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14 ECOLOGIA setembro de 2015
Seu lixo, meu sustento
Catador de materiais
recicláveis: o meio
ambiente precisa de você
Graziele Rodrigues
	 Profissão: catador de materiais recicláveis.
Direitos na profissão:vender o que conseguiu coletar
pelo preço que conseguir no mercado. Deveres na
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Silva, que vive da coleta há 15 anos. Ele sai de
casa por volta das oito horas da manhã, organiza
os materiais coletados em casa e revela sua
preocupação com o mosquito da dengue. “Deixo
tudo bem organizadinho. Não pode deixar acumular
água e é bom que os agentes da dengue visitem a
casa da gente pra ver que está tudo certinho, mas
deveria ter um barracão pra gente levar a coleta.
Tem alguns por aí, mas ficam muito longe e é
pesado pra carregar”, lamenta o profissional.
	 O carrinho de Francisco é bem organizado, de
um lado coleta ferros e de outro papelões e sacolas.
Vende o ferro por 0,18 centavos o quilo e o papelão
também, pois houve, segundo ele, uma queda no
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lamenta a baixa do preço e explica que a garrafa pet
é o item de maior valor, sai por 1,20 o quilo.
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pegar em média 150 quilos de papelão por dia para
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por 26 dias de trabalho sem imprevistos de chuva
e quatro dias de folgas no mês, o catador somaria
780 reais, um pouco mais de um salário mínimo.
	 Quando chove Francisco tem que cuidar para
não molhar os materiais e se molhar. Tem que
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pesado. ”Seria muito bom que regulamentasse
nossa profissão. Consegui meu sustento por tanto
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caras aí só falam, fazem reuniões, mas não fazem
nada pra gente não”, reclama Francisco. Enquanto
conversamos, parte do seu carrinho na calçada e
outra na rua, escuto o som de buzinas, automóveis
movidos a motor flex (gasolina e álcool) trafegam,
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humano. Neste momento, o profissional catador
revela-se invisível aos olhos da sociedade.
	 Eram 8h30 da manhã e de longe vejo um
catador escolhendo alguns materiais na lixeira
de uma panificadora. Era o carrinho de Sebastião
Albuquerque que neste horário já estava com
transporte coletor cheio. 	Sebastião também reclama
dos pontos de coleta, pois acredita que deveria ter
um em cada bairro, para facilitar o transporte. “É
pesado né?!”. Ele conta que, muitas vezes acaba
vendendo para compradores particulares, ainda que
por um preço menor. Sebastião comenta, ainda,
que cada depósito cobra um preço e que alguns
conseguem vender por R$ 0,30 centavos o quilo do
papel e da sacolinha. A garrafa pet chega a valer R$
1,20 o quilo, mas os depósitos que pagam melhor
ficam longe e muitas vezes ele entrega no mais perto,
que pesa tudo com um único preço. “Fazer o quê.
Eles ganham em cima da gente”, revela Sebastião.
Dinheiro no lixo
	 Márcia Regina de Oliveira, presidente da
Cooperativa de Materiais Recicláveis da Caremel
(Cooperativa de Ação e Reciclagem de Materiais
de Cascavel e Região) conta sua frustração ao
ver materiais recicláveis desperdiçados que vão
parar no aterro sanitário, resultado gerado pela
população que não fez a separação correta do lixo
e da falta de organização principalmente na coleta
dos condomínios, pois os containers não possuem
divisórias, o que dificulta a separação de lixo
orgânico do reciclável.
	 Segundo Márcia, alguns condomínios ligam
para buscar o lixo ou fazem uma espécie de “adoção
ao catador”, mas informalmente. Ela explica que
BRASILDEFATO.COM.BR
alguns responsáveis por condomínios conhecem
um catador e combinam com ele de sempre buscar
os materiais. O catador fica encarregado de fazer
a coleta e levar até a cooperativa, mas em alguns
condomínios não é permitido entrar sem crachá
ou uniformes por questões de segurança. Outro
problema é o ponto de entrega dos materiais, pois é
muito distante para o catador levar empurrando até
a cooperativa.“Se você soubesse o tanto de dinheiro
que é desperdiçado com o lixo, daria para melhorar
a vida de muita gente e ajudar o meio ambiente”,
afirma Márcia.
	 A gerente da secretaria de assistência social de
Cascavel comenta que o município não tem nenhum
programa específico de auxílio aos catadores de
materiais recicláveis. O que existe são os programas
assistencialistas para as pessoas que se encontram
em condições vulneráveis, em situações de pobreza
como o programa bolsa família.
	 Em Foz do Iguaçu existe a Coaafi (Cooperativa
dos Agentes Ambientais de Foz do Iguaçú) que
em parceria com a Itaipu e o Governo Federal, por
meio do Ministério do Trabalho e Emprego, realiza
o projeto Resgatando Esperança que atende 29
municípios da região oeste, inclusive Cascavel.
O Ministério do Trabalho e Emprego destinou o
recurso de um milhão de reais para, entre outras
ações, fazer um levantamento sobre o número
de catadores no país, para quem sabe um dia
regularizar a profissão e trazer melhorias.
	 Segundo Vinícius Ortiz, gestor do projeto Coleta
Solidária da Itaipu, existe uma dificuldade para definir
o número certo de pessoas que vivem da coleta, pois
muitos não se veem como catadores, acham que não
é uma profissão, se veem como desempregados.
	 Em Cascavel existem 153 catadores
cadastrados. Destes, 58 trabalham em cooperativas
e 85 são autônomos, coletam e vendem para
compradores particulares. Mas segundo Ortiz este
número não representa nem 80% da realidade da
cidade, pois muitos não fizeram o cadastro.
	 Os objetivos do projeto Coleta Solidária da Itaipu
é organizar associações e cooperativas de catadores a
fim de melhorar as condições de trabalho, melhorar os
preços de venda dos materiais no mercado e oferecem
cursos de capacitação para os catadores.
	 E em Cascavel, quando será feito algo pra
desenvolver esta área? A profissão é de futuro e
o tema é do século: meio ambiente sustentável, o
assunto como vimos, é abordado em empresas,
ONGs, instituições e até o Papa Francisco fez uma
prece: “Peço a todos aqueles que ocupam papel de
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  • 1. 14 ECOLOGIA setembro de 2015 Seu lixo, meu sustento Catador de materiais recicláveis: o meio ambiente precisa de você Graziele Rodrigues Profissão: catador de materiais recicláveis. Direitos na profissão:vender o que conseguiu coletar pelo preço que conseguir no mercado. Deveres na profissão: coletar o máximo que conseguir e vender pelo preço que oferecerem no mercado. Esta é a profissão do senhor Francisco da Silva, que vive da coleta há 15 anos. Ele sai de casa por volta das oito horas da manhã, organiza os materiais coletados em casa e revela sua preocupação com o mosquito da dengue. “Deixo tudo bem organizadinho. Não pode deixar acumular água e é bom que os agentes da dengue visitem a casa da gente pra ver que está tudo certinho, mas deveria ter um barracão pra gente levar a coleta. Tem alguns por aí, mas ficam muito longe e é pesado pra carregar”, lamenta o profissional. O carrinho de Francisco é bem organizado, de um lado coleta ferros e de outro papelões e sacolas. 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