1. Fall after Newton
A QUEDA DEPOIS DE NEWTON
(Transcrição da narração do filme, por Steve Paxton1).
Comentário introdutório de Lisa Nelson:
“A queda depois de Newton” é um vídeo que reconta 11 anos de desenvolvimento do
Contato Improvisação, desde o trabalho seminal de Steve Paxton Magnesium em 1972, através
de anos consecutivos de performances de Contact incluindo as séries de performances do
aniversário de 11 anos do CI na Igreja de São Marcos (St. Marks Church), em Nova York, em
1983.
Steve propôs o conceito do documentário depois de haver editado o vídeo Chute, com
Steven Christiansen e Lisa Nelson, em 1979, a partir de gravações das primeiras apresentações
de CI em 1972. A grande sorte de ter gravações em vídeo das performances desde o começo
sugeriu a possibilidade de examinar o desenvolvimento dos dançarinos e buscar um crescimento
da dança a partir disso.
Em 1980, a equipe de edição, junto com Nancy Stark Smith, a quem foi pedido que fosse
a dançarina enfocada no filme, começaram a se debruçar sobre nove anos de documentos em
vídeo de performances (aproximadamente 50 horas) e fez uma edição inicial de 20 minutos desse
material. Sete anos de sessões esporádicas de edição, escrita do roteiro e revisões resultaram em
um vídeo de 23 minutos, com partes coloridas e em preto e branco, com a narração a seguir, de
Steve Paxton”:
Quando uma maçã caiu em sua cabeça, Isaac Newton se inspirou a descrever suas três
leis do movimento.
Estas se tornaram o fundamento de nossas idéias sobre a Física. Sendo essencialmente
objetivo, Newton ignorava como era a sensação de ser a própria maçã.
Quando pomos nossa massa em movimento, nós nos levantamos sobre o chamado
constante da gravidade, com o convite das forças centrífugas.
Os dançarinos pegam carona e brincam com essas forças.
Além da terceira lei de Newton, nós descobrimos que para cada ação muitas reações
iguais e opostas são possíveis. Aí há uma oportunidade para a improvisação.
Estamos vendo uma performance de Contato Improvisação, uma forma de movimento em
duo. Este vídeo faz uma varredura ao longo de 11 anos da prática de Nancy Stark Smith, desde
sua primeira exposição à forma em que eu estava trabalhando quando ela era muito nova em
1972, passando por momentos escolhidos de anos consecutivos de suas performances comigo,
Steve Paxton, e com outros.
Solos de Nancy testando seu movimento, brincando com a gravidade e com o chão, que
não são, neste trabalho, tomados como algo banal, mas considerados parceiros constantes. Ela
não dirige a si mesma – ela começa movendose
e então deixa que as coisas aconteçam,
encontrando maneiras de lidar com o momentum e a gravidade.
1 Publicado na Contact Quarterly, Volume 13, 1988. Disponível também no Contact Quarterly’s Contact
Improvisation Sourcebook. Organizado por Nancy Stark Smith, publicado em 1997.
2. Aqui, em 1976, Nancy e seu parceiro Curt Siddall movemse
para seguir o ponto de
contato enquanto este se move – um foco básico para sua improvisação. Na brincadeira de
mover e ser movido, os movimentos específicos são imprevisíveis, mas eles ocorrem dentro de
um campo cognoscível – da gravidade, força centrífuga, apoio e dependência.
O toque humano une as forças que agem sobre o corpo, com as sensações que elas
provocam dentro do corpo. Essa interação torna possível manter todas as partes de ambos os
corpos harmonizadas.
Eles não eram tão aventurosos assim 4 anos antes. Nesta primeira performance de
Contato Improvisação, eles estavam se acostumando a se mover pelo toque. Sentindo sua
maneira de fazelo,
eles puderam trazer à tona pontos obscuros da forma e de si mesmos e suas
percepções.
A performance que atraiu Nancy a esta forma foi um estudo de alta energia chamado
Magnesium (Magnésio). Eu fiz Magnesium para um grupo de homens no Oberlin College em
1972. Este trabalho investigava a qualidade reflexiva do toque, com momentum, queda,
rolamentos e colisões.
Magnesium termina com cinco minutos em que os dançarinos permanecem em pé, para
estabelecer uma forte distinção na escala do movimento em cada momento da performance.
Ficar em pé, parado, não é realmente ficar “parado”. O equilíbrio em duas pernas
demonstra ao corpo do dançarino que nos movemos com a gravidade, sempre. Observar os
constantes ajustes que o corpo faz para evitar a queda acalma todo o ser. É uma meditação.
Implica em assistir aos reflexos trabalhando, saber que eles são sutis e confiáveis – não apenas
medidas de emergência.
Ficar em pé tornouse
uma de nossas disciplinas, mantendo a mente atenta ao momento
presente do corpo. Esta prática simples foi a preparação para as interações complexas que
aconteceriam com o parceiro. Assim como as práticas de atirar e pegar que demandavam
respostas instantâneas, nos introduzindo a estados adrenalizados.
Inicialmente, parecia haver somente duas opções – tentar seguir o fluxo de comunicação
ou resistir a ele.
Cada dança é uma série de decisões pontuais, instantâneas. A pele macia está alerta aos
pontos de contato, sinais dizendo aos dançarinos onde eles estão, orientandoos
em relação a seu
parceiro e ao chão.
Suas percepções estão se alongando. Eles estão adrenalizados. Dentro de suas mentes,
os muitos eventos do toque e as relações constantemente mutáveis se combinam em uma
continuidade de massas em movimento que cria uma lógica alcançada apenas no calor da dança.
Uma lógica tão segura quanto aquela encontrada quando se está em pé, sozinho, assistindo à
dança reflexa do esqueleto.
O alto momentum traz novas áreas de risco. Para desenvolver este aspecto na forma
tivemos de ser capazes de sobreviver a ela. Este apoio demandado às partes inconscientes e
reflexas do cérebro é mais presente quando a mente consciente não está com medo. A calma do
ficar em pé é estendida à queda.
Há riscos. Um deles é tentar premeditar com o pensamento. O que o corpo pode fazer
para sobreviver é muito mais rápido do que o pensamento.
3. É útil retreinar
os reflexos para estender os membros, ao invés de contraílos
durante
uma queda. Durante esta queda tão desorientadora, os braços de Nancy atuam para acolher suas
costas, e isso espalha o impacto para uma área maior. E ela não para de se mover. Isso ajuda a
dispersar o impacto em um tempo ligeiramente maior. Ela não parece incomodada.
Fazendo um breve exame no tempo, nós começamos com o primeiro dueto no qual eu
dancei rápido com Nancy, dançando com abandono e confiança para poder entrar no
momentum. Parece estranho e desorientador para ela, mas ela estava disponível para isso.
Um ano depois, a sensação do movimento era mais contínua, o fluxo do movimento mais
longo. Havia mais tempo para sentir o que estava acontecendo.
Enquanto estamos em contato, nós atentamos a nossos próprios reflexos, que foram
estimulados pelos movimentos do outro. Nossos reflexos nos movem, e isto faz nosso parceiro se
mover. Este ciclo de respostas motoras é contínuo e forma a base do diálogo.
Quando a segurança física pôde ser estabelecida em um nível mais instintivo, estávamos
livres para brincar com o tempo e com as sutilezas do toque. As frases de movimento poderiam
ser estendidas indefinidamente quando não precisávamos mais parar para averiguar qual era nossa
situação em dado momento.
Em 1978 nós havíamos examinado a temporalidade [timing] do corpo por si mesmo por 6
anos, e começamos a buscar maneiras de mudar nossos padrões habituais. O uso da música foi
uma dessas maneiras. Para esta performance, Collin Walcott tocou, incorporando os sons
aleatórios de nossa movimentação à sua percussão. Nós dançamos com seu ritmo, e ele tocava
para nós.
Durante os períodos de solos estendidos, cada um de nós esperava o contato físico a
qualquer momento. Nós esperamos pelo momento em que a decisão fosse tomada por nosso
parceiro ou por nós mesmos.
Ao longo dos anos, os princípios subjacentes a nosso movimento se mantêm os mesmos.
À medida que os sentidos se expandem no espaço esférico e o sistema muscular aprende a
responder ao toque em qualquer superfície do corpo, qualquer ponto pode ser o fulcro para a
leveza e a continuidade.
Nancy e eu dançamos com muitos outros parceiros com variados históricos e habilidades.
Cada parceiro trouxe seus próprios quebracabeças
cinéticos através dos quais dançávamos,
contribuindo com novos elementos ao corpo do trabalho, a rede do Contato Improvisação.
O foco principal do treinamento é retornar aos sentidos. Não é apenas o sentido do tato
que deve ser expandido, mas todos os sentidos devem tornarse
elásticos o suficiente para
navegar através do espaço esférico, para sustentar qualquer posição, qualquer mudança de
aceleração.
Parece que o que emergiu foram dois corpos agindo como um, dentro do domínio das
forças físicas. Newton propôs idéias sobre as forças e sua interação. Adicionandose
a elas, o
Contato Improvisação lida com idéias ou imagens que são sensações primeiro, só depois sentidas
[felt] pela mente.
Cada pessoa que dançou o Contato Improvisação ensinou sua variação aos parceiros.
Essa rede dissemina a informação entre nós.
4. Como um membro da primeira geração a estudar Contato Improvisação, Nancy não
somente o aprendeu, mas ajudou a definilo
pela direção a que seu treinamento a levou. Quando
ela começou, ninguém sabia que tipo de corpo resultaria da prática, nem quais propriedades
seriam desenvolvidas.
Nós vimos o primeiro evento do Contact que Nancy viu, Magnesium. Esta peça deve
ter deixado uma impressão sobre ela, que, por sua vez, deve ter sido alterada pelo
desenvolvimento da forma em duos.
Nós pudemos ver a mudança física de Nancy nos anos de seu estudo, e o
desenvolvimento de seu estilo de performance. Vendo principalmente as apresentações das
performances, nós vimos pouco do trabalho diário, mas vimos os fóruns públicos em que o
Contato Improvisação ficou amplamente definido. Olhando o desenvolvimento de Nancy ao
longo de 11 anos, vimos um fio da tessitura fisicamente rigorosa do Contato Improvisação.
Um aspecto importante do Contato Improvisação é o prazer de moverse,
e o prazer de
dançar com alguém de uma maneira muito espontânea. Ele acontece em um contexto de trabalho
que considera o corpo em toda sua variedade como o foco primário de interesse. Com isto, a
dança pode ser refinada a relações cada vez mais precisas com as forças físicas.
Tradução: Pedro R. Peñuela Sanches