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Interação em Psicologia, 2008, 12(1), p. 1-10 1
John B. Watson: Behaviorista Metodológico?
Bruno Angelo Strapasson
Kester Carrara
Universidade Estadual de São Paulo
RESUMO
A atribuição de rótulos ou adjetivos a propostas teóricas é sempre uma tarefa difícil e, infelizmente,
poucas vezes empreendida com o devido cuidado. Este artigo pretende avaliar a caracterização da
obra de John B. Watson como o exemplar emblemático do movimento conhecido como behaviorismo
metodológico. São expostas no texto quatro concepções de behaviorismo metodológico (a de Lashley,
1923, de Skinner, 1945, de Day, 1983 e a implícita em Lopes Jr., 1993) e é avaliado, a partir de trechos
dos textos do próprio Watson, o compromisso deste com as caracterizações expostas. Defende-se aqui
que na maioria das acepções, a expressão behaviorismo metodológico não pode ser aplicada à obra de
Watson e, quando pode, é adequada apenas aos seus primeiros escritos e não implica problemas
filosóficos tradicionalmente atribuídos a essa caracterização, a saber: problemas inerentes ao dualismo
mente-corpo. Por fim, são indicadas algumas conseqüências dessa caracterização apressada.
Palavras-chave: behaviorismo metodológico; ontologia; epistemologia.
ABSTRACT
John B. Watson, Methodological Behaviorist?
To attribute titles or qualities to theoretical proposals is always a difficult task, and unhappily, it is
rarely done carefully. This article intends to evaluate the characterizations of John B. Watson’s
writings as an emblem of the methodological behaviorism movement. The paper presents four
conceptions of methodological behaviorism and discusses Watson’s commitment to these views, in
the light of his own writings. The paper then suggests that often, the expression Methodological
Behaviorism could not be applied to Watson’s writings, and when it can, it is adequate only to his
initial texts and without implying the philosophical problems traditionally attributed to this
characterization: the inherent problems of body-mind dualism. As a conclusion, the paper indicates
some consequences of this mischaracterization.
Keywords: Methodological Behaviorism; ontology; epistemology.
Atribuir rótulos e adjetivos a teorias psicológicas
não é uma tarefa fácil. As diversas palavras utilizadas
para identificar correntes teóricas e suas subdivisões
implicam definições que nem sempre são muito claras.
Ao atribuir classificações corremos os “riscos inerentes
a qualquer sistema de tipologia... [Nesses], há sempre
uma tendência a argumentar que, porque indivíduos
são similares em um aspecto, eles também são similares
em outros” (Skinner, 1953/1965, p. 424). Se aplicarmos
essa ressalva à classificação de teorias, veremos que
diversas incorreções têm sido cometidas na psicologia
e poderemos perceber a limitada utilidade dos manuais
que assim o fazem. Muitos rótulos desse tipo têm sido
atribuídos ao behaviorismo (e.g. diz-se que o behavio-
rismo é reducionista, continuísta, mecanicista, positi-
vista etc. (Carrara, 2005)). Dada a multiplicidade de
proposições teórico-metodológicas que se congregam
sob o título “behaviorismo”1
a adequação desse rótulo
na sua caracterização requer uma análise minuciosa,
que deve passar por ao menos três fases: (1) a identifi-
cação de a qual behaviorismo essa classificação se
dirige (e.g. o behaviorismo lógico de Ryle, o behavio-
rismo radical de B. F. Skinner etc.); (2) quais as ca-
racterísticas que determinado rótulo compartilha com
o tipo de behaviorismo ao qual ele foi vinculado e (3)
em que extensão essas características o influenciam,
Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara
Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10
2
ou são determinantes dessa variante de behaviorismo.
Entretanto, poucos são os trabalhos que se preocupam
com essa caracterização pormenorizada.
Este artigo pretende explicitar algumas das caracte-
rísticas indicadas como definidoras do behaviorismo
metodológico (doravante BM) enfocando especialmente
os compromissos ontológicos possíveis nessa tradição
de pensamento e avaliando a compatibilidade entre a
proposta watsoniana e a caracterização do BM.
Behaviorismo metodológico
Historicamente, o primeiro a utilizar a expressão
“behaviorismo metodológico” parece ter sido K. S.
Lashley (1923). Na sua concepção, BM refere-se às
teorias behavioristas que utilizam o seguinte pressu-
posto: “fatos da experiência consciente existem, mas
não servem a nenhuma forma de tratamento científi-
co” (p. 238). Nesse entendimento, o BM seria uma
proposta dualista que elege o comportamento obser-
vável como objeto legítimo da ciência psicológica e
relega a experiência consciente a mera especulação
metafísica. O próprio Lashley reconhece que Watson
afasta-se dessa proposição no decorrer de sua obra,
mas muitos autores ainda se referem à obra de Watson
como emblemática do BM (Bergmann, 1956; Chiesa,
1994; Dutra, 2004; Guimarães, 2003; Matos, 1997;
Weber, 1992).
O problema da proposta do BM na psicologia é
que ela deixa os seus proponentes em uma situação no
mínimo embaraçosa: ao assumir que eventos mentais
existem, mas não são passíveis de análise científica, o
behaviorista metodológico deixa de fora aquilo que
tradicionalmente foi considerado como o campo de
estudo legítimo da psicologia – a “atividade mental”.
Obviamente, essa postura impossibilitaria a maior
reivindicação do behaviorismo watsoniano: de que o
behaviorismo seria capaz de explicar toda a atividade
humana. Portanto, um exame do comprometimento da
proposta de Watson com o BM merece considerável
atenção e será empreendida nesse artigo.
Compromissos ontológicos e epistemológicos
A caracterização do BM tal como Lashley (1923) o
propõe implica certos compromissos ontológicos e
epistemológicos2
. Ela implica compromissos ontoló-
gicos na medida em que assume a existência de dois
estofos no mundo, um físico e um mental, e implica
compromissos epistemológicos quando afirma que
apenas os eventos físicos – o comportamento obser-
vável – podem ser acessados cientificamente. Uma
vez que esses compromissos constituem grandes fon-
tes de problemas no BM são eles que este artigo irá
enfatizar na tentativa de avaliar a compatibilidade da
proposta de Watson com a caracterização do BM.
Um modo de avaliar os compromissos ontológicos
e epistemológicos de um autor em psicologia é identi-
ficar aproximações ou distanciamentos das suas pro-
postas às seguintes afirmações:
1) Existe apenas um estofo para as coisas do mun-
do e esse estofo é físico; o mundo é composto
apenas por objetos físicos.
2) Existe apenas um estofo para as coisas do mun-
do e esse estofo é mental; o mundo não passa
das nossas idéias subjetivas sobre coisas que
não têm realidade própria.
3) Existem dois ou mais estofos no mundo, ao
menos um físico e um mental; o homem seria
composto de corpo, que funciona a partir das
leis da física, e da mente, que é responsável
pela subjetividade de cada ser humano; esta úl-
tima funciona a partir de leis próprias.
4) É possível conhecer as propriedades e/ou fun-
cionamento dos eventos subjetivos através de
técnicas da psicologia/ciência.
5) É, em tese, possível conhecer propriedades e/ou
funcionamento dos eventos subjetivos, mas
ainda não desenvolvemos técnicas adequadas
para a investigação desses eventos.
6) Não é possível conhecer propriedades e/ou fun-
cionamento dos eventos subjetivos através de
técnicas da psicologia/ciência; a natureza dos
eventos psicológicos não é passível de investi-
gação científica.
Pode-se perceber que as três primeiras afirmações
tratam de compromissos ontológicos com a existência
ou não da mente enquanto entidade não física e as três
últimas tratam de compromissos epistemológicos que
dizem respeito à possibilidade de se gerar conheci-
mento sobre os eventos subjetivos3
. A união de afir-
mações ontológicas e epistemológicas caracteriza o
modo geral como as diversas teorias abordam a ques-
tão dos eventos não observáveis: a privacidade. Não
nos cabe aqui explorar todas as combinações possíveis
entre as afirmações, mas no que concerne a nossa
proposta, avaliaremos como o BM é caracterizado por
alguns autores – quanto a seus compromissos ontoló-
gicos e epistemológicos nos termos propostos ante-
John B. Watson: Behaviorista Metodológico?
Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10
3
riormente – e em que medida Watson se coaduna com
essas caracterizações.
Uma interpretação que se tornou comum na psi-
cologia é atribuir a Watson compromissos ontológicos
com a existência de dois estofos, um mental e um
físico (Afirmação 3), mas utilizando o argumento
segundo o qual apenas os eventos físicos são passíveis
de ser estudados pelos métodos da ciência e, portanto,
os eventos privados não seriam parte de seu objeto de
estudo (Afirmação 6): “[Watson, enquanto] behavio-
rista metodológico clássico, não nega a existência da
mente, mas nega-lhe status científico ao afirmar que
não podemos estudá-la pela sua inacessibilidade”
(Matos, 1997, p. 65). Se essa interpretação estiver
correta, o behaviorismo de Watson poderá ser consi-
derado um exemplar do BM, caso contrário esse ró-
tulo tem sido atribuído indevidamente a Watson.
A classificação do behaviorismo watsoniano como
BM decorre, em grande medida, da vinculação de
Watson ao positivismo lógico (Matos, 1997) e para
avançar na discussão precisamos caracterizar essa
proposta teórica que influenciou a psicologia científica.
Watson e o positivismo lógico
O positivismo lógico foi uma proposta naturalista
de ciência que surgiu em oposição ao idealismo ale-
mão e que foi representado principalmente pelo cha-
mado Círculo de Viena. O Círculo de Viena era com-
posto de um grupo de cientistas, matemáticos, lógicos
e filósofos europeus que propunham uma filosofia
empiricista de compreensão da ciência. Para os positi-
vistas lógicos o conhecimento científico era qualitati-
vamente diferente e superior a outros discursos e ape-
nas a linguagem científica era adequada para o exame
das coisas do mundo (Moore, 1981). No positivismo
lógico, uma proposição válida poderia ser analítica
(desenvolvida através da aplicação da lógica formal
sobre observações públicas) ou empiricamente verifi-
cável. Caso contrário, qualquer proposição científica
seria sem sentido (Smith, 1986, p. 3). Desse modo, o
positivismo lógico expulsou do campo da ciência dis-
cussões metafísicas e optou por adotar a linguagem
fisicalista como a linguagem universal da ciência4
.
Um outro aspecto que é importante no positivismo
lógico é que, como é freqüente em propostas radicais,
seus autores via de regra adotavam um tom agressivo
em suas proposições, o que funcionava muitas vezes
como recurso retórico no estabelecimento e adoção de
suas propostas. Isso se expressa, por exemplo, na pro-
posição de que com o advento do positivismo lógico a
maioria das discussões filosóficas seriam descartadas
por serem sem sentido, ou seja, por não se referirem a
dados empíricos ou a interpretações baseadas logica-
mente nos dados empíricos (Smith, 1986, p. 4).
O positivismo lógico tem sua origem formal em
1929, mas a expressão “positivismo lógico” é cunhada
apenas em 1931 (16 anos depois do manifesto behavio-
rista e um ano depois da publicação do último livro de
Watson, respectivamente) num artigo de Feigl e Blum-
berg chamado “Logical Positivism, a New Movement
in European Philosophy” (Smith, 1986, nota 7, p.
331-332). A despeito dessa discrepância temporal e
geográfica5
no desenvolvimento das duas propostas,
alguns paralelos podem ser feitos entre o behavioris-
mo de Watson e o positivismo lógico, ainda que um
comprometimento estrito entre as duas propostas seja
duvidoso6
.
Watson parece concordar com a tese verificacio-
nista do positivismo lógico quando ao debater com
MacDougall num seminário, que em 1929 se tornou
um livro intitulado “The Battle of Behaviorism”, de-
fende que apenas o comportamento observável seria o
objeto legítimo da ciência:
O que ele [o behaviorista] colocou no lugar [da in-
trospecção]? O Behaviorista pergunta: Por que não
fazemos do que podemos observar o real campo da
psicologia? Limitemo-nos às coisas que podemos
observar e formulemos leis que dizem respeito ape-
nas às coisas observadas. Agora, o que podemos ob-
servar? Podemos observar comportamento – o que o
organismo faz ou fala. (Watson, 1929, p. 19)
As teses do positivismo lógico se aproximam da
proposta de Watson também no que compete à relu-
tância para com a discussão metafísica. Embora
Watson tenha se graduado em filosofia, ele mesmo
indica que o pensamento filosófico não se consolidou
nele por muito tempo (Marx & Hillix, 1976, p. 228).
Watson reitera esse posicionamento, especialmente
frente à metafísica, ao caracterizar a proposta behavio-
rista:
O behaviorista gostaria de fixar a premissa, sem
discutir suas muitas implicações metafísicas... O
behaviorista... desvia seu olhar... da premissa meta-
física e pede apenas para que lhe permitam fazer
observações sobre o que seu sujeito está fazendo sob
dadas condições de estimulação. No lado metafísico
Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara
Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10
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ele pede apenas para ser colocado no mesmo cesto
dos outros cientistas naturais. (Watson, 1920, p. 93-
94)
Entretanto, Watson parece evitar a discussão meta-
física – e talvez esse seja um de seus maiores erros, ao
menos no que se refere à discussão desse artigo – por
motivos diferentes daqueles dos positivistas lógicos.
Estes discordavam da validade lógica das proposições
metafísicas por não serem empíricas ou analíticas,
aquele considerava que a discussão metafísica não
contribui diretamente na compreensão do comporta-
mento.
Cabe aqui indicar também uma curiosidade histórica
que pode ser interpretada apressadamente na compa-
ração do behaviorismo de Watson com o positivismo
lógico. Segundo Smith (1986, p. 61-62), muitos posi-
tivistas lógicos citavam trabalhos de Watson como
exemplo do uso do fisicalismo (entendido aqui como
compromisso com a Afirmação 1) na descrição cientí-
fica. Entretanto, a proposta de Watson nunca foi com-
pleta o suficiente para legitimar a tese do fisicalismo,
pois ele nunca conseguiu descobrir leis capazes de
relacionar os predicados psicológicos com a fisiolo-
gia. Assim, a referência dos positivistas lógicos a
Watson acabou permanecendo mais como um recurso
retórico propagandista, por parte dos próprios posi-
tivistas, que como embasamento de suas propostas
(Smith, 1986, p. 61-62).
Desse modo pode-se perceber certas aproximações
entre o behaviorismo de Watson com o positivismo
lógico. Por outro lado, parece-nos imprudente criar
uma identidade entre as duas proposições teóricas7
.
Analisemos mais detidamente as propostas de
Watson. O chamado que Watson faz para pesquisar
o observável e fazer dele seu objeto de estudo surge
no contexto do debate com o introspeccionismo e
não carrega necessariamente um compromisso onto-
lógico com o dualismo: é possível, por exemplo,
assumir que não existem eventos não-físicos e que
todos os eventos físicos são observáveis em princí-
pio (Afirmações 1 e 5). Se esse for o caso, Watson
não se isenta de compromissos ontológicos como faz
o positivismo lógico (aonde a discussão em termos
de compromissos ontológicos ou metafísicos é des-
provida de sentido); na verdade ele estaria aderindo
a um monismo físicalista (Afirmação 1).
Essa questão é central para a classificação ou
não de Watson como behaviorista metodológico e,
portanto, será mais bem discutida nos tópicos seguintes.
Primeiro, tentaremos caracterizar, a partir dos textos
originais do autor, quais são os compromissos episte-
mológicos de Watson com o acesso a eventos priva-
dos ou subjetivos e em seguida discutiremos quais as
implicações desses argumentos epistemológicos para
possíveis compromissos ontológicos desse autor.
Compromissos epistemológicos e ontológicos de
Watson
A principal reivindicação metodológica (agora se
referindo apenas ao método e não à tradição de pen-
samento chamado de behaviorismo metodológico) do
behaviorismo de Watson é a restrição de sua pesquisa
aos eventos observáveis da atividade humana. Como
indicado anteriormente, a exigência de se manter res-
trito aos eventos observáveis surge em contraposição
à introspecção como método predominante na psico-
logia da época e que não podia ser aceito sob critérios
científicos justamente pela sua natureza subjetiva
(Watson, 1913, 1914, 1925, 1929). No chamado “ma-
nifesto behaviorista”, Watson defende uma psicologia
objetiva como única possibilidade da psicologia se
emancipar como ciência.
A psicologia, tal como o behaviorista a vê, é um
ramo puramente objetivo e experimental da ciência
natural. A sua finalidade teórica é a previsão e con-
trole do comportamento. A introspecção não constitui
parte essencial de seus métodos e o valor científico
de seus dados não depende do fato de se prestarem
a uma fácil interpretação em termos de consciên-
cia... A Psicologia terá que descartar qualquer refe-
rência à consciência... ela já não precisa iludir-se
que seu objeto de observação são os estados mentais
(Watson, 1913, p. 158, 163)
Watson, portanto, abandona a consciência como
objeto de estudo e adota o comportamento pela vanta-
gem de que este é observável e, portanto, passível de
estudo científico. Neste sentido, o argumento metodo-
lógico (rejeição dos métodos introspeccionistas e ado-
ção de métodos observacionais como única possibili-
dade de ciência) é preponderante na obra de Watson,
uma vez que vem determinar qual é o seu objeto de
estudo: o comportamento observável. Essa primazia do
método – que na classificação aqui proposta é repre-
sentada pelo compromisso epistemológico com a Afir-
mação 6 – sobre o objeto tem sido indicada como a
característica definidora do behaviorismo watsoniano,
contudo, a ela têm sido vinculadas implicações onto-
lógicas que não são logicamente necessárias. Por exem-
plo, a afirmação de que Watson aceita a existência da
John B. Watson: Behaviorista Metodológico?
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5
mente, mas a coloca de fora do escopo da ciência,
parece considerar que a mudança metodológica pro-
posta por Watson necessariamente não é acompanha-
da de mudanças nos seus compromissos ontológicos
em relação à psicologia introspeccionista: O behavio-
rismo de Watson rejeitaria os métodos usados pelos
instrospeccionistas, mas não rejeitaria a existência do
objeto de estudo deles, a consciência/mente. Entretanto,
se estiver correta a afirmação de Lopes Jr. (1993) de
que a viabilidade do behaviorismo enquanto teoria
psicológica depende da capacidade de tal proposta
“incluir em seu arcabouço empírico e conceitual, os
eventos não observáveis publicamente” (p. 273), assu-
mir que a proposta do behaviorismo de Watson se recu-
sa a estudar os eventos subjetivos é o mesmo que as-
sumir sua insuficiência enquanto teoria psicológica. E
essa não parece ser a compreensão que Watson tem de
seu behaviorismo (Watson, 1913, 1925, 1929).
Primeiramente, vejamos alguns elementos que po-
dem justificar a classificação do behaviorismo de
Watson como “Metodológico” para depois avaliar os
argumentos em contrário a essa proposição. No artigo
de 1913 (Watson, 1913) alguns elementos podem ser
utilizados para vincular a proposta de Watson a um
apelo estritamente epistemológico. Ao especular sobre
um possível compromisso com o fisicalismo, Watson
deixa brechas a essas interpretações:
Seria então deixado para a psicologia um mundo
puramente físico, para usar o termo de Yerkes? Eu
confesso que não sei. Os planos aos quais sou mais
favorável para a psicologia levam praticamente a
ignorar a consciência no sentido em que o termo é
utilizado pelos psicólogos hoje. Eu tenho virtual-
mente negado que esse campo da física é aberto à
investigação experimental. Eu não quero ir além
nesse problema no presente porque ele leva inevita-
velmente para dentro da metafísica. (Watson, 1913,
p. 175, grifo acrescentado)
Apesar de o trecho acima atestar principalmente a
indiferença de Watson para com a metafísica, ele é
freqüentemente utilizado como indício de que ele
assumiria a possibilidade da existência de um estofo
não físico. Nesse caso, o desprezo de Watson para
com os compromissos metafísicos é interpretado
como se ele não se incomodasse em admitir um dua-
lismo mente-corpo. Entretanto, é interessante notar
que ao reproduzir parte desse texto numa outra obra
(Watson, 1914) ele omite a expressão grifada. Talvez
as críticas recebidas pela ocasião da publicação do
artigo de 1913 tenham motivado Watson a assumir um
compromisso mais estreito com um monismo fisica-
lista. Um argumento que apóia essa hipótese é o fato
de que no artigo de 1913 há, além da expressão indi-
cada anteriormente, um outro parágrafo que é omitido
na reprodução desse texto no ano seguinte:
Certamente a posição que eu advogo é fraca o sufi-
ciente no presente e pode ser atacada por vários
pontos de partida. Ainda quando tudo isso é admiti-
do eu continuo a sentir que essa consideração a
qual eu tenho incitado deve ter grande influência
sobre o tipo de psicologia que será desenvolvida no
futuro. (Watson, 1913, p. 175)
Esses trechos, em conjunto, parecem ser indicati-
vos de que o próprio Watson, apesar de inicialmente
considerar as questões metafísicas secundárias em
relação à priorização do método, acreditava que elas
inevitavelmente seriam discutidas durante o amadure-
cimento de sua proposta científica. E Watson não
deixou essas questões sob responsabilidade apenas de
seus possíveis seguidores, como ficará explicito a
seguir.
Vejamos agora trechos da própria obra de Watson
que indicam um afastamento do posicionamento dua-
lista do BM. Watson questiona em vários momentos
os compromissos ontológicos de seu behaviorismo
(e.g., Watson, 1920, p. 94; 1925, p. 4, 6, 10; 1929, p.
23, 35-36), ainda que seu interesse nesses momentos
permanecesse mais voltado a responder aos introspec-
cionistas que debater metafísica.
Em 1920, por exemplo, ao responder a Thomson,
que questionava seus compromissos ontológicos,
Watson afirma:
O introspeccionista espera por uma solução do pro-
blema metafísico através de algum autoconheci-
mento místico. O behaviorista não acredita em ne-
nhum poder humano transcendental como esse. Ele
mesmo é apenas um sistema complexo de reação e
deve ficar contente em desenvolver sua análise com
as mesmas ferramentas que ele observa seu sujeito
usando. Eu não posso, conseqüentemente, concor-
dar com o Sr. Thompson que existe um problema
mente-corpo no Behaviorismo. É uma séria falta de
compreensão da posição behaviorista dizer, como o
Sr. Thomson diz – “E é claro que o behaviorista não
nega que estados mentais existem. Ele meramente
prefere ignorá-los”. Ele os ‘ignora’, no mesmo sen-
tido que a química ignora a alquimia, a astronomia
o horóscopo, e a psicologia a telepatia e manifesta-
ções psíquicas. O behaviorista não se interessa por
eles porque, na medida em que a correnteza de sua
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6
ciência se amplia e aprofunda, esses antigos con-
ceitos são sugados por ela, para nunca mais reapa-
recerem. (Watson, 1920, p. 94)
Em outra obra, ao discutir as possíveis limitações
do seu behaviorismo, Watson antecipa seu interlocu-
tor:
A psicologia do comportamento deixa algo de fora?
Professor MacDougall irá, sem dúvida, dizer que o
behaviorista seleciona seus problemas. Ele irá ad-
mitir que o tipo de trabalho que eu venho esboçando
é valioso para a sociedade, mas ele irá dizer-lhe que
existem muitas outras fases na psicologia que o
behaviorista estudiosamente e possivelmente igno-
rantemente [ignorantly] rejeita. Um problema desse
tipo é o “pensar”. Como você pode explicar o “pen-
samento” em termos behavioristas? Fazer isso re-
quer um tempo considerável.
O aumento da dominância de hábitos de linguagem
no comportamento de uma criança em desenvolvi-
mento leva naturalmente à concepção behaviorista
do pensar. O behaviorista não vê mistérios no pen-
sar. Ele defende que pensar é comportamento, é or-
ganização motora, tal como jogar golfe ou qualquer
outra forma de atividade muscular. (Watson, 1929,
p. 32-33)
Não nos cabe aqui explicar longamente a teoria dos
hábitos de linguagem de Watson, mas no que compete
a esse trabalho, é importante ressaltar que sua pro-
posta prevê que toda ação humana é comportamento,
mas parte desse comportamento ocorre em escala tão
pequena que não conseguimos observar sem instru-
mentos (e.g. esse é o caso do pensar). Se, por um lado,
Watson começou advogando que a psicologia deveria
se restringir aos comportamentos observáveis, pois
sobre esses é possível criar leis científicas, por outro
lado, ao longo de sua obra, ele defendia que há com-
portamentos que são difíceis de observar, mas que,
como também são eventos físicos8
, com o desenvol-
vimento da tecnologia se tornariam observáveis, ou
seja, eram observáveis em princípio (Lashley, 1923;
Watson, 1920, 1925). Uma vez que a atividade huma-
na era composta ou de comportamentos observáveis
ou de comportamentos potencialmente observáveis,
não havia mais espaço em sua teoria para eventos que
acontecessem em um plano não físico, constatação
essa que contraria afirmações como a de Guimarães:
“Watson não negava a existência da mente ou de pro-
cessos cognitivos, mas afastava-se deles, pois não
havia como estudá-los, uma vez que são eventos ina-
cessíveis a um segundo observador” (2003, p. 64).
Se a interpretação aqui proposta estiver correta,
Watson assume um compromisso ontológico com o
fisicalismo, evitando que a caracterização que Lashley
(1923) faz de BM possa ser aplicada à sua teoria. Desse
modo, sua proposta parece aproximar-se mais das
afirmações 1 e 5 que das afirmações 3 e 6. É interes-
sante notar que historiadores que se dedicaram a ex-
plorar a obra de Watson ressaltam seu compromisso
com um monismo fisicalista como uma das caracte-
rísticas mais importantes e radicais9
de sua proposta
teórica (Bergman, 1952, p.269-270; Marx & Hillix,
1976, p. 34-38; Shneider & Morris, 1987, p. 34-35).
O behaviorismo metodológico para Skinner
Um outro autor contemporâneo importante na ca-
racterização do BM foi B.F. Skinner. Em 1945 Skinner
publicou um artigo chamado The Operational Analyisis
of Psychological Terms (Skinner, 1945/1984) onde
caracteriza pela primeira vez o que entende por beha-
viorismo metodológico. Para ele o BM seria uma
doutrina segundo a qual “o mundo é dividido em
eventos públicos e privados; e a psicologia, para aten-
der os requisitos da ciência, deve se confinar ao pri-
meiro. Essa nunca foi uma boa forma de behavioris-
mo, mas era uma posição fácil de expor e defender e
que se tornou recorrente para os próprios behavioris-
tas” (Skinner, 1945/1984, p. 552). As diferenças entre
o BM e o behaviorismo radical, apesar de muitas,
foram devidamente exploradas em outros trabalhos
(e.g., Day, 1983; Leigland, 1997; Moore, 1981, 2001)
e não serão desenvolvidas aqui. O que interessa a este
artigo é que muitos dos que caracterizam Watson
como behaviorista metodológico (Chiesa, 1994; Gui-
marães, 2003; Matos, 1997; Weber, 1992) denomi-
nam-se behavioristas radicais inspirados em Skinner.
Como se pode perceber, para Skinner o BM é caracte-
rizado principalmente pelo apelo metodológico de
excluir os eventos privados da ciência psicológica,
entretanto, o problema principal surge porque “a maio-
ria dos behavioristas metodológicos mantiveram a
existência de eventos mentais enquanto os excluíam
de consideração” (Skinner, 1974, p. 13), assumindo
assim um dualismo consistentemente combatido por
Skinner. Contudo, em nenhum momento, nem mesmo
num artigo em que Skinner comenta especificamente
a obra de Watson (Skinner, 1959), este é classificado
como behaviorista metodológico (cf. Skinner, 1945/
1984, 1959, 1974). E, se concordarmos com a tese
proposta anteriormente de que Watson defende um
monismo fisicalista, ele não pode ser caracterizado
como behaviorista metodológico segundo os critérios
de Skinner.
John B. Watson: Behaviorista Metodológico?
Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10
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A caracterização de behaviorismo metodológico de
Willard Day
Em 1977, Willard Day apresentou um trabalho
chamado On the difference between Radical and
Methodological Behaviorism que foi publicado na
forma de artigo apenas em 1983, onde ele defendeu
uma caracterização do BM centrada “[n]uma orienta-
ção profissional abrangente sobre como deve-se con-
duzir a pesquisa psicológica em geral” (p. 91) e que
seria um erro “restringir a concepção de behaviorismo
metodológico apenas ao comprometimento com uma
base de dados publicamente observável” (p. 90). A
caracterização de Day (1983) inclui, além da restrição
aos eventos observáveis – principalmente através da
aplicação do operacionismo na definição dos concei-
tos mentais – o raciocínio hipotético-dedutivo, uso do
método experimental, uso da estatística na avaliação
dos resultados, adesão a um modelo de causação ante-
cedente e formulação de teorias explicativas dos da-
dos obtidos, geralmente por meio de instâncias medi-
adoras inferidas. Essas características implicariam
uma espécie de realismo ingênuo derivado, historica-
mente, do positivismo lógico e do operacionismo clás-
sico na psicologia (i.e., operacionismo de Boring-
Stevens) (Day, 1983).
Essa concepção de BM é compartilhada por alguns
autores contemporâneos do behaviorismo, como Moore
(1981, 2001) e Leigland (1997) e é freqüentemente
indicada como “efeito da epistemologia mentalista na
ciência do comportamento” (Moore, 1981, p. 64). O
BM seria mentalista na medida em que apela para
construtos hipotéticos na explicação do comporta-
mento como objeto e na explicação do comporta-
mento do cientista que o estuda (Moore, 1981, Day,
1983). Desse modo, “se alguém for um behaviorista
metodológico, esse alguém usualmente será também
um mentalista, mas alguém não precisa ser sempre
assim. Exemplos de mentalismo que não envolvem
necessariamente o behaviorismo metodológico são
certos tipos de psicologia da Gestalt, a fenomenologia
e a psicologia humanista” (Moore, 1981, p. 64). Nessa
concepção de BM poderiam ser enquadrados os neo-
behavioristas mediacionais (e.g., Hull) e quase todo o
abrangente campo da psicologia cognitiva, dentre
outros (Leigland, 1997), contudo, dificilmente qual-
quer leitor atento de Watson o classificaria como um
mentalista. Alguém poderia ainda classificar Watson
como behaviorista metodológico por compartilhar
algumas das características do BM tal como descrito
por Day (1983), indicando, por exemplo, um com-
prometimento de Watson com a noção de causação
antecedente. Entretanto, o fato de algumas teorias
mentalistas (e.g. fenomenologia, etc.) não serem clas-
sificadas como BM pelos autores que propõem essa
caracterização nos indica que compartilhar apenas
algumas características não é suficiente para classifi-
car uma proposta teórica como BM. Portanto, nem
mesmo nessa definição mais moderna Watson poderia
ser classificado como um behaviorista metodológico.
O behaviorismo metodológico como priorização do
método
Watson é freqüentemente chamado de metodológi-
co por priorizar o método em detrimento do objeto de
estudo (Lopes Jr, 1993, p. 273). Neste sentido, Watson
teria inicialmente feito um apelo metodológico: “li-
mitemo-nos às coisas que podemos observar e for-
mulemos leis que dizem respeito apenas às coisas
observadas” (Watson, 1929, p. 19); para apenas a
partir desse movimento definir o seu objeto de estudo:
“agora, o que podemos observar? Podemos observar
comportamento – o que o organismo faz ou fala” (p.
19). Esta priorização do método sobre o objeto seria
determinante no rompimento de sua proposta com as
psicologias desenvolvidas até a década de 1920 (Lopes
Jr., 1993). Esta interpretação ganha algum suporte no
chamado “manifesto behaviorista”:
Eu estou mais interessado no presente momento em
tentar mostrar a necessidade de manter uniformida-
de no procedimento experimental e no método de
dispor os resultados no trabalho de ambos, animal e
homem, que desenvolver quaisquer idéias que eu te-
nho sobre as mudanças que devem certamente
acontecer no escopo da psicologia humana. (Watson,
1913, p. 170)
Neste sentido, Watson seria um behaviorista meto-
dológico apenas pela priorização de aspectos episte-
mológicos de sua proposta e não por algum alinha-
mento com propostas dualistas, como vimos anterior-
mente. Por outro lado, identificar que Watson teria
desenvolvido argumentos epistemológicos (devemos
fazer uma ciência do comportamento observável)
antes de definir seus compromissos ontológicos (todo
comportamento é físico e, portanto, observável em
tese), não traz grandes implicações para o seu projeto
científico, uma vez que não altera os compromissos
ontológicos por ele assumidos. No máximo, o adjetivo
metodológico, quando empregado com esse sentido,
pode sugerir a identificação de duas fases no behavio-
rismo watsoniano (antes e depois de explicitar seus
Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara
Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10
8
compromissos ontológicos), identificação essa que cabe
aos historiadores interessados estabelecerem ou não.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Parece adequado, neste momento, resumir algumas
considerações sobre o que foi exposto até agora. Muitos
autores caracterizam o behaviorismo de Watson
com o adjetivo “metodológico”. Esse adjetivo, quando
interpretado como um dualismo mente-corpo, é em-
pregado erroneamente, e quando empregado indican-
do um percurso histórico – segundo o qual Watson
expõe primeiro suas reivindicações epistemológicas e
depois expõe os compromissos ontológicos – é irrele-
vante para a caracterização do conjunto de sua obra.
Contudo, alguns trechos de seus escritos dão margem
para as interpretações que acabamos de criticar. Suge-
re-se aqui que isso pode ser conseqüência da relutância
de Watson em desenvolver abertamente os compro-
missos ontológicos de sua teoria. Para além da insufi-
ciência do behaviorismo de Watson em explicar os
comportamentos complexos, um outro fator que pode
ter influenciado o seu abandono (e atual caracteriza-
ção como BM) é sua insistência em desprezar a dis-
cussão metafísica em prol da formalização dos méto-
dos que propôs. Para finalizar, gostaríamos de expor a
forma como Lashley indica os compromissos ontoló-
gicos de Watson e seu afastamento da caracterização
de behaviorismo metodológico que ele mesmo propôs:
A proposição do comportamento do organismo fisio-
lógico não deixa nenhum resíduo psíquico. A mente
é comportamento e nada mais. Essa visão está im-
plícita em muitos dos escritos de Watson, ainda que
não com tantas palavras. ...Essa é a visão behavio-
rista extrema. Ela não faz concessões à psicologia
dualista e afirma a continuidade dos dados e méto-
dos das ciências físicas, biológicas e psicológicas.
(Lashley, 1923, p. 240)
Em se tratando dos compromissos ontológicos e
epistemológicos tal como propusemos anteriormente,
parece claro agora que Watson concordaria com as
Afirmações 1 (existe apenas um estofo, o físico) e 5
(Todo o comportamento é observável em princípio,
ainda que não exista tecnologia disponível para aces-
sá-lo em toda sua complexidade), o que o coloca em
uma posição bastante diferente das caracterizações de
BM discutidas neste trabalho (usualmente representa-
dos pelas Afirmações 3 e 4 ou 3 e 6 dependendo da
definição adotada).
Acreditamos que o descuido na classificação de
teorias psicológicas é muito prejudicial à compreensão
das próprias teorias e pode levar a graves incorreções
na avaliação de propostas teóricas. Isso parece ser
ainda mais prejudicial quando essas classificações
carregam implicações filosóficas – no caso deste artigo,
ontológicas e epistemológicas – as quais freqüente-
mente não estão claramente explícitas nos textos psi-
cológicos.
Watson foi uma figura central na história da psi-
cologia e seu nome é mencionado em qualquer tenta-
tiva de compreensão histórica dessa área do conheci-
mento. Nessa perspectiva, uma caracterização errônea
de Watson como behaviorista metodológico pode
deturpar a contribuição da historiografia na compreen-
são dos sistemas psicológicos. Watson foi o protago-
nista principal do chamado à objetividade na psicolo-
gia e classificações apressadas de sua obra obscure-
cem o cenário histórico polêmico incitado por suas
proposições. Especificamente quanto ao behavioris-
mo, movimento do qual – ao menos historicamente –
Watson é apontado como fundador, as conseqüências
da classificação de Watson como behaviorista meto-
dológico são ainda mais danosas. O behaviorismo
radical de Skinner, por exemplo, é freqüentemente
caracterizado em contraposição ao BM (Bergmann,
1956; Chiesa, 1994; Day, 1983; Dutra, 2004; Grahan,
2007; Guimarães, 2003; Matos, 1997; Moore, 1981,
2001; Weber, 1992) e o uso da obra de Watson como
exemplo emblemático do BM pode dificultar a com-
preensão, tanto do behaviorismo radical como do BM
e da obra de Watson, impedindo, inclusive, a identifi-
cação adequada dos interlocutores de Skinner que
influenciaram sua teoria. Com tantas conseqüências
deletérias, uma classificação de Watson como behavio-
rista metodológico acaba se tornando apenas um re-
curso retórico com conotação pejorativa e deve ser
evitado.
REFERÊNCIAS
Bergman, G. (1956). The contributions of John B. Watson.
Psychological Review, 63, 265-276.
Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical: Crítica e metacrítica.
(2ª ed.) São Paulo: Editora da UNESP.
Chiesa, M. (1994). Radical behaviorism: The philosophy and the
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Day, W. (1983). On the difference between radical and methodo-
logical behaviorism. Behaviorism, 11, 89-102.
Dutra, L. H. A. (2004). Behaviorismo, operacionismo e a ciência
do comportamento. Philósophos, 9, 179-206.
John B. Watson: Behaviorista Metodológico?
Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10
9
Guimarães, R. P. (2003). Deixando o preconceito de lado e enten-
dendo o behaviorismo radical. Psicologia: Ciência e Pro-
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Lashley, K. S. (1923). The behaviorist interpretation of conscious-
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Leigland, S. (1997). Systemns and theories in behavior analitic
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Lopes Jr., J. (1993). Aspectos históricos e espistemológicos da
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Matos, M. A. (1997). O behaviorismo metodológico e suas rela-
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Marx, M. H., & Hillix, W. A. (1976). Sistema e teorias em psico-
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Morris, E. K., & Todd, J. T. (1999). Watsonian behaviorism. Em
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Norton.
Weber, L. N. D. (1992, maio/agosto). Burrhus Frederic Skinner:
Um homem além do seu tempo. Documenta CRP-08, 55-64.
Recebido: 21/09/2007
Última revisão: 05/01/2008
Aceite final: 20/02/2008
Notas:
(*)
Os autores agradecem à FAPESP (bolsa de mestrado, proc. 06/53396-5) e ao CNPq (bolsa produtividade, proc. 304075/2005-1) pelo
apoio recebido.
1
O’Donohue e Kitchener (1999) identificam pelo menos 15 subtipos de behaviorismo em seu Handbook of Behaviorism.
2
Para os fins desse trabalho entendemos como compromisso epistemológico as asserções sobre a possibilidade do conhecimento sobre
um objeto de estudo – no caso sobre a mente – e entendemos como compromisso ontológico a adoção de axiomas sobre a existência
real de um determinado objeto de estudo.
3
Utilizamos aqui o termo subjetivo fazendo referência “ao que é próprio do sujeito”, desvinculando-o de qualquer compromisso ontoló-
gico: pode-se fazer questionamentos epistemológicos independente do estofo do qual é composta a subjetividade.
4
Ao adotar a linguagem fisicalista, o positivismo lógico não se compromete necessariamente com uma ontologia fisicalista, mesmo
porque asserções sobre compromissos ontológicos não são analíticas (enunciados lógicos ou matemáticos baseados nos dados) nem
empiricamente observáveis e portanto são asserções sem sentido. A adoção da linguagem fisicalista é, no positivismo lógico, apenas
uma convenção. (e.g., Smith, 1986, p. 57-60)
5
O positivismo lógico foi um movimento iniciado na Europa e migrou para a América principalmente através da migração de intelectuais
na 2ª Guerra Mundial (Smith, 1986, p. 6), de outro lado o behaviorismo foi um movimento tipicamente americano.
6
Justamente pela distância temporal entre o surgimento das duas propostas, seria impossível que o behaviorismo clássico de Watson
fosse inspirado no positivismo lógico e a despeito das indicações de que os dois movimentos compartilharam influências de um con-
texto cultural e filosófico mais amplo, supor uma identidade entre os aspectos centrais das duas teorias seria uma supersimplificação,
com efeitos nefastos para a compreensão de ambas as propostas.
Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara
Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10
10
7
Aproximações maiores podem ser apontadas entre neobehavioristas como Hull e Spence (e.g., Smith, 1986).
8
Para Watson o pensamento, por exemplo, seria uma espécie de fala subvocal que poderia ser acessada com equipamentos que regis-
trassem movimentos conspícuos da laringe, mas que não eram fortes o suficiente para emitir som (Watson, 1913, p. 174, nota, 1920,
1925, cap. X e XI, 1929a, p. 32, 1929b, cap. IX).
9
Marx e Hillix (1976) classificam o behaviorismo de Watson como “behaviorismo radical” dada a importância de seus apelos monistas
em relação às teorias psicológicas vigentes na época do manifesto (i.e., estruturalismo e funcionalismo). Este é mais um exemplo de
como classificações de teorias podem ser controversas, pois atualmente a expressão behaviorismo radical está mais vinculada ao beha-
viorismo de B. F. Skinner que de Watson. Neste caso, o termo “radical” surge por motivos bem diferentes dos de Watson mas essa di-
ferença não será explorada aqui (cf. Shneider, & Morris, 1987).
Sobre os autores:
Bruno Angelo Strapasson: Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela UNESP – Campus de Bauru. Endereço
eletrônico: brunoastr@gmail.com.
Kester Carrara: Livre docente da UNESP – Campus de Bauru, professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvol-
vimento e Aprendizagem e Bolsista produtividade do CNPq.

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  • 1. Interação em Psicologia, 2008, 12(1), p. 1-10 1 John B. Watson: Behaviorista Metodológico? Bruno Angelo Strapasson Kester Carrara Universidade Estadual de São Paulo RESUMO A atribuição de rótulos ou adjetivos a propostas teóricas é sempre uma tarefa difícil e, infelizmente, poucas vezes empreendida com o devido cuidado. Este artigo pretende avaliar a caracterização da obra de John B. Watson como o exemplar emblemático do movimento conhecido como behaviorismo metodológico. São expostas no texto quatro concepções de behaviorismo metodológico (a de Lashley, 1923, de Skinner, 1945, de Day, 1983 e a implícita em Lopes Jr., 1993) e é avaliado, a partir de trechos dos textos do próprio Watson, o compromisso deste com as caracterizações expostas. Defende-se aqui que na maioria das acepções, a expressão behaviorismo metodológico não pode ser aplicada à obra de Watson e, quando pode, é adequada apenas aos seus primeiros escritos e não implica problemas filosóficos tradicionalmente atribuídos a essa caracterização, a saber: problemas inerentes ao dualismo mente-corpo. Por fim, são indicadas algumas conseqüências dessa caracterização apressada. Palavras-chave: behaviorismo metodológico; ontologia; epistemologia. ABSTRACT John B. Watson, Methodological Behaviorist? To attribute titles or qualities to theoretical proposals is always a difficult task, and unhappily, it is rarely done carefully. This article intends to evaluate the characterizations of John B. Watson’s writings as an emblem of the methodological behaviorism movement. The paper presents four conceptions of methodological behaviorism and discusses Watson’s commitment to these views, in the light of his own writings. The paper then suggests that often, the expression Methodological Behaviorism could not be applied to Watson’s writings, and when it can, it is adequate only to his initial texts and without implying the philosophical problems traditionally attributed to this characterization: the inherent problems of body-mind dualism. As a conclusion, the paper indicates some consequences of this mischaracterization. Keywords: Methodological Behaviorism; ontology; epistemology. Atribuir rótulos e adjetivos a teorias psicológicas não é uma tarefa fácil. As diversas palavras utilizadas para identificar correntes teóricas e suas subdivisões implicam definições que nem sempre são muito claras. Ao atribuir classificações corremos os “riscos inerentes a qualquer sistema de tipologia... [Nesses], há sempre uma tendência a argumentar que, porque indivíduos são similares em um aspecto, eles também são similares em outros” (Skinner, 1953/1965, p. 424). Se aplicarmos essa ressalva à classificação de teorias, veremos que diversas incorreções têm sido cometidas na psicologia e poderemos perceber a limitada utilidade dos manuais que assim o fazem. Muitos rótulos desse tipo têm sido atribuídos ao behaviorismo (e.g. diz-se que o behavio- rismo é reducionista, continuísta, mecanicista, positi- vista etc. (Carrara, 2005)). Dada a multiplicidade de proposições teórico-metodológicas que se congregam sob o título “behaviorismo”1 a adequação desse rótulo na sua caracterização requer uma análise minuciosa, que deve passar por ao menos três fases: (1) a identifi- cação de a qual behaviorismo essa classificação se dirige (e.g. o behaviorismo lógico de Ryle, o behavio- rismo radical de B. F. Skinner etc.); (2) quais as ca- racterísticas que determinado rótulo compartilha com o tipo de behaviorismo ao qual ele foi vinculado e (3) em que extensão essas características o influenciam,
  • 2. Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 2 ou são determinantes dessa variante de behaviorismo. Entretanto, poucos são os trabalhos que se preocupam com essa caracterização pormenorizada. Este artigo pretende explicitar algumas das caracte- rísticas indicadas como definidoras do behaviorismo metodológico (doravante BM) enfocando especialmente os compromissos ontológicos possíveis nessa tradição de pensamento e avaliando a compatibilidade entre a proposta watsoniana e a caracterização do BM. Behaviorismo metodológico Historicamente, o primeiro a utilizar a expressão “behaviorismo metodológico” parece ter sido K. S. Lashley (1923). Na sua concepção, BM refere-se às teorias behavioristas que utilizam o seguinte pressu- posto: “fatos da experiência consciente existem, mas não servem a nenhuma forma de tratamento científi- co” (p. 238). Nesse entendimento, o BM seria uma proposta dualista que elege o comportamento obser- vável como objeto legítimo da ciência psicológica e relega a experiência consciente a mera especulação metafísica. O próprio Lashley reconhece que Watson afasta-se dessa proposição no decorrer de sua obra, mas muitos autores ainda se referem à obra de Watson como emblemática do BM (Bergmann, 1956; Chiesa, 1994; Dutra, 2004; Guimarães, 2003; Matos, 1997; Weber, 1992). O problema da proposta do BM na psicologia é que ela deixa os seus proponentes em uma situação no mínimo embaraçosa: ao assumir que eventos mentais existem, mas não são passíveis de análise científica, o behaviorista metodológico deixa de fora aquilo que tradicionalmente foi considerado como o campo de estudo legítimo da psicologia – a “atividade mental”. Obviamente, essa postura impossibilitaria a maior reivindicação do behaviorismo watsoniano: de que o behaviorismo seria capaz de explicar toda a atividade humana. Portanto, um exame do comprometimento da proposta de Watson com o BM merece considerável atenção e será empreendida nesse artigo. Compromissos ontológicos e epistemológicos A caracterização do BM tal como Lashley (1923) o propõe implica certos compromissos ontológicos e epistemológicos2 . Ela implica compromissos ontoló- gicos na medida em que assume a existência de dois estofos no mundo, um físico e um mental, e implica compromissos epistemológicos quando afirma que apenas os eventos físicos – o comportamento obser- vável – podem ser acessados cientificamente. Uma vez que esses compromissos constituem grandes fon- tes de problemas no BM são eles que este artigo irá enfatizar na tentativa de avaliar a compatibilidade da proposta de Watson com a caracterização do BM. Um modo de avaliar os compromissos ontológicos e epistemológicos de um autor em psicologia é identi- ficar aproximações ou distanciamentos das suas pro- postas às seguintes afirmações: 1) Existe apenas um estofo para as coisas do mun- do e esse estofo é físico; o mundo é composto apenas por objetos físicos. 2) Existe apenas um estofo para as coisas do mun- do e esse estofo é mental; o mundo não passa das nossas idéias subjetivas sobre coisas que não têm realidade própria. 3) Existem dois ou mais estofos no mundo, ao menos um físico e um mental; o homem seria composto de corpo, que funciona a partir das leis da física, e da mente, que é responsável pela subjetividade de cada ser humano; esta úl- tima funciona a partir de leis próprias. 4) É possível conhecer as propriedades e/ou fun- cionamento dos eventos subjetivos através de técnicas da psicologia/ciência. 5) É, em tese, possível conhecer propriedades e/ou funcionamento dos eventos subjetivos, mas ainda não desenvolvemos técnicas adequadas para a investigação desses eventos. 6) Não é possível conhecer propriedades e/ou fun- cionamento dos eventos subjetivos através de técnicas da psicologia/ciência; a natureza dos eventos psicológicos não é passível de investi- gação científica. Pode-se perceber que as três primeiras afirmações tratam de compromissos ontológicos com a existência ou não da mente enquanto entidade não física e as três últimas tratam de compromissos epistemológicos que dizem respeito à possibilidade de se gerar conheci- mento sobre os eventos subjetivos3 . A união de afir- mações ontológicas e epistemológicas caracteriza o modo geral como as diversas teorias abordam a ques- tão dos eventos não observáveis: a privacidade. Não nos cabe aqui explorar todas as combinações possíveis entre as afirmações, mas no que concerne a nossa proposta, avaliaremos como o BM é caracterizado por alguns autores – quanto a seus compromissos ontoló- gicos e epistemológicos nos termos propostos ante-
  • 3. John B. Watson: Behaviorista Metodológico? Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 3 riormente – e em que medida Watson se coaduna com essas caracterizações. Uma interpretação que se tornou comum na psi- cologia é atribuir a Watson compromissos ontológicos com a existência de dois estofos, um mental e um físico (Afirmação 3), mas utilizando o argumento segundo o qual apenas os eventos físicos são passíveis de ser estudados pelos métodos da ciência e, portanto, os eventos privados não seriam parte de seu objeto de estudo (Afirmação 6): “[Watson, enquanto] behavio- rista metodológico clássico, não nega a existência da mente, mas nega-lhe status científico ao afirmar que não podemos estudá-la pela sua inacessibilidade” (Matos, 1997, p. 65). Se essa interpretação estiver correta, o behaviorismo de Watson poderá ser consi- derado um exemplar do BM, caso contrário esse ró- tulo tem sido atribuído indevidamente a Watson. A classificação do behaviorismo watsoniano como BM decorre, em grande medida, da vinculação de Watson ao positivismo lógico (Matos, 1997) e para avançar na discussão precisamos caracterizar essa proposta teórica que influenciou a psicologia científica. Watson e o positivismo lógico O positivismo lógico foi uma proposta naturalista de ciência que surgiu em oposição ao idealismo ale- mão e que foi representado principalmente pelo cha- mado Círculo de Viena. O Círculo de Viena era com- posto de um grupo de cientistas, matemáticos, lógicos e filósofos europeus que propunham uma filosofia empiricista de compreensão da ciência. Para os positi- vistas lógicos o conhecimento científico era qualitati- vamente diferente e superior a outros discursos e ape- nas a linguagem científica era adequada para o exame das coisas do mundo (Moore, 1981). No positivismo lógico, uma proposição válida poderia ser analítica (desenvolvida através da aplicação da lógica formal sobre observações públicas) ou empiricamente verifi- cável. Caso contrário, qualquer proposição científica seria sem sentido (Smith, 1986, p. 3). Desse modo, o positivismo lógico expulsou do campo da ciência dis- cussões metafísicas e optou por adotar a linguagem fisicalista como a linguagem universal da ciência4 . Um outro aspecto que é importante no positivismo lógico é que, como é freqüente em propostas radicais, seus autores via de regra adotavam um tom agressivo em suas proposições, o que funcionava muitas vezes como recurso retórico no estabelecimento e adoção de suas propostas. Isso se expressa, por exemplo, na pro- posição de que com o advento do positivismo lógico a maioria das discussões filosóficas seriam descartadas por serem sem sentido, ou seja, por não se referirem a dados empíricos ou a interpretações baseadas logica- mente nos dados empíricos (Smith, 1986, p. 4). O positivismo lógico tem sua origem formal em 1929, mas a expressão “positivismo lógico” é cunhada apenas em 1931 (16 anos depois do manifesto behavio- rista e um ano depois da publicação do último livro de Watson, respectivamente) num artigo de Feigl e Blum- berg chamado “Logical Positivism, a New Movement in European Philosophy” (Smith, 1986, nota 7, p. 331-332). A despeito dessa discrepância temporal e geográfica5 no desenvolvimento das duas propostas, alguns paralelos podem ser feitos entre o behavioris- mo de Watson e o positivismo lógico, ainda que um comprometimento estrito entre as duas propostas seja duvidoso6 . Watson parece concordar com a tese verificacio- nista do positivismo lógico quando ao debater com MacDougall num seminário, que em 1929 se tornou um livro intitulado “The Battle of Behaviorism”, de- fende que apenas o comportamento observável seria o objeto legítimo da ciência: O que ele [o behaviorista] colocou no lugar [da in- trospecção]? O Behaviorista pergunta: Por que não fazemos do que podemos observar o real campo da psicologia? Limitemo-nos às coisas que podemos observar e formulemos leis que dizem respeito ape- nas às coisas observadas. Agora, o que podemos ob- servar? Podemos observar comportamento – o que o organismo faz ou fala. (Watson, 1929, p. 19) As teses do positivismo lógico se aproximam da proposta de Watson também no que compete à relu- tância para com a discussão metafísica. Embora Watson tenha se graduado em filosofia, ele mesmo indica que o pensamento filosófico não se consolidou nele por muito tempo (Marx & Hillix, 1976, p. 228). Watson reitera esse posicionamento, especialmente frente à metafísica, ao caracterizar a proposta behavio- rista: O behaviorista gostaria de fixar a premissa, sem discutir suas muitas implicações metafísicas... O behaviorista... desvia seu olhar... da premissa meta- física e pede apenas para que lhe permitam fazer observações sobre o que seu sujeito está fazendo sob dadas condições de estimulação. No lado metafísico
  • 4. Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 4 ele pede apenas para ser colocado no mesmo cesto dos outros cientistas naturais. (Watson, 1920, p. 93- 94) Entretanto, Watson parece evitar a discussão meta- física – e talvez esse seja um de seus maiores erros, ao menos no que se refere à discussão desse artigo – por motivos diferentes daqueles dos positivistas lógicos. Estes discordavam da validade lógica das proposições metafísicas por não serem empíricas ou analíticas, aquele considerava que a discussão metafísica não contribui diretamente na compreensão do comporta- mento. Cabe aqui indicar também uma curiosidade histórica que pode ser interpretada apressadamente na compa- ração do behaviorismo de Watson com o positivismo lógico. Segundo Smith (1986, p. 61-62), muitos posi- tivistas lógicos citavam trabalhos de Watson como exemplo do uso do fisicalismo (entendido aqui como compromisso com a Afirmação 1) na descrição cientí- fica. Entretanto, a proposta de Watson nunca foi com- pleta o suficiente para legitimar a tese do fisicalismo, pois ele nunca conseguiu descobrir leis capazes de relacionar os predicados psicológicos com a fisiolo- gia. Assim, a referência dos positivistas lógicos a Watson acabou permanecendo mais como um recurso retórico propagandista, por parte dos próprios posi- tivistas, que como embasamento de suas propostas (Smith, 1986, p. 61-62). Desse modo pode-se perceber certas aproximações entre o behaviorismo de Watson com o positivismo lógico. Por outro lado, parece-nos imprudente criar uma identidade entre as duas proposições teóricas7 . Analisemos mais detidamente as propostas de Watson. O chamado que Watson faz para pesquisar o observável e fazer dele seu objeto de estudo surge no contexto do debate com o introspeccionismo e não carrega necessariamente um compromisso onto- lógico com o dualismo: é possível, por exemplo, assumir que não existem eventos não-físicos e que todos os eventos físicos são observáveis em princí- pio (Afirmações 1 e 5). Se esse for o caso, Watson não se isenta de compromissos ontológicos como faz o positivismo lógico (aonde a discussão em termos de compromissos ontológicos ou metafísicos é des- provida de sentido); na verdade ele estaria aderindo a um monismo físicalista (Afirmação 1). Essa questão é central para a classificação ou não de Watson como behaviorista metodológico e, portanto, será mais bem discutida nos tópicos seguintes. Primeiro, tentaremos caracterizar, a partir dos textos originais do autor, quais são os compromissos episte- mológicos de Watson com o acesso a eventos priva- dos ou subjetivos e em seguida discutiremos quais as implicações desses argumentos epistemológicos para possíveis compromissos ontológicos desse autor. Compromissos epistemológicos e ontológicos de Watson A principal reivindicação metodológica (agora se referindo apenas ao método e não à tradição de pen- samento chamado de behaviorismo metodológico) do behaviorismo de Watson é a restrição de sua pesquisa aos eventos observáveis da atividade humana. Como indicado anteriormente, a exigência de se manter res- trito aos eventos observáveis surge em contraposição à introspecção como método predominante na psico- logia da época e que não podia ser aceito sob critérios científicos justamente pela sua natureza subjetiva (Watson, 1913, 1914, 1925, 1929). No chamado “ma- nifesto behaviorista”, Watson defende uma psicologia objetiva como única possibilidade da psicologia se emancipar como ciência. A psicologia, tal como o behaviorista a vê, é um ramo puramente objetivo e experimental da ciência natural. A sua finalidade teórica é a previsão e con- trole do comportamento. A introspecção não constitui parte essencial de seus métodos e o valor científico de seus dados não depende do fato de se prestarem a uma fácil interpretação em termos de consciên- cia... A Psicologia terá que descartar qualquer refe- rência à consciência... ela já não precisa iludir-se que seu objeto de observação são os estados mentais (Watson, 1913, p. 158, 163) Watson, portanto, abandona a consciência como objeto de estudo e adota o comportamento pela vanta- gem de que este é observável e, portanto, passível de estudo científico. Neste sentido, o argumento metodo- lógico (rejeição dos métodos introspeccionistas e ado- ção de métodos observacionais como única possibili- dade de ciência) é preponderante na obra de Watson, uma vez que vem determinar qual é o seu objeto de estudo: o comportamento observável. Essa primazia do método – que na classificação aqui proposta é repre- sentada pelo compromisso epistemológico com a Afir- mação 6 – sobre o objeto tem sido indicada como a característica definidora do behaviorismo watsoniano, contudo, a ela têm sido vinculadas implicações onto- lógicas que não são logicamente necessárias. Por exem- plo, a afirmação de que Watson aceita a existência da
  • 5. John B. Watson: Behaviorista Metodológico? Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 5 mente, mas a coloca de fora do escopo da ciência, parece considerar que a mudança metodológica pro- posta por Watson necessariamente não é acompanha- da de mudanças nos seus compromissos ontológicos em relação à psicologia introspeccionista: O behavio- rismo de Watson rejeitaria os métodos usados pelos instrospeccionistas, mas não rejeitaria a existência do objeto de estudo deles, a consciência/mente. Entretanto, se estiver correta a afirmação de Lopes Jr. (1993) de que a viabilidade do behaviorismo enquanto teoria psicológica depende da capacidade de tal proposta “incluir em seu arcabouço empírico e conceitual, os eventos não observáveis publicamente” (p. 273), assu- mir que a proposta do behaviorismo de Watson se recu- sa a estudar os eventos subjetivos é o mesmo que as- sumir sua insuficiência enquanto teoria psicológica. E essa não parece ser a compreensão que Watson tem de seu behaviorismo (Watson, 1913, 1925, 1929). Primeiramente, vejamos alguns elementos que po- dem justificar a classificação do behaviorismo de Watson como “Metodológico” para depois avaliar os argumentos em contrário a essa proposição. No artigo de 1913 (Watson, 1913) alguns elementos podem ser utilizados para vincular a proposta de Watson a um apelo estritamente epistemológico. Ao especular sobre um possível compromisso com o fisicalismo, Watson deixa brechas a essas interpretações: Seria então deixado para a psicologia um mundo puramente físico, para usar o termo de Yerkes? Eu confesso que não sei. Os planos aos quais sou mais favorável para a psicologia levam praticamente a ignorar a consciência no sentido em que o termo é utilizado pelos psicólogos hoje. Eu tenho virtual- mente negado que esse campo da física é aberto à investigação experimental. Eu não quero ir além nesse problema no presente porque ele leva inevita- velmente para dentro da metafísica. (Watson, 1913, p. 175, grifo acrescentado) Apesar de o trecho acima atestar principalmente a indiferença de Watson para com a metafísica, ele é freqüentemente utilizado como indício de que ele assumiria a possibilidade da existência de um estofo não físico. Nesse caso, o desprezo de Watson para com os compromissos metafísicos é interpretado como se ele não se incomodasse em admitir um dua- lismo mente-corpo. Entretanto, é interessante notar que ao reproduzir parte desse texto numa outra obra (Watson, 1914) ele omite a expressão grifada. Talvez as críticas recebidas pela ocasião da publicação do artigo de 1913 tenham motivado Watson a assumir um compromisso mais estreito com um monismo fisica- lista. Um argumento que apóia essa hipótese é o fato de que no artigo de 1913 há, além da expressão indi- cada anteriormente, um outro parágrafo que é omitido na reprodução desse texto no ano seguinte: Certamente a posição que eu advogo é fraca o sufi- ciente no presente e pode ser atacada por vários pontos de partida. Ainda quando tudo isso é admiti- do eu continuo a sentir que essa consideração a qual eu tenho incitado deve ter grande influência sobre o tipo de psicologia que será desenvolvida no futuro. (Watson, 1913, p. 175) Esses trechos, em conjunto, parecem ser indicati- vos de que o próprio Watson, apesar de inicialmente considerar as questões metafísicas secundárias em relação à priorização do método, acreditava que elas inevitavelmente seriam discutidas durante o amadure- cimento de sua proposta científica. E Watson não deixou essas questões sob responsabilidade apenas de seus possíveis seguidores, como ficará explicito a seguir. Vejamos agora trechos da própria obra de Watson que indicam um afastamento do posicionamento dua- lista do BM. Watson questiona em vários momentos os compromissos ontológicos de seu behaviorismo (e.g., Watson, 1920, p. 94; 1925, p. 4, 6, 10; 1929, p. 23, 35-36), ainda que seu interesse nesses momentos permanecesse mais voltado a responder aos introspec- cionistas que debater metafísica. Em 1920, por exemplo, ao responder a Thomson, que questionava seus compromissos ontológicos, Watson afirma: O introspeccionista espera por uma solução do pro- blema metafísico através de algum autoconheci- mento místico. O behaviorista não acredita em ne- nhum poder humano transcendental como esse. Ele mesmo é apenas um sistema complexo de reação e deve ficar contente em desenvolver sua análise com as mesmas ferramentas que ele observa seu sujeito usando. Eu não posso, conseqüentemente, concor- dar com o Sr. Thompson que existe um problema mente-corpo no Behaviorismo. É uma séria falta de compreensão da posição behaviorista dizer, como o Sr. Thomson diz – “E é claro que o behaviorista não nega que estados mentais existem. Ele meramente prefere ignorá-los”. Ele os ‘ignora’, no mesmo sen- tido que a química ignora a alquimia, a astronomia o horóscopo, e a psicologia a telepatia e manifesta- ções psíquicas. O behaviorista não se interessa por eles porque, na medida em que a correnteza de sua
  • 6. Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 6 ciência se amplia e aprofunda, esses antigos con- ceitos são sugados por ela, para nunca mais reapa- recerem. (Watson, 1920, p. 94) Em outra obra, ao discutir as possíveis limitações do seu behaviorismo, Watson antecipa seu interlocu- tor: A psicologia do comportamento deixa algo de fora? Professor MacDougall irá, sem dúvida, dizer que o behaviorista seleciona seus problemas. Ele irá ad- mitir que o tipo de trabalho que eu venho esboçando é valioso para a sociedade, mas ele irá dizer-lhe que existem muitas outras fases na psicologia que o behaviorista estudiosamente e possivelmente igno- rantemente [ignorantly] rejeita. Um problema desse tipo é o “pensar”. Como você pode explicar o “pen- samento” em termos behavioristas? Fazer isso re- quer um tempo considerável. O aumento da dominância de hábitos de linguagem no comportamento de uma criança em desenvolvi- mento leva naturalmente à concepção behaviorista do pensar. O behaviorista não vê mistérios no pen- sar. Ele defende que pensar é comportamento, é or- ganização motora, tal como jogar golfe ou qualquer outra forma de atividade muscular. (Watson, 1929, p. 32-33) Não nos cabe aqui explicar longamente a teoria dos hábitos de linguagem de Watson, mas no que compete a esse trabalho, é importante ressaltar que sua pro- posta prevê que toda ação humana é comportamento, mas parte desse comportamento ocorre em escala tão pequena que não conseguimos observar sem instru- mentos (e.g. esse é o caso do pensar). Se, por um lado, Watson começou advogando que a psicologia deveria se restringir aos comportamentos observáveis, pois sobre esses é possível criar leis científicas, por outro lado, ao longo de sua obra, ele defendia que há com- portamentos que são difíceis de observar, mas que, como também são eventos físicos8 , com o desenvol- vimento da tecnologia se tornariam observáveis, ou seja, eram observáveis em princípio (Lashley, 1923; Watson, 1920, 1925). Uma vez que a atividade huma- na era composta ou de comportamentos observáveis ou de comportamentos potencialmente observáveis, não havia mais espaço em sua teoria para eventos que acontecessem em um plano não físico, constatação essa que contraria afirmações como a de Guimarães: “Watson não negava a existência da mente ou de pro- cessos cognitivos, mas afastava-se deles, pois não havia como estudá-los, uma vez que são eventos ina- cessíveis a um segundo observador” (2003, p. 64). Se a interpretação aqui proposta estiver correta, Watson assume um compromisso ontológico com o fisicalismo, evitando que a caracterização que Lashley (1923) faz de BM possa ser aplicada à sua teoria. Desse modo, sua proposta parece aproximar-se mais das afirmações 1 e 5 que das afirmações 3 e 6. É interes- sante notar que historiadores que se dedicaram a ex- plorar a obra de Watson ressaltam seu compromisso com um monismo fisicalista como uma das caracte- rísticas mais importantes e radicais9 de sua proposta teórica (Bergman, 1952, p.269-270; Marx & Hillix, 1976, p. 34-38; Shneider & Morris, 1987, p. 34-35). O behaviorismo metodológico para Skinner Um outro autor contemporâneo importante na ca- racterização do BM foi B.F. Skinner. Em 1945 Skinner publicou um artigo chamado The Operational Analyisis of Psychological Terms (Skinner, 1945/1984) onde caracteriza pela primeira vez o que entende por beha- viorismo metodológico. Para ele o BM seria uma doutrina segundo a qual “o mundo é dividido em eventos públicos e privados; e a psicologia, para aten- der os requisitos da ciência, deve se confinar ao pri- meiro. Essa nunca foi uma boa forma de behavioris- mo, mas era uma posição fácil de expor e defender e que se tornou recorrente para os próprios behavioris- tas” (Skinner, 1945/1984, p. 552). As diferenças entre o BM e o behaviorismo radical, apesar de muitas, foram devidamente exploradas em outros trabalhos (e.g., Day, 1983; Leigland, 1997; Moore, 1981, 2001) e não serão desenvolvidas aqui. O que interessa a este artigo é que muitos dos que caracterizam Watson como behaviorista metodológico (Chiesa, 1994; Gui- marães, 2003; Matos, 1997; Weber, 1992) denomi- nam-se behavioristas radicais inspirados em Skinner. Como se pode perceber, para Skinner o BM é caracte- rizado principalmente pelo apelo metodológico de excluir os eventos privados da ciência psicológica, entretanto, o problema principal surge porque “a maio- ria dos behavioristas metodológicos mantiveram a existência de eventos mentais enquanto os excluíam de consideração” (Skinner, 1974, p. 13), assumindo assim um dualismo consistentemente combatido por Skinner. Contudo, em nenhum momento, nem mesmo num artigo em que Skinner comenta especificamente a obra de Watson (Skinner, 1959), este é classificado como behaviorista metodológico (cf. Skinner, 1945/ 1984, 1959, 1974). E, se concordarmos com a tese proposta anteriormente de que Watson defende um monismo fisicalista, ele não pode ser caracterizado como behaviorista metodológico segundo os critérios de Skinner.
  • 7. John B. Watson: Behaviorista Metodológico? Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 7 A caracterização de behaviorismo metodológico de Willard Day Em 1977, Willard Day apresentou um trabalho chamado On the difference between Radical and Methodological Behaviorism que foi publicado na forma de artigo apenas em 1983, onde ele defendeu uma caracterização do BM centrada “[n]uma orienta- ção profissional abrangente sobre como deve-se con- duzir a pesquisa psicológica em geral” (p. 91) e que seria um erro “restringir a concepção de behaviorismo metodológico apenas ao comprometimento com uma base de dados publicamente observável” (p. 90). A caracterização de Day (1983) inclui, além da restrição aos eventos observáveis – principalmente através da aplicação do operacionismo na definição dos concei- tos mentais – o raciocínio hipotético-dedutivo, uso do método experimental, uso da estatística na avaliação dos resultados, adesão a um modelo de causação ante- cedente e formulação de teorias explicativas dos da- dos obtidos, geralmente por meio de instâncias medi- adoras inferidas. Essas características implicariam uma espécie de realismo ingênuo derivado, historica- mente, do positivismo lógico e do operacionismo clás- sico na psicologia (i.e., operacionismo de Boring- Stevens) (Day, 1983). Essa concepção de BM é compartilhada por alguns autores contemporâneos do behaviorismo, como Moore (1981, 2001) e Leigland (1997) e é freqüentemente indicada como “efeito da epistemologia mentalista na ciência do comportamento” (Moore, 1981, p. 64). O BM seria mentalista na medida em que apela para construtos hipotéticos na explicação do comporta- mento como objeto e na explicação do comporta- mento do cientista que o estuda (Moore, 1981, Day, 1983). Desse modo, “se alguém for um behaviorista metodológico, esse alguém usualmente será também um mentalista, mas alguém não precisa ser sempre assim. Exemplos de mentalismo que não envolvem necessariamente o behaviorismo metodológico são certos tipos de psicologia da Gestalt, a fenomenologia e a psicologia humanista” (Moore, 1981, p. 64). Nessa concepção de BM poderiam ser enquadrados os neo- behavioristas mediacionais (e.g., Hull) e quase todo o abrangente campo da psicologia cognitiva, dentre outros (Leigland, 1997), contudo, dificilmente qual- quer leitor atento de Watson o classificaria como um mentalista. Alguém poderia ainda classificar Watson como behaviorista metodológico por compartilhar algumas das características do BM tal como descrito por Day (1983), indicando, por exemplo, um com- prometimento de Watson com a noção de causação antecedente. Entretanto, o fato de algumas teorias mentalistas (e.g. fenomenologia, etc.) não serem clas- sificadas como BM pelos autores que propõem essa caracterização nos indica que compartilhar apenas algumas características não é suficiente para classifi- car uma proposta teórica como BM. Portanto, nem mesmo nessa definição mais moderna Watson poderia ser classificado como um behaviorista metodológico. O behaviorismo metodológico como priorização do método Watson é freqüentemente chamado de metodológi- co por priorizar o método em detrimento do objeto de estudo (Lopes Jr, 1993, p. 273). Neste sentido, Watson teria inicialmente feito um apelo metodológico: “li- mitemo-nos às coisas que podemos observar e for- mulemos leis que dizem respeito apenas às coisas observadas” (Watson, 1929, p. 19); para apenas a partir desse movimento definir o seu objeto de estudo: “agora, o que podemos observar? Podemos observar comportamento – o que o organismo faz ou fala” (p. 19). Esta priorização do método sobre o objeto seria determinante no rompimento de sua proposta com as psicologias desenvolvidas até a década de 1920 (Lopes Jr., 1993). Esta interpretação ganha algum suporte no chamado “manifesto behaviorista”: Eu estou mais interessado no presente momento em tentar mostrar a necessidade de manter uniformida- de no procedimento experimental e no método de dispor os resultados no trabalho de ambos, animal e homem, que desenvolver quaisquer idéias que eu te- nho sobre as mudanças que devem certamente acontecer no escopo da psicologia humana. (Watson, 1913, p. 170) Neste sentido, Watson seria um behaviorista meto- dológico apenas pela priorização de aspectos episte- mológicos de sua proposta e não por algum alinha- mento com propostas dualistas, como vimos anterior- mente. Por outro lado, identificar que Watson teria desenvolvido argumentos epistemológicos (devemos fazer uma ciência do comportamento observável) antes de definir seus compromissos ontológicos (todo comportamento é físico e, portanto, observável em tese), não traz grandes implicações para o seu projeto científico, uma vez que não altera os compromissos ontológicos por ele assumidos. No máximo, o adjetivo metodológico, quando empregado com esse sentido, pode sugerir a identificação de duas fases no behavio- rismo watsoniano (antes e depois de explicitar seus
  • 8. Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 8 compromissos ontológicos), identificação essa que cabe aos historiadores interessados estabelecerem ou não. CONSIDERAÇÕES FINAIS Parece adequado, neste momento, resumir algumas considerações sobre o que foi exposto até agora. Muitos autores caracterizam o behaviorismo de Watson com o adjetivo “metodológico”. Esse adjetivo, quando interpretado como um dualismo mente-corpo, é em- pregado erroneamente, e quando empregado indican- do um percurso histórico – segundo o qual Watson expõe primeiro suas reivindicações epistemológicas e depois expõe os compromissos ontológicos – é irrele- vante para a caracterização do conjunto de sua obra. Contudo, alguns trechos de seus escritos dão margem para as interpretações que acabamos de criticar. Suge- re-se aqui que isso pode ser conseqüência da relutância de Watson em desenvolver abertamente os compro- missos ontológicos de sua teoria. Para além da insufi- ciência do behaviorismo de Watson em explicar os comportamentos complexos, um outro fator que pode ter influenciado o seu abandono (e atual caracteriza- ção como BM) é sua insistência em desprezar a dis- cussão metafísica em prol da formalização dos méto- dos que propôs. Para finalizar, gostaríamos de expor a forma como Lashley indica os compromissos ontoló- gicos de Watson e seu afastamento da caracterização de behaviorismo metodológico que ele mesmo propôs: A proposição do comportamento do organismo fisio- lógico não deixa nenhum resíduo psíquico. A mente é comportamento e nada mais. Essa visão está im- plícita em muitos dos escritos de Watson, ainda que não com tantas palavras. ...Essa é a visão behavio- rista extrema. Ela não faz concessões à psicologia dualista e afirma a continuidade dos dados e méto- dos das ciências físicas, biológicas e psicológicas. (Lashley, 1923, p. 240) Em se tratando dos compromissos ontológicos e epistemológicos tal como propusemos anteriormente, parece claro agora que Watson concordaria com as Afirmações 1 (existe apenas um estofo, o físico) e 5 (Todo o comportamento é observável em princípio, ainda que não exista tecnologia disponível para aces- sá-lo em toda sua complexidade), o que o coloca em uma posição bastante diferente das caracterizações de BM discutidas neste trabalho (usualmente representa- dos pelas Afirmações 3 e 4 ou 3 e 6 dependendo da definição adotada). Acreditamos que o descuido na classificação de teorias psicológicas é muito prejudicial à compreensão das próprias teorias e pode levar a graves incorreções na avaliação de propostas teóricas. Isso parece ser ainda mais prejudicial quando essas classificações carregam implicações filosóficas – no caso deste artigo, ontológicas e epistemológicas – as quais freqüente- mente não estão claramente explícitas nos textos psi- cológicos. Watson foi uma figura central na história da psi- cologia e seu nome é mencionado em qualquer tenta- tiva de compreensão histórica dessa área do conheci- mento. Nessa perspectiva, uma caracterização errônea de Watson como behaviorista metodológico pode deturpar a contribuição da historiografia na compreen- são dos sistemas psicológicos. Watson foi o protago- nista principal do chamado à objetividade na psicolo- gia e classificações apressadas de sua obra obscure- cem o cenário histórico polêmico incitado por suas proposições. Especificamente quanto ao behavioris- mo, movimento do qual – ao menos historicamente – Watson é apontado como fundador, as conseqüências da classificação de Watson como behaviorista meto- dológico são ainda mais danosas. O behaviorismo radical de Skinner, por exemplo, é freqüentemente caracterizado em contraposição ao BM (Bergmann, 1956; Chiesa, 1994; Day, 1983; Dutra, 2004; Grahan, 2007; Guimarães, 2003; Matos, 1997; Moore, 1981, 2001; Weber, 1992) e o uso da obra de Watson como exemplo emblemático do BM pode dificultar a com- preensão, tanto do behaviorismo radical como do BM e da obra de Watson, impedindo, inclusive, a identifi- cação adequada dos interlocutores de Skinner que influenciaram sua teoria. Com tantas conseqüências deletérias, uma classificação de Watson como behavio- rista metodológico acaba se tornando apenas um re- curso retórico com conotação pejorativa e deve ser evitado. REFERÊNCIAS Bergman, G. (1956). The contributions of John B. Watson. Psychological Review, 63, 265-276. Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical: Crítica e metacrítica. (2ª ed.) São Paulo: Editora da UNESP. Chiesa, M. (1994). Radical behaviorism: The philosophy and the science. Boston: Authors Cooperative. Day, W. (1983). On the difference between radical and methodo- logical behaviorism. Behaviorism, 11, 89-102. Dutra, L. H. A. (2004). Behaviorismo, operacionismo e a ciência do comportamento. Philósophos, 9, 179-206.
  • 9. John B. Watson: Behaviorista Metodológico? Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 9 Guimarães, R. P. (2003). Deixando o preconceito de lado e enten- dendo o behaviorismo radical. Psicologia: Ciência e Pro- fissão, 23, 60-67. Lashley, K. S. (1923). The behaviorist interpretation of conscious- ness. Psychological Review, 30, 237-272. Leigland, S. (1997). Systemns and theories in behavior analitic science: An overview of alternatives. Em L. J. Hayes, & P. M. Ghezzi (Orgs.), Investigations in behavioral epistemology. (pp. 11-31) Reno: Context Press. Lopes Jr., J. (1993). Aspectos históricos e espistemológicos da abordagem behaviorista: Sobre a transição entre o behavioris- mo clássico e o neobehaviorismo. Psicologia: Teoria e Pes- quisa, 9, 271-282. Matos, M. A. (1997). O behaviorismo metodológico e suas rela- ções com o behaviorismo radical. Em Sobre comportamento e cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos metodológicos e de forma- ção em análise do comportamento e terapia cognitiva (pp. 57- 69). Santo André: ESETec. Marx, M. H., & Hillix, W. A. (1976). Sistema e teorias em psico- logia (3ª ed.). (A. Cabral, Trad.). São Paulo: Cultrix. Moore, J. (1981). On mentalism, methodological behaviorism, and radical behaviorism. Behaviorism, 9, 55-77. Moore, J. (2001). On distinguishing methodological from radical behaviorism. European Journal of Behavior Analysis, 2, 221- 244. Morris, E. K., & Todd, J. T. (1999). Watsonian behaviorism. Em W. O’Donohue, & R. Kitchener. (Orgs.), Handbook of Behaviorism (pp. 16-69). New York: Academic Press. Shneider, S. M., & Morris, E. K. (1987). A history of the term radical behaviorism: From Watson to Skinner. The Behavior Analyst, 10, 27-39. Skinner, B. F. (1984). The operational analysis of psychological terms. Behavioral and Brain Sciences, 7, 547-572. (Original publicado em 1945) Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Macmillan Publishing Co. (Original publicado em 1953) Skinner, B. F. (1959). John Broadus Watson, behaviorist. Science, 129, 197-198. Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Knopf. Smith, L. D. (1986). Behaviorism and logical positivism: A reas- sessment of the alliance. Stanford, CA: Stanford University Press. Watson, J. B. (1913). Psychology as a behaviorist views it. Psy- chological Record, 20, 158-177. Watson, J. B. (1914). Behavior: An introduction to comparative psychology. Philadelphia: Lippincott. Watson, J. B. (1920). Is thinking merely the action of language mechanisms? British Journal of Psychology, 11, 87-104. Watson, J. B. (1925). Behaviorism (2a ed.). London: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co. Watson, J. B. (1929). Behaviorism: The modern note in psychol- ogy. Em J. B. Watson, & W. McDougall, The battle of beha- viorism: An exposition and an exposure (pp. 7-40). New York: Norton. Weber, L. N. D. (1992, maio/agosto). Burrhus Frederic Skinner: Um homem além do seu tempo. Documenta CRP-08, 55-64. Recebido: 21/09/2007 Última revisão: 05/01/2008 Aceite final: 20/02/2008 Notas: (*) Os autores agradecem à FAPESP (bolsa de mestrado, proc. 06/53396-5) e ao CNPq (bolsa produtividade, proc. 304075/2005-1) pelo apoio recebido. 1 O’Donohue e Kitchener (1999) identificam pelo menos 15 subtipos de behaviorismo em seu Handbook of Behaviorism. 2 Para os fins desse trabalho entendemos como compromisso epistemológico as asserções sobre a possibilidade do conhecimento sobre um objeto de estudo – no caso sobre a mente – e entendemos como compromisso ontológico a adoção de axiomas sobre a existência real de um determinado objeto de estudo. 3 Utilizamos aqui o termo subjetivo fazendo referência “ao que é próprio do sujeito”, desvinculando-o de qualquer compromisso ontoló- gico: pode-se fazer questionamentos epistemológicos independente do estofo do qual é composta a subjetividade. 4 Ao adotar a linguagem fisicalista, o positivismo lógico não se compromete necessariamente com uma ontologia fisicalista, mesmo porque asserções sobre compromissos ontológicos não são analíticas (enunciados lógicos ou matemáticos baseados nos dados) nem empiricamente observáveis e portanto são asserções sem sentido. A adoção da linguagem fisicalista é, no positivismo lógico, apenas uma convenção. (e.g., Smith, 1986, p. 57-60) 5 O positivismo lógico foi um movimento iniciado na Europa e migrou para a América principalmente através da migração de intelectuais na 2ª Guerra Mundial (Smith, 1986, p. 6), de outro lado o behaviorismo foi um movimento tipicamente americano. 6 Justamente pela distância temporal entre o surgimento das duas propostas, seria impossível que o behaviorismo clássico de Watson fosse inspirado no positivismo lógico e a despeito das indicações de que os dois movimentos compartilharam influências de um con- texto cultural e filosófico mais amplo, supor uma identidade entre os aspectos centrais das duas teorias seria uma supersimplificação, com efeitos nefastos para a compreensão de ambas as propostas.
  • 10. Bruno Angelo Strapasson & Kester Carrara Interação em Psicologia, Curitiba, jan./jun. 2008, 12(1), p. 1-10 10 7 Aproximações maiores podem ser apontadas entre neobehavioristas como Hull e Spence (e.g., Smith, 1986). 8 Para Watson o pensamento, por exemplo, seria uma espécie de fala subvocal que poderia ser acessada com equipamentos que regis- trassem movimentos conspícuos da laringe, mas que não eram fortes o suficiente para emitir som (Watson, 1913, p. 174, nota, 1920, 1925, cap. X e XI, 1929a, p. 32, 1929b, cap. IX). 9 Marx e Hillix (1976) classificam o behaviorismo de Watson como “behaviorismo radical” dada a importância de seus apelos monistas em relação às teorias psicológicas vigentes na época do manifesto (i.e., estruturalismo e funcionalismo). Este é mais um exemplo de como classificações de teorias podem ser controversas, pois atualmente a expressão behaviorismo radical está mais vinculada ao beha- viorismo de B. F. Skinner que de Watson. Neste caso, o termo “radical” surge por motivos bem diferentes dos de Watson mas essa di- ferença não será explorada aqui (cf. Shneider, & Morris, 1987). Sobre os autores: Bruno Angelo Strapasson: Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela UNESP – Campus de Bauru. Endereço eletrônico: brunoastr@gmail.com. Kester Carrara: Livre docente da UNESP – Campus de Bauru, professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvol- vimento e Aprendizagem e Bolsista produtividade do CNPq.