentido, o Direito Económico vai ganhando características específicas, normas e princípios próprios construídos de direito que lhe dá autonomia tanto científica e pedagógica. 1.4.7- Princípios Gerais O Direito é um conjunto de normas de conduta, entendendo-se estas como os valores axiológicos juridicamente protegidos que fundamentam o ordenamento legal. Por sua vez, as normas se dividem em duas espécies: os princípios e as regras. Os princípios são a viga mestra do Direito, sendo comandos gerais dotados de alto grau de abstração, com amplo campo de incidência e abrangência, que orientam a produção do ordenamento jurídico. Em razão de seu maior campo de amplitude, os princípios admitem maior flexibilização às situações sociais, aquando da aplicação da literalidade do texto da norma aos casos concretos. Da mesma forma, as regras são comandos aplicáveis em um campo de incidência específico, com elementos próximos ao direito comum, capazes de investir um indivíduo na titularidade de direitos subjetivos. O comando normativo da regra aplica-se no campo de acção individual de cada pessoa, sendo mais restrito na realização de seus objectivos, não admitindo tamanha amplitude e flexibilização por parte do operador do Direito. Assim, podemos verificar que a distinção entre princípios e regras se encontra em seu grau de abstração. Princípios e regras concretizam-se à medida que vão sendo positivados no texto legal, ganhando, assim, compreensão cada vez maior. Os princípios gerais do Direito Económico são fundados, norteados e permeados, concomitantemente, em valores de Direito público e privado, dado o ecletismo que caracteriza este ramo jurídico, outorgando aos referidos princípios traços próprios e específicos que os distinguem de sua aplicação em outros ramos do Direito. a) Princípio da Economicidade O princípio da economicidade provém do Direito Financeiro, pelo que, a sua aplicação no Direito Económico deve ser precedida de um exercício de interpretação com base nos valores e ideais constitucionalmente consagrados, processo este que exige uma simbiose de valores muitos deles provenientes do Direito privado, mas que caracterizam, igualmente, este ramo jurídico. Deveras, o sentido do termo “economicidade” é muito mais amplo do que simples princípio económico, ao qual se liga intrinsecamente a ideia de lucro financeiro, ou do custo benefício (Finanças) visando a satisfação das necessidades da colectividade (Cfr. o art. 88º; 90º, da al. e) e99º,nº 1,daCRA), ou seja, o Direito Económico busca harmonizar as medidas
  • 18. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 19 de política económica públicas e privadas, através do princípio da economicidade, com o primado da ideologia constitucionalmente adoptada20. Neste contexto, o princípio da economicidade pode ser definido como aquele através do qual se busca a concretização dos objectivos constitucionalmente traçados por uma linha de maior vantagem, isto é, de forma mais viável possível para o suprimento de determinada necessidade, seja esta de que ordem for, não apenas patrimonial, mas também social, política, cultural, ética e moral21. Bastante sugestiva é a apreciação da Advogada de Minas Gerais (Brasil) CLÁUDIA MARIA SILVEIRA, segundo a qual muitas vezes, a solução mais vantajosa para a situação não se trata daquela mais lucrativa em termos financeiros, capitalistas. Tudo dependerá da finalidade que se busca atingir. Se se almeja, por exemplo, o alcance da instalação telefónica em meios rurais de difícil acesso, apesar de ser uma obra extremamente dispendiosa e de pouco retorno financeiro, se concretizando tal meta, o objectivo social terá sido realizado, embora não sejam auferidos lucros em matéria de rendas mas sim de benefícios para a população22. Destarte, o emprego deste princípio, vem a corresponder à necessidade de flexibilidade das normas de Direito Económico face às diversas circunstâncias com que este se depara ao longo da trajectória económica de um País23. Porém, um mesmo facto em contextos distintos pode levar a decisões inteiramente contrárias, sem a ocorrência de qualquer contradição. Trata-se de simples ajuste ao dispositivo constitucional adequado para situações individualizadas, realizado pelo instrumento harmonizador da economicidade. O que significa dizer que, maior vantagem há de ser adequada aos objectivos constitucionalmente definidos. Permite, desta maneira, a opção mais justa ou recomendável, em política económica, a ser realizada pelo aplicador ou intérprete da norma, aquando da realização concreta de situações hipoteticamente previstas. O ideal é que se consiga conciliar aquilo tomado como certo economicamente, com o considerado justo juridicamente. Em caso deincompatibilidade,deveprevalecerojusto.Afinala“linhade maior vantagem”é pautada em temos do “valor da justiça”. Restringe-se o arbítrio, o poder de decidir do aplicador, o qual se deve ater às disposições constitucionais e princípios hermenêuticos, preterindo-se qualquer subjectividade24. 20 Capitalismo ou socialismo. 21 Cfr. SILVEIRA, CLÁUDIA MARIA, - Advogada em Belo Horizonte (Minas Gerais) art. Direito Económico e Cidadania - fonte internet. http://jus.com.br/946428-claudia-maria-toledo-silveira/publicacoes#ixzz2wfzDdXQK. Consultada 10/2/2014. 22 Ibidem. 23 Daí que, o Direito Económico tem como característica marcante a efemeridade e a flexibilidade das suas normas. Efemeridade devido ao facto de que elas são, necessariamente, adstritas à ideologia de determinada constituição. Revogada ou reformada esta, acrescentando-se palpáveis modificações em termos ideológicos, consequentemente, muda-se aquela, para que, novamente, se adeque à nova ordem. 24 Ibidem.
  • 19. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 20 b) Princípio da Eficiência É oriundo do Direito Administrativo, sendo aplicado no Direito Económico mediante exegese sistêmica de vários princípios, mormente o da livre-iniciativa e a livre concorrência. Assim, no campo do Direito, determina que o Estado, ao estabelecer suas políticas públicas, deve pautar sua conduta com o fim de viabilizar e maximizar a produção de resultados da actividade económica, conjugando os interesses privados dos agentes económicos com os interesses da sociedade, permitindo a obtenção de efeitos que melhor atendam ao interesse público, garantido, assim, o êxito de sua ordem económica. Através deste princípio, as entidades públicas ficam obrigadas a acomodar a sua gestão económica a um aproveitamento racional dos meios humanos, económicos e financeiros de que dispõem, minimizando os custos de produção de distribuição comercialização de modo a poder responder na maior escala possível às necessidades que se propõe satisfazer. É corolário do princípio da economicidade que visa criar as condições para que a rentabilidade empresarial seja possível25. O que significa dizer que o Estado quando está a regular ou a intervir na economia visa alcançar a eficiência e não abstruir. A Lei constitucional de 1992, já consagrava a eficiência no artigo 11º, nº 2, por conseguinte, na actual Constituição Económica vem consagrada no art. 21º, al. p), da CRA. c) Princípio da Generalidade Confere às normas de Direito Económico alto grau de generalidade e abstração, ampliando seu campo de incidência ao máximo possível, a fim de possibilitar sua aplicação em relação à grande multiplicidade de organismos económicos, à diversidade de regimes jurídicos de intervenção estatal, bem como às constantes e dinâmicas mudanças que ocorrem no mercado. Isto porque o ordenamento de Direito Económico deve ser capaz de se adaptar às alterações mercadológicas de maneira célere, garantido a eficácia de sua força normativa, como instrumento disciplinador do facto económico. 1.5- Fundamentos que justificam a necessidade de se conceber o Direito Económico Na verdade, é natural que as discussões sobre a natureza, objecto, sentido e limites da disciplina ainda não tenham se pacificado. Afinal, trata-se de um ramo do direito com ainda poucos anos de existência, em comparação com outros ramos mais tradicionais, o que justifica que a doutrina não tenha entrado em um acordo sobre estas questões. O que se pode fazer, porém, é definir quais os fundamentos e quais as condições sociais e teóricas que presidem a necessidade de sua emergência26. 25 Cfr. MONCADA, Luís Cabral de, - Direito Económico, 5ª edição, 2007, Pág. 334. 26 SANTOS, António Carlos; GONÇALVES, Maria Eduarda; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel. Direito Económico. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2006.
  • 20. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 21 O primeiro fundamento é o de que nem mesmo as economias de mercado mais liberais não são, actualmente, produto de um funcionamento automático do mercado, regido somente pelas leis económicas do século XIX. Neste sentido: Com as transformações da ordem liberal clássica, surgiram, com efeito, formas específicas de regulação pública da economia, dando origem a um conjunto de normas, princípios e instituições que regem a organização e direcção da actividade económica nas suas diversas manifestações (produção, circulação, distribuição e consumo), impondo limites, condicionando ou incentivando os agentes económicos ou mesmo alterando, de um ponto de vista estrutural, algumas tendências que resultam do livre funcionamento do mercado27 . Este conjunto de normas, princípios e instituições de origem pública buscou suprir as lacunas deixadas pelo direito privado clássico e até hoje constitui o núcleo mais relevante do Direito Económico: a regulação. Mas esta regulação não se confunde com a típica regulação administrativa; pois, ela utiliza técnicas privatísticas que as diferenciam consideravelmente. Portanto, no presente contexto, o mercado de regulador passou a instituição regulada. Já o segundo fundamento é o de que as próprias entidades privadas passaram a produzir normas, seja por delegação pública, seja por sua própria iniciativa. Isto se deve, em grande parte, à multiplicação e complexificação dos agentes económicos28. Algumas dessas normas são fruto de negociações, nos moldes do direito privado, entre o Poder Público e os agentes económicos. É possível, inclusive, discutir a validade e a natureza destas normas, mas é inegável que elas tratam de matérias vitais para a compreensão de diversos sectores económicos. Estamos diante da chamada auto-regulação. Acordos de concertação social, pactos sociais, regulamentos associativos, códigos de conduta, instituições mistas, são fenómenos de direcção ou organização, global ou sectorial, da economia e que traduzem complexa imbricação das esferas pública e privada clássicas, possibilitando um especial desenvolvimento do Direito Económico29 . O terceiro e último fundamento refere-se à crescente complexidade das relações entre o sistema económico e os sistemas jurídico e político30. Ao longo do século XX descobriu-se que a economia também é um poder, e que, por isso, a política e a justiça não podem permanecer indiferentes. Isto toma ainda mais forma no momento em que se configura um Estado Social, preocupado em garantir aos cidadãos as necessidades básicas e a protecção de seus direitos fundamentais. Este fundamento traz consigo as questões de controle do poder económico pelo Poder Público e da constituição económica (direito do trabalho, do consumidor e ambiental são alguns exemplos)31. 27 Ibid., p.10. 28 Idem. 29 Ibid., p.10-11. 30 Ibid., p.11. 31 SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.
  • 21. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 22 1.6- Características do Direito Económico Com tudo o que já foi exposto, é possível enumerar algumas das características do Direito Económico: 1- Carácter recente do Direito Económico: tanto no Direito angolano como noutros ordenamentos jurídicos do Direito comparado, é sempre considerado como nova disciplina em relação as disciplinas tradicionais, ou seja, mais antigas do Direito, designadamente Direito civil, Direito das Obrigações, Direitos Reais e etc. 2- Suas fontes são dispersas e heterogêneas: o Direito Económico tem uma pluralidade de fontes. Existem, em primeiro lugar, fontes internas. Dentre elas, a primeira fonte é a Constituição. A CRA, por exemplo, contém um conjunto extenso de preceitos que se referem directamente à economia, e constitui a essência da ordem económica32. À Constituição seguem as Leis, os Decretos e os demais actos do Poder Público que produzem efeitos sobre a economia. Há também fontes internacionais, costumeiramente previstas em tratados ou convenções. As fontes internacionais têm grande importância para os países da União Europeia, a qual emite uma série de directivas a fim de ordenar um direito comunitário. Estas directivas, diga-se, tem apontado para a privatização da economia, inclusive dos serviços públicos. Ainda, as regras de Direito Económico podem ter origem privada, ou mista. Como já se noticiou anteriormente, os agentes económicos privados podem se reunir e emitir regras com carácter supletivo ou complementar33, ou eles podem se reunir com o Poder Público, e definir medidas de concertação. Não se pode esquecer, por fim, da importância das decisões jurisdicionais e administrativas para o desenvolvimento da disciplina. 3- A ampliação do âmbito das fontes tradicionais: como fontes tradicionais, deve-se compreender as "leis". O Direito Económico não se restringe ao modelo clássico de lei, que prevê uma regra primária e outra secundária (preceito-sanção). Pelo contrário, há a inclusão de leis-plano, leis-medida, actos de fomento. Todas estas modalidades não eram conhecidas pela doutrina jurídica clássica. 4- Mobilidade, ou mutabilidade: esta característica se manifesta "na transitoriedade da vigência e na plasticidade na adaptação aos casos concretos de uma parte das suas normas, em parte justificada pela sua natural sensibilidade às mudanças sociais e políticas e pela sua ligação às políticas económicas conjunturais"34. 5- Privatização das fontes: trata-se da elaboração de normas pela auto-regulação, pelo processo de concertação entre autoridades privadas e públicas, e também pelo 32 Ibid., p.22. 33 Sobre a autorregulação, cf. MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997. 34 SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.25.
  • 22. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 23 processo de privatização de gestão das entidades governamentais. 6- Declínio da coercibilidade: no Direito Económico predominam as regras de conteúdo positivo, ou seja, regras que permitem e incentivam. As regras proibitivas são menos numerosas. Estas características podem até mesmo fazer alguns juristas questionarem o carácter jurídico do Direito Económico, já que as suas regras não trabalham com o sistema clássico de preceitos e sanções. Mas a eles, o que se pode responder é que a realidade é esta, e ela deve ser observada no âmbito jurídico. 1.7- Sujeito da Relação Jurídica Económica Como é de práxis, as normas e princípios jurídicos que constituem qualquer ramo de Direito tem sempre como centro as pessoas, isto é, pessoas físicas e/ou colectivas de Direito Público ou de Direito Privado, como sendo os seus destinatários. Relativamente a teoria da relação jurídica, ela pode-se definir, segundo a doutrina de MANUEL DOMINGUES DE ANDRADE, como uma relação da vida social disciplinada pelo direito, mediante atribuição à uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjectivo e a correspondente imposição à outra pessoa de um dever ou de uma sujeição35. O que será, no caso particular a relação jurídica económica? LUÍS CABRAL DE MONCADA diz que, - “A relação jurídica Administrativa é, deste modo, o vínculo abstracto e geral ou individual e concreto constituído entre dois ou mais sujeitos de direito por uma norma de direito administrativo ou por um acto individual concreto, mediante o qual cada um dos intervenientes pode exigir de outro certa conduta positiva ou negativa”36. Portanto, podemos inferir a partir da compreensão das contribuições dogmáticas acima referenciadas e que, neste passo, a relação jurídica económica pode ser axiomada na seguinte definição: - “um o vínculo geral e concreto que se estabelece entre dois sujeitos ou mais Agentes Económicos disciplinado por uma norma de Direito Público ou Privado, contrato ou por um acto individual concreto, mediante atribuição de um direito subjectivo a um dos intervenientes, do qual pode-se exigir de outrem certa conduta positiva ou negativa”37. Para o Direito moderno todo indivíduo é pessoa para todos efeitos jurídicos, no entanto, outras entidades, as pessoas não humanas também são pessoas jurídicas próprio da construção do Direito, pois que, veem reconhecidas a personalidade jurídica. Neste sentido, a personalidade do sujeito jus-económico define-se como conjunto de direitos e deveres atribuídos em função da organização e direcção económica; e será sujeito ius-económico, todo centro de imputação das normas ius-económicas, atribuídas em função do papel que cada um desempenha no seio do sistema económico38. 35 Cfr. ANDRADE, MANUEL A. DOMINGUES, – Teoria Geral da Relação Jurídica – vol. I, Sujeito e Objecto, Coimbra 2003, Reimpressão, Pág. 2. 36 Cfr. MONCADA, LUÍS CABRAL DE, – Relação Jurídica Administrativa, Coimbra editora 2009, Pág. 13. 37 Definição nossa. 38 Cfr. PRATA, HELENA, – Lições de Direito Económico, casa das ideias Pág. 138.
  • 23. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 24 1.7.1- Critérios de determinação e tipos legais de sujeitos jus-económico Regra geral, são sujeitos jus-económico aquelas todas entidades (públicas ou privadas) as quais serão centro de imputação das normas económicas segundo o papel que cada uma delas desempenha no âmbito da relação jurídica económica. Para a determinação do tipo legal de sujeitos jus-económicos são utilizados dois critérios: o económico e o jurídico. Para o critério económico, ou de agentes económicos (aqueles que intervêm de uma maneira directa no circuito económico – da produção ou consumo). Nesta perspectiva são sujeitos o Estado, as Empresas e os Consumidores. No entanto, nós seguimos o critério jurídico, que é mais extenso, pelo que, a sua classificação parte dos nexos funcionais de titularidade e outros teleologicamente jus- económico que imputam ou vinculam, quer em termos característicos da pessoa jurídica, quer em termos análogos e eruptivos à essa classificação o Estado; as Associações Privadas de natureza económica, as famílias39, o Consumidor e as Empresas. Nestes moldes, segundo a Prof.ª Helena PRATA, podemos identificar seis tipos de sujeitos jus-económico: o Estado, as empresas, as associações económicas, o consumidor e os agrupamentos de empresas40. 1.8- Fontes 1.8.1- A Ordem Económica e a Ordem Jurídica Económica Num primeiro momento, os conceitos de Ordem Económica e de Ordem Jurídica Económica ou Ordem Jus-económica são tomadas como conjunto de regras e princípios, segundo os quais a actividade económica se pauta. No entanto, a presente justaposição não é inteiramente coincidente: a ordem económica em sentido económico, aquém ou além das regras e princípios jurídicos vigentes, integra leis ajurídicas que exprimem o funcionamento da Economia e que cognitivamente relevam da Ciência da Economia, encerrando uma ideia de um certo determinismo funcional causal. Deveras, a Ordem Jurídica Económica (OJE) vai mais longe, extensiva e intensivamente, quando concebida como o conjunto de normas e princípios jurídicos que pautam a actividade económica41. Gerard FARJAT distingue-nos, adentro desta vasta ordem económica jurídica, uma ordem pública da economia como conjunto de normas, medidas tomadas pelos poderes públicos com o fim de organizar as relações económicas que a opõe a uma ordem privada da economia e a uma ordem mista ou ordem concertada, todas passíveis de coexistirem num mesmo espaço. 39 A família no Direito Económico como instituição social não é sujeito jus-económico por lhe escapar aquele substrato jurídico de personalidade e capacidade jurídicas, ou seja, de ser centro de imputação de direitos e obrigações 40 Helena PRATA, Op. Cit., pág. 112. 41 Conceito de ordem jurídica económica: conjunto de regras jurídicas, institutos e princípios incluídos, que regulam a actividade económica.
  • 24. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 25 1.8.2- Fontes Angolanas do Direito Económico A Ordem Jurídica Económica é constituída por todas as normas e actos jurídicos que disciplinam a actividade económica, sejam elas normas internacionais, leis, decretos presidenciais, portarias despachos ou outros. Por fontes do Direito entende-se os modos de produção e revelação das normas jurídicas. Em matéria de Direito Económico podemos encontrar as fontes tradicionais (a Constituição, actos normativos, regulamentos) e as fontes não tradicionais (os acordos de concertação económica; as várias formas contratualistas estabelecidas entre o Estado e os particulares)42. Isto faz com que as fontes de Direito Económico tenham como características principais a complexidade e diversificação, uma vez que elas podem ser públicas, mistas e privadas, estando na base desta situação os seguintes factores: ✓ A perda do monopólio dos poderes públicos na produção de normas jurídicas; ✓ A emergência de uma ordem negociada entre poderes públicos e privados (o direito de concertação económica); ✓ Auto-regulação por devolução pública. 1.8.3- Fontes Tradicionais: Fontes Internas e Internacionais. A) Fontes Internas ✓ A Constituição (naturalmente, é a primeira e a mais importante fonte do Direito, porque é a Lei fundamental é a carta magna, portanto, fixa as grandes balizas de toda actividade económica como por exemplo os artigos: 2º, 8º, 12º, 14º, 15º, 16º, 38º, 78º, 89º, e ss da CRA); ✓ Actos normativos (Leis, Decretos-lei, Decretos); e, ✓ Regulamentos – São um conjunto de regras e princípios jurídicos que regulam uma determinada actividade económica art. 201º da CRA. B) Fontes Internacionais: São fontes do Direito Económico Internacional os tratados Internacionais e regionais. Efectivamente são numerosas as convenções Internacionais que vinculam o Estado em matéria económica que ingressam na ordem jurídica económica através da transposição semiplena e plena nos termos densificados no corpo do art. 13º, da CRA. Por outro lado, confluem para efeitos das fontes do Direito Económico no plano internacional a Lei nº 4/11, de 14 de Janeiro, Lei sobre os Tratados Internacionais ex.: GATT, SADC, OMA, OMC etc. 42 Cfr. AAVV. – DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS/GONÇALVES, MARIA EDUARDA/MARQUES, MARIA MANUEL LEITÃO, - Op. Cit., pp. 21-25.
  • 25. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 26 1.8.4- Fontes não Tradicionais Em consequência da evolução que se tem verificado no mundo actual, na forma de conceber a actividade económica e o papel do Estado quer quando intervém diretamente, quer quando procura obter resultados por outra via, as fontes não tradicionais tendem a ganhar uma importância crescente no Direito Económico, pois, a regulação da actividade económica tem origem pública, particular ou mista. É este o caso dos Acordos de concertação económica, de várias formas contratualistas estabelecidas entre os Estados e os particulares etc. Em qualquer caso, é difícil fazer uma valoração definitiva da importância dessas fontes de Direito, que de alguma forma revelam um grande poder de adaptação do Direito Económico às mutações económicas e sociais.
  • 26. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 27 CAPÍTULO II – MODELOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA 2.1- Direito e Economia Economia é a ciência que estuda a forma pela qual os indivíduos e a sociedade interagem com os fatores de produção, integrando-os em um ciclo económico (produção, circulação e consumo). Trata dos fenómenos relativos à produção, distribuição e consumo de bens. Microeconomia é a teoria clássica económica, baseada nas unidades individuais da economia (liberdade individual nas relações jurídico-económicas), focando-se, tão- somente, em cada agente económico. Macroeconomia ou economia política é a moderna teoria económica, que teve origem com o processo de intervenção do Estado na economia, focando-se no funcionamento do fenómeno económico em caráter colectivo, como um todo. Conforme o magistério de Carlos Maximiliano, “não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e económica. [...] As mudanças económicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução jurídica; e o Direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas toda a evolução do igualitarismo”43 (grifamos). A clássica doutrina económica é fortemente permeada no pensamento de Adam Smith, cuja teoria da mão invisível partia do pressuposto de que os negócios jurídicos realizados no mercado, em condições perfeitas de competição, resultam na satisfação dos interesses coletivos da sociedade, mesmo que os agentes ajam, tão-somente, em interesse individual e próprio. Por sua vez, a moderna doutrina económica segue novas tendências de pensamentos, mormente a teoria dos jogos, desenvolvida pelo matemático suíço John Von Neumann no início do século XX, que analisa a forma como agentes económicos ou sociais definem sua actuação no mercado, considerando as possíveis acções e estratégias dos demais agentes económicos44. Vale ressaltar o pensamento do economista, ganhador do Prêmio Nobel, John Nash, que aprofundou os estudos de equilíbrios entre os agentes económicos, mormente em relação à aplicação da Teoria dos Jogos em ambientes não cooperativos. Denomina-se “Equilíbrio de Nash” a solução para determinado mercado competitivo no qual nenhum agente pode maximizar seus resultados diante da estratégia do outros agentes45. Destarte, pela conceituação acima delineada, resta claro que o Direito económico se interessa pelos fenómenos macroeconómicos, focando seu estudo nas relações jurídicas oriundas da intervenção do Estado no controle e condução da utilização racional dos factores de produção por parte de seus detentores. Assim, o Direito Económico visa, com 43 MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do direito. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 157-9. 44 Ver, a respeito da teoria dos jogos: BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Cambridge: Harvard University Press, 1998. 45 SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D. Economia. Rio de Janeiro: Mcgraw-Hill, 1999. p. 199
  • 27. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 28 a condução da política económica, alcançar e realizar os interesses coletivos e transindividuais traçados pelo Estado. 2.2- Classificação das Actividades Económicas O estudo do Direito Económico envolve, inicialmente, a preocupação com a compreensão do que seja actividade económica, principalmente o seu modo de acontecer, para que as normas jurídicas não interfiram nas regras naturais da Ciência Económica. Do ponto de vista estritamente concebido, a actividade económica corresponde a todo acto de produção e consumo de bens e serviços, cuja finalidade é a satisfação das ilimitadas necessidades humanas46-47. Desfazendo este primeiro entendimento podemos conceber por actividade económica todo o empreendimento envidado no sentido de se produzir, circular ou consumir bens, a fim de atender as necessidades colectivas e individuais da sociedade. Por sua vez, o ciclo económico corresponde ao conjunto das etapas em que irão ser criados os bens, colocá- los no mercado para se efectuar as trocas comerciais, bem como disponibilizá-los para consumo final. Observe-se que, o atendimento das necessidades humanas pode se dar tanto por parte do particular quanto por parte do Poder Público. Como é óbvio, o agente privado constituído sob a forma empresarial actua sempre no sentido de alcançar seus interesses próprios, vendo nas necessidades colectivas e individuais da sociedade uma forma de se obter lucro. Assim, quando participa do ciclo económico seu objectivo imediato e principal é a persecução de resultados financeiros, que serão alcançados mediante o atendimento das necessidades da colectividade, por meio da venda de seus bens e produtos. Trata-se da teorizada “mão invisível” advogada por Adam Smith. Por sua vez, o Estado tem por finalidade maior o atendimento dos interesses da sociedade, em especial as necessidades da parcela da população que, por qualquer razão que seja, não pode, por si, auferir renda e adquirir com o produto de seu labor os bens necessários para a subsistência48. Para tanto, actua sempre em regime de Direito Público, de modo a garantir o acesso universal aos bens que disponibiliza e, excepcionalmente, em regime de direito privado. Isto porque, no que se refere ao mercado privado, o consumo de bens é estritamente ligado à capacidade económica dos indivíduos. Em outras palavras, a aquisição de bens é directamente proporcional ao poder de geração de renda do cidadão. 46 Lei n.º 5/02, de 16 de Abril: art.º 1.º São actividades económicas aquelas que se destinam à produção e distribuição de bens e à prestação de serviços a título oneroso e com finalidade lucrativa. 47 No âmbito das actividades económicas é usual distinguir-se três sectores: o primário, composto pela agricultura, pesca, caça, pecuária e silvicultura; o secundário, pela indústria, podendo ser esta compreendida enquanto actividade transformadora; e o terciário, integrado pelas actividades latamente aferidas ao comércio e aos serviços. 48 Essa é uma filosofia de actuação e missão que tem no moderno Estado Social a sua origem e fundamento.
  • 28. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 29 Todavia, tal facto não se traduz no abandono do mais desfavorecido por parte da sociedade civil, uma vez que, esta se organiza juridicamente em torno do Estado, a quem incumbe conduzir o processo de redistribuição de renda e atendimento dos necessitados (Cfr. art.º 90.º da CRA). Assim, aqueles que, por si, possuem renda e podem adquirir os bens essenciais à vida, contribuem na arrecadação de receitas do Poder Público (princípio da capacidade contributiva), para que este disponibilize à parcela desfavorecida da sociedade os bens necessários à existência digna. Destarte, podemos conceber que a actividade económica em sentido lato envolve tanto o atendimento das necessidades da sociedade pelo mercado privado, quanto pelo Poder Público. Este actua prestando serviços públicos à sociedade como um todo, mormente aos mais desfavorecidos, ao passo que aquele actua explorando actividades económicas em sentido estrito. Assim, podemos classificar as actividades económicas em: a) Actividade económica em sentido estrito Trata-se de todas as actividades típicas do mercado, que envolvem a produção, circulação e o consumo de bens e serviços, sendo regidas exclusivamente pelas normas do direito privado. Assim, as actividades económicas em sentido estrito são exploradas precipuamente pelo particular e subsidiariamente pelo Poder Público, somente nas hipóteses e excepções constitucionalmente previstas, devendo o mesmo, para tanto, estar previamente autorizado por lei, sempre em regime de direito privado e em caráter concorrencial com o particular49. b) Serviços Públicos Por serviços públicos entende-se toda a actividade prestada para atendimento das necessidades do Estado ou da sociedade, sempre sob regime de Direito Público. Os serviços públicos são precipuamente prestados pela Administração Pública, cabendo, todavia, sua delegação aos particulares, seja por via de concessão ou permissão, precedida obrigatoriamente de concurso. Observe-se que a regência de tais actividades será sempre por normas de Direito Público, ainda quando prestadas por particular em regime de concessão50. 49 Observe-se que a oferta e aquisição dos produtos oriundos da exploração de actividade económica em sentido estrito são restritas, tão somente, à parcela da população com renda própria para tanto. Isto porque a exploração destas actividades se orienta em princípios de direito privado e nas leis de mercado, não havendo como se impor aos agentes económicos particulares atendimento caritativo e assistencialista às necessidades dos desfavorecidos. Estes, quando se fizer necessário, devem valer-se das políticas públicas de redistribuição de renda, de erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais a serem implementadas pelo Poder Público. Tal facto não se traduz na volta ao liberalismo puro, uma vez que ao Estado compete normatizar, regular e planejar sua ordem económica e seu mercado interno, conduzindo-os ao atingimento de metas socialmente desejáveis. Some-se a isso que o próprio agente económico tem funções sociais a desempenhar perante o mercado e a colectividade. Todavia, o fim maior de realização da justiça social, tendo em vista a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, compete precipuamente ao Estado, que nada mais é do que a Nação juridicamente organizada em torno da Constituição e das leis. 50 Observe-se que, no modelo de Estado Regulador, não compete mais ao Poder Público o atendimento irrestrito de toda e qualquer necessidade da população, mas sim focar esforços para realização dos objectivos
  • 29. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 30 2.3- Sistemas Económicos Inicialmente, há que se ter em mente que sistema se trata de um conjunto de elementos que se sustentam por si. Assim, os sistemas ou modelos económicos são, especificamente, a forma pela qual o Estado organiza suas relações sociais de produção, na qual estrutura sua política, isto é, a forma adoptada pelo Estado no que se refere à propriedade dos factores de produção e distribuição do produto do trabalho. Alternativamente, é o conjunto de princípios e técnicas com os quais os problemas de economia são endereçados, tais como o problema da escassez com a alocação de recursos produtivos limitados. É composto por pessoas, instituições e a sua relação com os recursos produtivos, como seja a convenção de propriedade. Vale destacar que o sistema económico pode ser concebido como uma especialização do sistema de direito51. Inicialmente, o mundo adoptou dois sistemas económicos bem definidos, que foram classificados em dois grandes modelos, diametralmente opostos, a saber, capitalismo e socialismo. Actualmente, diante das actuais necessidades económicas internas e da nova configuração da economia mundial, presenciamos o surgimento de modelos económicos que mesclam tanto características capitalistas, quanto socialistas. Destarte, a classificação a seguir delineada se dá para fins meramente didáticos, uma vez que, no mundo globalizado, as relações jurídico-económicas podem assumir feições de cunho capitalista, em que pese embora serem oriundas de um sistema socialista, como ocorre, actualmente, na República Chinesa. A) Capitalismo É o sistema económico no qual as relações de produção estão assentadas na propriedade privada dos bens em geral, dos factores de produção, na ampla liberdade de iniciativa e de concorrência, bem como na livre contratação de mão de obra. Tem no capital um de seus principais factores de produção, sendo este um dos elementos preponderantes para a sustentação da vida económica. É, outrossim, denominado sistema da livre empresa. Este sistema assenta-se basicamente no individualismo próprio do liberalismo económico, tendo como principais características: a) Propriedade privada dos meios de produção; fundamentais da sociedade em especial a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção indiscriminada do bem de todos (Cfr. art.º 21.º da CRA). Assim, a prestação dos serviços públicos por parte do Estado deve ter como finalidade o atendimento precípuo das necessidades da parcela da população que, por qualquer razão que seja, não esteja em condições de auferir renda e, com o produto de seu labor diário, adquirir os bens essenciais à sua existência digna. 51 Por sistemas de direito, podemos entender o conjunto de normas, regras e princípios, que regerão as diversas formas pelas quais a sociedade organizará os mecanismos de legitimação política da autoridade estatal; de participação popular na condução da vida política do Estado; os paradigmas de comportamento para a regulação da vida no meio social; bem como as diversas formas de relação, individual e social, com as riquezas e os factores de produção.
  • 30. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 31 b) Trabalho assalariado como base de mão de obra; e, c) Sistema de mercado baseado na livre-iniciativa e na liberdade de concorrência. Neste sistema económico, os meios de produção e distribuição são de propriedade privada e com fins lucrativos. As decisões sobre oferta, demanda, preço, distribuição e investimentos não são tomadas pelo governo, mas concebidas pelo mercado, os lucros são distribuídos para os proprietários que investem em empresas e os salários são pagos aos trabalhadores pelas empresas. Não há consenso sobre a definição exacta do capitalismo, nem como o termo deve ser utilizado como categoria analítica. B) Socialismo É o sistema económico baseado na autoridade estatal, que centraliza e unifica a economia em torno do Poder Central. É oriundo do processo crítico que apontou as falhas no modelo capitalista, principalmente no que se refere ao acirramento das desigualdades sociais e empobrecimento do proletariado, sendo um sistema de cunho social e político, além de económico. Tem como principais características: a) Direito de propriedade limitado e mitigado pela vontade estatal e, não raro, suprimido; b) Estatização e controle dos factores de produção e recursos económicos por parte da classe trabalhadora; c) Gestão política que visa à redução das desigualdades sociais; e, d) Remuneração do trabalho mediante a repartição do produto económico que se dá por decisão do governo central. Refere-se, portanto, a um sistema de organização económica baseado na propriedade pública ou colectiva e na administração dos meios de produção e distribuição de bens por parte de uma única autoridade central. Por sua vez, a sociedade se caracteriza pela igualdade de oportunidades para todos como um meio mais igualitário de compensação das diferenças naturais entre os indivíduos.
  • 31. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 32 Quadro sinóptico das soluções dadas pelos dois sistemas às questões fundamentais da economia: Produzir Economia de mercado: Capitalismo Economia planificada: Socialismo O quê? (consumo) O consumo é determinado pelos consumidores que definem as suas necessidades, prioridades e intensidades, confrontando-as no mercado livre. Cabe à Direcção Central interpretar as necessidades dos sujeitos económicos, estabelecendo quais são elas e qual a prioridade relativa de satisfação. Como? (Produção) A produção é organizada livremente pelos agentes económicos que escolhem as técnicas e os bens a produzir, tendo em conta a lei da procura e da oferta no mercado livre. Cabe à Direcção Central através da planificação da economia, definir quais os bens a produzir e em que quantidades. Para quem? (Repartição) A repartição do produto é feita através dos mercados de factores de produção (em que uns vendem trabalho, capital, terra ou técnica e outros compram tais bens com as receitas da venda dos seus produtos.) A Direcção Central fixa as quotas de resultados de produção que são distribuídas a cada sujeito económico, a cada factor de produção, a cada região e sector. Síntese O sistema de economia de mercado é um modelo económico abstracto totalmente descentralizado, em que a resolução dos problemas económicos fundamentais se passa espontaneamente, como se não houvesse Estado, através dos mecanismos da procura e da oferta num mercado de livre concorrência. O sistema de economia planificada é um modelo económico abstracto totalmente centralizado, dependendo de um plano central obrigatório, que constitui o seu instrumento privilegiado para a resolução de todos os problemas económicos fundamentais. 2.4- Formas de Posicionamento Económico do Estado Trata-se do estudo da forma de participação do Estado nas actividades de cunho económico, desenvolvida em seu respectivo território. O ponto de partida é o de que a intervenção é um fenómeno historicamente permanente, uma vez que desde sempre existiram formas de intervenção na economia por parte do Estado, embora qualitativa e quantitativamente diferentes das que são, por exemplo, as características do Estado de Direito Social dos nossos dias.
  • 32. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 33 Desta feita, entende-se claramente que a questão da intervenção estatal na economia descreveu assim uma clara evolução, cujos contornos interessa precisar de modo a melhor identificar as suas características principais nos nossos dias. Historicamente, a maioria das normas interventoras anteriores às actuais assumiam um carácter proibitivo e repressivo, não se pretendendo com elas levar os entes privados a adoptar certos comportamentos ou a efectuar certas prestações positivas conformes ao interesse geral definido pelas autoridades. Desta feita, pode-se identificar as seguintes formas económicas de Estado: 2.4.1- Estado Liberal Baseia-se na doutrina filosófica e política do liberalismo, que se assenta no respeito do Estado ao pleno exercício dos direitos e garantias por parte de seus respectivos indivíduos. A principal manifestação económica do Estado Liberal é o postulado da livre-iniciativa, que se traduz no direito de qualquer cidadão exercer actividade económica livre de qualquer restrição, condicionamento ou imposição descabida do Estado. Outrossim, cumpre ressaltar que tal sistema económico igualmente pautava-se na plena liberdade contratual, devendo o Poder Público garantir o cumprimento das cláusulas pactuadas, a fim de se manter a estabilidade e a segurança nas relações jurídicas contratuais. Por fim, o Estado Liberal, igualmente, se assenta na liberdade de mercado, na qual o sistema económico fica sujeito à auto-organização (auto-regulação) da economia, não sofrendo qualquer influência ou interferência estatal (sistema económico autônomo – descentralização das decisões económicas), uma vez que, ao Governo Central compete tão somente a manutenção da ordem interna e a defesa externa das fronteiras. Consubstancia- se, no plano jurídico, no princípio da autonomia de vontades privadas, no dirigismo contratual e no carácter absoluto dos direitos privados, tais como a propriedade e a liberdade52. No plano económico, o Estado Liberal é fruto directo das doutrinas do filósofo escocês Adam Smith, que defendia que a harmonia social seria alcançada por meio da liberdade de mercado, aliando-se a persecução do interesse privado dos agentes económicos a um ambiente concorrencialmente equilibrado. 52 Os primeiros economistas clássicos pensavam que os mercados se auto regulavam, sendo a economia liberal identificada como economia não regulada, querendo com isto dizer-se, não que funcionava desreguladamente, pelo contrário, mas sim que para funcionar reguladamente não precisava ser hetero-regulada ou regulada artificialmente. Eles argumentavam que as tentativas para aliviar a pobreza através das intervenções governamentais na economia eram esforços inglórios que acabariam simplesmente por reduzir o rendimento nacional total. Esta perspectiva foi contestada pelo economista inglês John Stuart Mill, o qual, embora alertando contra as interferências no mecanismo de mercado, argumentou que as políticas governamentais podiam reduzir a desigualdade.
  • 33. Lições de Direito Económico // ISPOC-Huambo, Ano Académico 2022/2023 Compilado por “José Sapalo” 34 Por meio do devido processo competitivo, os agentes mais aptos iriam se sobressair sobre os menos eficientes, sendo estes naturalmente eliminados. Desta feita, em um mercado, cujos participantes estão em constante disputa para atrair maior número de consumidores, estes experimentam os benefícios da competição, tendo à disposição produtos e bens qualitativamente diferenciados, por preços cada vez menores, garantindo, assim, a maximização de seu nível de bem-estar socioeconómico. Tal teoria económica é a denominada “Mão Invisível”. No campo do Direito Constitucional comparado, merece destaque o Estado Liberal Norte- Americano, inaugurado com a Constituição de 1787, emendada aditivamente pelo Bill of Rights de 1791, bem como o francês, inaugurado pela Carta de 1789. Neste sentido, cabe citar o magistério de Manoel Afonso Vaz: Laissez-faire, laissez-passer; le monde va de lui-même – eis o lema apontado por Adam Smith que, na sua “Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” (1776), preconizava: cessem todas as medidas de limitação e surgirá por si próprio o sistema claro e simples da liberdade natural. (...) De acordo com o sistema da liberdade natural só restam ao Estado três funções para desempenhar: a) a obrigação de defender a nação contra as violações e ataques de outras nações independentes; b) a obrigação de salvaguardar todo o membro da própria nação contra ataques, mesmo legais, de todos os outros, ou seja, manter uma legislação imparcial; c) criar e manter certas instituições públicas cuja criação e manutenção não possam ser esperadas da iniciativa privada53 . Conforme bem observado por Nagib Slaibi Filho, o Estado Liberal caracteriza-se por uma postura abstencionista, uma vez que actua de forma neutra e imparcial no que tange à actividade económica. Na lição do ilustre constitucionalista: O Estado liberal é absenteísta quanto à actuação na Economia (...) Se o Estado absenteísta pretende deixar fluir as forças naturais do mercado, isto é, não corrige nem dirige os aspectos económicos, já o Estado intervencionista actua sobre a ordem económica, legislando e transformando os factores de produção, de acordo com o ideário político que inspira sua actuação54 . Após a derrocada do modelo estatal liberal houve a ascensão de uma nova forma de posicionamento do Poder Público em face da economia e dos mercados, não havendo mais que se falar em liberalismo puro, mas em diferentes formas e aspectos intervencionistas, cada qual influenciado pelo ideário político da corrente partidária que se encontra no poder, conforme adiante explicitado. De tudo o que fica dito resultam na prática um conjunto de elementos que caracterizam o sistema económico capitalista liberal: ✓ Não intervenção do Estado na economia; ✓ Liberdade de iniciativa económica privada em todos os sectores; 53 VAZ, Manoel Afonso. Direito econômico, a ordem econômica portuguesa. Coimbra: Coimbra, 1985. p. 15. 54 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 862-863.