1. Vieira, com quem trabalhou na década
de 1970 e mantém uma parceria pontual.
“Há um certo prestígio das escolas e dos
arquitetos portugueses. Um país com 10
milhões de habitantes ter dois prêmios
Pritzker não é muito comum”, acrescen-
ta Souto de Moura, que assume ainda a
influênciadoalemãoMiesvanderRohe.
Seu trunfo, na avaliação do júri, es-
tá em ser moderno, monumental e até
lúdico, sem nunca ser óbvio, frívolo ou
pitoresco. E, se atribuem a ele um rigor
extremo, não deixam de reparar, por
outro lado, em sua sutileza e facilidade
Ativo há mais de 30 anos e
com cerca de 60 obras em seu currícu-
lo, Eduardo Souto de Moura, nascido
na cidade do Porto há 58 anos, foi apa-
nhado de surpresa, no final de março,
com a atribuição do Pritzker de 2011, o
“Nobel” da arquitetura. O espanto tal-
vez tenha se dado por ele se considerar
um “dos mais sóbrios arquitetos portu-
gueses” e por defender “uma arquitetura
anônima – benfeita, mas quase anônima
–, simples, objetiva e pouco narrativa”.
A modéstia não lhe impede de feste-
jar por suceder a seu mestre Álvaro Siza
Fotos:ChristianRitchers(EstádiodeBraga),FernandoGuerra/FG+SG(Casa
dasHistórias,TorreBurgoemetrôdoPorto),FranciscoNogueira(retrato)edivulgação
de passar da escala doméstica à urbana.
Os edifícios públicos – museus, galerias
de arte, cinema, escolas, hotéis, escritó-
rios e shopping centers – são uma parte
importante de seu patrimônio arquite-
tônico, mas sua obra foi iniciada com
casas e apartamentos. Entre os projetos
que mais cativaram o júri, está o estádio
da cidade portuguesa de Braga, des-
crito como “muscular”, a Torre Burgo
e o metrô do Porto, o museu Casa das
Histórias, que desenhou para a pintora
portuguesa Paula Rego, em Cascais, e a
conversão do Mosteiro de Santa Maria
do Bouro em um hotel contemporâneo,
em Amares, próximo a Braga.
Muito solicitado no exterior – onde
chamam a atenção obras como os escri-
tórios da Novartis, na Suíça, a Casa em
Llabia, na Espanha, ou o crematório de
Kortrijk, na Bélgica –, o também pro-
fessor de arquitetura espera agora voltar
a trabalhar mais em seu país. Eduardo
Souto de Moura concedeu esta entrevis-
ta por telefone àCasaVogue.
O júri do Pritzker destacou a sua sensibi-
lidade de integrar as obras ao contexto e
à paisagem. A arquitetura não é natural,
mas isso quer dizer que deve ser oposta
à natureza?
Por definição, a arquitetura é contrana-
tural. A missão do arquiteto é, sempre
que temos de viver num território, com-
pletar o que a natureza não previu.
Agora, as casas, por exemplo, devem
ser o mais simples possível, quase anô-
nimas, e adequadas às pessoas e aos
lugares.A questão ecológica éimportan-
te, mas é um luxo dos países ricos. Estou
trabalhando na Suíça, e há ali condi-
ções e dinheiro para aproveitar a água da
chuva, usar apenas tecnologias sustentá-
veis… Em outros países, como Portugal,
é mais uma moda do que uma vocação.
Vencedor do Pritzker de 2011,
Eduardo Souto de Moura é,
depois de Álvaro Siza Vieira,
o segundo arquiteto português
a receber o mais importante
prêmio de arquitetura.
Ousadia, rigor e naturalidade
distinguem sua obra
Por João Miguel Simões
Triunfo
da sutileza
Ao lado, a Torre Burgos,
no Porto, desenhada por Souto
de Moura (abaixo), ganhador
do Pritzker de 2011. Na pág.
ao lado, os volumes e a inesperada
cor da Casa das Histórias,
em Cascais, criada pelo arquiteto
para exibir a obra
da pintora Paula Rego
CASAVOGUE 129
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2. veja mais em www.casavogue.com.br
Isso nos leva ao tema da arquitetura-es-
petáculo e dos arquitetos-estrelas. Na sua
opinião,recorre-secadavezmaisaoartifício?
Não tenho nada contra o espetáculo.
As pirâmides do Egito são espetacula-
res, assim como é a cidade de Roma ou
o edifício Empire State Building, e sem-
pre houve estrelas como Michelangelo
ou Leonardo da Vinci. Mas uma coisa
é Frank Gehry praticar uma arquitetu-
ra-espetáculo, outra muito diferente é
todo arquiteto querer fazer disso um ato
recorrente. Não se pode banalizar o mo-
numental. O monumento é a exceção e
não a regra. Como são edifícios marcan-
tesnavidadaspessoas,éimportanteque
tenham como pano de fundo uma arqui-
tetura cotidiana neutra. Para o Estádio
de Braga, por exemplo, que fica em
uma pedreira, eu retirei da montanha
1.200.000 m³ de pedras, parte delas usa-
das na obra. Para viabilizar o metrô do
Porto, tive de redesenhar ruas e praças.
A evolução da arquitetura aponta uma mu-
dança da forma. E o conceito?
Há uma arquitetura perene, uma ti-
pologia que se mantém. A casa é uma
instituição que pouco tem mudado. As
residências continuam precisando de
uma área para comer, outra para dor-
mir… O que tem se transformado são os
materiais. Hoje, usa-se mais o vidro e o
aço. A arquitetura está ficando mais le-
ve, mais aberta.
Há, de fato, essa tendência atual para uma
maior leveza, mas sua obra, pelo contrário,
está ficando menos transparente e mais fe-
chada. Ou não?
No Brasil, por uma questão de clima e
regulamento, pratica-se uma arquite-
tura mais aberta. Admito que a minha
obra esteja ficando mais fechada. Por
um lado, é uma questão de custo, pois
o vidro é muito caro; por outro, interes-
sa-me sobretudo uma arquitetura mais
natural e menos radical. Acredito que as
coisas permanecem não por serem no-
vidade, mas por estarem adequadas às
pessoas e à sua função. A arquitetura só
émáquandonãocumpreseuobjetivoou
se erra a escala.
“Popular
e erudito, lúdico
e monumental,
o trabalho de
souto de moura é
um estímulo para
o futuro
da arquitetura”
Paulo Mendes
da Rocha,
Prêmio Pritzker em 2006
Acima, maquete de um sanatório na serra da Estrela, Portugal,
que Souto de Moura está transformando em pousada. No alto,
o metrô do Porto e o Estádio de Braga – o projeto preferido
do arquiteto. Na pág. ao lado, croqui do crematório de Kortrijk,
na Bélgica, ainda não concluído, e o antigo Mosteiro de Santa
Maria do Bouro, hoje um moderno hotel
E onde entra, nesse seu entendimento sobre
a arquitetura funcional, o uso de materiais
naturais, como a pedra?
Eu gosto muito dos materiais naturais,
maselessão,decertaforma,tambémum
álibi para facilitar as obras. Eles não só
simplificamalinguagem,como,emnível
pictórico, me facilitam o trabalho, pois
mantenho sua cor original sem precisar
recorrer a tintas.
Você não esconde o seu favoritismo pe-
lo Estádio de Braga, em Portugal. Como é
a sua relação com uma obra concluída?
Acompanha seu envelhecimento?
Só mesmo por coincidência. Sou muito
excessivo, dou o máximo durante a obra,
mas, quando entrego o projeto, é tempo
de partir para o próximo.
Para onde caminha a sua arquitetura?
Para já, a prioridade é acabar todas as
obras que, por conta da crise econômi-
ca, estão paradas há anos. Existe o plano
de fazer uma mesquita. É um tipo de ar-
quitetura mais ritual que ainda não fiz.
Gostaria muito que se concretizasse. n
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