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CACHOEIRA-BA: AÇÃO DO ESTADO NA REORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
URBANO
DIAS, Gleidson Sena, Graduando em Geografia1
Gleidsoncachoeira@hotmail.com
OLIVEIRA, Gleidiane Guimarães, Graduanda em Geografia
gleide_16@hotmail.com
ARAUJO, Alessandra Oliveira, Profª. Auxiliar2
Alessandra.geografia@hotmail.com
Departamento de Ciências Humanas e Filosofia
Universidade Estadual de Feira de Santana
Resumo
Este trabalho de pesquisa tem por objetivo suscitar a discussão acerca de um Centro
Urbano (a cidade de Cachoeira) que preteritamente exercia a função de nó central da Rede
de Comércio do Estado da Bahia, desempenhando papel importante na economia baiana,
atuando como entreposto comercial, fazendo a ligação entre as regiões situadas entre o
Sertão e a cidade de Salvador, graças, principalmente, a facilidade oferecida pela sua rede
hidrográfica de se chegar até a capital da Bahia. Toda produção agrícola e animal que
provinha do Sertão e de outras regiões próximas, tendo como destino Salvador, passava por
Cachoeira, pois, a forma mais rápida de transportar essas mercadorias até os seus destinos
era por vias fluviais e marítimas, sendo que o porto da Vila de Nossa Senhora do Rosário do
Porto da Cachoeira era de mais fácil acesso. Porém, fatores como a construção e ampliação
das ferrovias e das rodovias fizeram essa hegemonia declinar, e o então cenário geográfico
do Recôncavo se re/configurasse, e outras cidades assumissem a posição que pertencia a
Cachoeira. Assim, a re/organização do espaço urbano se dá de acordo com as
necessidades dos agentes que produzem e reproduzem os espaços das cidades,
demonstrando que este é dinâmico e está em constante processo de transformação de suas
formas e/ou funções, no entanto, o reflexo que a sociedade imprime neste espaço não se
desfaz fugazmente. Recentemente observa-se em Cachoeira, a ação do Estado, como um
dos agentes produtores e transformadores do espaço urbano por meio da implantação de
programas como o Monumenta, a implantação do campus da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia, e incentivos ao Turismo Afro religioso, na tentativa de amenizar os
impactos da estagnação econômica que esta cidade vinha sofrendo. Durante a realização
da pesquisa constatou-se que mesmo com esses projetos de revitalização visando dá uma
nova dinâmica às formas e a economia de Cachoeira, se faz necessário que o Estado
também volte suas ações para o patrimônio natural e cultural existente na cidade, a
exemplo, revitalização do Rio Paraguaçu e das diversas nascentes de riachos que
deságuam neste rio. Os procedimentos metodológicos utilizados para realização dessa
pesquisa foram construídos a partir de levantamentos bibliográficos, que foram de suma
importância para compreendermos as relações e atividades que são desenvolvidas naquela
cidade, análise em lócus, que permitiu observar as mudanças na reorganização do espaço
de Cachoeira, e registros fotográficos para comprovar com imagens alguns indícios dessas
mudanças.
Palavras chaves: Espaço Urbano, reorganização espacial, projetos governamentais
1
Autores do Artigo
2
Orientadora
Introdução
A cidade de Cachoeira está situada há 110 km da Capital do Estado da Bahia,
atualmente conta com uma extensão territorial de 403 Km². Localiza-se no
Recôncavo Baiano e margeia o Rio Paraguaçu, sendo o seu último ponto navegável.
Possui clima tropical úmido, com altas taxas de umidade do ar durante o ano.
Cachoeira limita-se com as seguintes cidades: a Norte, com o Município de
Conceição da Feira; a Sul, com o Município de Maragojipe; a Leste, com o Município
de Santo Amaro; e a Oeste, com o Município de São Felix. A figura 01 nos dá uma
idéia desta localização.
Por contar com uma série de projetos governamentais, como por exemplo,
Programa Monumenta (do Governo Federal), Programa de Turismo étnico-afro
(parceria entre Governo Federal e Estadual) e até mesmo a implantação de um
Campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, e por esses projetos
estarem dando uma nova dinâmica ao espaço urbano de Cachoeira, é que suscitou
o desejo de saber a quem as diversas ações governamentais estão servindo ou
beneficiando (em especial, o Programa Monumenta), tendo em vista que uma
quantia muito grande de dinheiro está sendo repassada para cidade e uma parte
muito pequena da população tinha conhecimento e está sendo beneficiada por
esses projetos. O objetivo principal da pesquisa foi analisar a reorganização e
reordenamento da dinâmica do espaço urbano de Cachoeira sobre o prisma desses
projetos e ações. Os procedimentos metodológicos foram construídos a partir de
levantamentos bibliográficos e de analise em lócus do local estudado.
Neste artigo, foram utilizados autores como Milton Santos e Roberto Lobato
Corrêa, que trazem uma ampla e consistente discussão a respeito do Espaço
Urbano, nos dando fundamentação para analisarmos de forma concisa as
modificações exercidas no espaço urbano de Cachoeira. Outra contribuição foram
as pesquisas de Wendel Henrique, que discute muito bem o tema da Implantação da
Universidade Federal do Recôncavo e a atuação do setor imobiliário e do turismo
afro religioso na Cidade de Cachoeira. O trabalho de Áurea Côrtes N. de Oliveira
Fonseca, tive uma grande relevância para esse trabalho, pois, traz para esse debate
a questão do desenvolvimento econômico de Cachoeira, dando diretrizes
fundamentais para os nossos estudos.
O presente trabalho está organizado da seguinte forma: Introdução onde,
além de situar geograficamente a cidade estudada para que o leitor possa visualizar
a porção do espaço que trabalhamos, buscamos falar um pouco a respeito dos
motivos que nos levaram a fazer essa pesquisa e fizemos uma breve análise do
processo histórico-geográfico, tecendo uma discussão acerca dos processos
históricos e geográficos que levaram a decadência da referida cidade. O Espaço
Urbano e as formas de atuação do Estado é a parte do trabalho na qual discutimos
como esse, sendo um dos agentes produtores e transformadores do espaço urbano,
tem buscado desenvolver ações que amenizem as conseqüências do processo de
estagnação econômica sofrido por Cachoeira; e as Considerações Finais onde
tecemos alguns comentários acerca das diversas ações do Estado, que foram
discutidas ao longo do texto, e explicitamos as falhas encontradas nessa iniciativa
do governo em tentar revitalizar o espaço urbano de Cachoeira.
Figura 01-Mapa de localização do município de Cachoeira no Estado da Bahia
Fonte: Fonseca 2005, p.207.
Breve Análise do Processo Histórico-Geográfico
Entre o século XVII até inicio do século XIX, a cidade da Cachoeira exerceu
um papel muito importante na economia baiana, atuando como entreposto
comercial, fazendo a ligação entre as regiões situadas entre o Sertão e a cidade de
Salvador. Dali partia e chegavam mercadorias tanto para Salvador como para os
vilarejos situados mais a oeste do Recôncavo, como ressalta Santos (1998, p.77)
Cachoeira era “a principal sede da partida e chegada do maior tráfego comercial da
província da Bahia”. Ou seja, quase toda produção agrícola e animal que provinha
do Sertão e de outras regiões próximas, tendo como destino a Capital Baiana
passava por Cachoeira, já que a forma mais rápida de transportar essas
mercadorias até os seus destinos era por vias fluviais e marítimas, sendo que o
porto da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira era o mais perto,
como mostra a figura 02
Todos os caminhos levam a Cachoeira.
Imagem retirada do: Relatório do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN,2005)
Rotas da Alforria: trajetórias da população Afro descendente na região de Cachoeira/BA, 2005
Porém, essa hegemonia começa a entrar em declínio a partir de meados do
século XIX com o desenvolvimento dos meios de transportes como, por exemplo, a
construção das redes ferroviárias e rodoviária. É nesse período que se dá inicio o
processo de inversão de importância de algumas cidades, ou seja, os velhos centros
começam a perder importância, hierarquicamente e geograficamente falando, para
novos centros, como mostra Santos (1998, p.79) “[...] a complementação da rede
ferroviária e a implantação de uma trama de estradas de rodagem são co-
responsáveis na mudança de hierarquia dos núcleos, tornando-se mais importantes
as cidades de Feira de Santana e Alagoinhas”.
A ampliação das redes de estradas e rodagens a partir da década de 40 do
século passado, e o acirramento das políticas do desenvolvimento industrial
empregadas pelo Governo do Presidente Juscelino Kubitscheck na década de 50, e
calçado no tripé rodovia/petróleo/montadora como afirma o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (2005), fez com que o centro urbano de Cachoeira, que
já se encontrava em crise, imergir-se ainda mais nessa situação de caos econômico,
pois essas malhas rodoviárias passavam longe deste centro urbano e
proporcionaram a ligação direta entre outras cidades e Salvador, o que diminuiu a
zona de influência de Cachoeira, como ressalta Santos (1998, p.85): “Cachoeira e
Santo Amaro, portos debruçados sobre a água, viam restringir-se sua zona de
influência e desciam da posição de capital regional para a de centro local”.
Assim, as velhas estruturas, os casarios coloniais da cidade da Cachoeira
que, a priori, foram construídos para desempenhar funções relacionadas com o
papel que a cidade exercia como, por exemplo, servir de moradia para os grandes
latifundiários e abrigar estabelecimentos comerciais, com essa reconfiguração
espacial, passam a desempenhar novos papéis adequando-se às novas
necessidades do espaço urbano, como afirma Santos (2004, p.74/75)
Uma vez criada e usada na execução da função que lhe foi
designada, a forma freqüentemente permanece aguardando o
próximo movimento dinâmico da sociedade, quando terá a
probabilidade de ser chamada a cumprir uma nova função.
Diante destas mudanças, Santos apud Henrique (2009, p.2) salienta que
“lugares sofrem com adaptações, desaparecimento ou diminuição das atividades
chamadas ‘tradicionais’, devido a quebra de seu papel central”, ou seja, a região
onde está localizada a cidade de Cachoeira sofreu um forte e perverso processo de
sucateamento econômico, principalmente a partir da metade do século passado, o
que pode ser constatado através de observações das rugosidades existentes nas
velhas estruturas.
O Espaço Urbano e as Formas de Atuação do Estado
O Espaço Urbano é re/organizado de acordo com as necessidades dos
agentes que produzem e reproduzem os espaços das cidades como mostra Corrêa:
O espaço urbano capitalista - fragmentado, articulado, reflexo,
condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas- é um
produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e
engendradas por agentes que produzem e consomem espaço
(1989, p.11).
Isso demonstra que o espaço urbano é dinâmico e está em constante
processo de transformação de suas formas e/ou funções, porém, o reflexo que a
sociedade imprime neste espaço não se desfaz fugazmente, neste sentido, Corrêa
ratifica que
“A cada transformação do espaço urbano, este se mantém
simultaneamente fragmentado e articulado, reflexo e condicionante
social, ainda que as formas espaciais e suas funções tenham
mudado” (1989, p.11).
Esses aspectos podem ser observados bem claramente no espaço urbano de
Cachoeira, no qual mesmo depois da “quebradeira econômica” ocorrida após a
construção das linhas ferroviárias e rodoviárias, a sua população permaneceu por
muito tempo condicionada à velha função econômica que era exercida naquela
cidade, ou seja, aos trabalhos relacionados direto ou indiretamente ao transporte
fluviomaritímo e comércio . Esse era o início do declínio econômico de um opulento
centro urbano, o qual iria permanecer neste estado de inércia por décadas.
Recentemente observa-se em Cachoeira, a ação do Estado, como um dos
agentes produtores e transformadores do espaço urbano, assim, este tem buscado
desenvolver ações que amenizem as conseqüências do processo de estagnação
econômica sofrido por Cachoeira, como, por exemplo, através do Programa
Monumenta, que é um programa do Governo Federal, mais precisamente do
Ministério da Cultura, que segundo Henrique (2009, p.6) “injetou’ uma quantia da
ordem de R$ 25 milhões, na recuperação e preservação do patrimônio histórico, os
quais são protegidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN)” (ver figuras 03 e 04).
Somando-se a essa iniciativa governamentais, temos ainda a implantação de
um dos campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), que visa
uma nova dinâmica no espaço urbano da cidade, pois segundo Henrique (2009, p.5)
Este processo de instalação de objetos (universidade) com novos
conteúdos e funções (educacionais, serviços, etc.) e, principalmente
com um novo perfil de morador (professor universitário, estudantes,
servidores técnico-administrativos), também leva a transformação no
cotidiano destas cidades.
O setor turístico também vem sendo impulsionado e influenciado na cidade,
tendo em vista que Cachoeira é um Centro Histórico e que, além de riquezas
materiais expostas nas fachadas dos seus opulentos casarios coloniais, guarda
também um leque de riquezas naturais (Rio Paraguaçu e as diversas nascentes
existentes na cidade), culturais e étnicas (capoeira, candomblé, samba-de-roda etc.).
No caso especifico desse último, fazendo alusão aos aspectos culturais e étnicos,
como observa Henrique (2009, p.8)
[...] em função da Festa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa
Morte (a irmandade foi constituída há quase 160 anos
exclusivamente por mulheres negras e vinculo com o candomblé),
atualmente se desenvolve um projeto de Turismo Étnico, através do
Programa de Ações do Turismo Étnico Afro da Bahia, uma parceria
entre o Governo do Estado da Bahia e Ministério do Turismo, cuja
dotação orçamentária é da ordem de R$ 1.245.200,00.
Figura 03-Prédio da Fundação Hansen Bahia -
Cachoeira/BA
Foto: Gleidson S. Dias, 2011 Figura 04- Conjunto do Carmo -Cachoeira/BA
Foto: Gleidson S. Dias, 2011
Vale ressaltar que a manifestação afro religiosa citada a cima é uma festa
reconhecida internacionalmente, sendo uma das manifestações mais antigas da
cidade da Cachoeira. E isso é ratificado quando Henrique (2009, p.8) destaca “o
fortalecimento de acordo com a Delta Airlines, vôo direto ligando Salvador aos
Estados Unidos”.
Juntamente com todos esses investimentos governamentais, que intensificam
o fluxo populacional no centro urbano de Cachoeira, o setor imobiliário que é um dos
agentes produtor e modificador do espaço urbano, também começa a intensificar as
suas ações, segundo Harvey (2001 apud Henrique 2009, p.7):
Especuladores do mercado imobiliário (com apoio financeiro
internacional e do Estado) procurando maximizar seus ganhos a
partir do aumento da renda da terra estão atualmente reformando,
reorganizando, requalificando ou mesmo produzindo novos espaços
(ou novas centralidades) na busca por lucros.
Assim é possível observar e analisar, a partir do que foi supracitado, as
diversas formas que o Estado assume para dar condições de reprodução da
sociedade capitalista, interferindo e reordenando o espaço urbano, pois, segundo
Corrêa,(1993,p 26) “O Estado cria condições de realização e reprodução da
sociedade capitalista, isto é, condições que viabilizem o processo de acumulação e
a reprodução das classes sociais e suas frações”. Em dado momento vemos o
Estado atuando como agente imobiliário, pois, o que se observa em Cachoeira é o
uso dos recursos do Programa Monumenta para reforma de casarios antigos, que na
sua grande maioria pertencem a burguesia cachoeirana, as quais utilizaram esses
casarios recém reformados para acumular cada vez mais capital através da
especulação imobiliária. Em outros, o percebemos atuando como agente
consumidor do espaço e de localização específica, já que com a atuação da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a qual é uma Autarquia, o
Estado se utilizou de suas prerrogativas para viabilizar a instalação daquele lócus de
conhecimento, porém, não só com o objetivo de disseminar o conhecimento. É
possível perceber que a UFRB, cumpre a função de requalificação socioeconômica,
de impulsionar o setor imobiliário, e o setor econômico, reorganizando e
reordenando a dinâmica do espaço urbano, proporcionando um fluxo maior de
pessoas e, consecutivamente há um aumento na circulação de capital, de
mercadorias e de serviços públicos como, por exemplo, saúde e segurança.
Todavia, não podemos analisar as ações do Estado, e nos furtarmos de fazer
uma avaliação das ações dos Promotores Imobiliários, os quais muitas vezes agem
paralela e consoantemente as ações dos Estados. De antemão, vale ressaltar que
por promotores imobiliários, entende-se um conjunto de agentes que realizam
parcial ou totalmente uma diversa e complexa rede de operações (CORRÊA, 1993).
Reportando os olhares para a cidade de Cachoeira, é possível observar a
seguinte situação: O governo destina as verbas para as reformas dos casarios
através do Programa Monumenta, nesse primeiro estágio do processo há o
envolvimento dos agentes bancários. Para ser efetivada a obra, a depender do
tamanho do imóvel, há a necessidade de contratação de uma firma construtora que
atue na área de reforma, depois, há a contratação de uma empresa para o
fornecimento dos materiais que serão utilizados no “reparo” do imóvel, a depender
do tamanho da reforma, pode ser necessária a contratação de mais de uma
empresa fornecedora de materiais. Terminado o primeiro estágio, entra a ação do
proprietário do imóvel, que após o seu estabelecimento ter sido reformado, ele irá
utilizá-lo de modo a ser possível obter lucro financeiro, recebendo do agente de
finaciamento, neste caso a Caixa Econômica Federal, grandes facilidades para
quitar o empréstimo adquirido para a reforma de seu imóvel, como descreve
Rodrigues (2010, p.185)
A concessão do empréstimo para pessoas físicas ou jurídicas de
direito privado segue uma modalidade de financiamento especial, ou
seja, juros zero, início do pagamento das parcelas seis meses após o
término das obras e prazos para saldar a dívida de 10 anos para
imóveis estritamente comerciais, 15 anos para imóveis habitacionais
e/ou mistos e 20 anos para imóveis dos proponentes com baixa
renda familiar.
Isso mostra isso mostra a grande facilidade que os grandes empresários
tiveram para restaurar seus imóveis (muitas vezes adquirido a baixo preço, devido
as condições que estes imóveis se encontravam), a exemplo da figura 5, onde
observa-se um prédio que outrora era uma ruína e funcionava uma antiga
serralheria, e atualmente, após a reforma esta sendo utilizado como restaurante e
um Apart Hotel.
O fluxograma abaixo mostra de forma mais simplificada a relação exercida
pelo Estado, pelos Agentes Bancários, pelos Agentes Imobiliários (na forma de
empresas de reforma e de fornecimento de materiais) e por fim, pelos donos de
imóveis reformados (que acabam transformados em agentes imobiliários).
Programa
Monumenta
(verba)
Agentes
Bancários
Terceirizada I
Construtora I
Terceirizada II
Fornecedora
de materiais I
Terceirizada III
Fornecedora
de materiais II
ESTADO
Imóvel
reformado
(utilizado para
obter lucro)
Figura 5- Aclamação Apart. Hotel- Cachoeira-BA
Foto: Gleidson S. Dias, 2011
Desta forma, nota-se que o setor imobiliário é um dos ramos econômicos que
mais vai ter lucratividade dentro deste processo, pois irá aproveitar-se das ações
governamentais, seja através do Programa Monumenta, seja através de locação de
imóveis para a população que a UFRB vem atraindo para a cidade, isso sem falar
nos lucros obtidos com o turismo, em especial o étnico, com a festa de Nossa
Senhora da Boa Morte, como já foi mencionado.
Considerações Finais
Nesta fase da pesquisa concluímos que mesmo a cidade de Cachoeira
entrando na pauta orçamentária do Governo de diversas formas, principalmente
através de projetos para a conservação dos prédios/monumentos históricos e
artísticos e valorização das expressões culturais e religiosas, grande parte de sua
população ainda sobrevive em situações subumanas, de pura miséria, famílias que
vivem com menos de meio salário por mês ou, na maioria das vezes, sobrevive
apenas com o auxilio da Bolsa Família, a qual por muito tempo movimentava boa
parte do comércio da cidade e, é claro, ainda é de suma importância para o
comércio local. E mesmo diante da grande quantidade de recursos financeiros
investidos no centro urbano de Cachoeira, ainda há a necessidade de iniciativas que
realmente envolva a população como um todo e que não tenha o caráter
paternalista, para que esta possa ser “autônoma”.
É preciso que esses projetos de revitalização, que visam dá uma nova
dinâmica às formas e a economia de Cachoeira, também voltem seus olhos ou suas
ações para o patrimônio natural e cultural existente na cidade, como por exemplo,
revitalização do Rio Paraguaçu e das diversas nascentes de riachos que deságuam
neste rio, que a muito são degradas, sendo que muitas agonizam a espera de
iniciativas que as recuperem; projetos que abarquem os grupos culturais de
Capoeira, Samba de Roda, Maculelê, dentre outros grupos culturais que existem na
cidade para que estes possam repassar um pouco da cultura dos povos antigos
daquela terra.
Diante disso, é possível notar que as diversas políticas governamentais
desenvolvida em Cachoeira não atendem as populações mais carentes, ou melhor,
muitas dessas pessoas não sabem que essas políticas existem em sua cidade. Isso
demonstra que o governo segue privilegiando uma pequena minoria em detrimento
de um coletivo maior. A partir dos pontos levantados acima, faz-se necessário refletir
acerca de uma questão: até quando a maioria da população de Cachoeira será
eximida dessa nova fase que vive sua cidade?
Referências
SANTOS, Milton. A rede Urbana do Recôncavo. In: BRANDÃO, Maria de Azevedo
(Org.) Recôncavo da Bahia: Sociedade e economia em Transição. Salvador:
Fundação Casa de Jorge Amado; Academia de Letras da Bahia; Universidade
Federal da Bahia, 1998.
CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Editora Ática, 1993
FONSECA, Áurea Côrtes N. de Oliveira. Aspecto do desenvolvimento Regional
do Recôncavo Sul Baiano: O caso do Município de Cachoeira-Bahia-Brasil. Tese
Doutoral. Universidade de Barcelona; Barcelona, 2006.
HENRIQUE, Wendel. Cidades Médias e Pequenas da Rede Urbana do
Recôncavo da Bahia: Uma analise sobre Cachoeira. 12º Encontro de Geógrafos da
América Latina. Montevideo, 2009.
INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL. Rotas da
alforria: trajetórias da população Afrodescendente na região de Cachoeira/BA.
Rio de Janeiro, 2003.
RODRIGUES, Maria da Paz de Jesus. Caminhos da preservação: políticas,
patrimônio material e reflexos nas dinâmicas social e urbana de Cachoeira-BA.
Dissertação (mestrado). Universidade do Estado da Bahia; Santo Antonio de Jesus,
2010.
SANTOS, Milton Santos. Espaço e Método. 5. ed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2008.

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A reorganização do espaço urbano de Cachoeira após projetos governamentais

  • 1. CACHOEIRA-BA: AÇÃO DO ESTADO NA REORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DIAS, Gleidson Sena, Graduando em Geografia1 Gleidsoncachoeira@hotmail.com OLIVEIRA, Gleidiane Guimarães, Graduanda em Geografia gleide_16@hotmail.com ARAUJO, Alessandra Oliveira, Profª. Auxiliar2 Alessandra.geografia@hotmail.com Departamento de Ciências Humanas e Filosofia Universidade Estadual de Feira de Santana Resumo Este trabalho de pesquisa tem por objetivo suscitar a discussão acerca de um Centro Urbano (a cidade de Cachoeira) que preteritamente exercia a função de nó central da Rede de Comércio do Estado da Bahia, desempenhando papel importante na economia baiana, atuando como entreposto comercial, fazendo a ligação entre as regiões situadas entre o Sertão e a cidade de Salvador, graças, principalmente, a facilidade oferecida pela sua rede hidrográfica de se chegar até a capital da Bahia. Toda produção agrícola e animal que provinha do Sertão e de outras regiões próximas, tendo como destino Salvador, passava por Cachoeira, pois, a forma mais rápida de transportar essas mercadorias até os seus destinos era por vias fluviais e marítimas, sendo que o porto da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira era de mais fácil acesso. Porém, fatores como a construção e ampliação das ferrovias e das rodovias fizeram essa hegemonia declinar, e o então cenário geográfico do Recôncavo se re/configurasse, e outras cidades assumissem a posição que pertencia a Cachoeira. Assim, a re/organização do espaço urbano se dá de acordo com as necessidades dos agentes que produzem e reproduzem os espaços das cidades, demonstrando que este é dinâmico e está em constante processo de transformação de suas formas e/ou funções, no entanto, o reflexo que a sociedade imprime neste espaço não se desfaz fugazmente. Recentemente observa-se em Cachoeira, a ação do Estado, como um dos agentes produtores e transformadores do espaço urbano por meio da implantação de programas como o Monumenta, a implantação do campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, e incentivos ao Turismo Afro religioso, na tentativa de amenizar os impactos da estagnação econômica que esta cidade vinha sofrendo. Durante a realização da pesquisa constatou-se que mesmo com esses projetos de revitalização visando dá uma nova dinâmica às formas e a economia de Cachoeira, se faz necessário que o Estado também volte suas ações para o patrimônio natural e cultural existente na cidade, a exemplo, revitalização do Rio Paraguaçu e das diversas nascentes de riachos que deságuam neste rio. Os procedimentos metodológicos utilizados para realização dessa pesquisa foram construídos a partir de levantamentos bibliográficos, que foram de suma importância para compreendermos as relações e atividades que são desenvolvidas naquela cidade, análise em lócus, que permitiu observar as mudanças na reorganização do espaço de Cachoeira, e registros fotográficos para comprovar com imagens alguns indícios dessas mudanças. Palavras chaves: Espaço Urbano, reorganização espacial, projetos governamentais 1 Autores do Artigo 2 Orientadora
  • 2. Introdução A cidade de Cachoeira está situada há 110 km da Capital do Estado da Bahia, atualmente conta com uma extensão territorial de 403 Km². Localiza-se no Recôncavo Baiano e margeia o Rio Paraguaçu, sendo o seu último ponto navegável. Possui clima tropical úmido, com altas taxas de umidade do ar durante o ano. Cachoeira limita-se com as seguintes cidades: a Norte, com o Município de Conceição da Feira; a Sul, com o Município de Maragojipe; a Leste, com o Município de Santo Amaro; e a Oeste, com o Município de São Felix. A figura 01 nos dá uma idéia desta localização. Por contar com uma série de projetos governamentais, como por exemplo, Programa Monumenta (do Governo Federal), Programa de Turismo étnico-afro (parceria entre Governo Federal e Estadual) e até mesmo a implantação de um Campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, e por esses projetos estarem dando uma nova dinâmica ao espaço urbano de Cachoeira, é que suscitou o desejo de saber a quem as diversas ações governamentais estão servindo ou beneficiando (em especial, o Programa Monumenta), tendo em vista que uma quantia muito grande de dinheiro está sendo repassada para cidade e uma parte muito pequena da população tinha conhecimento e está sendo beneficiada por esses projetos. O objetivo principal da pesquisa foi analisar a reorganização e reordenamento da dinâmica do espaço urbano de Cachoeira sobre o prisma desses projetos e ações. Os procedimentos metodológicos foram construídos a partir de levantamentos bibliográficos e de analise em lócus do local estudado. Neste artigo, foram utilizados autores como Milton Santos e Roberto Lobato Corrêa, que trazem uma ampla e consistente discussão a respeito do Espaço Urbano, nos dando fundamentação para analisarmos de forma concisa as modificações exercidas no espaço urbano de Cachoeira. Outra contribuição foram as pesquisas de Wendel Henrique, que discute muito bem o tema da Implantação da Universidade Federal do Recôncavo e a atuação do setor imobiliário e do turismo afro religioso na Cidade de Cachoeira. O trabalho de Áurea Côrtes N. de Oliveira Fonseca, tive uma grande relevância para esse trabalho, pois, traz para esse debate a questão do desenvolvimento econômico de Cachoeira, dando diretrizes fundamentais para os nossos estudos.
  • 3. O presente trabalho está organizado da seguinte forma: Introdução onde, além de situar geograficamente a cidade estudada para que o leitor possa visualizar a porção do espaço que trabalhamos, buscamos falar um pouco a respeito dos motivos que nos levaram a fazer essa pesquisa e fizemos uma breve análise do processo histórico-geográfico, tecendo uma discussão acerca dos processos históricos e geográficos que levaram a decadência da referida cidade. O Espaço Urbano e as formas de atuação do Estado é a parte do trabalho na qual discutimos como esse, sendo um dos agentes produtores e transformadores do espaço urbano, tem buscado desenvolver ações que amenizem as conseqüências do processo de estagnação econômica sofrido por Cachoeira; e as Considerações Finais onde tecemos alguns comentários acerca das diversas ações do Estado, que foram discutidas ao longo do texto, e explicitamos as falhas encontradas nessa iniciativa do governo em tentar revitalizar o espaço urbano de Cachoeira.
  • 4. Figura 01-Mapa de localização do município de Cachoeira no Estado da Bahia Fonte: Fonseca 2005, p.207. Breve Análise do Processo Histórico-Geográfico Entre o século XVII até inicio do século XIX, a cidade da Cachoeira exerceu um papel muito importante na economia baiana, atuando como entreposto comercial, fazendo a ligação entre as regiões situadas entre o Sertão e a cidade de Salvador. Dali partia e chegavam mercadorias tanto para Salvador como para os vilarejos situados mais a oeste do Recôncavo, como ressalta Santos (1998, p.77) Cachoeira era “a principal sede da partida e chegada do maior tráfego comercial da província da Bahia”. Ou seja, quase toda produção agrícola e animal que provinha do Sertão e de outras regiões próximas, tendo como destino a Capital Baiana passava por Cachoeira, já que a forma mais rápida de transportar essas
  • 5. mercadorias até os seus destinos era por vias fluviais e marítimas, sendo que o porto da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira era o mais perto, como mostra a figura 02 Todos os caminhos levam a Cachoeira. Imagem retirada do: Relatório do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN,2005) Rotas da Alforria: trajetórias da população Afro descendente na região de Cachoeira/BA, 2005 Porém, essa hegemonia começa a entrar em declínio a partir de meados do século XIX com o desenvolvimento dos meios de transportes como, por exemplo, a construção das redes ferroviárias e rodoviária. É nesse período que se dá inicio o processo de inversão de importância de algumas cidades, ou seja, os velhos centros começam a perder importância, hierarquicamente e geograficamente falando, para novos centros, como mostra Santos (1998, p.79) “[...] a complementação da rede ferroviária e a implantação de uma trama de estradas de rodagem são co- responsáveis na mudança de hierarquia dos núcleos, tornando-se mais importantes as cidades de Feira de Santana e Alagoinhas”.
  • 6. A ampliação das redes de estradas e rodagens a partir da década de 40 do século passado, e o acirramento das políticas do desenvolvimento industrial empregadas pelo Governo do Presidente Juscelino Kubitscheck na década de 50, e calçado no tripé rodovia/petróleo/montadora como afirma o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2005), fez com que o centro urbano de Cachoeira, que já se encontrava em crise, imergir-se ainda mais nessa situação de caos econômico, pois essas malhas rodoviárias passavam longe deste centro urbano e proporcionaram a ligação direta entre outras cidades e Salvador, o que diminuiu a zona de influência de Cachoeira, como ressalta Santos (1998, p.85): “Cachoeira e Santo Amaro, portos debruçados sobre a água, viam restringir-se sua zona de influência e desciam da posição de capital regional para a de centro local”. Assim, as velhas estruturas, os casarios coloniais da cidade da Cachoeira que, a priori, foram construídos para desempenhar funções relacionadas com o papel que a cidade exercia como, por exemplo, servir de moradia para os grandes latifundiários e abrigar estabelecimentos comerciais, com essa reconfiguração espacial, passam a desempenhar novos papéis adequando-se às novas necessidades do espaço urbano, como afirma Santos (2004, p.74/75) Uma vez criada e usada na execução da função que lhe foi designada, a forma freqüentemente permanece aguardando o próximo movimento dinâmico da sociedade, quando terá a probabilidade de ser chamada a cumprir uma nova função. Diante destas mudanças, Santos apud Henrique (2009, p.2) salienta que “lugares sofrem com adaptações, desaparecimento ou diminuição das atividades chamadas ‘tradicionais’, devido a quebra de seu papel central”, ou seja, a região onde está localizada a cidade de Cachoeira sofreu um forte e perverso processo de sucateamento econômico, principalmente a partir da metade do século passado, o que pode ser constatado através de observações das rugosidades existentes nas velhas estruturas. O Espaço Urbano e as Formas de Atuação do Estado O Espaço Urbano é re/organizado de acordo com as necessidades dos agentes que produzem e reproduzem os espaços das cidades como mostra Corrêa:
  • 7. O espaço urbano capitalista - fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas- é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço (1989, p.11). Isso demonstra que o espaço urbano é dinâmico e está em constante processo de transformação de suas formas e/ou funções, porém, o reflexo que a sociedade imprime neste espaço não se desfaz fugazmente, neste sentido, Corrêa ratifica que “A cada transformação do espaço urbano, este se mantém simultaneamente fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, ainda que as formas espaciais e suas funções tenham mudado” (1989, p.11). Esses aspectos podem ser observados bem claramente no espaço urbano de Cachoeira, no qual mesmo depois da “quebradeira econômica” ocorrida após a construção das linhas ferroviárias e rodoviárias, a sua população permaneceu por muito tempo condicionada à velha função econômica que era exercida naquela cidade, ou seja, aos trabalhos relacionados direto ou indiretamente ao transporte fluviomaritímo e comércio . Esse era o início do declínio econômico de um opulento centro urbano, o qual iria permanecer neste estado de inércia por décadas. Recentemente observa-se em Cachoeira, a ação do Estado, como um dos agentes produtores e transformadores do espaço urbano, assim, este tem buscado desenvolver ações que amenizem as conseqüências do processo de estagnação econômica sofrido por Cachoeira, como, por exemplo, através do Programa Monumenta, que é um programa do Governo Federal, mais precisamente do Ministério da Cultura, que segundo Henrique (2009, p.6) “injetou’ uma quantia da ordem de R$ 25 milhões, na recuperação e preservação do patrimônio histórico, os quais são protegidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)” (ver figuras 03 e 04).
  • 8. Somando-se a essa iniciativa governamentais, temos ainda a implantação de um dos campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), que visa uma nova dinâmica no espaço urbano da cidade, pois segundo Henrique (2009, p.5) Este processo de instalação de objetos (universidade) com novos conteúdos e funções (educacionais, serviços, etc.) e, principalmente com um novo perfil de morador (professor universitário, estudantes, servidores técnico-administrativos), também leva a transformação no cotidiano destas cidades. O setor turístico também vem sendo impulsionado e influenciado na cidade, tendo em vista que Cachoeira é um Centro Histórico e que, além de riquezas materiais expostas nas fachadas dos seus opulentos casarios coloniais, guarda também um leque de riquezas naturais (Rio Paraguaçu e as diversas nascentes existentes na cidade), culturais e étnicas (capoeira, candomblé, samba-de-roda etc.). No caso especifico desse último, fazendo alusão aos aspectos culturais e étnicos, como observa Henrique (2009, p.8) [...] em função da Festa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte (a irmandade foi constituída há quase 160 anos exclusivamente por mulheres negras e vinculo com o candomblé), atualmente se desenvolve um projeto de Turismo Étnico, através do Programa de Ações do Turismo Étnico Afro da Bahia, uma parceria entre o Governo do Estado da Bahia e Ministério do Turismo, cuja dotação orçamentária é da ordem de R$ 1.245.200,00. Figura 03-Prédio da Fundação Hansen Bahia - Cachoeira/BA Foto: Gleidson S. Dias, 2011 Figura 04- Conjunto do Carmo -Cachoeira/BA Foto: Gleidson S. Dias, 2011
  • 9. Vale ressaltar que a manifestação afro religiosa citada a cima é uma festa reconhecida internacionalmente, sendo uma das manifestações mais antigas da cidade da Cachoeira. E isso é ratificado quando Henrique (2009, p.8) destaca “o fortalecimento de acordo com a Delta Airlines, vôo direto ligando Salvador aos Estados Unidos”. Juntamente com todos esses investimentos governamentais, que intensificam o fluxo populacional no centro urbano de Cachoeira, o setor imobiliário que é um dos agentes produtor e modificador do espaço urbano, também começa a intensificar as suas ações, segundo Harvey (2001 apud Henrique 2009, p.7): Especuladores do mercado imobiliário (com apoio financeiro internacional e do Estado) procurando maximizar seus ganhos a partir do aumento da renda da terra estão atualmente reformando, reorganizando, requalificando ou mesmo produzindo novos espaços (ou novas centralidades) na busca por lucros. Assim é possível observar e analisar, a partir do que foi supracitado, as diversas formas que o Estado assume para dar condições de reprodução da sociedade capitalista, interferindo e reordenando o espaço urbano, pois, segundo Corrêa,(1993,p 26) “O Estado cria condições de realização e reprodução da sociedade capitalista, isto é, condições que viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das classes sociais e suas frações”. Em dado momento vemos o Estado atuando como agente imobiliário, pois, o que se observa em Cachoeira é o uso dos recursos do Programa Monumenta para reforma de casarios antigos, que na sua grande maioria pertencem a burguesia cachoeirana, as quais utilizaram esses casarios recém reformados para acumular cada vez mais capital através da especulação imobiliária. Em outros, o percebemos atuando como agente consumidor do espaço e de localização específica, já que com a atuação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a qual é uma Autarquia, o Estado se utilizou de suas prerrogativas para viabilizar a instalação daquele lócus de conhecimento, porém, não só com o objetivo de disseminar o conhecimento. É possível perceber que a UFRB, cumpre a função de requalificação socioeconômica, de impulsionar o setor imobiliário, e o setor econômico, reorganizando e reordenando a dinâmica do espaço urbano, proporcionando um fluxo maior de
  • 10. pessoas e, consecutivamente há um aumento na circulação de capital, de mercadorias e de serviços públicos como, por exemplo, saúde e segurança. Todavia, não podemos analisar as ações do Estado, e nos furtarmos de fazer uma avaliação das ações dos Promotores Imobiliários, os quais muitas vezes agem paralela e consoantemente as ações dos Estados. De antemão, vale ressaltar que por promotores imobiliários, entende-se um conjunto de agentes que realizam parcial ou totalmente uma diversa e complexa rede de operações (CORRÊA, 1993). Reportando os olhares para a cidade de Cachoeira, é possível observar a seguinte situação: O governo destina as verbas para as reformas dos casarios através do Programa Monumenta, nesse primeiro estágio do processo há o envolvimento dos agentes bancários. Para ser efetivada a obra, a depender do tamanho do imóvel, há a necessidade de contratação de uma firma construtora que atue na área de reforma, depois, há a contratação de uma empresa para o fornecimento dos materiais que serão utilizados no “reparo” do imóvel, a depender do tamanho da reforma, pode ser necessária a contratação de mais de uma empresa fornecedora de materiais. Terminado o primeiro estágio, entra a ação do proprietário do imóvel, que após o seu estabelecimento ter sido reformado, ele irá utilizá-lo de modo a ser possível obter lucro financeiro, recebendo do agente de finaciamento, neste caso a Caixa Econômica Federal, grandes facilidades para quitar o empréstimo adquirido para a reforma de seu imóvel, como descreve Rodrigues (2010, p.185) A concessão do empréstimo para pessoas físicas ou jurídicas de direito privado segue uma modalidade de financiamento especial, ou seja, juros zero, início do pagamento das parcelas seis meses após o término das obras e prazos para saldar a dívida de 10 anos para imóveis estritamente comerciais, 15 anos para imóveis habitacionais e/ou mistos e 20 anos para imóveis dos proponentes com baixa renda familiar. Isso mostra isso mostra a grande facilidade que os grandes empresários tiveram para restaurar seus imóveis (muitas vezes adquirido a baixo preço, devido as condições que estes imóveis se encontravam), a exemplo da figura 5, onde observa-se um prédio que outrora era uma ruína e funcionava uma antiga serralheria, e atualmente, após a reforma esta sendo utilizado como restaurante e um Apart Hotel.
  • 11. O fluxograma abaixo mostra de forma mais simplificada a relação exercida pelo Estado, pelos Agentes Bancários, pelos Agentes Imobiliários (na forma de empresas de reforma e de fornecimento de materiais) e por fim, pelos donos de imóveis reformados (que acabam transformados em agentes imobiliários). Programa Monumenta (verba) Agentes Bancários Terceirizada I Construtora I Terceirizada II Fornecedora de materiais I Terceirizada III Fornecedora de materiais II ESTADO Imóvel reformado (utilizado para obter lucro) Figura 5- Aclamação Apart. Hotel- Cachoeira-BA Foto: Gleidson S. Dias, 2011
  • 12. Desta forma, nota-se que o setor imobiliário é um dos ramos econômicos que mais vai ter lucratividade dentro deste processo, pois irá aproveitar-se das ações governamentais, seja através do Programa Monumenta, seja através de locação de imóveis para a população que a UFRB vem atraindo para a cidade, isso sem falar nos lucros obtidos com o turismo, em especial o étnico, com a festa de Nossa Senhora da Boa Morte, como já foi mencionado. Considerações Finais Nesta fase da pesquisa concluímos que mesmo a cidade de Cachoeira entrando na pauta orçamentária do Governo de diversas formas, principalmente através de projetos para a conservação dos prédios/monumentos históricos e artísticos e valorização das expressões culturais e religiosas, grande parte de sua população ainda sobrevive em situações subumanas, de pura miséria, famílias que vivem com menos de meio salário por mês ou, na maioria das vezes, sobrevive apenas com o auxilio da Bolsa Família, a qual por muito tempo movimentava boa parte do comércio da cidade e, é claro, ainda é de suma importância para o comércio local. E mesmo diante da grande quantidade de recursos financeiros investidos no centro urbano de Cachoeira, ainda há a necessidade de iniciativas que realmente envolva a população como um todo e que não tenha o caráter paternalista, para que esta possa ser “autônoma”. É preciso que esses projetos de revitalização, que visam dá uma nova dinâmica às formas e a economia de Cachoeira, também voltem seus olhos ou suas ações para o patrimônio natural e cultural existente na cidade, como por exemplo, revitalização do Rio Paraguaçu e das diversas nascentes de riachos que deságuam neste rio, que a muito são degradas, sendo que muitas agonizam a espera de iniciativas que as recuperem; projetos que abarquem os grupos culturais de Capoeira, Samba de Roda, Maculelê, dentre outros grupos culturais que existem na cidade para que estes possam repassar um pouco da cultura dos povos antigos daquela terra.
  • 13. Diante disso, é possível notar que as diversas políticas governamentais desenvolvida em Cachoeira não atendem as populações mais carentes, ou melhor, muitas dessas pessoas não sabem que essas políticas existem em sua cidade. Isso demonstra que o governo segue privilegiando uma pequena minoria em detrimento de um coletivo maior. A partir dos pontos levantados acima, faz-se necessário refletir acerca de uma questão: até quando a maioria da população de Cachoeira será eximida dessa nova fase que vive sua cidade?
  • 14. Referências SANTOS, Milton. A rede Urbana do Recôncavo. In: BRANDÃO, Maria de Azevedo (Org.) Recôncavo da Bahia: Sociedade e economia em Transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Editora Ática, 1993 FONSECA, Áurea Côrtes N. de Oliveira. Aspecto do desenvolvimento Regional do Recôncavo Sul Baiano: O caso do Município de Cachoeira-Bahia-Brasil. Tese Doutoral. Universidade de Barcelona; Barcelona, 2006. HENRIQUE, Wendel. Cidades Médias e Pequenas da Rede Urbana do Recôncavo da Bahia: Uma analise sobre Cachoeira. 12º Encontro de Geógrafos da América Latina. Montevideo, 2009. INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL. Rotas da alforria: trajetórias da população Afrodescendente na região de Cachoeira/BA. Rio de Janeiro, 2003. RODRIGUES, Maria da Paz de Jesus. Caminhos da preservação: políticas, patrimônio material e reflexos nas dinâmicas social e urbana de Cachoeira-BA. Dissertação (mestrado). Universidade do Estado da Bahia; Santo Antonio de Jesus, 2010. SANTOS, Milton Santos. Espaço e Método. 5. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.