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STEVEN RUNCIMAN
A CIVILIZAÇÃO BIZANTINA
tradução de Waltensir Dutra
ZAHAR EDITÔRES
RIO DE JANEIRO
Titulo Original:
BYZANTINE CIVILIZATION
Publicado na Inglaterra por
Edward Arnold (Publishers) ltda
capa de Érico
1961
Direitos para a língua portuguesa adquiridos por
ZAHAR EDITORES
Rua México, 31 — Rio de Janeiro
que se reservam a propriedade desta tradução
Impresso no Brasil Printed, in Brazil
Impresso no Brasil Printed, in Brazil
PREFÁCIO
O objetivo deste livro é proporcionar ao leitor uma visão geral da civilização do
Império Romano, durante o período em que sua capital foi Constantinopla — ou
seja, daquela civilização greco-romana orientalizada, melhor conhecida como
“bizantina". É um período extenso, e durante seus onze séculos ocorreram
muitas transformações e modificações. Tentei, porém, concentrar-me de
preferência nas qualidades que caracterizaram a história bizantina em toda a sua
extensão. Num esforço para manter as proporções deste livro dentro dos limites
razoáveis, vários aspectos do assunto foram examinados com indevida
brevidade: o direito e a arte bizantinos, principalmente, receberam um
tratamento desproporcional à sua importância. Mas o primeiro, deixando de lado
as generalidades, é uma floresta de detalhes intrincados, e o segundo, um oceano
de gostos controversos e divergentes no qual até mesmo as generalidades são
muito arriscadas. Em ambos os casos, uma análise mais detalhada teria
demandado número maior de páginas do que seria possível conter este livro.
Realmente, devo pedir a meus críticos que sejam indulgentes quando
considerarem ter eu sido excessivamente breve em certos pontos, lembrando-se
de que maior generosidade ali teria significado cortes em outras partes.
As notas de pé de página têm a finalidade de indicar as fontes dos detalhes
ilustrativos e uma pequena bibliografia, no local adequado. Dispensei-as no
Capítulo II, onde trago, de modo geral e sem possibilidade de controvérsia, da
história do período. Na Nota bibliográfica, foram incluídas as indicações das
bibliografias gerais mais úteis e uma lista das abreviaturas usadas.
Quero assinalar meus agradecimentos à Srta R. F. Forbes, pelo auxílio que me
prestou na correção das provas.
S. R.
Trinity College. Cambridge.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
As melhores bibliografias sobre a civilização bizantina encontram-se na
Cambridge Medieval History, vol. IV; no artigo de Leclercq, "Byzance”, no
Dictionnaire d’Archéologie Chrétienne et de Liturgie, de Cabrol; quanto aos
trabalhos modernos, ver especialmente a bibliografia da Yasiliev, na Histoire de
L’Empire Byzantin. Para o leitor médio, aconselhamos os vários trabalhos de
Diehl e Schlumberger. Para os estudantes do assunto, a Geschichte der
Byzantimschen Litteratur, de Krumbacher, a Histórical Geography of Ásia
Minor, de Ramsay, e os vários trabalhos de Bury são fundamentalmente
essenciais.
Foram utilizadas as seguintes abreviações:
A. S. Boll. para Acta Sanctorum Bollandiana.
B. G. M. ” Satlias, Bibliotheca Graeca Medii Aevi.
Byz. Arch. " Byzantinische Archiv.
B. Z. ” Byzantinische Zeitschrift.
J. H. S. ” Journal of Hellenic Studies.
H. Z. ” Historische Zeitschrift.
M. G. H. Ss. ” Monumento, Germaniae Histórica, scriptores.
M. P. G. ” Migne, Patrologiae cursus completas, series Graeco-Latim.
M. P. L. ” Migne, Patrologiae cursus completus, series Latina.
As datas e locais de edição dos vários livros citados podem ser encontrados nas
bibliografias acima mencionadas.
I. A FUNDAÇÃO DE
CONSTANTINOPLA
A cidade de Bizâncio foi fundada por marinheiros de Mégara no ano 657 a. C.,
num dos extremos da Europa, onde o Bósforo se abre para o Mar de Marmara.
Esse litoral não era desconhecido dos colonizadores gregos. Uns poucos anos
antes, outros megáricos haviam fundado a cidade de Calcedônia, na margem
asiática oposta, tornando-se proverbialmente conhecidos pela cegueira de não
perceber que o melhor local estava do outro lado do mar. Mesmo assim,
Calcedônia dispunha de vantagens que poucas cidades do Bósforo, em sua
situação, possuíam.
A Europa é separada da Ásia sul-ocidental por dois grandes lençóis de água, o
Mar Negro e o Mar Egeu; entre os dois, porém, entende-se a Trácia em direção
da Ásia Menor, até que os dois continentes fiquem separados apenas por dois
estreitos canais, o Bósforo e o Helesponto ou Dardanelos, e pelo mar interior de
Marmara. Desses dois canais de fácil travessia, o Bósforo é levemente mais
acessível do continente asiático, já que evita a subida sobre o Olimpo da Bitínia,
ou Ida, e muito mais acessível para quem parte da Europa, devido ao ângulo em
que se projeta o Quersoneso Trácio para formar o Helesponto. Homens e
mercadorias que viajem por terra de um continente para o outro passarão, quase
que inevitavelmente, por uma cidade do Bósforo, enquanto os navios navegando
entre o Mar Negro, o Egeu e o Mediterrâneo terão certamente de passar junto
dela. O Bósforo está situado no cruzamento de duas das maiores rotas
comerciais da História.
Calcedônia não está mal colocada, mas mesmo assim seus fundadores foram
curiosa mente cegos, pois a costa europeia dispunha de uma vantagem que
faltava à oriental. No ponto em que as águas do Bósforo passam para o Marmara
estende-se para o noroeste uma soberba baía de uns onze quilômetros de
extensão, curva como uma foice ou um chifre, e conhecida na História como o
Chifre de Ouro. Entre ela e o Marmara fica um promontório montanhoso, na
forma aproximada de um triângulo isósceles, cujo vértice rombudo está voltado
para a Ásia. Uma cidade fundada sobre tal promontório não só estaria provida de
um porto natural, onde uma grande armada poderia abrigar-se em perfeita
segurança, como também protegida pelo mar por quase todos os lados. A única
desvantagem era o clima. Durante todo o inverno e a primavera um vento norte
quase incessante sopra do Mar Negro, vindo das estepes geladas, enregelando o
colono habituado aos vales abrigados da Grécia e contrastando excessivamente
com os cálidos verões que so seguem. E esse vento norte, combinado com a forte
corrente do Bósforo no rumo sul, frequentemente impedia que os navios a vela
contornassem a ponta e chegassem ao Chifre de Ouro.
Foi possivelmente o clima que impediu Bizâncio de se tornar, por quase mil
anos, uma grande cidade. Além disso, nos grandes dias da Grécia, era mais fácil
e mais seguro para os mercadores asiáticos, devido ao estado bárbaro da Trácia,
passar à Europa através de Esmirna ou Éfeso. Sua importância como fortaleza,
porém, foi logo compreendida. Na guerra do Peloponeso foi louvada por sua
posição de comando sobre a entrada do Mar Negro, em cuja margem norte
estavam as plantações de cereais onde Atenas se alimentava. Filipe da
Macedônia e seu filho Alexandre reconheceram nela a principal porta para a
Ásia. Os imperadores romanos chegaram a considerar sua força estratégica como
uma ameaça. Vespasiano revogou seus privilégios; Severo, a cujas tropas resistiu
durante dois anos em defesa da causa perdida de Pescênio Niger, desmontou
todas as suas fortificações- Caracala, porém, reconstruiu-as. Galieno seguiu o
exemplo de Severo, e em consequência os piratas godos puderam velejar
impunemente pelos Estreitos, até o Egeu. Diocleciano foi, por isso, obrigado a
levantar as muralhas mais uma vez. Sua potencialidade total como fortaleza,
porém, não foi descoberta senão na segunda Guerra Licínia, de 322-3, quando
Licínio transformou-a no centro de toda sua campanha contra Constantino.
Licínio foi arruinado pela perda de sua frota no Helesponto, e seu exército caiu
finalmente em Crisópole; após sua rendição, não era necessário que a fortaleza
continuasse a resistir. A estratégia de Licínio foi observada por seu grande
adversário — Constantino viu possibilidades ainda maiores em Bizâncio. Mal
acabara a guerra e o imperador já levava arquitetos e agrimensores a visitar a
cidade e seus arredores, e as operações de construção tiveram início.
Nas últimas décadas, os imperadores romanos haviam sentido a necessidade de
um novo centro administrativo. A própria Roma tornava-se pouco adequada aos
imperadores, com suas tradições republicanas e senatoriais, e sua desconfiança
das novas concepções orientais da soberania. Além do mais, estava muito longe
das duas fronteiras para as quais se voltava cada vez mais sua atenção: a armeno-
síria e a do Danúbio. Maximiniano governara em Milão, Diocleciano mudara-se
para o Oriente, fazendo de Nicomédia a principal residência. Constantino
acalentara o plano sentimental de estabelecer em sua cidade natal, Naisso ou
Nissa, a capital, e mais tarde dedicara-se á reconstrução de Tróia. Mas quando
sua atenção se voltou para Bizâncio, as vantagens por esta oferecidas tornaram-
se manifestas. Não houve mais hesitação. As fortificações foram iniciadas em
novembro de 321, e cinco anos e meio depois a capital estava concluída. A 11 de
maio de 330 a cidade foi solenemente inaugurada pelo imperador, sob o nome de
Nova Roma. O povo, porém, preferiu chamá-la pelo nome de seu fundador,
Constantinopla.
O ano 330 é a melhor data para tomar como ponto de partida da história
bizantina (1). Mas a fundação de Constantinopla, embora a mais importante, foi
apenas uma das reformas e modificações que já haviam começado a transformar
gradualmente o império pagão de Roma naquilo que chamamos de Império
Bizantino. Ao término do século III A. D., o Império Romano ressentia-se da
necessidade de reformas. Não é este o momento de contar detalhadamente as
causas do desmoronamento do velho mundo romano (2). De uma forma
resumida, podemos dizer que elas foram principalmente o caos e a tibieza
administrativa e financeira, o poder excessivo nas mãos de soldados ambiciosos,
e uma nova série de perigos nas fronteiras. Roma havia conquistado seu império
territorial graças a um permanente senso de oportunidade. A província capturada
era pacificada o mais depressa possível, com a permissão de conservar muitos
dos direitos e costumes locais. Consequentemente, cada província demandava
um tipo diferente de administração. O estado em que se encontrava o governo
central aumentava tal diversidade. A Diarquia, tão anunciada por Augusto, e na
qual o Senado participava da soberania com o imperador e governava totalmente
certas províncias, apenas contribuiu para aumentar a confusão sem se constituir
num controle eficiente do poder do imperador. As finanças refletiam essa
desordem. Os impostos eram altos, mas variados e irregulares, e uma
considerável parte deles permanecia nas mãos dos cidadãos que compravam ao
governo o direito de recolhê-los. A riqueza tinha uma distribuição muito
desigual. Os milionários eram ainda numerosos, ao passo que províncias inteiras
mergulhavam na pobreza. O império vinha, além de tudo, sofrendo há muito de
uma posição adversa nas trocas comerciais. Já na época de Plínio as importações
da Índia excediam as exportações, anualmente, em cerca de 600.000 libras
esterlinas, e a desvantagem, com relação à China, era de 100.000 libras. Essa
deficiência não foi corrigida nunca. Durante o início do império, as emissões
imperiais se foram depreciando gradualmente, e a partir do reino de Caracala a
queda de valor foi rápida, até que, finalmente, só as moedas de cobre não
continham ligas, ao passo que as de prata chegaram a consistir de apenas 2%
desse metal.
Enfrentando uma confusão administrativa e uma constante inquietação
financeira, as autoridades civis não tinham poderes.
A única força realmente existente estava com os chefes do Exército. Roma não
podia viver sem suas legiões. Eram longas as fronteiras a guardar, necessária a
polícia nas províncias cuja rebeldia natural se inflamava pela exploração
econômica. Todos os governadores das grandes províncias tinham uma legião à
sua disposição e por vezes comandavam até mesmo exércitos maiores. Isso não
teria sido, talvez, perigoso, se existisse um governo central forte e uma norma de
sucessão fixa para o império. Poucas dinastias imperiais, porém, chegaram
sequer à terceira geração. O trono era, cada vez mais o prêmio a ser conquistado
pelo chefe militar mais forte, pelos generais ambiciosos que abundavam.
Durante o século III havia quase que invariavelmente alguma província nas
mãos de um usurpador e, na prática, o império dificilmente poderia ser
considerado como uma comunidade unida.
A desordem tornou-se muito mais séria no século III pelas novas pressões
surgidas nas fronteiras. Desde os primeiros dias do Império, a fronteira asiática,
que ia da Armênia à Arábia, suscitava problemas relativamente pequenos. O
reino parto dos Arsácidas entrara em lento declínio. Mas no início do século III
uma nova dinastia surgira na Pérsia, a dos Sassânidas, popular, nacionalista e
zoroastriana, que durante quatro séculos seria inimiga agressiva dos romanos. Os
Sassânidas derrotaram quatro imperadores no século III, chegando mesmo a
aprisionar o Imperador Valeriano. Sua força parecia crescer de ano para ano. Ao
mesmo tempo, a fronteira europeia necessitava de vigilância adicional. Desde os
dias de César, o governador da Gália tinha a seu cargo uma tarefa árdua, a de
guardar a fronteira do Reno contra as prolíficas tribos da Alemanha Ocidental,
que ansiavam por libertar-se de suas florestas constrangedoras. A pressão agora,
porém, era no Danúbio. Tribos da Alemanha Oriental, os godos em particular,
instalavam-se nas margens fronteiras, e qualquer novo movimento ou migração
nas Estepes provavelmente as incitara a atravessar o rio. O problema godo
constituía claramente uma ameaça e, apesar dos esforços de imperadores como
Cláudio II, não mostrava sinais de qualquer solução.
Era esse o ambiente político da vida no século III. Os padrões de civilização
eram ainda altos. Embora os pobres, os escravos e os homens livres pouco
tivessem melhorado em sua condição — a não ser pelo fato de que muitos deles
viviam da caridade do Estado — as classes mais ricas desfrutavam um conforto
material e um luxo que ultrapassavam qualquer coisa já vista pelo mundo. O
domínio romano representou sempre um eficiente programa de obras públicas:
banhos e templos, portos e estradas, tudo contribuía para a amenidade da vida.
As comunicações eram rápidas, fáceis e seguras. Mas todo esse conforto, toda
essa segurança, estavam sujeitos a súbitas e prolongadas interrupções, Nas
guerras civis frequentes, cidadãos pacíficos podiam ver-se, inesperadamente,
desgraçados, pilhados e até condenados à morte. A insegurança levou à
desilusão das coisas do mundo, que seria a característica principal da cultura da
época.
Culturalmente, o império eslava dividido em dois. Da Ilíria para o Oeste, as
províncias falavam o latim como língua universal; para o Leste, a língua era o
grego. A separação era, entretanto, mais aparente do que real: embora do
Ocidente viessem quase todos os homens de ação e os estadistas, os intelectuais
ocidentais seguiam a orientação do mundo de língua grega. Apenas na África e
na Gália teve a cultura latina um ímpeto próprio. Os latinos deixaram, entretanto,
obras públicas e um profundo sentido do Direito que marcou mesmo o Oriente, e
sobreviveu à desordem. A civilização do Leste era ainda a helênica, uma mistura
de concepções clássicas gregas com semitas e iranianas. A influência da Grécia,
porém, reduzira-se a uma forte tradição, ao invés de uma força vital. O
individualismo essencial à cultura helênica não podia resistir ao desaparecimento
da cidade-estado e à fusão até mesmo dos reinos macedônios num império
mundial de cuja direção os gregos não participavam. Mas a arte e as letras ainda
se mantinham fiéis aos velhos modelos gregos ou às suas magníficas
reproduções, surgidas na Roma augustiniana. Os artistas acrescentavam apenas
uma grande paixão pelo volume e pelos detalhes que evidenciassem a
competência de sua técnica. Templos, estátuas, poemas épicos, revestiam-se
todos de magnificência e rebuscamento. Conservavam a espontaneidade apenas
um ou outro poema lírico, ou um quadro, bem como a sátira, que é a expressão
natural de uma época sem ilusões. O mundo do Império Romano era bem
educado e estético, mas a grande civilização que admirava e copiava perdera sua
força vital. A salvação viria de outra região, do Oriente Sírio.
Já no século III a arquitetura começara a mostrar um novo esplendor, espontâneo
e oriental. Mas o Oriente venceria a tradição clássica não tanto por suas
concepções de majestade, mas principalmente por suas ideias mais puramente
espirituais. Uma época desiludida volta-se para n religião e foge das incertezas
do mundo. Mas as velhas religiões, a pagã alegria de viver do grego, o culto do
Estado de Roma, falharam quando a vida se ensombreceu com o medo e a
decadência do Estado era evidente. O Oriente tinha um consolo melhor a
oferecer. Desde o primeiro contato de Roma com o Leste, as misteriosas
religiões de Isis e da Grande Mãe começaram a divulgar-se pelo Ocidente, e seus
adeptos aumentavam gradualmente. No ritual secreto e na penitência ordenada
por essas deusas, o cansaço da vida se voltava para uma realidade mais alta. Esse
culto atraia principalmente os requintados e os desiludidos da sociedade. O
soldado e o homem de ação preferiam um culto de origem iraniana, o mitraísmo,
o culto do Apolo, o Sol Inconquistável. No século III o mitraísmo se havia
disseminado por todo o império, encerrando em sua poderosa organização a
esmagadora maioria do exército. Também ele ostentava pompa e cerimônia, mas
era menos quietista. Proporcionava, ao contrário, um senso de companheirismo e
de disciplina que se opunha à desesperança e a solidão do mundo. Mas o
mitraísmo teve de enfrentar um rival ainda maior, uma religião que se iniciara
obscuramente na Palestina, e era chamada cristianismo.
Não é de surpreender que o cristianismo fosse a fé triunfante. Sua mensagem
tinha um poder de atração muito mais amplo do que qualquer outra. O oriental,
com sua aparente paciência, é na verdade muito impaciente. Incapaz de suportar
a dor e o sofrimento, refugia-se imediatamente na comunhão com coisas mais
altas e foge à esfera das sensações materiais. O ocidental odeia os espinhos
porque eles ferem. Seu consolo está na esperança e na crença de que os espinhos
desaparecerão um dia. O grego helênico estava a meio caminho entre ambos.
Atrás de seu misticismo do culto da Natureza, havia nele um amor inato do
simbolismo. Todos esses anseios podiam encontrar satisfação no cristianismo,
que encorajava o misticismo, pregava uma escatologia da esperança, era rico de
símbolos e tinha um ritual nobre. Além do mais, encenava um atrativo particular
para as classes inferiores, com sua afirmação de que aos olhos de Deus todos
eram iguais ao imperador, e ensinando a todos o amor fraternal. Essa mensagem
o recomendava aos filantropos, pois nenhuma outra religião dava à caridade um
sentido tão prático. A Igreja Cristã foi admiravelmente organizada. Desde os
dias de São Paulo, seus chefes haviam sido homens de tino administrativo. Teve
ainda duas vantagens imensas sobre seu rival, o mitraísmo. A primeira foi a de
permitir às mulheres um papel destacado. Os professores ortodoxos podiam na
realidade deplorar e denunciar a completa igualdade dos sexos ensinada pelos
heréticos montanistas (*) — as mulheres tiveram sempre um papel relevante na
história do cristianismo. Como diaconisas e mais recentemente, como abadessas
(3), podiam adquirir importância. O mitraísmo, porém, era uma religião
masculina. Não encontramos traços de mulheres entre seus adeptos. A segunda
grande força do cristianismo está na influência que, desde os primeiros anos,
recebera da filosofia grega. Essa influência deu à sua teologia um conteúdo
intelectual que a tornou aceitável a muitos dos melhores e mais profundos
pensadores da época. Nem o mitraísmo nem qualquer das religiões misteriosas
poderia ter produzido homens do calibre mental dos primeiros padres cristãos,
homens como Orígenes, Irineu, Tertuliano ou Clemente de Alexandria,
pensadores superados apenas por seus sucessores, os padres do século IV.
Apesar do cisma no Ocidente e das heresias no Oriente, a Igreja Cristã tornava-
se rapidamente a mais poderosa organização isolada do império. Nenhuma das
heresias era ainda perigosa. O gnosticismo, a mais séria delas, nunca teve grande
favor popular. Logo dividiu-se em seitas menores, e embora na época Mani já
estivesse produzindo uma estranha mistura de gnosticismo e do dualismo
zoroastriano, que teria certa voga nos séculos IV e V, o centro do maniqueísmo
achava-se na fronteira persa.
Em seu avanço gradual, o cristianismo foi sem dúvida auxiliado pela lenda de
seus santos e de seus comprovados milagres, pois aquela época era de
superstições, A idade da razão augustiniana teve vida curta. Os homens
voltavam a falar dos feitos maravilhosos de Apolônio de Tiana e acreditavam em
histórias com as que Apuleu narrara. A previsão do futuro e a magia tinham
grande desenvolvimento. A demonologia elevou-se a ciência. Todas as
superstições que fizeram da civilização bizantina objeto de ridículo para os
historiadores do século XVIII vieram dessa época do velho império, embora
muitas outras, ainda pagãs, tivessem sido transferidas para a Igreja Cristã. Até a
filosofia seguiu a tendência popular, No Ocidente, o estoicismo conseguiu
produzir Marco Aurélio antes de desaparecer, mas no Oriente já há algum tempo
apenas o neoplatonismo mantinha sua vitalidade. Nas mãos de Porfírio e
Jâmblico, o neoplatonismo recebia influxos de taumaturgia e magia, e de um
politeísmo geral. Na verdade, os ensinamentos dos apóstolos cristãos estavam
provavelmente mais próximos do platonismo do que as doutrinas criadas nas
escolas dos filósofos.
No ano 284 o poder imperial passou às mãos do primeiro grande estadista que
Roma produziu desde Augusto — Diocleciano, nascido na Ilíria. Tinha ele plena
consciência da situação do império e dedicou seu reinado a um programa de
reformas de longo alcance. Suas principais intenções eram a de centralizar e
introduzir uniformidade na administração, colocar o exército sob o controle do
governo, restaurar a situação financeira pela estabilizarão da moeda e consolidar
essa obra elevando a posição do imperador.
Em toda a história do império é manifesta a tendência para a uniformidade,
exemplificada na facilidade em conceder a cidadania romana a qualquer súdito
nascido homem livre, e no desaparecimento recente das últimas províncias
governadas pelo Senado. Mas o caos que precedeu à subida de Diocleciano
tornava necessário um sistema inteiramente novo. Diocleciano julgava o império
demasiado extenso para ser governado por um único imperador. Desde os
primeiros césares, fora considerada necessária a existência de um ministro do
Exterior grego e outro latino. Diocleciano levou mais além essa divisão básica.
Não criou dois impérios, mas determinou que ele deveria ter dois imperadores,
cada qual residindo numa metade de sua área. Para assegurar a continuidade
pacífica do governo, cada imperador deveria ser auxiliado por um césar que seria
seu herdeiro. As províncias foram novamente divididas e reorganizadas. O
império foi dividido em quatro grandes prefeituras, — a Gália, a Itália, a Ilíria e
o Oriente — governadas por quatro prefeitos pretorianos, que eram as
autoridades mais altas do Estado. As prefeituras foram subdivididas em grandes
províncias, chamadas dioceses, cujo governador habitualmente tinha o título de
vigário e estava subordinado ao prefeito. As províncias conhecidas como Ásia e
África conservavam, porém, seus procônsules, com o privilégio de despacharem
diretamente com o imperador. Para administrar o império reorganizado, foi
formada uma rede de funcionários civis, e novos poderes atribuídos à burocracia.
A principal característica dessa burocracia foi sua completa separação das
autoridades militares. Apenas em algumas fronteiras combinavam-se as duas
funções, embora a princípio o prefeito fosse uma autoridade tanto militar como
civil. Uma gigantesca organização militar foi montada lado a lado com a
organização civil, e esperava-se que tal separação de poderes serviria de freio às
ambições de generais desleais. Ao mesmo tempo, Diocleciano fundou um
exército imperial móvel que se podia transferir rapidamente a qualquer parte do
império, em caso de guerra ou insurreição.
A preservação do império reformado seria feita por um sistema rígido de castas.
Seguindo a ideia primeiramente lançada pelo Imperador Aureliano, Diocleciano
decretou que o filho teria, invariavelmente, de seguir a profissão do pai, qualquer
que fosse ela. As agitações sociais se haviam tornado tão frequentes, fortunas
faziam-se e perdiam-se tão rapidamente que ele julgou necessária tal rigidez para
manter a estabilidade e ser possível recolher uma renda regular. Constituía
também uma vantagem recrutar o exército entre as classes médias da sociedade.
Os membros da nobreza senatorial, perigosos por sua riqueza e suas tradições
oligárquicas, eram cuidadosamente excluídos das fileiras militares.
A tentativa de estabilizar a moeda teve menor êxito: foi impossível fazê-la voltar
à posição que desfrutara sob Augusto. As várias tentativas, feitas por
Diocleciano, de emitir uma moeda integral levou por fim, para sua surpresa, a
uma elevação dos preços. Para contrabalançar isso, o imperador promulgou o
famoso decreto de 301, que fixava os preços de todas as mercadorias. O decreto
não teve êxito, e coube a Constantino estabilizar a moeda do império numa base
permanente.
A mais duradoura das reformas de Diocleciano foi a menos tangível — a
intensificação da majestade imperial. O conceito da divindade do rei era
endêmico no Oriente e estivera em moda na época das monarquias helênicas.
Não desaparecera nunca nas províncias orientais do império: o imperador
herdava uma parte da divindade. Mas Roma, com seu tradicional ódio aos reis,
não aprovava isso. Augusto teve, portanto, cautela ao não dar mostras de
majestade. Era apenas o primeiro cidadão do império, um ser humano que,
embora importante, era acessível. Cedo considerou-se que seria bom para os
povos vassalos se os imperadores mortos fossem deificados; o verdadeiro
romano, porém, aprovou o discurso cínico de Vespasiano agonizante (4). Apesar
da adulação exigida por Domiciano ou por Heliogábalo, essa atitude persistiu no
Ocidente, e a possibilidade de uma morte súbita, que parecia parte da profissão
imperial, não contribuíra para aumentar o prestígio do imperador. Diocleciano
percebeu que a autoridade imperial seria maior, e a vida do imperador mais
segura, se ele fosse feito semideus.
Os recém-estabelecidos Sassânidas da Pérsia envolviam-se num espesso halo de
majestade. Diocleciano copiou-lhes muitos dos rituais. O imperador já não se
movia livremente entre os súditos. Vivia retirado, numa corte protocolar, e era
atendido pessoalmente por eunucos, raça antes desprezada e proibida. Os que
eram recebidos em audiência deviam prostrar-se e adorá-lo. Usava um diadema,
calçados escarlates e mantos de púrpura. De certa forma, isso constituía uma
evolução natural. A lei era quase divina aos olhos dos romanos, e o imperador
era, de há muito, a fonte da lei. Mas Roma sentiu-se ofendida pelas pompas
externas e orientais do despotismo. Foi entretanto Roma, e não o imperador, que
mais sofreu com isso. Diocleciano governou o Oriente em Nicomédia,
reconhecido como um semideus e Maximiano, seu colega ocidental, preferiu
residir em Milão.
Diocleciano procurou dar verossimilitude à sua divindade, proclamando-se
descendente de Júpiter, rei dos deuses, preparando dessa forma seu caminho para
o panteão. Maximiano preferiu ser mais popular, embora menos exaltado,
dizendo-se descendente de Hércules. Constantino, o césar do Ocidente, tentou
combinar sua religião pessoal, o mitraísmo, com o culto do imperador, tornando-
se descendente do Deus-Sol Apolo.
Mas havia uma grande parte da comunidade que não podia dar aos imperadores
a adoração que exigiam. Os cristãos, com sua distinção clara entre o que era de
César e o que era de Deus, portavam-se como bons cidadãos enquanto não
fossem obrigados a cultuar o Estado. Mas cultuar um ser humano, mesmo sendo
o imperador, era algo que certamente não podiam tolerar. Diocleciano viu que
não podia permitir à mais forte organização religiosa do império rejeitar sua
majestade. Procurou usar a coação, e encontrou uma resistência fanática:
começou então a Grande Perseguição. Os cristãos continuaram não-
conformistas. Foi o Imperador Constantino quem encontrou a solução para a
fusão de césar com Deus.
O império reformado por Diocleciano mal resistiu à sua abdicação em 305. Seus
vários aspectos permaneceram, mas com uma exceção fundamental. Diocleciano
fizera o império depender do imperador, mas o sistema de dois imperadores e
uma norma de sucessão ao trono só poderia perdurar se os candidatos imperiais
fossem homens de espírito elevado, isentos de ciúmes e suspeitas. O título de
césar era também perigoso, muito alto, mas ainda não bastante alto. Desapareceu
rapidamente. Em 311 havia quatro imperadores, Licínio e Maximino no Oriente,
Maxêncio e Constantino, filho de Constâncio, no Ocidente. A cena estava,
evidentemente, preparada para a guerra civil.
Ela irrompeu inicialmente no Ocidente. Uma rápida e brilhante campanha em
312, de Colmar ao campo de Saxa Rubra, pela ponte Milvius, fez de Constantino
o senhor do Ocidente. No ano seguinte, auxiliou Licínio a derrotar Maximino e
tornar-se, por sua vez, senhor do Oriente. Mas Constantino e Licínio eram
ambos muito ambiciosos para dividir entre si o império. Sua primeira guerra de
313 não foi decisiva, mas em 323 Licínio era esmagado em Crisópole, e
Constantino passava a ser o único imperador.
O Colégio Imperial de Diocleciano terminava, assim, num fracasso. Sob outros
aspectos, porém, sua obra perdurou. Constantino conservou-lhe o sistema
administrativo e conseguiu o que para Diocleciano foi impossível: a
estabilização da moeda. O velho sistema monetário romano não podia ser
recuperado, mas Constantino criou um padrão ouro, o soldo: uma peça de ouro
estampada com seu sinete, ao invés de uma moeda, em relação ao qual se faziam
as cunhagens. O sistema funcionou bem. O soldo imperial manteve seu valor e
prestígio firmemente por oito séculos.
Constantino secundou os esforços de Diocleciano na deificação da posição do
imperador. Na marcha que fez para o sul, ao encontro de Maxêncio, quando seu
futuro estava em jogo, Constantino e todo o seu exército tiveram uma visão.
Uma cruz brilhante surgiu no céu, à frente deles, com a inscrição “Hoc vinces”,
e na mesma noite Cristo confirmou a visão num sonho do imperador.
Profundamente impressionado, Constantino adotou aquele lábaro, a cruz com a
ponta torcida, e com ele levou suas tropas à vitória.
O milagre foi oportuno. O visionário mostrou senso político. Constantino
iniciara sua carreira política sob a égide de seu sogro, Maximíano, e fora
portanto da Casa de Hércules. Após sua ruptura com Maxêncio, voltou à fé
mitraíca de sua família, tornando-se filho de Apoio. Mas Maxêncio, tal como
Maximino no Oriente, adotou uma forte política anticristã. Seu adversário teve
por isso de cortejar a aliança dos cristãos, que constituíam provavelmente apenas
cerca de um quinto dos habitantes do Império, mas que eram, de longe, a religião
mais forte, e por isso aliados mais valiosos do que os adeptos do mitraísmo
embora o Lábaro fosse também um símbolo adequado aos mitraístas, o que não
deixava de ter certa utilidade.
Qualquer que fosse sua concepção pessoal, após a batalha de Saxa Rubra, parece
certo — por suas moedas e seus decretos — que Constantino estava
comprometido com o cristianismo. Esmagara Maxêncio corno campeão cristão,
lutara ao lado de Licínio como campeões contra o perseguidor Maximino, e
promulgara o famoso Edito de Milão, de 313, que pela primeira vez reconhecia
legalmente a comunidade cristã. Mas Licínio continuou pagão. Também ao
atacá-lo, Constantino era o soldado cristão. O cristianismo e Constantino tinham
dívidas entre si.
No ano 325 Constantino surgiu como patrono do cristianismo, de uma nova
maneira. A Igreja estava às voltas com a disputa entre Ario, sacerdote de
Alexandria, e seu bispo, sobre a natureza da divindade de Cristo. Constantino
tomou a si a incumbência de convocar os bispos da Igreja para uma reunião em
Nicéia, na grande assembléia conhecida na História como o Primeiro Concilio
Ecumênico, na qual, sob sua presidência, os bispos decidiram que Ario estava
errado. Esse primeiro concilio do Nicéia foi importante não apenas pela
formulação da doutrina cristã, mas como o primeiro exemplo de cesaropapismo.
Constantino pretendia que a Igreja Cristã fosse estatal, tendo como chefe o
imperador. Em sua gratidão, os cristãos não lhe fizeram objeção.
Assim, parecia chegar ao fim o velho antagonismo entre a Igreja e o Estado. O
imperador era o chefe da Comunidade Cristã. Não lhe era mais necessário
atribuir-se descendência de Hércules ou Apolo: tinha uma nova santidade que
redimiria todos os pecados. O sangue de seus rivais, de seu filho e até de sua
mulher, manchava-lhe as mãos, mas para o mundo ele era o Isapostolos, o igual
aos Apóstolos, o Décimo-Terceiro deles. Seu prestígio espiritual foi fortalecido
graças à energia exploradora de Helena, sua mãe, antiga concubina bitínia de
Constâncio, e que enviara a Jerusalém onde, com um auxilio miraculoso do que
hoje em dia não dispõem os arqueólogos, encontrou o sítio mesmo do Calvário,
desenterrou a Cruz Verdadeira e as cruzes dos ladrões, bem como a lança, a
esponja e a coroa de espinhos, e todas as relíquias da Paixão. A descoberta
entusiasmou a cristandade e redundou na glória eterna da mãe do imperador. Os
nomes de Constantino e Helena tornaram-se os mais reverenciados na história do
Império Cristão.
Faltava completar ainda um trabalho mais concreto para concluir a
transformação do império: a fundação de Constantinopla. O império devia ter
uma nova capital no Oriente, igual a Roma em tudo, exceto na antiguidade, e
superior a ela pelo fato de ser, desde o início, uma cidade cristã. O valor da nova
capital era evidente. A escolha do local foi uma demonstração de genialidade.
Ali todos os elementos que constituíam o império reformado fundir-se-iam
naturalmente — a Grécia, Roma e o Oriente Cristão.
Constantinopla foi fundada no litoral de língua grega e incorporou uma velha
cidade grega. Mas Constantino fez ainda mais para acentuar seu helenismo. Sua
capital deveria ser o centro da arte e da cultura. Construiu nela bibliotecas cheias
de manuscritos gregos e povoou as ruas, praças e museus com tesouros artísticos
vindos de todo o Oriente Grego. O cidadão de Constantinopla caminhando
diariamente pela cidade jamais poderia esquecer a glória de sua herança
helênica.
Mas era também uma cidade romana. Por mais de dois séculos a Corte e uma
grande proporção de seus habitantes falavam o latim, que era ainda a língua culta
do interior dos Balcãs. Em seu desejo de reunir uma população vinda de todo o
império, Constantino deu à ralé da cidade o privilégio de pão e circo livres,
desfrutado pelo populacho de Roma. As classes mais elevadas foram induzidas,
segundo a lenda, a se transportarem para o Bósforo graças às dádivas de palácios
que reproduziam exatamente suas casas romanas. Constantinopla deveria ser
uma outra Roma. “Nova Roma que é Constantinopla” foi seu título oficial até o
fim, e seus cidadãos eram também Rômaioi. A grande contribuição de Roma
para o novo império foram suas teorias administrativas, suas tradições militares e
o seu direito. Mas os habitantes de Constantinopla se consideravam romanos por
nacionalidade, ainda muito depois que o latim deixara de ser ouvido no Bósforo
e os vestígios de sangue italiano tornaram-se raros. Mesmo no século XII era
pretensão dos aristocratas ter ascendentes no séquito que acompanhou
Constantino à nova cidade.
O terceira elemento era o Oriente Cristão. Constantinopla devia ser uma cidade
cristã. Os templos da antiga Bizâncio puderam continuar por mais algum tempo,
e parece até que alguns deles foram erguidos pelos pagãos que construíam a
cidade. Uma vez concluído o trabalho, porém, nenhum outro foi levantado. O
Oriente e seu misticismo já tinham invadido o mundo romano e lhe ensinado a
considerar o monarca como divino. Constantino prestou homenagem a Tique, a
Fortuna da cidade, e fez construir uma grande coluna de Apolo, na qual o resto
da estátua fora alterado para representar o seu. E ali ficou ele, com todos os
atributos do Deus-Sol, para ser adorado pelos pagãos, mitraístas e cristãos, ao
mesmo tempo. O cristianismo era uma religião oriental. A filosofia grega dera-
lhe uma forma aceitável à Europa, mas fundamentalmente ele permanecia semita
em suas concepções. O cidadão de Constantinopla tinha plena consciência da
herança greco-romana, mas sua forma de ver a vida era, nos aspectos básicos,
diferente. Experimentava menor satisfação no mundo, detendo-se de preferência
nas coisas eternas. Esse estado de espirito tornava-o mais receptivo às ideias
vindas do Oriente do que as oriundas do Ocidente. E a história do Império
Bizantino é a história da infiltração das ideias orientais até colorirem as tradições
da Grécia e Roma e da reação periódica a essa Infiltração. A despeito dela, as
tradições greco-romanas perduraram até o final. Mesmo no século XV os
homens de Constantinopla discutiam a natureza de sua civilização; eram
Rômaioi: seriam também helenos? O último grande cidadão do império deu-lhes
a resposta: ‘‘Embora seja heleno pela fala, nunca diria que sou um heleno, pois
não acredito nas coisas em que os helenos acreditavam. Gostaria de tomar meu
nome na minha crença, e se alguém me perguntasse o que sou, responderia:
cristão. (...) Embora meu pai habitasse a Tessália, não me considero tessaliano,
mas sim bizantino, pois sou de Bizâncio.” (5)
Podemos seguir Jorge Genádio e chamar a civilização segundo os elementos
bizantinos que a fizeram, considerando como sua inauguração a cerimônia do dia
11 de maio de 330, quando o Imperador Constantino dedicou a grande cidade de
“Nova Roma que é Constantinopla” à Santíssima Trindade e à Mãe de Deus.
II. RESUMO HISTÓRICO (6)
O império reformado, instalado a II de maio de 330, durou 1.123 anos e 18 dias.
Em meio às constantes transformações da Europa daqueles séculos, um fato
permanecia imutável: um imperador romano reinava, Com majestade
autocrática, em Constantinopla. Nesse império, tudo dependia, em última
instância, do imperador. Sua história divide-se assim naturalmente pelas
dinastias que o governaram sucessivamente. A princípio, elas tinham vida curta.
Tal como em Roma, chegavam apenas à terceira geração. Os últimos oito
séculos, porém, são dominados quase que exclusivamente por cinco grandes
famílias: Heraclidas, Isáurios, Macedônios, Comnenos e Paleólogos.
O século IV é apenas um prelúdio à história bizantina. Constantinopla não era
ainda o centro indispensável de governo. Constâncio, embora tivesse contribuído
para sua construção, pouco parava ali, Joviano nunca a visitou. Nem estava o
cristianismo ortodoxo totalmente triunfante. Foi possível ainda a Juliano voltar
ao paganismo, embora a tentativa mostrasse que ele era uma força agonizante. E
apesar da reunião de Nicéia, foi um bispo ariano que balizou Constantino em seu
leito de morte, pois Constâncio e Valenciano favoreceram o arianismo.
Constantino, o Grande, morreu em 337. Seus últimos anos foram dedicados à
paz e à reorganização. Seus três filhos sucederam-no em conjunto —
Constantino II, Constâncio II e Constante I. Os irmãos não se entenderam muito,
mas em 350 Constantino e Constante estavam mortos, e Constâncio, após
derrotar o grande usurpador, Magnêncio, em 351, reinou sozinho até sua morte,
dez anos depois. Durante esses anos a situação externa do império tomava-se
cada vez mais séria. Perdurava a ameaça persa e a pressão das tribos germânicas
no Reno e no Danúbio intensificou-se, principalmente devido ao aparecimento,
nas distantes estepes, de um novo povo da Mongólia, os hunos. No Reno, o
primo de Constante, Juliano, derrotou uma invasão germânica, e seu exército
exultante, descontente então com Constante, aclamou-o imperador em 360.
Constante morreu antes que a revolta se disseminasse, e Juliano tomou o poder
sem derramamento de sangue.
Juliano conquistou fama imortal por sua apostasia, sua volta ao paganismo. O
movimento, contudo, foi um fracasso. O mundo não suportava o politeísmo
intelectualizado — o cristianismo servia-lhe melhor. Também nas atividades
militares Juliano foi infeliz. Tentou invadir a Pérsia, mas avançou demasiado e
morreu numa retirada penosa, no verão de 363. O exército apressou-se a escolher
um soldado cristão, Joviano, que fez com a Pérsia uma onerosa paz de trinta
anos, cedendo-lhe quatro satrapias e a suserania da Armênia. No princípio da
primavera seguinte Joviano morreu.
Com sua morte, o exército aclamou o General Valentiniano, que preferiu
governar no Ocidente e deixou seu subserviente irmão, Valente, como co-
imperador no Oriente. O reinado de Valente representa um marco na história
europeia. Embora ponderado e não destituído de competência, ele era impopular,
sendo considerado um herege ariano, e teve de enfrentar revoltas constantes. O
ponto crucial ocorreu quando os Visigodos, pressionados pelos hunos, obtiveram
permissão para se instalarem dentro do império, e toda a nação atravessou o
Danúbio. Foi o começo das invasões bárbaras. Os godos logo se desentenderam
com as autoridades imperiais e marcharam sobre Constantinopla. Valente saiu a
enfrentá-los, recusando-se a esperar o auxilio enviado pelo imperador ocidental,
Graciano, filho de Valentiniano, e encontrou a derrota e a morte em
Adrianópolis, em 378.
Esse desastre teve piores consequências para o Ocidente do que para o Oriente.
Graciano escolheu para sucessor de seu tio o espanhol Teodósio, a quem a
posteridade agradecida chamou Teodósio, o Grande. Com seu tato, pacificou os
godos, fazendo deles servos úteis do Estado. Ortodoxo entusiasta, impôs
restrições aos pagãos e heréticos, e no Segundo Concilio Ecumênico, em
Constantinopla, em 381, impôs a unidade ao mundo cristão. Em 387 celebrou
novo e satisfatório tratado com a Pérsia, dividindo a Armênia. Em 392 passou a
controlar o Ocidente, após a morte de Graciano, de seu irmão Valentiniano II e
de um usurpador, Eugênio, e pela última vez um homem governou o mundo, da
Bretanha ao Eufrates. Ao morrer, em 395, deixou o império a seus filhos — o
Oriente para Arcádio e o Ocidente para Honório. O reinado de Teodósio marcara
o começo de uma nova era para o Império Romano, que se tornara o Império
Ortodoxo. Com sua morte, Leste e Oeste separaram-se para sempre.
O século V viu o declínio do império no Ocidente, batido pelas invasões
bárbaras, e até a abdicação de Rômulo Augustulo em 476, e a morte de Júlio
Nepos em 480, ninguém no Ocidente teve o título de imperador. O império do
Oriente teve melhor sorte. Consolidado pela obra de Teodósio o Grande, e com
uma capital invencível, parecia aos bárbaros demasiado forte para ser atacado.
Visigodos, hunos e ostrogodos cruzaram sucessivamente o Danúbio, mas
acabaram preferindo buscar fortuna no Ocidente, sem que essas invasões
tivessem muito efeito sobre o bem-estar material do Oriente, até que em 439 os
vândalos se estabeleceram na África e lançaram, de Cartago, uma esquadra que
destruiu o monopólio romano do mar. Os portos do Mediterrâneo, habituados a
uma segurança que durara séculos, tiveram de construir fortificações, e
Constantinopla foi obrigada a enfrentar o problema dos vândalos,
Na dinastia de Teodósio, Arcádio (395-408), Teodósio II (408-450), durante
cujo longo reinado o poder foi exercido principalmente por sua irmã Pulquéria e
pelo marido nominal de Pulquéria, Marciano (450-457), os bárbaros foram,
apesar de muitos momentos de ansiedade, desviados para outros canais. Isso foi
possível em grande parte graças à diplomacia de Teodósio I, cuja paz com a
Pérsia mostrava-se duradoura. Mesmo assim, a segurança só foi conquistada a
um certo preço: a defesa do império contra os bárbaros foi feita por mercenários
e generais bárbaros. Quando Marciano morreu, um ariano, o General Áspar, era
a figura mais poderosa do império. Sua heresia e sua origem impediam-lhe o
acesso ao trono, e indicou como substituto um dos oficiais de seu exército, de
nome Leão. Leão I (457-474) só conseguiu libertar o império dos soldados
godos convocando as tropas asiáticas, principalmente isáurias, cujo comandante,
Tarasicodissa, fez batizar novamente com o nome de Zenão, dando-lhe como
esposa sua filha Ariadne. Com a morte de Leão subiu ao trono Leão II, filho de
Zenão e Ariadne, que faleceu após poucos meses de reinado, deixando o império
para o pai. Zenão (471-491) reinava ainda quando os imperadores ocidentais já
haviam desaparecido. Oficialmente, assumiu ele o controle de todo o império,
mas embora Odoacro e, após ele, Teodorico, o Ostrogodo, fossem nominalmente
seus vice-reis, nunca procurou exercer o domínio do Ocidente. Quando Zenão
morreu, sua viúva Ariadne nomeou para sucedê-lo um nobre rico, Anastásio
(491-518), cuja natureza ponderada muito contribuiu para restaurar as finanças,
que nos últimos anos haviam recebido pouca atenção.
No século V o império teve outras preocupações, além dos bárbaros. Foi um
período vital para a história do cristianismo ocidental. A rivalidade entre as
grandes sés de Alexandria e Antióquia já fazia sentir havia algum tempo, e
Alexandria mostrava-se muito enciumada pelo fato de que ao novo patriarcado
de Constantinopla fora dada precedência sobre o seu, no Segundo Concilio
Ecumênico. No início do século uma querela entre Teófilo de Alexandria e João
Crisóstomo de Constantinopla quase resultava num cisma. A vitória coube a
Teófilo, embora Crisóstomo tivesse sido mais tarde vingado. Na década que vai
de 130 a 440 Alexandria voltou ao ataque, sob a chefia do Patriarca Cirilo.
Nestório, patriarca antióquio de Constantinopla, caíra em heresia, segundo se
dizia, separando Deus e o Homem em Cristo. A família imperial e a Sé Romana
apoiaram Cirilo, e no Terceiro Concilio Ecumênico, em Éfeso, em 432, o
nestorianismo foi condenado. Seus adversários, porém, foram ainda mais longe,
promulgando uma doutrina da natureza una de Cristo por um obscuro
arquimandrita, Êutiques, e que foi aceita pela escola de Alexandria. Para resolver
a questão, o Imperador Marciano convocou o Quarto Concilio Ecumênico em
Calcedônia, em 451. Marciano ansiava por manter-se em bons termos políticos
com Roma, e o Papa Leão, o Grande, opunha-se fortemente ao movimento. Sob
a influência imperial, o eutiquianismo ou monofisismo foi condenado como
herético.
O concilio de Calcedônia constituiu o ponto-chave da história do império no
Egito e na Síria. O cristianismo monofisita adaptava-se ao temperamento
oriental, e logo igrejas monofisitas, unidas na oposição a Calcedônia,
espalhavam-se pelas províncias. Além disso, a heresia tornou-se o ponto de
contato entre muitos provincianos que tinham queixas contra a burocracia
imperial — ela representava a expressão do crescente sentimento de
nacionalismo e separatismo. Da dissensão semeada em Calcedônia resultou a
fácil conquista árabe da Síria e Egito, cerca de dois séculos mais tarde. A Igreja
Armênia também rejeitou os decretos de Calcedônia, embora suas objeções
fossem antes constitucionais do que orgânicas. E até mesmo na própria
Constantinopla os heréticos eram numerosos.
Os imperadores da dinastia leonina afastaram-se da posição de Calcedônia.
Zenão fez uma corajosa tentativa de concessão, em seu Henolicon, que não
satisfez a ninguém e provocou uma ruptura com Roma, que Anastásio, um
monofisita inconfesso, não procurou superar. O sudeste, porém, continuava
insatisfeito.
O paganismo, enquanto isso, desaparecera. Em 431 Teodósio II impôs restrições
ainda maiores aos pagãos, e em 438 ele afirmava não haver mais um pagão no
Império.
Durante todo o século, Constantinopla cresceu em tamanho e riqueza. A cidade
estendera-se além dos muros de Constantino, a tal ponto que em 413 o regente
Antêmio, no reinado de Teodósio II, levantou novas muralhas do Marmara até o
Chifre de Ouro, cerca de três quilômetros a oeste das antigas, para proteger esses
subúrbios; em 439 o prefeito Ciro construiu muralhas junto ao mar, unindo-as às
muralhas que defendiam dos ataques por terra. Toda essa fortificação foi
reformada após um terremoto, em 447. O trabalho fez-se em 60 dias, pelo temor
de uma invasão dos hunos. Ciro, poeta egípcio, teve ainda a distinção de ser o
primeiro prefeito da cidade a baixar ordens em grego, e não em latim.
O século VI é dominado pela figura de Justiniano. Com a morte de Anastásio,
uma intriga sutil e vergonhosa colocou no trono um soldado ilírio analfabeto,
Justino, que levou para a corte seu sobrinho Justiniano — e dentro em pouco
este desempenhava virtualmente o papel de regente. Com a morte de Justino em
527, Justiniano tomou-se imperador. Seu reinado (527-565) constituiu o auge do
Império Romano Cristão. Os reinos bárbaros no Ocidente, com exceção da Gália
Franca, haviam mergulhado numa decadência prematura. Justiniano chamou a si
a tarefa de retomar a África aos vândalos, a Itália aos ostrogodos e até a Espanha
aos visigodos. A guerra com a Pérsia irrompeu novamente, e seus exércitos
tinham de concentrar se continuamente no Leste. Mas, graças ao gênio de seus
generais Belisário e Narses, e à habilidade de seus diplomatas, a fronteira
oriental foi mantida, a África e parte da Espanha foram conquistadas e a longa
resistência dos ostrogodos na Itália, desmoronou. Mais uma vez, o Mediterrâneo
era um lago romano e Justiniano dedicou sua atenção também nos assuntos
internos. A administração foi reformada, e sua eficiência como legislador foi
ainda maior. No princípio de seu reinado, comparou e reviu os códigos de
Direito Romano e baixou seu grande Código, em 533, monumento de
jurisprudência. E, durante todo o seu reinado, ocupou-se em acrescentar-lhe
novas leis (Novellae) para suprir quaisquer deficiências, Mas o imperador além
de ser um conquistador e uma fonte de leis, devia ser também a personificação
da majestade. Por isso, Justiniano empenhou-se em embelezar e fazer mais
suntuosa a sua capital. Foi um construtor infatigável, tendo erguido o maior
triunfo da arquitetura no mundo, Santa Sofia, a Igreja da Sagrada Sabedoria, o
templo que levou Justiniano a gabar-se de ter sobrepujado um outro rei-
legislador, Salomão.
Em toda essa obra Justiniano teve, até 548, o auxílio da mais notável mulher da
época — sua esposa, a antiga atriz Teodora. Sua coragem, visão e falta de
escrúpulos foram de grande valia para ele, e o poder por ela desfrutado era maior
mesmo do que o de seu marido. Divergiam, porém, numa questão política:
Teodora era monofisita e usou de sua influência para obter o triunfo da heresia.
Não teve êxito, mas enquanto viveu os monofisitas tiveram a segurança de sua
proteção e estímulo. Se lhe tivessem feito a vontade, Egito e Síria poderiam ter
continuado como províncias leais ao império. Mas Justiniano, com suas
ambições ocidentais, temia desagradar o Oeste ortodoxo. Além disso,
considerava-se um teólogo, e o monofisismo não o convencera. Esperava,
porém, encontrar uma fórmula intermediária que lhe fosse possível impor a toda
a cristandade. Ele e Teodora concordavam em que todos, mesmo patriarcas e
papas, deviam seguir a teologia imperial. O Papa Vigílio, que ousou considerar-
se como o repositório da ortodoxia, foi punido por uma longa prisão em
Constantinopla, durante a qual acedeu às ordens de Teodora, primeiramente, e
mais tarde, às de Justiniano. Mas foi somente após a morte de Teodora que
Justiniano deu toda a rédea à sua paixão pela teologia e elaborou uma fórmula
que podia satisfazer aos monofisitas sem infringir os decretos do Concilio de
Calcedônia. Em 553 o Quinto Concilio Ecumênico condenou, por ordem de
Justiniano, a abstrusa heresia dos Três Capítulos, que ele próprio criara
artificialmente alguns anos antes, e completou a humilhação do papado. Mas
suas tentativas de aproximação com os heréticos não foram bem recebidas —
eles não modificavam sua heresia, preferindo a perseguição. Mergulhou ainda
mais nas sutilezas cristológicas, em busca de uma solução, convencendo-se cada
vez mais da inteligência da política de Teodora, quando não de sua fé.
Finalmente, em 565 chegava a uma heterodoxia inegável, morrendo naquele
mesmo ano considerado pela grande maioria de seus súditos como um herege
aftartocatártico (*).
A política religiosa de Justiniano conseguiu, pelo menus por algum tempo,
colocar o imperador como um ditador teológico, abrindo o precedente de cesaro-
papismo para outros imperadores teólogos. Falhou, porém, em seu objetivo
principal. As províncias orientais continuavam insatisfeitas e o Ocidente
suspeitava dele. Esse descontentamento poderia não ter sido perigoso se os
provincianos, e na verdade todos os cidadãos do império, não tivessem um
motivo maior de queixa. Os impostos chegavam a limites intoleráveis. As glórias
do reinado de Justiniano, as conquistas externas, os grandes edifícios, eram
extremamente custosos e financeiramente pouco produtivos. O que Anastásio
poupara desapareceu rapidamente, e Juliano teve de aceitar como ministros os
que se mostravam mais competentes na extorsão, por mais desonestos que seus
métodos fossem. Já em 532 a habilidade sinistra de seus favoritos, o advogado
Tribônio e João, o Capadócio, provocara os famosos levantes de Nica, em que a
cidade foi incendiada e que só não custou ao imperador o trono pela firmeza da
imperatriz. O odiado João permaneceu no poder até 541, quando Teodoro já não
o podia mais suportar. Seus sucessores, porém, foram igualmente prepotentes.
Mais tarde, também a natureza contribuiu para aumentar as dificuldades do
governo de Justiniano: terremotos, uma série de fomes e a grande peste de 544
reduziram ainda mais as rendas. Houve um renascimento da prosperidade
comercial durante as primeiras décadas do século, e o próprio Justiniano muito
contribuiu para estimular o comércio. Faltava, porém, base, e os lucros não
podiam frutificar: os coletores de impostos estavam sempre a postos. Os súditos
do império se foram cansando e ressentindo.
Justiniano realizou muito. Embelezou o mundo e deu-lhe um excelente código
de leis. Suas conquistas reviveram a civilização romana no Ocidente, seu cesaro-
papismo salvou seus sucessores orientais de uma Canossa. Encerrou, porém,
uma amarga lição moral: a de que o Oriente e o Ocidente não se podiam
reconciliar e que as boas finanças representam a base de um governo bem
sucedido. Por ignorar essas duas leis, Justiniano prejudicou irreparavelmente o
império.
Seu reinado marcou também, incidentalmente, o fim do latim, embora fosse esta
a língua de Justiniano, e nela tivesse deixado seu grande código. Mas nenhuma
outra literatura latina, além disso, se produziu na corte, e as últimas Novelas
foram promulgadas em grego.
Justiniano teve como sucessor seu sobrinho Justino II, que se casara com a
sobrinha de Teodora, Sofia. Procuraram imitar, sem êxito, seus grandes
predecessores. No leste, as guerras persas foram um desastre, no norte uma nova
tribo bárbara, os avaros, faziam pressão; no oeste, outra tribo, a dos lombardos,
invadiu uma Itália gasta e apática. Sofia comprou a paz com a Pérsia e escolheu
um general, Tibério, para suceder ao seu marido. Em 547, num breve intervalo
de lucidez, Justino adotou Tibério como filho e coroou-o césar. Em 578 Tibério
o sucedia como imperador (7).
Uma nova era começou com Tibério. O imperialismo da Casa de Justino
desmoronara-se, Tibério compreendeu que o Oriente é que devia ser salvo do
naufrágio. A maior parte da Itália foi abandonada aos lombardos. O vice-rei
retirou-se para além dos pantanais invioláveis que cercavam sua capital, Ravena,
e o litoral do sul foi mantido. Roma conquistou sob os papas uma semi-
independência, embora um comissário imperial ainda residisse no palácio dos
Césares. Nesse ínterim, sem que o percebessem, a Espanha Imperial voltava às
mãos dos Visigodos. Tibério foi tolerante para com os hereges e concentrou-se
na expulsão dos persas e dos avaros. Numa corajosa tentativa de restaurar o
ânimo do povo, suspendeu os impostos por um ano e parece que tentou usar o
apoio popular contra a aristocracia imperialista romana. Em 582, porém, falecia,
deixando inacabada sua obra, com os avaros triunfantes na fronteira do Danúbio
e os eslavos penetrando com eles. Seu sucessor e genro Maurício (582-602)
adotou a mesma política. Manteve distantes os avaros e triunfou sobre a Pérsia.
Tentou colocar o império em melhores condições de defesa, dando aos militares
maior poder na administração provincial, e com uma economia rígida conseguiu
reparar, até certo ponto, as finanças. Seu realismo austero, porém, exigia muito
dos súditos. Os soldados, com soldos reduzidos, não podiam suportar o peso das
exigências que lhes eram feitas. Em 602 o exército revoltou-se. Maurício foi
morto e o líder militar Focas tornou-se, por sua vez, imperador.
O reinado de Focas (602-610) foi um pesadelo de anarquia destruidora e de
tirania, invasões externas e levantes internos, até que finalmente Heráclio, filho
do governador da África, fez-se ao mar para Constantinopla como um salvador,
fundando uma dinastia que durou cinco gerações.
Com o reinado de Heráclio, o Império Romano ingressa no bizantinismo.
Predominou naquele período uma longa guerra total contra os persas, guerra que
foi uma verdadeira cruzada, e durante a qual os persas saquearam Jerusalém e
invadiram o Egito, e com auxílio dos avaros quase capturaram a própria
Constantinopla. No final, porém, o reino dos Sassânidas foi esmagado para
sempre, no ano 628. Mais ou menos na mesma época o reino dos avaros
começou a oscilar, e Heráclio estabeleceu suserania sobre os eslavos que, já
então, eram numerosos na península balcânica. As guerras, porém, haviam sido
custosas e exaustivas, particularmente para as províncias monofisitas. Como
seus predecessores, Heráclio procurou conquistar a amizade dos monofisitas
com uma concessão teológica, adotando a ideia de que Cristo tinha apenas uma
energia, ou de qualquer modo apenas uma vontade. Mas esse monoteletismo,
embora tivesse obtido certo sucesso em Constantinopla, e mesmo o apoio do
Papa Honório I, não satisfazia aos monofisitas. Suas queixas políticas e o leal
ódio que mantinham pelos decretos de Calcedônia traziam-nos num
descontentamento permanente. De qualquer forma, a concessão vinha muito
tarde. Em 636, o ano no qual o imperador assinou a Ekthesis, documento que
corporificava a nova crença, travara-se uma batalha na Síria que resultará na
perda daquela província para sempre.
No início do século, as tribos da Arábia Central haviam conseguido unidade
política e inspiração religiosa de um certo Maomé. A aridez do clima forçava os
árabes a expansões periódicas, e alentados por essa nova força e fervor atiraram-
se sobre o mundo civilizado. Em 634 invadiram, primeiramente, a Palestina. Em
636 numa batalha no rio Yarmak derrotaram o grande exército que Heráclio
conseguira reunir em seu cansado império, e toda a Síria ficou à mercê deles. Em
637, em Kadisaya, superaram as tropas dos Sassânidas, liquidando finalmente o
reino persa na batalha de Nihawand, quatro anos mais tarde. Em 633 capturaram
Jerusalém. Em 641 invadiram o Egito. Os heréticos, explorados e perseguidos,
nada fizeram para preservar o domínio imperial. Na Síria e Egito saudaram a
troca de senhor, considerando a teologia do Islã mais próxima da sua do que a
teologia de Calcedônia. Somente Alexandria resistiu. Mas em 647 aquela
fortaleza do helenismo caiu finalmente e suas bibliotecas foram entregues às
chamas. Na época da morte de Heráclio, em 611, o império estava reduzido, com
uns poucos postos avançados isolados, à Ásia Menor e à costa balcânica, à
província da África e Sicília. Com exceção da África, constituía ele uma
entidade de língua grega e uma unidade religiosa dependente do patriarcado de
Constantinopla. A amputação das grandes províncias heréticas constituiu, no
final das contas, um alívio para os problemas do império. Mas as perspectivas
pareciam então bastante negras.
As décadas que se seguiram à morte de Heráclio são as mais sombrias da história
bizantina (8). A ameaça árabe parecia não ter fim. Toda a energia do império foi
necessária para conservar as montanhas Tauro, limite norte da expansão árabe.
Frequentemente, eles as atravessavam e atacavam a Ásia Menor. Construíram
também uma frota, e em 673 se estabeleceram no Mar de Marmara e
anualmente, até 677, atacavam as muralhas de Constantinopla. No princípio do
século seguinte, planejavam uma grande expedição para dar o coup de grâce ao
império, pela captura de sua capital. Enquanto isso não acontecia, expandiam-se
para oeste. Em 670 começaram a atacar a província da África, e em 607 Cartago
caía em suas mãos. Dali passaram à Espanha. Nos Balcãs, os eslavos causavam
uma desordem permanente. São Demétrio teve, mais de uma vez, de salvar
milagrosamente sua cidade de Tessalônica das investidas eslavas. Em 679
surgira um novo elemento de desordem, com a invasão e o estabelecimento, ao
sul do Danúbio, de uma tribo guerreira huna, conhecida como búlgaros. No
terreno religioso os imperadores heraclidas apoiaram durante certo tempo o
monoteletismo, mudando depois de orientação e convocando o Sexto Concilio
Ecumênico, em Constantinopla, em 680, para condenar aquela heresia. Um
apêndice desse Concilio, o Sinodo In Trullo, estabeleceu o que deveria ser a
constituição e norma da Igreja Bizantina.
Os imperadores da dinastia heraclida, embora fossem todos homens dotados, não
estavam à altura da difícil tarefa de governar, naqueles tempos. Heráclio deixou
o trono a seus filhos Constantino III e Heracleonas, mas a tentativa de governar,
feita pela mãe desse último, Martina (sobrinha do marido), constituiu um
fracasso. Constantino morreu após alguns meses e Heracleonas caía pouco
depois, sendo sucedido pelo filho do primeiro, Constante II (641-668), A maior
parte do reinado de Constante foi dedicada à guerra contra os árabes.
Finalmente, desesperou-se de salvar o Oriente e foi viver na Sicília,
aparentemente com a intenção de restabelecer o domínio imperial na Itália e
fazer de Roma sua capital. Foi, porém, assassinado em Siracusa antes que seus
planos se consubstanciassem. O reinado de seu filho Constantino IV, Pogonato
ou o Barbado, (668-685) foi igualmente cheio de guerras. Manteve ele as defesas
do império, embora tivesse permitido, devido a um ataque de gota, a invasão dos
búlgaros. O sucessor de Constantino foi seu filho, o jovem Justiniano II, tirano
brilhante em quem não se podia confiar, amante de sangue. Após dez anos de
opressão, Constantinopla levantou-se contra ele, cortou-lhe o nariz e baniu-o
para Quersônia na Crimeia. Conseguiu, porém, fugir da prisão e após dez anos
de aventuras entre os bárbaros voltou a Constantinopla com ajuda dos búlgaros.
Nesse meio tempo, um soldado, Leôncio, reinara de 615 a 698, sendo substituído
por um marinheiro, Apsimar, rebatizado como Tibério III, que caiu com o
reaparecimento de Justiniano, cuja tirania passou então a não ter limites. Os
quersonitas, seus antigos carcereiros, temendo vingança, revoltaram-se sob a
chefia do General Bardano, ou Filípico, que em 711 conseguiu destronar
Justiniano e condenar à morte sua família. Filípico, porém, era indolente sob
todos os aspectos, menos um, o religioso — era monotelita fervoroso. Após dois
anos de governo foi derrubado por uma conspiração palaciana, sendo sucedido
por um servidor civil, Artêmio, que tomou o nome de Anastásio II. O império
havia mergulhado no caos e os árabes estavam dominando a Ásia Menor. As
tentativas de Anastásio para restaurar a energia do exército custaram-lhe a
popularidade. A revolta de um regimento levou ao trono em 716 um coletor de
impostos provinciais, obscuro e sem ambições, Teodósio III, que evidentemente
não pôde controlar a situação. No ano seguinte, frente à ameaça, o maior general
do império, Leão, cognominado o Isáurio, sem encontrar quase oposição, tomou
o governo.
O destino dos imperadores isáurios foi salvar o império dos sarracenos e
transformá-lo na melhor organização defensiva que a cristandade já conheceu.
Leão III (717-740) preservou triunfalmente a capital durante o grande sítio árabe
de 717-718, e nas últimas guerras levou os infiéis de volta à fronteira das Tauro.
Dedicou-se então à administração, reparou as finanças e desenvolveu um sistema
de “temas” — cada “tema” ou província foi colocado sob um governo militar,
bem supervisionado de Constantinopla, porém. Seu filho Constantino V, a quem
deram os ásperos cognomes de Cabalino ou Coprônimo (9) (740-775), foi um
homem ainda mais notável. Sua habilidade militar e diplomática esmagou
temporariamente os búlgaros e repetiu o êxito de seu pai contra os árabes, no que
foi auxiliado pelo declínio do califado omíada. Com energia financeira e
administrativa completou a obra de seu pai. Mas tanto o pai como o filho
tornaram-se os vilões da história bizantina, graças à sua política religiosa.
Em 726 Leão III promulgou um decreto proibindo o culto das imagens ao qual
se seguiu uma destruição geral de ícones representando Cristo e os santos. Sua
razão original era, provavelmente, teológica, mas o movimento adquiriu logo
uma base política, como um ataque à Igreja — particularmente aos mosteiros,
cujo crescente poder aumentava pelo fato de possuírem quadros e imagens
sagrados. Sob Constantino V, ele mesmo teólogo com tendências unitárias
heréticas, esse aspecto antimonástico tornou-se bastante acentuado. Os monges
estavam na linha de frente dos iconódulos, os adoradores de imagem. O
iconoclasmo teve certo êxito na Ásia Menor e entre os soldados, que em sua
maioria eram asiáticos. Encontrou, porém, uma resistência apaixonada,
especialmente na Europa. Motins e levantes ocorreram em Constantinopla, e
uma grande rebelião com a subida de Constantino V. Na Itália, o movimento foi
tão impopular que pouca resistência encontraram os lombardos, ao invadirem
Ravena e os últimos distritos imperiais, até que em 751 nada restava ao
imperador, ao norte da Calábria. Provocou, ainda, um rompimento com o
papado, de consequências profundas. Os papas procuraram novos aliados nos
francos, enquanto o império perdia seus últimos vínculos latinos e se tornava
uma unidade exclusivamente de língua grega.
A Constantino V sucedeu seu filho Leão IV, chamado o Cazar, por ter sido sua
mãe princesa daquela raça turca. Reinou apenas cinco anos (775-780), sendo
substituído pelo filho de apenas dez anos, Constantino VI, sob a regência da
imperatriz-mãe, a ateniense Irene, que, como europeia, era iconódula. Em 787
fez ela a paz com Roma e convocou o Sexto Concilio Ecumênico em Nicéia,
para restaurar o culto das imagens. Essa restauração agradou à Igreja e ao povo
comum, mas desagradou aos soldados asiáticos, que se ressentiam do governo de
uma mulher, particularmente quando o poderio árabe começava a reviver, sob os
califas Abácidas de Bagdá. Mas o jovem imperador não tinha habilidade para
resistir à mãe, e seu caráter não inspirava respeito. Em 7117, após uma longa
sequência de querelas, Irene finalmente aprisionou seu filho, cegou-o e reinou
sozinha por cinco anos (797-802). Foi durante esse reinado feminino que o Papa
Leão coroou Carlos, o Grande, imperador do Ocidente.
A dinastia isáuria foi seguida por um período de reinos breves, pontilhado de
rebeliões, e quando a facção militar retomou o poder o iconoclasmo foi
restaurado, Irene foi destronada por seu ministro do tesouro, Nicéforo I (802-
811), excelente financista mas medíocre soldado amador, que perdeu Creta para
os piratas árabes e teve de enfrentar uma súbita renovação da força búlgara, bem
como as guerras sarracenas. Nicéforo morreu numa batalha contra o príncipe
búlgaro Krum, e seu filho e herdeiro Estaurácio ficou tão seriamente ferido que
morreu poucos meses depois, sendo sucedido pelo cunhado, o rico civil Miguel I
Rangabé (811-813). Miguel I foi derrubado por uma revolta militar organizada
por um de seus generais, o armênio Leão. Durante o reinado de Leão V (813-
820) o iconoclasmo foi restabelecido, mais como um movimento político e
anticlerical do que como uma concepção teológica. Em 820 Leão era assassinado
por outro soldado, Miguel, frígio natural de Amório.
A dinastia amória, ou frigia, fundada por Miguel II, durou quase meio século.
Miguel II (820-829) era um iconoclasta apaixonado, e irritou ainda mais a Igreja
casando-se pela segunda vez com uma monja, Eufrosina, filha de Constantino
VI. A ele sucedeu seu filho, Teófilo (329-842), iconoclasta como o pai, mas
menos ardoroso. Foi bom administrador e patrono da cultura, e seu reinado
presenciou a renascença da cultura secular e da magnificência artística,
grandemente influenciadas pela civilização dos Abácidas de Bagdá. Suas guerras
contra os árabes, porém, nem sempre tiveram o mesmo êxito. Após sua morte
em 842, a viúva, Teodora, tornou-se regente do filho, Miguel III. Tal como a
última imperatriz regente, Irene, Teodora era iconódula, e em 843 restaurou o
culto da imagem, para a satisfação da grande maioria de seus súditos. A paz
religiosa, associada à reconstrução política dos isáurios e de Teófilo, trouxe ao
Império um novo período de prosperidade. Mas o prudente governo de Teodora
foi seguido, em 856, pela extravagância de Miguel, que graças a seus hábitos
recebeu o nome de Beberrão. Soube, porém, escolher conselheiros capazes,
como seu tio Bardas e um escravo chamado Basílio, que após provocar a morte
de Bardas, em 867, assassinou o imperador e assumiu o poder imperial. Durante
o reinado de Miguel III houve novo rompimento com Roma, provocado pelas
ambições em conflito do Papa Nicolau, o Grande, e do Patriarca Fócio, luta essa
intensificada pela conversão dos búlgaros e dos eslavos da Europa Central.
No reinado de Basílio I e seus descendentes, conhecidos habitualmente sob o
nome incorreto de dinastia macedônia (10) (867-1057), o império atingiu o
zênite de sua glória medieval. A organização interna era bastante forte para
permitir aos imperadores um programa de expansão, enquanto a situação mais
estável de todo o mundo ocidental provocava um crescimento do comércio, do
qual Constantinopla se beneficiou rapidamente. Basílio I (867-886) era um
general capaz: sob seu comando, as ondas de invasões sarracenas passaram a ter
resultados favoráveis para o império, embora estes fossem a princípio,
reduzidos. No Ocidente, os árabes haviam assolado recentemente a Sicília e o sul
da Itália. Basílio deixou a Sicília entregue à própria sorte, mas seu general
Nicéforo Focas restaurou o poder imperial na Itália do sul com uma energia
desconhecida nos três últimos séculos. Sob seu filho Leão VI (11) (886-912),
cognominado o Sábio, tais êxitos militares não continuaram. Houve uma guerra
sem sucesso contra os búlgaros, e um desastre ainda maior com o saque de
Tessalônica, a segunda cidade do império, pelos piratas árabes de Creta, em 901.
Tanto Basílio como Leão seguiram a mesma política interna, que visava ao
fortalecimento das prerrogativas reais e se opunha às tendências independentes
dos Patriarcas Fócio e Nicolau, o Místico. Para se afastarem dos odiados
iconoclastas, Basílio iniciou e Leão completou uma nova codificação das leis,
promulgando um código, a Basílica, que perdurou até o fim do império. Leão
criou dificuldades para si ao casar o dobro de vezes permitidas pelas leis
religiosas, em busca de um herdeiro homem. Somente sua quarta esposa deu-lhe
um filho. Leão conseguiu estabelecer a legitimidade desse filho, apesar da
oposição eclesiástica, e, após sua morte, a prodigalidade matrimonial que havia
mostrado foi condenada.
Seguiu-se no trono Alexandre (912-913), irmão de Leão e co-imperador desde a
juventude, que passou a reinar em conjunto com o filho de Leão, Constantino
VII, conhecido como Porfirogêneto, “nascido na Câmara Purpúrea”. Com a
morte de Alexandre, após um ano de mau governo, e após outro ano de mau
governo sob um conselho de regência dominado pelo Patriarca Nicolau, o
Místico, o governo passou às mãos da mãe de Constantino, Zoé (914-9191.
Nessa época, os búlgaros, chefiados pelo Tzar Simeão, invadiram o império. As
vigorosas tentativas de Zoé para derrotá-los acabaram num desastre que
provocou sua queda. Substituiu-a o Almirante Romano Lecapeno, que se
aproximou do trono e logo passou a controlar Constantino, a quem casou com
sua filha. Romano I (919-944) governou bem o império. Fez uma paz satisfatória
com os búlgaros e seu general, João Curcuas, iniciou a conquista espetacular do
Ocidente que marcou os cem anos seguintes. A tentativa de Romano em fundar
uma dinastia falhou, embora ele tivesse coroado três de seus filhos. Estes por fim
o destronaram, mas um mês após sua queda Constantino VII controlava sozinho
o império.
Sob o governo de Constantino VII (945-959) e o de seu filho Romano II (959-
903) continuaram as conquistas orientais. Creta foi recuperada e mesmo Alepo
foi tomada por algum tempo, pelo General Nicéforo Focas, neto do general do
mesmo nome que servira a Basílio I. Quando Romano II morreu, deixando dois
filhos jovens, Basílio II (963-1025) e Constantino VIII (963- 1928), a viúva, a
regente temporária Teófano, casou-se com Nicéforo Focas, que tomou a coroa.
O reinado de Nicéforo II foi glorioso, com a retomada da Cicília, Chipre e a
grande cidade de Antióquia, mas em 969 foi ele assassinado, com a aquiescência
da esposa, pelo primo João Tzimices, que o substituiu. João I (969-976) foi um
general igualmente hábil, que conquistou metade da Bulgária, derrotou uma
invasão russa e levou seus exércitos até as cercanias de Jerusalém e Bagdá. Sua
morte deixou Basílio II como imperador supremo.
O império fora organizado pelos isáurios como unidade defensiva e,
consequentemente, os militares dispunham de grandes poderes. Durante as
recentes guerras, os líderes do exército vinham da aristocracia latifundiária. A
segurança cada vez maior do império dava às terras um novo valor, como fonte
de riqueza. A força que usufruíam as grandes famílias, primeiramente como
latifundiárias, e em segundo lugar como militares, começou a constituir uma
ameaça ao governo central. Tanto Romano I como Constantino VII haviam
previsto isso e legislado, insuficientemente, contra o acúmulo de terras. No
reinado de João I, a revolta dos Focas mostrara os problemas que uma grande
família podia criar ao imperador. Durante a primeira década do governo pessoal
de Basílio II as revoltas interligadas de Bardas Focas e Bardas Esclero
evidenciaram ainda mais claramente esse perigo. A vitória de Basílio foi devida,
em grande parte, à sorte, mas ele soube aproveitar-se dela para golpear
fortemente a aristocracia. Graças à sua energia, os aristocratas ficaram durante
algum tempo sob controle. Após tal vitória, Basílio dedicou grande parte do
resto de sua carreira lutando nos Balcãs, embora tivesse realizado algumas
campanhas para ampliar as fronteiras do império, no Oriente, Os búlgaros se
haviam fortalecido durante as revoltas dos Bardas, e seu Tzar Samuel governava,
das inconquistadas montanhas macedônias, um império que ia novamente até o
Mar Negro. Em 981 Basílio tentara, inutilmente, barrar-lhes o caminho. De 996
a 1018, combateu-os quase que permanentemente, até que foram totalmente
conquistados. Toda a península, do Danúbio para o sul, obedecia ao imperador,
mais uma vez, e seus súditos agradecidos deram-lhe o nome de Basílio
Bulgaróctono, ou seja, matador de búlgaros. Enquanto isso, sua austeridade e seu
apaixonado espírito de economia enchiam as arcas do tesouro imperial, mais ou
menos esvaziadas pelas custosas guerras em que se empenharam seus
predecessores. No fim do reinado de Basílio o império atingira uma extensão e
uma prosperidade que não conhecia desde os dias de Heráclio.
Com a morte de Basílio começou o declínio. Seu irmão Constantino VIII reinou
sem eficiência durante três anos (1025-1028), após os quais morreu, deixando
três irmãs de meia-idade: Eudócia, monja marcada pela varíola, Zoé e Teodora.
Nas décadas que se seguiram, os maridos e protegidos de Zoé governaram o
império. O primeiro deles, Romano III Argiro (1028-1034), era um homem de
valor, mas extravagante, ocioso e fraco. Após sua morte em circunstâncias
suspeitas, Zoé apressou-se a casar com um jovem e belo paflagônio, que
governou por sete anos (1034-1041), como Miguel IV, Era um homem capaz e
vigoroso, que conseguiu dominar uma séria rebelião dos búlgaros, mas sofria de
epilepsia. A falta de saúde obrigou-o a ser um mero oportunista. Quando morreu,
Zoé foi induzida a adotar seu sobrinho Miguel, cognominado o Calafate, ou
fabricante de velas, devido à profissão de seu pai. Miguel V tinha esquemas de
reformas que implicavam a queda de sua benfeitora, Zoé. A dinastia, porém, era
muito amada para que um simples fabricante de velas pudesse destroná-la. Um
levante popular em Constantinopla derrubou Miguel, colocando como únicas
soberanas Zoé e sua irmã Teodora, em 1012. Mas as irmãs tinham ciúmes
mútuos, e, para reduzir o poder de Teodora, Zoé casou-se, outra vez, com um
velho devasso, Constantino Monômaco. Constantino IX (10-12-1054) não era
incompetente, mas preguiçoso e corrupto, e nada fez para deter o crescente poder
da Igreja e da aristocracia. O Patriarca Miguel Cerulário comportava-se quase
que como um papa oriental e em 1054 provocava o cisma final entre as Igrejas
Orientais e Roma. Sob Constantino a área do império foi aumentada com a
anexação da Armênia independente, mas ao mesmo tempo aventureiros
normandos a assolar a Itália bizantina, e a Sicília (12), e as tentativas do exército
imperial de defender tais províncias constituíram um fracasso. Com a morte de
Constantino em 1054 (Zoé morrera em 1050), a envelhecida Teodora assumiu o
controle e governou por dois anos com surpreendente firmeza. Em 1036 a
dinastia macedônia extinguia-se.
Durante aqueles anos, a cultura bizantina elevara-se a uma altura sem
precedente. Na pessoa de Psellos, historiador, filósofo e político da corte, culto,
inquisitivo, inteligente, sem escrúpulos, cínico e ao mesmo tempo religioso,
podemos vê-la no que tem de mais característico. Mas ao mesmo tempo a
prosperidade havia rompido o equilíbrio da organização militarista do império,
firmemente centralizada. O fim da grande dinastia liberou os elementos
destrutivos. De 1056 a 1031 houve um período de caos no qual a Igreja e a
burocracia civil lutaram pelo poder contra os aristocratas militares latifundiários.
Infelizmente esse caos coincidiu com os ataques dos novos inimigos, nas
fronteiras orientais e ocidentais. Os normandos completaram a conquista do sul
da Itália, com a captura de Bari, em 1071, atravessando em seguida o Adriático,
para o litoral balcânico. Os turcos seljuques reuniram-se nas fronteiras da
Armênia, preparando uma invasão da Ásia Menor. E nesse meio tempo, o
crescimento das repúblicas marítimas italianas dava início à revolução na
geografia comercial que seria consumada pelas Cruzadas e golpeava fortemente
a hegemonia financeira de Constantinopla.
Teodora nomeara seu sucessor um civil já de idade, Miguel Estratiótico, que
após um ano de governo sob o nome de Miguel VI era destronado pelos
militaristas, chefiados pelo nobre Isaac Comneno. Isaac I reinou dois anos e
abdicou inesperadamente em favor de seu ministro das finanças, Constantino
Ducas, aristocrata aliado à Igreja e à burocracia civil, e não aos militares. Uma
política de economia e o receio de revoltas militares fizeram que Constantino X
(1059-1067) reduzisse e desorganizasse o exército num momento inoportuno.
Morreu deixando um filho ainda jovem, Miguel VII, e sua viúva, Eudócia
Macrembolitissa, modificou a política de governo, dando o trono e sua mão a um
chefe militar, Romano IV Diógenes, que restaurou a ordem no exército e em
1071 saiu a campo para enfrentar uma invasão dos seljuques na Armênia.
Devido a sua displicência, o império sofreu em Manziquerte uma derrota da qual
jamais se recuperou. O ano da queda de Bari e da batalha de Manziquerte, 1071,
é um dos marcos da história bizantina.
Romano IV fora aprisionado em Manziquerte. Quando as notícias da batalha
chegaram à capital, Miguel VII, apenas saído da adolescência, assumiu o
governo e tentou, em vão, restabelecer a ordem, conter os nobres e expulsar os
turcos, que assolavam a Ásia Menor, mostrando-se dispostos a permanecer ali.
Eram um povo primitivo, dilapidador, pastoral e não agrícola. Onde quer que se
estabelecesse, cessava o cultivo da terra, as estradas e aquedutos entravam em
decadência. O consequente e rápido declínio da Ásia Menor, que se
transformava num deserto, tomou mais difícil a recuperação pelo império, ao
mesmo tempo que a perda daquela província o privava de sua principal fonte de
abastecimento de cereais e de homens para o exército. O abastecimento teve de
ser reorganizado, e as forças militares passaram a depender cada vez mais dos
mercenários estrangeiros. A pressão econômica também aumentava.
Em 1078 Miguel VII foi obrigado a abdicar em favor de um soldado, Nicéforo
III Botoniato (1078-1081), que por sua vez foi destronado por outro soldado,
muito mais capaz, Aleixo Comneno, sobrinho de Isaac I, que conseguira a
aliança do partido do civil Ducas, graças a um casamento oportuno. Aleixo I
(1081-1118) salvou o império. Teve de lutar continuamente em todas as frentes,
mas suas guerras e sua diplomacia sutil mantiveram os normandos fora dos
Balcãs, expulsaram os invasores bárbaros do norte e mantiveram sob controle os
seljuques. Em 1096 o movimento conhecido como Cruzadas criou novos
problemas para o imperador. Os cruzados, embora principalmente inspirados
pela religião, eram conduzidos por políticos que ambicionavam Constantinopla
tanto quanto o Santo Sepulcro. A situação foi bem manejada por Aleixo. Serviu-
se dos exércitos das Cruzadas para reconquistar terras tomadas pelos seljuques,
notadamente sua capital, Nicéia, e em seguida mandou os ocidentais ameaçar o
Islã, pelo flanco. No final as Cruzadas, abrindo uma nova rota comercial direta
entre a Síria e o Ocidente, causariam ao império um dano comercial irreparável.
Por outro lado, a diplomacia maneirosa em que se empenhavam os dois lados
exacerbou ao extremo o atrito entre o império e o Ocidente latino, já agravado
pelo cisma religioso. Momentaneamente, porém, as Cruzadas serviram aos
objetos de Aleixo. A salvação tivera, entretanto, seu preço, e o ônus financeiro
foi superior às possibilidades do império. O auxílio dos navios venezianos foi
comprado com concessões comerciais, os impostos foram elevados, constituindo
um peso tão grande que o domínio dos seljuques quase parecia menos opressor.
E além disso, Aleixo foi levado a especular um pouco com a moeda. Após
manter seu valor em todas as perturbações de sete séculos, ela perdeu sua
posição como o único meio firme de troca. Constantinopla já não era o centro
financeiro do mundo.
Sob a eficiente administração do filho de Aleixo, João II (1118-1143), essa
decadência foi pouco evidente. As expedições militares de João conquistaram
mais terras aos seljuques e fizerem medo aos cruzados; mas, embora as
concessões aos estrangeiros tivessem sido canceladas, as despesas do governo
não podiam ser reduzidas. Sob a superfície brilhante do reinado do filho de João,
Manuel I (1143-1180), uma desintegração ainda pior começou. Manuel tinha
atração pelas ideias ocidentais, e começou a confiar nas armas do Ocidente,
particularmente nos navios das repúblicas italianas. Mas esse apoio naval
significava mais concessões comerciais, e as dadas a Veneza foram exigidas e
concedidas a Gênova e Pisa. Constantinopla permaneceu até o fim a grande
produtora de artigos supérfluos para o mundo, mas a renda de suas alfândegas
reduzia-se e seu comércio de além-mar desaparecia. Por outro lado, parecera
durante o reinado de João, e os primeiros anos de Manuel, que a Ásia Menor
poderia ser integralmente recuperada aos seljuques; entretanto, a grande derrota
de Manuel em Miriocéfalo em 1176 — desastre que ele mesmo acertadamente
comparava ao de Manziquerte — significava que os turcos se haviam instalado
ali para sempre.
A regência da viúva de Manuel, a latina Maria de Antióquia (1180-1183),
durante a infância de seu filho Aleixo II representou o caos. Em 1183 seu primo
Andronico Comneno tomou o poder e organizou sem demora o assassinato do
jovem imperador. O reinado de Andronico I (1183-1185) foi uma reação contra
os latinos. Sua ascensão foi assinalada por um grande massacre dos negociantes
italianos em Constantinopla, e todas as concessões foram cassadas. Sua
administração das províncias marcou-se pela eficiência e pela justiça exemplar,
mas em Constantinopla seu despotismo arbitrário criou-lhe inimigos, e a ameaça
de vingança dos ocidentais aumentava suas dificuldades. Em 1185 foi derrubado
por motins na capital, sendo substituído por um parente distante, Isaac Ângelo.
O governo dos Angeles, Isaac II (1185-1195) e seu irmão Aleixo III, que o
derrubou e sucedeu (1195-1203), é uma história de melancólica fraqueza, de
maiores desordens e pobreza no império, e de novas concessões aos italianos. A
Bulgária conquistou a independência, Chipre revoltou-se. Finalmente em 1203
uma Cruzada do Oriente, que deveria dirigir-se à Terra Santa, foi desviada para
Constantinopla pela cobiça veneziana. Seu aparecimento recolocou efetivamente
no tronco Isaac II e seu filho Aleixo IV, durante algum tempo, mas em 1204
irrompeu um motim que deu aos cruzados o pretexto para a captura e saque da
cidade.
Será difícil exagerar o mal que causou à civilização europeia o saque de
Constantinopla. Os tesouros da cidade, os livros e obras de arte preservados de
séculos distantes foram dispersos e destruídos em sua maioria. O império, o
grande bastião oriental do cristianismo, foi anulado como potência. Sua
organização centralizada caiu em ruínas. As províncias, para se salvarem, foram
forçadas a aceitar a sujeição. As conquistas dos otomanos foram possíveis graças
ao crime dos cruzados,
Veneza e os príncipes latinos dividiram o espólio. Um imperador latino foi
colocado em Constantinopla, senhores latinos invadiram a península grega,
difundindo um romantismo inquieto pela província há muito tranquila. Veneza
tomou ilhas e construiu colônias ao longo do litoral, obtendo concessões que lhe
asseguravam todo o comércio oriental. Mas a tentativa de tomar todo o império
falhou. A Ásia Menor imperial continuava na esfera da língua grega. Em Nicéia,
o genro de Aleixo III, Teodoro Lascáris, estabeleceu uma corte que logo se
tornou a sede do império no exílio. Em Trebizonda, um Comneno declarou sua
independência e em Épiro um Ângelo fez o mesmo, tomando pouco depois a
Tessalônica dos senhores latinos. Esses três diferentes impérios disputavam a
pretensão de ser o Império Romano no exílio, mas Nicéia era geralmente que
predominava, e no fim acabou triunfando. O império da Tessalônica caiu frente
ao de Nicéia em 1246, e os Ângelos ficaram reduzidos ao domínio de Épiro, que
acabou reconhecendo a suserania do imperador. O império da Trebizonda
continuou inconquistado até ser extinto pelos otomanos. Entretanto, isolado a
Leste por Nicéia e pelos seljuques, o Grande Comneno jamais pôde pretender,
convincentemente, ser o imperador ecumênico.
Nessa luta de rivalidades, a vitória de Nicéia se deve á grande habilidade de seus
imperadores. Teodoro I Lascáris (1204-1222) e seu genro João III Vatatzes
(1222-1254) organizaram o império como uma empresa eficiente e lucrativa,
sendo ambos bons soldados e diplomatas consumados. Sob o filho de João III,
Teodoro II (1254-1258), um intelectual mórbido e doente, o império continuou
crescendo, apesar do descontentamento da aristocracia, a quem ele perseguia.
Quando seu filho ainda criança, João IV (1238-1259), sucedeu-o, a aristocracia
levantou-se e matou Jorge Muzalão, regente de origem humilde, a quem ele
nomeara em testamento, e deu o poder ao mais destacado dos aristocratas,
Miguel Paleólogo. Mas isso foi apenas uma troca de senhores. No primeiro dia
do ano de 1259 Miguel sentou-se ao trono e pouco depois o menino imperador
era cegado.
Enquanto isso, em Constantinopla o Império Latino ‘‘da România” afundava na
pobreza e decadência. Balduino de Flandres, o primeiro imperador, não estava
preparado para a tarefa. O império foi organizado em bases estritamente formais,
e ele pouco passou de um barão. Poderia, entretanto, ter conseguido apoio de
seus súditos contra os vassalos, se não os tivesse afastado querendo impor-lhes a
odiada Igreja Latina. Em 1205 Balduino foi morto numa guerra contra os
búlgaros. Seu sucessor e irmão, Henrique (1205-1216), adotou política mais
conciliadora para com os gregos, e sob seu reinado parecia que o Império Latino
poderia surgir como uma potência. Mas era tarde demais: os gregos haviam
aprendido a buscar a liberdade religiosa em Nicéia. Os senhores latinos e os
venezianos, interessados apenas nos lucros, eram inúteis como pontos de apoio
do império, e após a morte de Henrique o declínio foi rápido. Foi ele sucedido
pela irmã, Iolanda, e seu marido Pedro de Courtenay, morto em Épiro antes
mesmo de chegar a Constantinopla. Iolanda governou por dois anos (1217-
1219), abdicando do poder em favor de seu segundo filho Roberto (o mais velho
prudentemente recusou o posto). Roberto foi deposto como incompetente em
1228 e sucedeu-o o irmão Balduino II, sob a regência do ex-rei de Jerusalém,
João de Brienne (1225-1237), um velho mais galante do que inteligente.
Sugerira-se que a regência fosse oferecida ao rei búlgaro, para assegurar seu
auxílio contra os gregos, mas o clero latino não pôde tolerar a ideia de um
regente cismático e impediu o plano. Sob Balduino II, a sorte do Império da
România piorou. Passou ele a maior parte de seu reinado viajando pelo Ocidente
em busca de auxílio. Não tinha dinheiro e empenhou palácios, relíquias e o
próprio filho aos venezianos. Constantinopla despovoava-se devido à fome e
pobreza. A entrada das tropas de Miguel Paleólogo na cidade, em 1261, foi um
ato de misericórdia, e Balduino, o patriarca latino e o podestade veneziano
fugiram para o porto e fizeram-se ao mar para o ocidente.
O mal, porém, era irreparável. Miguel entrou numa cidade despovoada e meio
em ruínas. Foi uma retomada compensadora, pois ninguém no Oriente Próximo
podia permitir a seus inimigos a posse de Constantinopla, e foi um ato glorioso
para o prestígio do império. Trouxe, porém, problemas e gastos que estavam
acima de suas posses. Os genoveses tinham sido seus aliados, e era necessário
pagar-lhes com privilégios comerciais que reduziram as rendas do império. Os
latinos tiveram um campeão e provável vingador em Carlos de Anjou, então rei
das Duas Sicílias. Teve ele de ser envolvido por um movimento de União com a
Igreja Latina, movimento esse que enfureceu os súditos do imperador sem
arrastar Carlos. A moeda imperial, estabilizada pela economia dos imperadores
de Nicéia, começou a oscilar novamente, e Miguel, incapaz de manter o sistema
de pagar a suas tropas de fronteira com doações de terras livres de impostos,
aboliu as posições na Ásia, enfraquecendo assim as defesas. Com a morte de
Miguel em 1282, o império evidenciou a impossibilidade de sua renascença
política. A única realização positiva do reino, além da tomada da capital, fora no
Peloponeso, onde a vitória de Pelagônia em 1259 colocara nas mãos do
imperador as importantes fortalezas de Mistra, Monenvásia e Maina.
O longo reinado de seu filho Andronico II (1282-1328) mostrou um declínio
lento. Às Vésperas Sicilianas tinham, em 1282, arruinado o poder de Carlos de
Anjou, e Andronico pôde romper, sem receio, as negociações para a união da
Igreja. Mas uma nova ameaça crescia no Oriente. As invasões mongólicas da
Ásia Menor, no século XIII, haviam trazido consigo novas tribos turcas, uma das
quais se estabeleceu na fronteira imperial e organizou-se, durante as últimas
décadas do século, numa forte potência militarista chefiada por Osmã, sendo por
isso conhecida como osmanis, ou turcos otomanos. Após a abolição, por Miguel,
das tropas de fronteiras, as forças militares de Andronico não foram bastantes
para contê-los. Teve de confiar em mercenários estrangeiros e, num momento de
inconsciência, contratou um bando de aventureiros, conhecidos como o Grande
Grupo de Catalães (1302), que logo se voltaram contra seus empregadores,
sitiaram Constantinopla durante dois anos (1305- 1307), levaram os turcos para a
Europa (1308), retirando-se finalmente para devastar a Macedônia e a Grécia
franca. Enquanto isso, na Europa, o Império Búlgaro de Asen e o Império Sérvio
de Uros eram fontes permanentes de perigo. Internamente, o reinado de
Andronico II, embora culturalmente ativo, foi uma história de dificuldades
financeiras e revoltas. De 1321 a 1328, combateu seu neto e herdeiro, Andronico
III, e só a morte do velho imperador trouxe a paz.
A história continuou, com o reinado de Andronico III (1328-1341). Os turcos
otomanos capturaram Brussa em 1326, em 1329 tomaram Nicéia e em 1337,
Nicomédia. Sob Estêvão Dusan (1331-1355) o Império Sérvio atingiu seu zênite
e ameaçou Constantinopla, A morte de Andronico, deixando como imperador
uma criança, João V, provocou a guerra civil pela regência, entre a imperatriz-
mãe, Ana de Saboia, e o usurpador João VI Cantacuzeno, homem brilhante que
as circunstâncias forçaram a ser oportunista, e que venceu a luta em 1347, mas
caiu em 1355 frente ao filho de João V, Andronico IV. João V voltou ao poder
em 1379, foi exilado durante certo tempo por seu neto João VII em 1390, mas
morreu no trono, em 1391. A situação continuava piorando. No Peloponeso, os
imperialistas gradualmente reconquistaram toda a península aos francos, mas nos
demais lugares ocorria o contrário. Era evidente, já então, que a destruição viria
dos turcos. Em 1356 começaram eles a instalar-se na Europa. Em 1357 tomaram
Adrianópolis e dela fizeram sua capital. As batalhas de Mariza em 1371 e de
Kosovo em 1389 colocaram a Bulgária e a Servia em suas mãos. Em 1390 seu
poder chegava ao Danúbio, e o império conservava apenas Constantinopla,
Tessalônica e o Peloponeso, além do despotato de Mistra.
João V viajava pela Itália inutilmente em busca de auxilio, sendo aprisionado em
Veneza como devedor. Mas sob seu jovem filho e sucessor, Manuel II, a Europa
Ocidental começou a tomar consciência do perigo e enviou um exército aos
Balcãs, exército esse que foi destruído em Nicópolis em 1396. Em 1397 os
turcos sitiaram Constantinopla, mas a hora ainda não era chegada. Foram eles
atacados do Oriente, por Tamerlão, o Tártaro, e em 1402 o sultão foi derrotado e
aprisionado pelos mongóis, em Angora. Era a oportunidade para expulsar os
turcos da Europa. Mas o império não tinha para isso força bastante, os servos
eram uns traidores e o Ocidente não cooperaria. Em 1413 o império de Tamerlão
havia desmoronado e os turcos já se tinham recuperado. Enquanto isso, Manuel,
como seu pai, procurou aliados no Ocidente, viajando até Paris e Londres — e
igualmente em vão.
O tato de Manuel e sua popularidade entre os súditos e na corte turca
preservaram o império enquanto ele reinou, mas em 1420 passou o governo a
seu filho João VIII, vindo a falecer cinco anos mais tarde. Em 1422 João
provocou os turcos a uma nova investida contra Constantinopla, mas uma revolta
fez com que o sultão levantasse o sítio. Em 1423 o governador da Tessalônica,
receando um ataque turco, vendeu a cidade aos venezianos. O ataque ocorrer
sete anos depois, com êxito. João VIII, seguindo a tradição da família, dirigiu-se
esperançosamente à Itália, onde, em 1139, no Concilio de Florença,
comprometeu sua autoridade imperial com a União das Igrejas, união repudiada
pela grande maioria de seus súditos. Em retribuição, uma nova expedição
ocidental invadiu os Balcãs, sendo esmagada pelos turcos em Varna, em 1444.
João morreu em 14411, e seu irmão Constantino XI sucedeu-o no império já
condenado. O fim ocorreu em 1453. Após uma desesperada e heroica defesa de
sete semanas, a 29 de maio a cidade caía nas mãos do Infiel. Em 1460 os turcos
devastavam o Peloponeso. Em 1461 extinguiam o Império dos Comnenos em
Trebizonda. A união entre a Roma Imperial e a Grécia Cristã tornou-se
irreparavelmente algo do passado.
III. A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL
E O REINO DO DIREITO
O Império Bizantino sobreviveu por 1.100 anos graças exclusivamente às
virtudes de sua constituição e administração. Poucos Estados foram organizados
de modo tão bem adequado à época e visando cuidadosamente a impedir que o
poder permanecesse em mãos incompetentes. Essa organização não foi obra
consciente e deliberada de um único homem ou de um único período.
Fundamentalmente, foi uma herança do passado romano, adaptada
continuamente e suplementada no decorrer dos séculos, para atender a
exigências várias.
O império era uma autocracia absoluta, A diarquia que Augusto estabelecera
tendo o Senado como parte não durou muito. Seu último traço só desapareceu, é
certo, em fins do século IX: desde a época de Diocleciano, porém, o imperador
reinava, de fato, sozinho. Era a autoridade absoluta no império. Podia nomear e
demitir todos os ministros a seu bel-prazer; dispunha de um controle financeiro
completo; a legislação estava apenas em suas mãos; era o comandante-chefe de
todas as forças imperiais, Era, além do mais, chefe da Igreja, alto sacerdote do
império. Sua política e seus caprichos moldavam o destino de milhões de
súditos, No princípio do império, seu título fora de Imperador, ou Augusto,
Augusto continuou a ser usado como título até o fim do império, mas Imperador,
com sua sugestão militar, foi gradualmente dando lugar, à medida que o império
se orientalizava, a Autocrata, com sua implicação mais absoluta. Mas, a partir da
época de Heráclio, o nome habitualmente dado ao imperador era Basileus, o
velho nome grego para rei, e que nos anos mais recentes só havia sido dado ao
rei da Abissínia, quando lembrado, e ao grande rival do imperador e seu modelo
como autocrata, o rei Sassânida da Pérsia. E é significativo que o título de
Basileus comece a ser usado pelo imperador em 629, exatamente após a derrota
final dos persas. (13)
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  • 1.
  • 2. STEVEN RUNCIMAN A CIVILIZAÇÃO BIZANTINA tradução de Waltensir Dutra ZAHAR EDITÔRES RIO DE JANEIRO
  • 3. Titulo Original: BYZANTINE CIVILIZATION Publicado na Inglaterra por Edward Arnold (Publishers) ltda capa de Érico 1961 Direitos para a língua portuguesa adquiridos por ZAHAR EDITORES Rua México, 31 — Rio de Janeiro que se reservam a propriedade desta tradução Impresso no Brasil Printed, in Brazil
  • 4. Impresso no Brasil Printed, in Brazil
  • 5. PREFÁCIO O objetivo deste livro é proporcionar ao leitor uma visão geral da civilização do Império Romano, durante o período em que sua capital foi Constantinopla — ou seja, daquela civilização greco-romana orientalizada, melhor conhecida como “bizantina". É um período extenso, e durante seus onze séculos ocorreram muitas transformações e modificações. Tentei, porém, concentrar-me de preferência nas qualidades que caracterizaram a história bizantina em toda a sua extensão. Num esforço para manter as proporções deste livro dentro dos limites razoáveis, vários aspectos do assunto foram examinados com indevida brevidade: o direito e a arte bizantinos, principalmente, receberam um tratamento desproporcional à sua importância. Mas o primeiro, deixando de lado as generalidades, é uma floresta de detalhes intrincados, e o segundo, um oceano de gostos controversos e divergentes no qual até mesmo as generalidades são muito arriscadas. Em ambos os casos, uma análise mais detalhada teria demandado número maior de páginas do que seria possível conter este livro. Realmente, devo pedir a meus críticos que sejam indulgentes quando considerarem ter eu sido excessivamente breve em certos pontos, lembrando-se de que maior generosidade ali teria significado cortes em outras partes. As notas de pé de página têm a finalidade de indicar as fontes dos detalhes ilustrativos e uma pequena bibliografia, no local adequado. Dispensei-as no Capítulo II, onde trago, de modo geral e sem possibilidade de controvérsia, da história do período. Na Nota bibliográfica, foram incluídas as indicações das bibliografias gerais mais úteis e uma lista das abreviaturas usadas. Quero assinalar meus agradecimentos à Srta R. F. Forbes, pelo auxílio que me prestou na correção das provas.
  • 7. NOTA BIBLIOGRÁFICA As melhores bibliografias sobre a civilização bizantina encontram-se na Cambridge Medieval History, vol. IV; no artigo de Leclercq, "Byzance”, no Dictionnaire d’Archéologie Chrétienne et de Liturgie, de Cabrol; quanto aos trabalhos modernos, ver especialmente a bibliografia da Yasiliev, na Histoire de L’Empire Byzantin. Para o leitor médio, aconselhamos os vários trabalhos de Diehl e Schlumberger. Para os estudantes do assunto, a Geschichte der Byzantimschen Litteratur, de Krumbacher, a Histórical Geography of Ásia Minor, de Ramsay, e os vários trabalhos de Bury são fundamentalmente essenciais. Foram utilizadas as seguintes abreviações: A. S. Boll. para Acta Sanctorum Bollandiana. B. G. M. ” Satlias, Bibliotheca Graeca Medii Aevi. Byz. Arch. " Byzantinische Archiv. B. Z. ” Byzantinische Zeitschrift. J. H. S. ” Journal of Hellenic Studies. H. Z. ” Historische Zeitschrift. M. G. H. Ss. ” Monumento, Germaniae Histórica, scriptores.
  • 8. M. P. G. ” Migne, Patrologiae cursus completas, series Graeco-Latim. M. P. L. ” Migne, Patrologiae cursus completus, series Latina. As datas e locais de edição dos vários livros citados podem ser encontrados nas bibliografias acima mencionadas.
  • 9. I. A FUNDAÇÃO DE CONSTANTINOPLA A cidade de Bizâncio foi fundada por marinheiros de Mégara no ano 657 a. C., num dos extremos da Europa, onde o Bósforo se abre para o Mar de Marmara. Esse litoral não era desconhecido dos colonizadores gregos. Uns poucos anos antes, outros megáricos haviam fundado a cidade de Calcedônia, na margem asiática oposta, tornando-se proverbialmente conhecidos pela cegueira de não perceber que o melhor local estava do outro lado do mar. Mesmo assim, Calcedônia dispunha de vantagens que poucas cidades do Bósforo, em sua situação, possuíam. A Europa é separada da Ásia sul-ocidental por dois grandes lençóis de água, o Mar Negro e o Mar Egeu; entre os dois, porém, entende-se a Trácia em direção da Ásia Menor, até que os dois continentes fiquem separados apenas por dois estreitos canais, o Bósforo e o Helesponto ou Dardanelos, e pelo mar interior de Marmara. Desses dois canais de fácil travessia, o Bósforo é levemente mais acessível do continente asiático, já que evita a subida sobre o Olimpo da Bitínia, ou Ida, e muito mais acessível para quem parte da Europa, devido ao ângulo em que se projeta o Quersoneso Trácio para formar o Helesponto. Homens e mercadorias que viajem por terra de um continente para o outro passarão, quase que inevitavelmente, por uma cidade do Bósforo, enquanto os navios navegando entre o Mar Negro, o Egeu e o Mediterrâneo terão certamente de passar junto dela. O Bósforo está situado no cruzamento de duas das maiores rotas comerciais da História. Calcedônia não está mal colocada, mas mesmo assim seus fundadores foram curiosa mente cegos, pois a costa europeia dispunha de uma vantagem que faltava à oriental. No ponto em que as águas do Bósforo passam para o Marmara estende-se para o noroeste uma soberba baía de uns onze quilômetros de
  • 10. extensão, curva como uma foice ou um chifre, e conhecida na História como o Chifre de Ouro. Entre ela e o Marmara fica um promontório montanhoso, na forma aproximada de um triângulo isósceles, cujo vértice rombudo está voltado para a Ásia. Uma cidade fundada sobre tal promontório não só estaria provida de um porto natural, onde uma grande armada poderia abrigar-se em perfeita segurança, como também protegida pelo mar por quase todos os lados. A única desvantagem era o clima. Durante todo o inverno e a primavera um vento norte quase incessante sopra do Mar Negro, vindo das estepes geladas, enregelando o colono habituado aos vales abrigados da Grécia e contrastando excessivamente com os cálidos verões que so seguem. E esse vento norte, combinado com a forte corrente do Bósforo no rumo sul, frequentemente impedia que os navios a vela contornassem a ponta e chegassem ao Chifre de Ouro. Foi possivelmente o clima que impediu Bizâncio de se tornar, por quase mil anos, uma grande cidade. Além disso, nos grandes dias da Grécia, era mais fácil e mais seguro para os mercadores asiáticos, devido ao estado bárbaro da Trácia, passar à Europa através de Esmirna ou Éfeso. Sua importância como fortaleza, porém, foi logo compreendida. Na guerra do Peloponeso foi louvada por sua posição de comando sobre a entrada do Mar Negro, em cuja margem norte estavam as plantações de cereais onde Atenas se alimentava. Filipe da Macedônia e seu filho Alexandre reconheceram nela a principal porta para a Ásia. Os imperadores romanos chegaram a considerar sua força estratégica como uma ameaça. Vespasiano revogou seus privilégios; Severo, a cujas tropas resistiu durante dois anos em defesa da causa perdida de Pescênio Niger, desmontou todas as suas fortificações- Caracala, porém, reconstruiu-as. Galieno seguiu o exemplo de Severo, e em consequência os piratas godos puderam velejar impunemente pelos Estreitos, até o Egeu. Diocleciano foi, por isso, obrigado a levantar as muralhas mais uma vez. Sua potencialidade total como fortaleza, porém, não foi descoberta senão na segunda Guerra Licínia, de 322-3, quando Licínio transformou-a no centro de toda sua campanha contra Constantino. Licínio foi arruinado pela perda de sua frota no Helesponto, e seu exército caiu finalmente em Crisópole; após sua rendição, não era necessário que a fortaleza continuasse a resistir. A estratégia de Licínio foi observada por seu grande adversário — Constantino viu possibilidades ainda maiores em Bizâncio. Mal acabara a guerra e o imperador já levava arquitetos e agrimensores a visitar a cidade e seus arredores, e as operações de construção tiveram início. Nas últimas décadas, os imperadores romanos haviam sentido a necessidade de um novo centro administrativo. A própria Roma tornava-se pouco adequada aos
  • 11. imperadores, com suas tradições republicanas e senatoriais, e sua desconfiança das novas concepções orientais da soberania. Além do mais, estava muito longe das duas fronteiras para as quais se voltava cada vez mais sua atenção: a armeno- síria e a do Danúbio. Maximiniano governara em Milão, Diocleciano mudara-se para o Oriente, fazendo de Nicomédia a principal residência. Constantino acalentara o plano sentimental de estabelecer em sua cidade natal, Naisso ou Nissa, a capital, e mais tarde dedicara-se á reconstrução de Tróia. Mas quando sua atenção se voltou para Bizâncio, as vantagens por esta oferecidas tornaram- se manifestas. Não houve mais hesitação. As fortificações foram iniciadas em novembro de 321, e cinco anos e meio depois a capital estava concluída. A 11 de maio de 330 a cidade foi solenemente inaugurada pelo imperador, sob o nome de Nova Roma. O povo, porém, preferiu chamá-la pelo nome de seu fundador, Constantinopla. O ano 330 é a melhor data para tomar como ponto de partida da história bizantina (1). Mas a fundação de Constantinopla, embora a mais importante, foi apenas uma das reformas e modificações que já haviam começado a transformar gradualmente o império pagão de Roma naquilo que chamamos de Império Bizantino. Ao término do século III A. D., o Império Romano ressentia-se da necessidade de reformas. Não é este o momento de contar detalhadamente as causas do desmoronamento do velho mundo romano (2). De uma forma resumida, podemos dizer que elas foram principalmente o caos e a tibieza administrativa e financeira, o poder excessivo nas mãos de soldados ambiciosos, e uma nova série de perigos nas fronteiras. Roma havia conquistado seu império territorial graças a um permanente senso de oportunidade. A província capturada era pacificada o mais depressa possível, com a permissão de conservar muitos dos direitos e costumes locais. Consequentemente, cada província demandava um tipo diferente de administração. O estado em que se encontrava o governo central aumentava tal diversidade. A Diarquia, tão anunciada por Augusto, e na qual o Senado participava da soberania com o imperador e governava totalmente certas províncias, apenas contribuiu para aumentar a confusão sem se constituir num controle eficiente do poder do imperador. As finanças refletiam essa desordem. Os impostos eram altos, mas variados e irregulares, e uma considerável parte deles permanecia nas mãos dos cidadãos que compravam ao governo o direito de recolhê-los. A riqueza tinha uma distribuição muito desigual. Os milionários eram ainda numerosos, ao passo que províncias inteiras mergulhavam na pobreza. O império vinha, além de tudo, sofrendo há muito de uma posição adversa nas trocas comerciais. Já na época de Plínio as importações da Índia excediam as exportações, anualmente, em cerca de 600.000 libras
  • 12. esterlinas, e a desvantagem, com relação à China, era de 100.000 libras. Essa deficiência não foi corrigida nunca. Durante o início do império, as emissões imperiais se foram depreciando gradualmente, e a partir do reino de Caracala a queda de valor foi rápida, até que, finalmente, só as moedas de cobre não continham ligas, ao passo que as de prata chegaram a consistir de apenas 2% desse metal. Enfrentando uma confusão administrativa e uma constante inquietação financeira, as autoridades civis não tinham poderes. A única força realmente existente estava com os chefes do Exército. Roma não podia viver sem suas legiões. Eram longas as fronteiras a guardar, necessária a polícia nas províncias cuja rebeldia natural se inflamava pela exploração econômica. Todos os governadores das grandes províncias tinham uma legião à sua disposição e por vezes comandavam até mesmo exércitos maiores. Isso não teria sido, talvez, perigoso, se existisse um governo central forte e uma norma de sucessão fixa para o império. Poucas dinastias imperiais, porém, chegaram sequer à terceira geração. O trono era, cada vez mais o prêmio a ser conquistado pelo chefe militar mais forte, pelos generais ambiciosos que abundavam. Durante o século III havia quase que invariavelmente alguma província nas mãos de um usurpador e, na prática, o império dificilmente poderia ser considerado como uma comunidade unida. A desordem tornou-se muito mais séria no século III pelas novas pressões surgidas nas fronteiras. Desde os primeiros dias do Império, a fronteira asiática, que ia da Armênia à Arábia, suscitava problemas relativamente pequenos. O reino parto dos Arsácidas entrara em lento declínio. Mas no início do século III uma nova dinastia surgira na Pérsia, a dos Sassânidas, popular, nacionalista e zoroastriana, que durante quatro séculos seria inimiga agressiva dos romanos. Os Sassânidas derrotaram quatro imperadores no século III, chegando mesmo a aprisionar o Imperador Valeriano. Sua força parecia crescer de ano para ano. Ao mesmo tempo, a fronteira europeia necessitava de vigilância adicional. Desde os dias de César, o governador da Gália tinha a seu cargo uma tarefa árdua, a de guardar a fronteira do Reno contra as prolíficas tribos da Alemanha Ocidental, que ansiavam por libertar-se de suas florestas constrangedoras. A pressão agora, porém, era no Danúbio. Tribos da Alemanha Oriental, os godos em particular, instalavam-se nas margens fronteiras, e qualquer novo movimento ou migração nas Estepes provavelmente as incitara a atravessar o rio. O problema godo constituía claramente uma ameaça e, apesar dos esforços de imperadores como
  • 13. Cláudio II, não mostrava sinais de qualquer solução. Era esse o ambiente político da vida no século III. Os padrões de civilização eram ainda altos. Embora os pobres, os escravos e os homens livres pouco tivessem melhorado em sua condição — a não ser pelo fato de que muitos deles viviam da caridade do Estado — as classes mais ricas desfrutavam um conforto material e um luxo que ultrapassavam qualquer coisa já vista pelo mundo. O domínio romano representou sempre um eficiente programa de obras públicas: banhos e templos, portos e estradas, tudo contribuía para a amenidade da vida. As comunicações eram rápidas, fáceis e seguras. Mas todo esse conforto, toda essa segurança, estavam sujeitos a súbitas e prolongadas interrupções, Nas guerras civis frequentes, cidadãos pacíficos podiam ver-se, inesperadamente, desgraçados, pilhados e até condenados à morte. A insegurança levou à desilusão das coisas do mundo, que seria a característica principal da cultura da época. Culturalmente, o império eslava dividido em dois. Da Ilíria para o Oeste, as províncias falavam o latim como língua universal; para o Leste, a língua era o grego. A separação era, entretanto, mais aparente do que real: embora do Ocidente viessem quase todos os homens de ação e os estadistas, os intelectuais ocidentais seguiam a orientação do mundo de língua grega. Apenas na África e na Gália teve a cultura latina um ímpeto próprio. Os latinos deixaram, entretanto, obras públicas e um profundo sentido do Direito que marcou mesmo o Oriente, e sobreviveu à desordem. A civilização do Leste era ainda a helênica, uma mistura de concepções clássicas gregas com semitas e iranianas. A influência da Grécia, porém, reduzira-se a uma forte tradição, ao invés de uma força vital. O individualismo essencial à cultura helênica não podia resistir ao desaparecimento da cidade-estado e à fusão até mesmo dos reinos macedônios num império mundial de cuja direção os gregos não participavam. Mas a arte e as letras ainda se mantinham fiéis aos velhos modelos gregos ou às suas magníficas reproduções, surgidas na Roma augustiniana. Os artistas acrescentavam apenas uma grande paixão pelo volume e pelos detalhes que evidenciassem a competência de sua técnica. Templos, estátuas, poemas épicos, revestiam-se todos de magnificência e rebuscamento. Conservavam a espontaneidade apenas um ou outro poema lírico, ou um quadro, bem como a sátira, que é a expressão natural de uma época sem ilusões. O mundo do Império Romano era bem educado e estético, mas a grande civilização que admirava e copiava perdera sua força vital. A salvação viria de outra região, do Oriente Sírio.
  • 14. Já no século III a arquitetura começara a mostrar um novo esplendor, espontâneo e oriental. Mas o Oriente venceria a tradição clássica não tanto por suas concepções de majestade, mas principalmente por suas ideias mais puramente espirituais. Uma época desiludida volta-se para n religião e foge das incertezas do mundo. Mas as velhas religiões, a pagã alegria de viver do grego, o culto do Estado de Roma, falharam quando a vida se ensombreceu com o medo e a decadência do Estado era evidente. O Oriente tinha um consolo melhor a oferecer. Desde o primeiro contato de Roma com o Leste, as misteriosas religiões de Isis e da Grande Mãe começaram a divulgar-se pelo Ocidente, e seus adeptos aumentavam gradualmente. No ritual secreto e na penitência ordenada por essas deusas, o cansaço da vida se voltava para uma realidade mais alta. Esse culto atraia principalmente os requintados e os desiludidos da sociedade. O soldado e o homem de ação preferiam um culto de origem iraniana, o mitraísmo, o culto do Apolo, o Sol Inconquistável. No século III o mitraísmo se havia disseminado por todo o império, encerrando em sua poderosa organização a esmagadora maioria do exército. Também ele ostentava pompa e cerimônia, mas era menos quietista. Proporcionava, ao contrário, um senso de companheirismo e de disciplina que se opunha à desesperança e a solidão do mundo. Mas o mitraísmo teve de enfrentar um rival ainda maior, uma religião que se iniciara obscuramente na Palestina, e era chamada cristianismo. Não é de surpreender que o cristianismo fosse a fé triunfante. Sua mensagem tinha um poder de atração muito mais amplo do que qualquer outra. O oriental, com sua aparente paciência, é na verdade muito impaciente. Incapaz de suportar a dor e o sofrimento, refugia-se imediatamente na comunhão com coisas mais altas e foge à esfera das sensações materiais. O ocidental odeia os espinhos porque eles ferem. Seu consolo está na esperança e na crença de que os espinhos desaparecerão um dia. O grego helênico estava a meio caminho entre ambos. Atrás de seu misticismo do culto da Natureza, havia nele um amor inato do simbolismo. Todos esses anseios podiam encontrar satisfação no cristianismo, que encorajava o misticismo, pregava uma escatologia da esperança, era rico de símbolos e tinha um ritual nobre. Além do mais, encenava um atrativo particular para as classes inferiores, com sua afirmação de que aos olhos de Deus todos eram iguais ao imperador, e ensinando a todos o amor fraternal. Essa mensagem o recomendava aos filantropos, pois nenhuma outra religião dava à caridade um sentido tão prático. A Igreja Cristã foi admiravelmente organizada. Desde os dias de São Paulo, seus chefes haviam sido homens de tino administrativo. Teve ainda duas vantagens imensas sobre seu rival, o mitraísmo. A primeira foi a de permitir às mulheres um papel destacado. Os professores ortodoxos podiam na
  • 15. realidade deplorar e denunciar a completa igualdade dos sexos ensinada pelos heréticos montanistas (*) — as mulheres tiveram sempre um papel relevante na história do cristianismo. Como diaconisas e mais recentemente, como abadessas (3), podiam adquirir importância. O mitraísmo, porém, era uma religião masculina. Não encontramos traços de mulheres entre seus adeptos. A segunda grande força do cristianismo está na influência que, desde os primeiros anos, recebera da filosofia grega. Essa influência deu à sua teologia um conteúdo intelectual que a tornou aceitável a muitos dos melhores e mais profundos pensadores da época. Nem o mitraísmo nem qualquer das religiões misteriosas poderia ter produzido homens do calibre mental dos primeiros padres cristãos, homens como Orígenes, Irineu, Tertuliano ou Clemente de Alexandria, pensadores superados apenas por seus sucessores, os padres do século IV. Apesar do cisma no Ocidente e das heresias no Oriente, a Igreja Cristã tornava- se rapidamente a mais poderosa organização isolada do império. Nenhuma das heresias era ainda perigosa. O gnosticismo, a mais séria delas, nunca teve grande favor popular. Logo dividiu-se em seitas menores, e embora na época Mani já estivesse produzindo uma estranha mistura de gnosticismo e do dualismo zoroastriano, que teria certa voga nos séculos IV e V, o centro do maniqueísmo achava-se na fronteira persa. Em seu avanço gradual, o cristianismo foi sem dúvida auxiliado pela lenda de seus santos e de seus comprovados milagres, pois aquela época era de superstições, A idade da razão augustiniana teve vida curta. Os homens voltavam a falar dos feitos maravilhosos de Apolônio de Tiana e acreditavam em histórias com as que Apuleu narrara. A previsão do futuro e a magia tinham grande desenvolvimento. A demonologia elevou-se a ciência. Todas as superstições que fizeram da civilização bizantina objeto de ridículo para os historiadores do século XVIII vieram dessa época do velho império, embora muitas outras, ainda pagãs, tivessem sido transferidas para a Igreja Cristã. Até a filosofia seguiu a tendência popular, No Ocidente, o estoicismo conseguiu produzir Marco Aurélio antes de desaparecer, mas no Oriente já há algum tempo apenas o neoplatonismo mantinha sua vitalidade. Nas mãos de Porfírio e Jâmblico, o neoplatonismo recebia influxos de taumaturgia e magia, e de um politeísmo geral. Na verdade, os ensinamentos dos apóstolos cristãos estavam provavelmente mais próximos do platonismo do que as doutrinas criadas nas escolas dos filósofos. No ano 284 o poder imperial passou às mãos do primeiro grande estadista que Roma produziu desde Augusto — Diocleciano, nascido na Ilíria. Tinha ele plena
  • 16. consciência da situação do império e dedicou seu reinado a um programa de reformas de longo alcance. Suas principais intenções eram a de centralizar e introduzir uniformidade na administração, colocar o exército sob o controle do governo, restaurar a situação financeira pela estabilizarão da moeda e consolidar essa obra elevando a posição do imperador. Em toda a história do império é manifesta a tendência para a uniformidade, exemplificada na facilidade em conceder a cidadania romana a qualquer súdito nascido homem livre, e no desaparecimento recente das últimas províncias governadas pelo Senado. Mas o caos que precedeu à subida de Diocleciano tornava necessário um sistema inteiramente novo. Diocleciano julgava o império demasiado extenso para ser governado por um único imperador. Desde os primeiros césares, fora considerada necessária a existência de um ministro do Exterior grego e outro latino. Diocleciano levou mais além essa divisão básica. Não criou dois impérios, mas determinou que ele deveria ter dois imperadores, cada qual residindo numa metade de sua área. Para assegurar a continuidade pacífica do governo, cada imperador deveria ser auxiliado por um césar que seria seu herdeiro. As províncias foram novamente divididas e reorganizadas. O império foi dividido em quatro grandes prefeituras, — a Gália, a Itália, a Ilíria e o Oriente — governadas por quatro prefeitos pretorianos, que eram as autoridades mais altas do Estado. As prefeituras foram subdivididas em grandes províncias, chamadas dioceses, cujo governador habitualmente tinha o título de vigário e estava subordinado ao prefeito. As províncias conhecidas como Ásia e África conservavam, porém, seus procônsules, com o privilégio de despacharem diretamente com o imperador. Para administrar o império reorganizado, foi formada uma rede de funcionários civis, e novos poderes atribuídos à burocracia. A principal característica dessa burocracia foi sua completa separação das autoridades militares. Apenas em algumas fronteiras combinavam-se as duas funções, embora a princípio o prefeito fosse uma autoridade tanto militar como civil. Uma gigantesca organização militar foi montada lado a lado com a organização civil, e esperava-se que tal separação de poderes serviria de freio às ambições de generais desleais. Ao mesmo tempo, Diocleciano fundou um exército imperial móvel que se podia transferir rapidamente a qualquer parte do império, em caso de guerra ou insurreição. A preservação do império reformado seria feita por um sistema rígido de castas. Seguindo a ideia primeiramente lançada pelo Imperador Aureliano, Diocleciano decretou que o filho teria, invariavelmente, de seguir a profissão do pai, qualquer
  • 17. que fosse ela. As agitações sociais se haviam tornado tão frequentes, fortunas faziam-se e perdiam-se tão rapidamente que ele julgou necessária tal rigidez para manter a estabilidade e ser possível recolher uma renda regular. Constituía também uma vantagem recrutar o exército entre as classes médias da sociedade. Os membros da nobreza senatorial, perigosos por sua riqueza e suas tradições oligárquicas, eram cuidadosamente excluídos das fileiras militares. A tentativa de estabilizar a moeda teve menor êxito: foi impossível fazê-la voltar à posição que desfrutara sob Augusto. As várias tentativas, feitas por Diocleciano, de emitir uma moeda integral levou por fim, para sua surpresa, a uma elevação dos preços. Para contrabalançar isso, o imperador promulgou o famoso decreto de 301, que fixava os preços de todas as mercadorias. O decreto não teve êxito, e coube a Constantino estabilizar a moeda do império numa base permanente. A mais duradoura das reformas de Diocleciano foi a menos tangível — a intensificação da majestade imperial. O conceito da divindade do rei era endêmico no Oriente e estivera em moda na época das monarquias helênicas. Não desaparecera nunca nas províncias orientais do império: o imperador herdava uma parte da divindade. Mas Roma, com seu tradicional ódio aos reis, não aprovava isso. Augusto teve, portanto, cautela ao não dar mostras de majestade. Era apenas o primeiro cidadão do império, um ser humano que, embora importante, era acessível. Cedo considerou-se que seria bom para os povos vassalos se os imperadores mortos fossem deificados; o verdadeiro romano, porém, aprovou o discurso cínico de Vespasiano agonizante (4). Apesar da adulação exigida por Domiciano ou por Heliogábalo, essa atitude persistiu no Ocidente, e a possibilidade de uma morte súbita, que parecia parte da profissão imperial, não contribuíra para aumentar o prestígio do imperador. Diocleciano percebeu que a autoridade imperial seria maior, e a vida do imperador mais segura, se ele fosse feito semideus. Os recém-estabelecidos Sassânidas da Pérsia envolviam-se num espesso halo de majestade. Diocleciano copiou-lhes muitos dos rituais. O imperador já não se movia livremente entre os súditos. Vivia retirado, numa corte protocolar, e era atendido pessoalmente por eunucos, raça antes desprezada e proibida. Os que eram recebidos em audiência deviam prostrar-se e adorá-lo. Usava um diadema, calçados escarlates e mantos de púrpura. De certa forma, isso constituía uma evolução natural. A lei era quase divina aos olhos dos romanos, e o imperador era, de há muito, a fonte da lei. Mas Roma sentiu-se ofendida pelas pompas
  • 18. externas e orientais do despotismo. Foi entretanto Roma, e não o imperador, que mais sofreu com isso. Diocleciano governou o Oriente em Nicomédia, reconhecido como um semideus e Maximiano, seu colega ocidental, preferiu residir em Milão. Diocleciano procurou dar verossimilitude à sua divindade, proclamando-se descendente de Júpiter, rei dos deuses, preparando dessa forma seu caminho para o panteão. Maximiano preferiu ser mais popular, embora menos exaltado, dizendo-se descendente de Hércules. Constantino, o césar do Ocidente, tentou combinar sua religião pessoal, o mitraísmo, com o culto do imperador, tornando- se descendente do Deus-Sol Apolo. Mas havia uma grande parte da comunidade que não podia dar aos imperadores a adoração que exigiam. Os cristãos, com sua distinção clara entre o que era de César e o que era de Deus, portavam-se como bons cidadãos enquanto não fossem obrigados a cultuar o Estado. Mas cultuar um ser humano, mesmo sendo o imperador, era algo que certamente não podiam tolerar. Diocleciano viu que não podia permitir à mais forte organização religiosa do império rejeitar sua majestade. Procurou usar a coação, e encontrou uma resistência fanática: começou então a Grande Perseguição. Os cristãos continuaram não- conformistas. Foi o Imperador Constantino quem encontrou a solução para a fusão de césar com Deus. O império reformado por Diocleciano mal resistiu à sua abdicação em 305. Seus vários aspectos permaneceram, mas com uma exceção fundamental. Diocleciano fizera o império depender do imperador, mas o sistema de dois imperadores e uma norma de sucessão ao trono só poderia perdurar se os candidatos imperiais fossem homens de espírito elevado, isentos de ciúmes e suspeitas. O título de césar era também perigoso, muito alto, mas ainda não bastante alto. Desapareceu rapidamente. Em 311 havia quatro imperadores, Licínio e Maximino no Oriente, Maxêncio e Constantino, filho de Constâncio, no Ocidente. A cena estava, evidentemente, preparada para a guerra civil. Ela irrompeu inicialmente no Ocidente. Uma rápida e brilhante campanha em 312, de Colmar ao campo de Saxa Rubra, pela ponte Milvius, fez de Constantino o senhor do Ocidente. No ano seguinte, auxiliou Licínio a derrotar Maximino e tornar-se, por sua vez, senhor do Oriente. Mas Constantino e Licínio eram ambos muito ambiciosos para dividir entre si o império. Sua primeira guerra de 313 não foi decisiva, mas em 323 Licínio era esmagado em Crisópole, e
  • 19. Constantino passava a ser o único imperador. O Colégio Imperial de Diocleciano terminava, assim, num fracasso. Sob outros aspectos, porém, sua obra perdurou. Constantino conservou-lhe o sistema administrativo e conseguiu o que para Diocleciano foi impossível: a estabilização da moeda. O velho sistema monetário romano não podia ser recuperado, mas Constantino criou um padrão ouro, o soldo: uma peça de ouro estampada com seu sinete, ao invés de uma moeda, em relação ao qual se faziam as cunhagens. O sistema funcionou bem. O soldo imperial manteve seu valor e prestígio firmemente por oito séculos. Constantino secundou os esforços de Diocleciano na deificação da posição do imperador. Na marcha que fez para o sul, ao encontro de Maxêncio, quando seu futuro estava em jogo, Constantino e todo o seu exército tiveram uma visão. Uma cruz brilhante surgiu no céu, à frente deles, com a inscrição “Hoc vinces”, e na mesma noite Cristo confirmou a visão num sonho do imperador. Profundamente impressionado, Constantino adotou aquele lábaro, a cruz com a ponta torcida, e com ele levou suas tropas à vitória. O milagre foi oportuno. O visionário mostrou senso político. Constantino iniciara sua carreira política sob a égide de seu sogro, Maximíano, e fora portanto da Casa de Hércules. Após sua ruptura com Maxêncio, voltou à fé mitraíca de sua família, tornando-se filho de Apoio. Mas Maxêncio, tal como Maximino no Oriente, adotou uma forte política anticristã. Seu adversário teve por isso de cortejar a aliança dos cristãos, que constituíam provavelmente apenas cerca de um quinto dos habitantes do Império, mas que eram, de longe, a religião mais forte, e por isso aliados mais valiosos do que os adeptos do mitraísmo embora o Lábaro fosse também um símbolo adequado aos mitraístas, o que não deixava de ter certa utilidade. Qualquer que fosse sua concepção pessoal, após a batalha de Saxa Rubra, parece certo — por suas moedas e seus decretos — que Constantino estava comprometido com o cristianismo. Esmagara Maxêncio corno campeão cristão, lutara ao lado de Licínio como campeões contra o perseguidor Maximino, e promulgara o famoso Edito de Milão, de 313, que pela primeira vez reconhecia legalmente a comunidade cristã. Mas Licínio continuou pagão. Também ao atacá-lo, Constantino era o soldado cristão. O cristianismo e Constantino tinham dívidas entre si.
  • 20. No ano 325 Constantino surgiu como patrono do cristianismo, de uma nova maneira. A Igreja estava às voltas com a disputa entre Ario, sacerdote de Alexandria, e seu bispo, sobre a natureza da divindade de Cristo. Constantino tomou a si a incumbência de convocar os bispos da Igreja para uma reunião em Nicéia, na grande assembléia conhecida na História como o Primeiro Concilio Ecumênico, na qual, sob sua presidência, os bispos decidiram que Ario estava errado. Esse primeiro concilio do Nicéia foi importante não apenas pela formulação da doutrina cristã, mas como o primeiro exemplo de cesaropapismo. Constantino pretendia que a Igreja Cristã fosse estatal, tendo como chefe o imperador. Em sua gratidão, os cristãos não lhe fizeram objeção. Assim, parecia chegar ao fim o velho antagonismo entre a Igreja e o Estado. O imperador era o chefe da Comunidade Cristã. Não lhe era mais necessário atribuir-se descendência de Hércules ou Apolo: tinha uma nova santidade que redimiria todos os pecados. O sangue de seus rivais, de seu filho e até de sua mulher, manchava-lhe as mãos, mas para o mundo ele era o Isapostolos, o igual aos Apóstolos, o Décimo-Terceiro deles. Seu prestígio espiritual foi fortalecido graças à energia exploradora de Helena, sua mãe, antiga concubina bitínia de Constâncio, e que enviara a Jerusalém onde, com um auxilio miraculoso do que hoje em dia não dispõem os arqueólogos, encontrou o sítio mesmo do Calvário, desenterrou a Cruz Verdadeira e as cruzes dos ladrões, bem como a lança, a esponja e a coroa de espinhos, e todas as relíquias da Paixão. A descoberta entusiasmou a cristandade e redundou na glória eterna da mãe do imperador. Os nomes de Constantino e Helena tornaram-se os mais reverenciados na história do Império Cristão. Faltava completar ainda um trabalho mais concreto para concluir a transformação do império: a fundação de Constantinopla. O império devia ter uma nova capital no Oriente, igual a Roma em tudo, exceto na antiguidade, e superior a ela pelo fato de ser, desde o início, uma cidade cristã. O valor da nova capital era evidente. A escolha do local foi uma demonstração de genialidade. Ali todos os elementos que constituíam o império reformado fundir-se-iam naturalmente — a Grécia, Roma e o Oriente Cristão. Constantinopla foi fundada no litoral de língua grega e incorporou uma velha cidade grega. Mas Constantino fez ainda mais para acentuar seu helenismo. Sua capital deveria ser o centro da arte e da cultura. Construiu nela bibliotecas cheias de manuscritos gregos e povoou as ruas, praças e museus com tesouros artísticos vindos de todo o Oriente Grego. O cidadão de Constantinopla caminhando
  • 21. diariamente pela cidade jamais poderia esquecer a glória de sua herança helênica. Mas era também uma cidade romana. Por mais de dois séculos a Corte e uma grande proporção de seus habitantes falavam o latim, que era ainda a língua culta do interior dos Balcãs. Em seu desejo de reunir uma população vinda de todo o império, Constantino deu à ralé da cidade o privilégio de pão e circo livres, desfrutado pelo populacho de Roma. As classes mais elevadas foram induzidas, segundo a lenda, a se transportarem para o Bósforo graças às dádivas de palácios que reproduziam exatamente suas casas romanas. Constantinopla deveria ser uma outra Roma. “Nova Roma que é Constantinopla” foi seu título oficial até o fim, e seus cidadãos eram também Rômaioi. A grande contribuição de Roma para o novo império foram suas teorias administrativas, suas tradições militares e o seu direito. Mas os habitantes de Constantinopla se consideravam romanos por nacionalidade, ainda muito depois que o latim deixara de ser ouvido no Bósforo e os vestígios de sangue italiano tornaram-se raros. Mesmo no século XII era pretensão dos aristocratas ter ascendentes no séquito que acompanhou Constantino à nova cidade. O terceira elemento era o Oriente Cristão. Constantinopla devia ser uma cidade cristã. Os templos da antiga Bizâncio puderam continuar por mais algum tempo, e parece até que alguns deles foram erguidos pelos pagãos que construíam a cidade. Uma vez concluído o trabalho, porém, nenhum outro foi levantado. O Oriente e seu misticismo já tinham invadido o mundo romano e lhe ensinado a considerar o monarca como divino. Constantino prestou homenagem a Tique, a Fortuna da cidade, e fez construir uma grande coluna de Apolo, na qual o resto da estátua fora alterado para representar o seu. E ali ficou ele, com todos os atributos do Deus-Sol, para ser adorado pelos pagãos, mitraístas e cristãos, ao mesmo tempo. O cristianismo era uma religião oriental. A filosofia grega dera- lhe uma forma aceitável à Europa, mas fundamentalmente ele permanecia semita em suas concepções. O cidadão de Constantinopla tinha plena consciência da herança greco-romana, mas sua forma de ver a vida era, nos aspectos básicos, diferente. Experimentava menor satisfação no mundo, detendo-se de preferência nas coisas eternas. Esse estado de espirito tornava-o mais receptivo às ideias vindas do Oriente do que as oriundas do Ocidente. E a história do Império Bizantino é a história da infiltração das ideias orientais até colorirem as tradições da Grécia e Roma e da reação periódica a essa Infiltração. A despeito dela, as tradições greco-romanas perduraram até o final. Mesmo no século XV os homens de Constantinopla discutiam a natureza de sua civilização; eram
  • 22. Rômaioi: seriam também helenos? O último grande cidadão do império deu-lhes a resposta: ‘‘Embora seja heleno pela fala, nunca diria que sou um heleno, pois não acredito nas coisas em que os helenos acreditavam. Gostaria de tomar meu nome na minha crença, e se alguém me perguntasse o que sou, responderia: cristão. (...) Embora meu pai habitasse a Tessália, não me considero tessaliano, mas sim bizantino, pois sou de Bizâncio.” (5) Podemos seguir Jorge Genádio e chamar a civilização segundo os elementos bizantinos que a fizeram, considerando como sua inauguração a cerimônia do dia 11 de maio de 330, quando o Imperador Constantino dedicou a grande cidade de “Nova Roma que é Constantinopla” à Santíssima Trindade e à Mãe de Deus.
  • 23. II. RESUMO HISTÓRICO (6) O império reformado, instalado a II de maio de 330, durou 1.123 anos e 18 dias. Em meio às constantes transformações da Europa daqueles séculos, um fato permanecia imutável: um imperador romano reinava, Com majestade autocrática, em Constantinopla. Nesse império, tudo dependia, em última instância, do imperador. Sua história divide-se assim naturalmente pelas dinastias que o governaram sucessivamente. A princípio, elas tinham vida curta. Tal como em Roma, chegavam apenas à terceira geração. Os últimos oito séculos, porém, são dominados quase que exclusivamente por cinco grandes famílias: Heraclidas, Isáurios, Macedônios, Comnenos e Paleólogos. O século IV é apenas um prelúdio à história bizantina. Constantinopla não era ainda o centro indispensável de governo. Constâncio, embora tivesse contribuído para sua construção, pouco parava ali, Joviano nunca a visitou. Nem estava o cristianismo ortodoxo totalmente triunfante. Foi possível ainda a Juliano voltar ao paganismo, embora a tentativa mostrasse que ele era uma força agonizante. E apesar da reunião de Nicéia, foi um bispo ariano que balizou Constantino em seu leito de morte, pois Constâncio e Valenciano favoreceram o arianismo. Constantino, o Grande, morreu em 337. Seus últimos anos foram dedicados à paz e à reorganização. Seus três filhos sucederam-no em conjunto — Constantino II, Constâncio II e Constante I. Os irmãos não se entenderam muito, mas em 350 Constantino e Constante estavam mortos, e Constâncio, após derrotar o grande usurpador, Magnêncio, em 351, reinou sozinho até sua morte, dez anos depois. Durante esses anos a situação externa do império tomava-se cada vez mais séria. Perdurava a ameaça persa e a pressão das tribos germânicas no Reno e no Danúbio intensificou-se, principalmente devido ao aparecimento, nas distantes estepes, de um novo povo da Mongólia, os hunos. No Reno, o primo de Constante, Juliano, derrotou uma invasão germânica, e seu exército exultante, descontente então com Constante, aclamou-o imperador em 360.
  • 24. Constante morreu antes que a revolta se disseminasse, e Juliano tomou o poder sem derramamento de sangue. Juliano conquistou fama imortal por sua apostasia, sua volta ao paganismo. O movimento, contudo, foi um fracasso. O mundo não suportava o politeísmo intelectualizado — o cristianismo servia-lhe melhor. Também nas atividades militares Juliano foi infeliz. Tentou invadir a Pérsia, mas avançou demasiado e morreu numa retirada penosa, no verão de 363. O exército apressou-se a escolher um soldado cristão, Joviano, que fez com a Pérsia uma onerosa paz de trinta anos, cedendo-lhe quatro satrapias e a suserania da Armênia. No princípio da primavera seguinte Joviano morreu. Com sua morte, o exército aclamou o General Valentiniano, que preferiu governar no Ocidente e deixou seu subserviente irmão, Valente, como co- imperador no Oriente. O reinado de Valente representa um marco na história europeia. Embora ponderado e não destituído de competência, ele era impopular, sendo considerado um herege ariano, e teve de enfrentar revoltas constantes. O ponto crucial ocorreu quando os Visigodos, pressionados pelos hunos, obtiveram permissão para se instalarem dentro do império, e toda a nação atravessou o Danúbio. Foi o começo das invasões bárbaras. Os godos logo se desentenderam com as autoridades imperiais e marcharam sobre Constantinopla. Valente saiu a enfrentá-los, recusando-se a esperar o auxilio enviado pelo imperador ocidental, Graciano, filho de Valentiniano, e encontrou a derrota e a morte em Adrianópolis, em 378. Esse desastre teve piores consequências para o Ocidente do que para o Oriente. Graciano escolheu para sucessor de seu tio o espanhol Teodósio, a quem a posteridade agradecida chamou Teodósio, o Grande. Com seu tato, pacificou os godos, fazendo deles servos úteis do Estado. Ortodoxo entusiasta, impôs restrições aos pagãos e heréticos, e no Segundo Concilio Ecumênico, em Constantinopla, em 381, impôs a unidade ao mundo cristão. Em 387 celebrou novo e satisfatório tratado com a Pérsia, dividindo a Armênia. Em 392 passou a controlar o Ocidente, após a morte de Graciano, de seu irmão Valentiniano II e de um usurpador, Eugênio, e pela última vez um homem governou o mundo, da Bretanha ao Eufrates. Ao morrer, em 395, deixou o império a seus filhos — o Oriente para Arcádio e o Ocidente para Honório. O reinado de Teodósio marcara o começo de uma nova era para o Império Romano, que se tornara o Império Ortodoxo. Com sua morte, Leste e Oeste separaram-se para sempre.
  • 25. O século V viu o declínio do império no Ocidente, batido pelas invasões bárbaras, e até a abdicação de Rômulo Augustulo em 476, e a morte de Júlio Nepos em 480, ninguém no Ocidente teve o título de imperador. O império do Oriente teve melhor sorte. Consolidado pela obra de Teodósio o Grande, e com uma capital invencível, parecia aos bárbaros demasiado forte para ser atacado. Visigodos, hunos e ostrogodos cruzaram sucessivamente o Danúbio, mas acabaram preferindo buscar fortuna no Ocidente, sem que essas invasões tivessem muito efeito sobre o bem-estar material do Oriente, até que em 439 os vândalos se estabeleceram na África e lançaram, de Cartago, uma esquadra que destruiu o monopólio romano do mar. Os portos do Mediterrâneo, habituados a uma segurança que durara séculos, tiveram de construir fortificações, e Constantinopla foi obrigada a enfrentar o problema dos vândalos, Na dinastia de Teodósio, Arcádio (395-408), Teodósio II (408-450), durante cujo longo reinado o poder foi exercido principalmente por sua irmã Pulquéria e pelo marido nominal de Pulquéria, Marciano (450-457), os bárbaros foram, apesar de muitos momentos de ansiedade, desviados para outros canais. Isso foi possível em grande parte graças à diplomacia de Teodósio I, cuja paz com a Pérsia mostrava-se duradoura. Mesmo assim, a segurança só foi conquistada a um certo preço: a defesa do império contra os bárbaros foi feita por mercenários e generais bárbaros. Quando Marciano morreu, um ariano, o General Áspar, era a figura mais poderosa do império. Sua heresia e sua origem impediam-lhe o acesso ao trono, e indicou como substituto um dos oficiais de seu exército, de nome Leão. Leão I (457-474) só conseguiu libertar o império dos soldados godos convocando as tropas asiáticas, principalmente isáurias, cujo comandante, Tarasicodissa, fez batizar novamente com o nome de Zenão, dando-lhe como esposa sua filha Ariadne. Com a morte de Leão subiu ao trono Leão II, filho de Zenão e Ariadne, que faleceu após poucos meses de reinado, deixando o império para o pai. Zenão (471-491) reinava ainda quando os imperadores ocidentais já haviam desaparecido. Oficialmente, assumiu ele o controle de todo o império, mas embora Odoacro e, após ele, Teodorico, o Ostrogodo, fossem nominalmente seus vice-reis, nunca procurou exercer o domínio do Ocidente. Quando Zenão morreu, sua viúva Ariadne nomeou para sucedê-lo um nobre rico, Anastásio (491-518), cuja natureza ponderada muito contribuiu para restaurar as finanças, que nos últimos anos haviam recebido pouca atenção. No século V o império teve outras preocupações, além dos bárbaros. Foi um período vital para a história do cristianismo ocidental. A rivalidade entre as grandes sés de Alexandria e Antióquia já fazia sentir havia algum tempo, e
  • 26. Alexandria mostrava-se muito enciumada pelo fato de que ao novo patriarcado de Constantinopla fora dada precedência sobre o seu, no Segundo Concilio Ecumênico. No início do século uma querela entre Teófilo de Alexandria e João Crisóstomo de Constantinopla quase resultava num cisma. A vitória coube a Teófilo, embora Crisóstomo tivesse sido mais tarde vingado. Na década que vai de 130 a 440 Alexandria voltou ao ataque, sob a chefia do Patriarca Cirilo. Nestório, patriarca antióquio de Constantinopla, caíra em heresia, segundo se dizia, separando Deus e o Homem em Cristo. A família imperial e a Sé Romana apoiaram Cirilo, e no Terceiro Concilio Ecumênico, em Éfeso, em 432, o nestorianismo foi condenado. Seus adversários, porém, foram ainda mais longe, promulgando uma doutrina da natureza una de Cristo por um obscuro arquimandrita, Êutiques, e que foi aceita pela escola de Alexandria. Para resolver a questão, o Imperador Marciano convocou o Quarto Concilio Ecumênico em Calcedônia, em 451. Marciano ansiava por manter-se em bons termos políticos com Roma, e o Papa Leão, o Grande, opunha-se fortemente ao movimento. Sob a influência imperial, o eutiquianismo ou monofisismo foi condenado como herético. O concilio de Calcedônia constituiu o ponto-chave da história do império no Egito e na Síria. O cristianismo monofisita adaptava-se ao temperamento oriental, e logo igrejas monofisitas, unidas na oposição a Calcedônia, espalhavam-se pelas províncias. Além disso, a heresia tornou-se o ponto de contato entre muitos provincianos que tinham queixas contra a burocracia imperial — ela representava a expressão do crescente sentimento de nacionalismo e separatismo. Da dissensão semeada em Calcedônia resultou a fácil conquista árabe da Síria e Egito, cerca de dois séculos mais tarde. A Igreja Armênia também rejeitou os decretos de Calcedônia, embora suas objeções fossem antes constitucionais do que orgânicas. E até mesmo na própria Constantinopla os heréticos eram numerosos. Os imperadores da dinastia leonina afastaram-se da posição de Calcedônia. Zenão fez uma corajosa tentativa de concessão, em seu Henolicon, que não satisfez a ninguém e provocou uma ruptura com Roma, que Anastásio, um monofisita inconfesso, não procurou superar. O sudeste, porém, continuava insatisfeito. O paganismo, enquanto isso, desaparecera. Em 431 Teodósio II impôs restrições ainda maiores aos pagãos, e em 438 ele afirmava não haver mais um pagão no Império.
  • 27. Durante todo o século, Constantinopla cresceu em tamanho e riqueza. A cidade estendera-se além dos muros de Constantino, a tal ponto que em 413 o regente Antêmio, no reinado de Teodósio II, levantou novas muralhas do Marmara até o Chifre de Ouro, cerca de três quilômetros a oeste das antigas, para proteger esses subúrbios; em 439 o prefeito Ciro construiu muralhas junto ao mar, unindo-as às muralhas que defendiam dos ataques por terra. Toda essa fortificação foi reformada após um terremoto, em 447. O trabalho fez-se em 60 dias, pelo temor de uma invasão dos hunos. Ciro, poeta egípcio, teve ainda a distinção de ser o primeiro prefeito da cidade a baixar ordens em grego, e não em latim. O século VI é dominado pela figura de Justiniano. Com a morte de Anastásio, uma intriga sutil e vergonhosa colocou no trono um soldado ilírio analfabeto, Justino, que levou para a corte seu sobrinho Justiniano — e dentro em pouco este desempenhava virtualmente o papel de regente. Com a morte de Justino em 527, Justiniano tomou-se imperador. Seu reinado (527-565) constituiu o auge do Império Romano Cristão. Os reinos bárbaros no Ocidente, com exceção da Gália Franca, haviam mergulhado numa decadência prematura. Justiniano chamou a si a tarefa de retomar a África aos vândalos, a Itália aos ostrogodos e até a Espanha aos visigodos. A guerra com a Pérsia irrompeu novamente, e seus exércitos tinham de concentrar se continuamente no Leste. Mas, graças ao gênio de seus generais Belisário e Narses, e à habilidade de seus diplomatas, a fronteira oriental foi mantida, a África e parte da Espanha foram conquistadas e a longa resistência dos ostrogodos na Itália, desmoronou. Mais uma vez, o Mediterrâneo era um lago romano e Justiniano dedicou sua atenção também nos assuntos internos. A administração foi reformada, e sua eficiência como legislador foi ainda maior. No princípio de seu reinado, comparou e reviu os códigos de Direito Romano e baixou seu grande Código, em 533, monumento de jurisprudência. E, durante todo o seu reinado, ocupou-se em acrescentar-lhe novas leis (Novellae) para suprir quaisquer deficiências, Mas o imperador além de ser um conquistador e uma fonte de leis, devia ser também a personificação da majestade. Por isso, Justiniano empenhou-se em embelezar e fazer mais suntuosa a sua capital. Foi um construtor infatigável, tendo erguido o maior triunfo da arquitetura no mundo, Santa Sofia, a Igreja da Sagrada Sabedoria, o templo que levou Justiniano a gabar-se de ter sobrepujado um outro rei- legislador, Salomão. Em toda essa obra Justiniano teve, até 548, o auxílio da mais notável mulher da época — sua esposa, a antiga atriz Teodora. Sua coragem, visão e falta de escrúpulos foram de grande valia para ele, e o poder por ela desfrutado era maior
  • 28. mesmo do que o de seu marido. Divergiam, porém, numa questão política: Teodora era monofisita e usou de sua influência para obter o triunfo da heresia. Não teve êxito, mas enquanto viveu os monofisitas tiveram a segurança de sua proteção e estímulo. Se lhe tivessem feito a vontade, Egito e Síria poderiam ter continuado como províncias leais ao império. Mas Justiniano, com suas ambições ocidentais, temia desagradar o Oeste ortodoxo. Além disso, considerava-se um teólogo, e o monofisismo não o convencera. Esperava, porém, encontrar uma fórmula intermediária que lhe fosse possível impor a toda a cristandade. Ele e Teodora concordavam em que todos, mesmo patriarcas e papas, deviam seguir a teologia imperial. O Papa Vigílio, que ousou considerar- se como o repositório da ortodoxia, foi punido por uma longa prisão em Constantinopla, durante a qual acedeu às ordens de Teodora, primeiramente, e mais tarde, às de Justiniano. Mas foi somente após a morte de Teodora que Justiniano deu toda a rédea à sua paixão pela teologia e elaborou uma fórmula que podia satisfazer aos monofisitas sem infringir os decretos do Concilio de Calcedônia. Em 553 o Quinto Concilio Ecumênico condenou, por ordem de Justiniano, a abstrusa heresia dos Três Capítulos, que ele próprio criara artificialmente alguns anos antes, e completou a humilhação do papado. Mas suas tentativas de aproximação com os heréticos não foram bem recebidas — eles não modificavam sua heresia, preferindo a perseguição. Mergulhou ainda mais nas sutilezas cristológicas, em busca de uma solução, convencendo-se cada vez mais da inteligência da política de Teodora, quando não de sua fé. Finalmente, em 565 chegava a uma heterodoxia inegável, morrendo naquele mesmo ano considerado pela grande maioria de seus súditos como um herege aftartocatártico (*). A política religiosa de Justiniano conseguiu, pelo menus por algum tempo, colocar o imperador como um ditador teológico, abrindo o precedente de cesaro- papismo para outros imperadores teólogos. Falhou, porém, em seu objetivo principal. As províncias orientais continuavam insatisfeitas e o Ocidente suspeitava dele. Esse descontentamento poderia não ter sido perigoso se os provincianos, e na verdade todos os cidadãos do império, não tivessem um motivo maior de queixa. Os impostos chegavam a limites intoleráveis. As glórias do reinado de Justiniano, as conquistas externas, os grandes edifícios, eram extremamente custosos e financeiramente pouco produtivos. O que Anastásio poupara desapareceu rapidamente, e Juliano teve de aceitar como ministros os que se mostravam mais competentes na extorsão, por mais desonestos que seus métodos fossem. Já em 532 a habilidade sinistra de seus favoritos, o advogado Tribônio e João, o Capadócio, provocara os famosos levantes de Nica, em que a
  • 29. cidade foi incendiada e que só não custou ao imperador o trono pela firmeza da imperatriz. O odiado João permaneceu no poder até 541, quando Teodoro já não o podia mais suportar. Seus sucessores, porém, foram igualmente prepotentes. Mais tarde, também a natureza contribuiu para aumentar as dificuldades do governo de Justiniano: terremotos, uma série de fomes e a grande peste de 544 reduziram ainda mais as rendas. Houve um renascimento da prosperidade comercial durante as primeiras décadas do século, e o próprio Justiniano muito contribuiu para estimular o comércio. Faltava, porém, base, e os lucros não podiam frutificar: os coletores de impostos estavam sempre a postos. Os súditos do império se foram cansando e ressentindo. Justiniano realizou muito. Embelezou o mundo e deu-lhe um excelente código de leis. Suas conquistas reviveram a civilização romana no Ocidente, seu cesaro- papismo salvou seus sucessores orientais de uma Canossa. Encerrou, porém, uma amarga lição moral: a de que o Oriente e o Ocidente não se podiam reconciliar e que as boas finanças representam a base de um governo bem sucedido. Por ignorar essas duas leis, Justiniano prejudicou irreparavelmente o império. Seu reinado marcou também, incidentalmente, o fim do latim, embora fosse esta a língua de Justiniano, e nela tivesse deixado seu grande código. Mas nenhuma outra literatura latina, além disso, se produziu na corte, e as últimas Novelas foram promulgadas em grego. Justiniano teve como sucessor seu sobrinho Justino II, que se casara com a sobrinha de Teodora, Sofia. Procuraram imitar, sem êxito, seus grandes predecessores. No leste, as guerras persas foram um desastre, no norte uma nova tribo bárbara, os avaros, faziam pressão; no oeste, outra tribo, a dos lombardos, invadiu uma Itália gasta e apática. Sofia comprou a paz com a Pérsia e escolheu um general, Tibério, para suceder ao seu marido. Em 547, num breve intervalo de lucidez, Justino adotou Tibério como filho e coroou-o césar. Em 578 Tibério o sucedia como imperador (7). Uma nova era começou com Tibério. O imperialismo da Casa de Justino desmoronara-se, Tibério compreendeu que o Oriente é que devia ser salvo do naufrágio. A maior parte da Itália foi abandonada aos lombardos. O vice-rei retirou-se para além dos pantanais invioláveis que cercavam sua capital, Ravena, e o litoral do sul foi mantido. Roma conquistou sob os papas uma semi- independência, embora um comissário imperial ainda residisse no palácio dos
  • 30. Césares. Nesse ínterim, sem que o percebessem, a Espanha Imperial voltava às mãos dos Visigodos. Tibério foi tolerante para com os hereges e concentrou-se na expulsão dos persas e dos avaros. Numa corajosa tentativa de restaurar o ânimo do povo, suspendeu os impostos por um ano e parece que tentou usar o apoio popular contra a aristocracia imperialista romana. Em 582, porém, falecia, deixando inacabada sua obra, com os avaros triunfantes na fronteira do Danúbio e os eslavos penetrando com eles. Seu sucessor e genro Maurício (582-602) adotou a mesma política. Manteve distantes os avaros e triunfou sobre a Pérsia. Tentou colocar o império em melhores condições de defesa, dando aos militares maior poder na administração provincial, e com uma economia rígida conseguiu reparar, até certo ponto, as finanças. Seu realismo austero, porém, exigia muito dos súditos. Os soldados, com soldos reduzidos, não podiam suportar o peso das exigências que lhes eram feitas. Em 602 o exército revoltou-se. Maurício foi morto e o líder militar Focas tornou-se, por sua vez, imperador. O reinado de Focas (602-610) foi um pesadelo de anarquia destruidora e de tirania, invasões externas e levantes internos, até que finalmente Heráclio, filho do governador da África, fez-se ao mar para Constantinopla como um salvador, fundando uma dinastia que durou cinco gerações. Com o reinado de Heráclio, o Império Romano ingressa no bizantinismo. Predominou naquele período uma longa guerra total contra os persas, guerra que foi uma verdadeira cruzada, e durante a qual os persas saquearam Jerusalém e invadiram o Egito, e com auxílio dos avaros quase capturaram a própria Constantinopla. No final, porém, o reino dos Sassânidas foi esmagado para sempre, no ano 628. Mais ou menos na mesma época o reino dos avaros começou a oscilar, e Heráclio estabeleceu suserania sobre os eslavos que, já então, eram numerosos na península balcânica. As guerras, porém, haviam sido custosas e exaustivas, particularmente para as províncias monofisitas. Como seus predecessores, Heráclio procurou conquistar a amizade dos monofisitas com uma concessão teológica, adotando a ideia de que Cristo tinha apenas uma energia, ou de qualquer modo apenas uma vontade. Mas esse monoteletismo, embora tivesse obtido certo sucesso em Constantinopla, e mesmo o apoio do Papa Honório I, não satisfazia aos monofisitas. Suas queixas políticas e o leal ódio que mantinham pelos decretos de Calcedônia traziam-nos num descontentamento permanente. De qualquer forma, a concessão vinha muito tarde. Em 636, o ano no qual o imperador assinou a Ekthesis, documento que corporificava a nova crença, travara-se uma batalha na Síria que resultará na perda daquela província para sempre.
  • 31. No início do século, as tribos da Arábia Central haviam conseguido unidade política e inspiração religiosa de um certo Maomé. A aridez do clima forçava os árabes a expansões periódicas, e alentados por essa nova força e fervor atiraram- se sobre o mundo civilizado. Em 634 invadiram, primeiramente, a Palestina. Em 636 numa batalha no rio Yarmak derrotaram o grande exército que Heráclio conseguira reunir em seu cansado império, e toda a Síria ficou à mercê deles. Em 637, em Kadisaya, superaram as tropas dos Sassânidas, liquidando finalmente o reino persa na batalha de Nihawand, quatro anos mais tarde. Em 633 capturaram Jerusalém. Em 641 invadiram o Egito. Os heréticos, explorados e perseguidos, nada fizeram para preservar o domínio imperial. Na Síria e Egito saudaram a troca de senhor, considerando a teologia do Islã mais próxima da sua do que a teologia de Calcedônia. Somente Alexandria resistiu. Mas em 647 aquela fortaleza do helenismo caiu finalmente e suas bibliotecas foram entregues às chamas. Na época da morte de Heráclio, em 611, o império estava reduzido, com uns poucos postos avançados isolados, à Ásia Menor e à costa balcânica, à província da África e Sicília. Com exceção da África, constituía ele uma entidade de língua grega e uma unidade religiosa dependente do patriarcado de Constantinopla. A amputação das grandes províncias heréticas constituiu, no final das contas, um alívio para os problemas do império. Mas as perspectivas pareciam então bastante negras. As décadas que se seguiram à morte de Heráclio são as mais sombrias da história bizantina (8). A ameaça árabe parecia não ter fim. Toda a energia do império foi necessária para conservar as montanhas Tauro, limite norte da expansão árabe. Frequentemente, eles as atravessavam e atacavam a Ásia Menor. Construíram também uma frota, e em 673 se estabeleceram no Mar de Marmara e anualmente, até 677, atacavam as muralhas de Constantinopla. No princípio do século seguinte, planejavam uma grande expedição para dar o coup de grâce ao império, pela captura de sua capital. Enquanto isso não acontecia, expandiam-se para oeste. Em 670 começaram a atacar a província da África, e em 607 Cartago caía em suas mãos. Dali passaram à Espanha. Nos Balcãs, os eslavos causavam uma desordem permanente. São Demétrio teve, mais de uma vez, de salvar milagrosamente sua cidade de Tessalônica das investidas eslavas. Em 679 surgira um novo elemento de desordem, com a invasão e o estabelecimento, ao sul do Danúbio, de uma tribo guerreira huna, conhecida como búlgaros. No terreno religioso os imperadores heraclidas apoiaram durante certo tempo o monoteletismo, mudando depois de orientação e convocando o Sexto Concilio Ecumênico, em Constantinopla, em 680, para condenar aquela heresia. Um apêndice desse Concilio, o Sinodo In Trullo, estabeleceu o que deveria ser a
  • 32. constituição e norma da Igreja Bizantina. Os imperadores da dinastia heraclida, embora fossem todos homens dotados, não estavam à altura da difícil tarefa de governar, naqueles tempos. Heráclio deixou o trono a seus filhos Constantino III e Heracleonas, mas a tentativa de governar, feita pela mãe desse último, Martina (sobrinha do marido), constituiu um fracasso. Constantino morreu após alguns meses e Heracleonas caía pouco depois, sendo sucedido pelo filho do primeiro, Constante II (641-668), A maior parte do reinado de Constante foi dedicada à guerra contra os árabes. Finalmente, desesperou-se de salvar o Oriente e foi viver na Sicília, aparentemente com a intenção de restabelecer o domínio imperial na Itália e fazer de Roma sua capital. Foi, porém, assassinado em Siracusa antes que seus planos se consubstanciassem. O reinado de seu filho Constantino IV, Pogonato ou o Barbado, (668-685) foi igualmente cheio de guerras. Manteve ele as defesas do império, embora tivesse permitido, devido a um ataque de gota, a invasão dos búlgaros. O sucessor de Constantino foi seu filho, o jovem Justiniano II, tirano brilhante em quem não se podia confiar, amante de sangue. Após dez anos de opressão, Constantinopla levantou-se contra ele, cortou-lhe o nariz e baniu-o para Quersônia na Crimeia. Conseguiu, porém, fugir da prisão e após dez anos de aventuras entre os bárbaros voltou a Constantinopla com ajuda dos búlgaros. Nesse meio tempo, um soldado, Leôncio, reinara de 615 a 698, sendo substituído por um marinheiro, Apsimar, rebatizado como Tibério III, que caiu com o reaparecimento de Justiniano, cuja tirania passou então a não ter limites. Os quersonitas, seus antigos carcereiros, temendo vingança, revoltaram-se sob a chefia do General Bardano, ou Filípico, que em 711 conseguiu destronar Justiniano e condenar à morte sua família. Filípico, porém, era indolente sob todos os aspectos, menos um, o religioso — era monotelita fervoroso. Após dois anos de governo foi derrubado por uma conspiração palaciana, sendo sucedido por um servidor civil, Artêmio, que tomou o nome de Anastásio II. O império havia mergulhado no caos e os árabes estavam dominando a Ásia Menor. As tentativas de Anastásio para restaurar a energia do exército custaram-lhe a popularidade. A revolta de um regimento levou ao trono em 716 um coletor de impostos provinciais, obscuro e sem ambições, Teodósio III, que evidentemente não pôde controlar a situação. No ano seguinte, frente à ameaça, o maior general do império, Leão, cognominado o Isáurio, sem encontrar quase oposição, tomou o governo. O destino dos imperadores isáurios foi salvar o império dos sarracenos e transformá-lo na melhor organização defensiva que a cristandade já conheceu.
  • 33. Leão III (717-740) preservou triunfalmente a capital durante o grande sítio árabe de 717-718, e nas últimas guerras levou os infiéis de volta à fronteira das Tauro. Dedicou-se então à administração, reparou as finanças e desenvolveu um sistema de “temas” — cada “tema” ou província foi colocado sob um governo militar, bem supervisionado de Constantinopla, porém. Seu filho Constantino V, a quem deram os ásperos cognomes de Cabalino ou Coprônimo (9) (740-775), foi um homem ainda mais notável. Sua habilidade militar e diplomática esmagou temporariamente os búlgaros e repetiu o êxito de seu pai contra os árabes, no que foi auxiliado pelo declínio do califado omíada. Com energia financeira e administrativa completou a obra de seu pai. Mas tanto o pai como o filho tornaram-se os vilões da história bizantina, graças à sua política religiosa. Em 726 Leão III promulgou um decreto proibindo o culto das imagens ao qual se seguiu uma destruição geral de ícones representando Cristo e os santos. Sua razão original era, provavelmente, teológica, mas o movimento adquiriu logo uma base política, como um ataque à Igreja — particularmente aos mosteiros, cujo crescente poder aumentava pelo fato de possuírem quadros e imagens sagrados. Sob Constantino V, ele mesmo teólogo com tendências unitárias heréticas, esse aspecto antimonástico tornou-se bastante acentuado. Os monges estavam na linha de frente dos iconódulos, os adoradores de imagem. O iconoclasmo teve certo êxito na Ásia Menor e entre os soldados, que em sua maioria eram asiáticos. Encontrou, porém, uma resistência apaixonada, especialmente na Europa. Motins e levantes ocorreram em Constantinopla, e uma grande rebelião com a subida de Constantino V. Na Itália, o movimento foi tão impopular que pouca resistência encontraram os lombardos, ao invadirem Ravena e os últimos distritos imperiais, até que em 751 nada restava ao imperador, ao norte da Calábria. Provocou, ainda, um rompimento com o papado, de consequências profundas. Os papas procuraram novos aliados nos francos, enquanto o império perdia seus últimos vínculos latinos e se tornava uma unidade exclusivamente de língua grega. A Constantino V sucedeu seu filho Leão IV, chamado o Cazar, por ter sido sua mãe princesa daquela raça turca. Reinou apenas cinco anos (775-780), sendo substituído pelo filho de apenas dez anos, Constantino VI, sob a regência da imperatriz-mãe, a ateniense Irene, que, como europeia, era iconódula. Em 787 fez ela a paz com Roma e convocou o Sexto Concilio Ecumênico em Nicéia, para restaurar o culto das imagens. Essa restauração agradou à Igreja e ao povo comum, mas desagradou aos soldados asiáticos, que se ressentiam do governo de uma mulher, particularmente quando o poderio árabe começava a reviver, sob os
  • 34. califas Abácidas de Bagdá. Mas o jovem imperador não tinha habilidade para resistir à mãe, e seu caráter não inspirava respeito. Em 7117, após uma longa sequência de querelas, Irene finalmente aprisionou seu filho, cegou-o e reinou sozinha por cinco anos (797-802). Foi durante esse reinado feminino que o Papa Leão coroou Carlos, o Grande, imperador do Ocidente. A dinastia isáuria foi seguida por um período de reinos breves, pontilhado de rebeliões, e quando a facção militar retomou o poder o iconoclasmo foi restaurado, Irene foi destronada por seu ministro do tesouro, Nicéforo I (802- 811), excelente financista mas medíocre soldado amador, que perdeu Creta para os piratas árabes e teve de enfrentar uma súbita renovação da força búlgara, bem como as guerras sarracenas. Nicéforo morreu numa batalha contra o príncipe búlgaro Krum, e seu filho e herdeiro Estaurácio ficou tão seriamente ferido que morreu poucos meses depois, sendo sucedido pelo cunhado, o rico civil Miguel I Rangabé (811-813). Miguel I foi derrubado por uma revolta militar organizada por um de seus generais, o armênio Leão. Durante o reinado de Leão V (813- 820) o iconoclasmo foi restabelecido, mais como um movimento político e anticlerical do que como uma concepção teológica. Em 820 Leão era assassinado por outro soldado, Miguel, frígio natural de Amório. A dinastia amória, ou frigia, fundada por Miguel II, durou quase meio século. Miguel II (820-829) era um iconoclasta apaixonado, e irritou ainda mais a Igreja casando-se pela segunda vez com uma monja, Eufrosina, filha de Constantino VI. A ele sucedeu seu filho, Teófilo (329-842), iconoclasta como o pai, mas menos ardoroso. Foi bom administrador e patrono da cultura, e seu reinado presenciou a renascença da cultura secular e da magnificência artística, grandemente influenciadas pela civilização dos Abácidas de Bagdá. Suas guerras contra os árabes, porém, nem sempre tiveram o mesmo êxito. Após sua morte em 842, a viúva, Teodora, tornou-se regente do filho, Miguel III. Tal como a última imperatriz regente, Irene, Teodora era iconódula, e em 843 restaurou o culto da imagem, para a satisfação da grande maioria de seus súditos. A paz religiosa, associada à reconstrução política dos isáurios e de Teófilo, trouxe ao Império um novo período de prosperidade. Mas o prudente governo de Teodora foi seguido, em 856, pela extravagância de Miguel, que graças a seus hábitos recebeu o nome de Beberrão. Soube, porém, escolher conselheiros capazes, como seu tio Bardas e um escravo chamado Basílio, que após provocar a morte de Bardas, em 867, assassinou o imperador e assumiu o poder imperial. Durante o reinado de Miguel III houve novo rompimento com Roma, provocado pelas ambições em conflito do Papa Nicolau, o Grande, e do Patriarca Fócio, luta essa
  • 35. intensificada pela conversão dos búlgaros e dos eslavos da Europa Central. No reinado de Basílio I e seus descendentes, conhecidos habitualmente sob o nome incorreto de dinastia macedônia (10) (867-1057), o império atingiu o zênite de sua glória medieval. A organização interna era bastante forte para permitir aos imperadores um programa de expansão, enquanto a situação mais estável de todo o mundo ocidental provocava um crescimento do comércio, do qual Constantinopla se beneficiou rapidamente. Basílio I (867-886) era um general capaz: sob seu comando, as ondas de invasões sarracenas passaram a ter resultados favoráveis para o império, embora estes fossem a princípio, reduzidos. No Ocidente, os árabes haviam assolado recentemente a Sicília e o sul da Itália. Basílio deixou a Sicília entregue à própria sorte, mas seu general Nicéforo Focas restaurou o poder imperial na Itália do sul com uma energia desconhecida nos três últimos séculos. Sob seu filho Leão VI (11) (886-912), cognominado o Sábio, tais êxitos militares não continuaram. Houve uma guerra sem sucesso contra os búlgaros, e um desastre ainda maior com o saque de Tessalônica, a segunda cidade do império, pelos piratas árabes de Creta, em 901. Tanto Basílio como Leão seguiram a mesma política interna, que visava ao fortalecimento das prerrogativas reais e se opunha às tendências independentes dos Patriarcas Fócio e Nicolau, o Místico. Para se afastarem dos odiados iconoclastas, Basílio iniciou e Leão completou uma nova codificação das leis, promulgando um código, a Basílica, que perdurou até o fim do império. Leão criou dificuldades para si ao casar o dobro de vezes permitidas pelas leis religiosas, em busca de um herdeiro homem. Somente sua quarta esposa deu-lhe um filho. Leão conseguiu estabelecer a legitimidade desse filho, apesar da oposição eclesiástica, e, após sua morte, a prodigalidade matrimonial que havia mostrado foi condenada. Seguiu-se no trono Alexandre (912-913), irmão de Leão e co-imperador desde a juventude, que passou a reinar em conjunto com o filho de Leão, Constantino VII, conhecido como Porfirogêneto, “nascido na Câmara Purpúrea”. Com a morte de Alexandre, após um ano de mau governo, e após outro ano de mau governo sob um conselho de regência dominado pelo Patriarca Nicolau, o Místico, o governo passou às mãos da mãe de Constantino, Zoé (914-9191. Nessa época, os búlgaros, chefiados pelo Tzar Simeão, invadiram o império. As vigorosas tentativas de Zoé para derrotá-los acabaram num desastre que provocou sua queda. Substituiu-a o Almirante Romano Lecapeno, que se aproximou do trono e logo passou a controlar Constantino, a quem casou com sua filha. Romano I (919-944) governou bem o império. Fez uma paz satisfatória
  • 36. com os búlgaros e seu general, João Curcuas, iniciou a conquista espetacular do Ocidente que marcou os cem anos seguintes. A tentativa de Romano em fundar uma dinastia falhou, embora ele tivesse coroado três de seus filhos. Estes por fim o destronaram, mas um mês após sua queda Constantino VII controlava sozinho o império. Sob o governo de Constantino VII (945-959) e o de seu filho Romano II (959- 903) continuaram as conquistas orientais. Creta foi recuperada e mesmo Alepo foi tomada por algum tempo, pelo General Nicéforo Focas, neto do general do mesmo nome que servira a Basílio I. Quando Romano II morreu, deixando dois filhos jovens, Basílio II (963-1025) e Constantino VIII (963- 1928), a viúva, a regente temporária Teófano, casou-se com Nicéforo Focas, que tomou a coroa. O reinado de Nicéforo II foi glorioso, com a retomada da Cicília, Chipre e a grande cidade de Antióquia, mas em 969 foi ele assassinado, com a aquiescência da esposa, pelo primo João Tzimices, que o substituiu. João I (969-976) foi um general igualmente hábil, que conquistou metade da Bulgária, derrotou uma invasão russa e levou seus exércitos até as cercanias de Jerusalém e Bagdá. Sua morte deixou Basílio II como imperador supremo. O império fora organizado pelos isáurios como unidade defensiva e, consequentemente, os militares dispunham de grandes poderes. Durante as recentes guerras, os líderes do exército vinham da aristocracia latifundiária. A segurança cada vez maior do império dava às terras um novo valor, como fonte de riqueza. A força que usufruíam as grandes famílias, primeiramente como latifundiárias, e em segundo lugar como militares, começou a constituir uma ameaça ao governo central. Tanto Romano I como Constantino VII haviam previsto isso e legislado, insuficientemente, contra o acúmulo de terras. No reinado de João I, a revolta dos Focas mostrara os problemas que uma grande família podia criar ao imperador. Durante a primeira década do governo pessoal de Basílio II as revoltas interligadas de Bardas Focas e Bardas Esclero evidenciaram ainda mais claramente esse perigo. A vitória de Basílio foi devida, em grande parte, à sorte, mas ele soube aproveitar-se dela para golpear fortemente a aristocracia. Graças à sua energia, os aristocratas ficaram durante algum tempo sob controle. Após tal vitória, Basílio dedicou grande parte do resto de sua carreira lutando nos Balcãs, embora tivesse realizado algumas campanhas para ampliar as fronteiras do império, no Oriente, Os búlgaros se haviam fortalecido durante as revoltas dos Bardas, e seu Tzar Samuel governava, das inconquistadas montanhas macedônias, um império que ia novamente até o Mar Negro. Em 981 Basílio tentara, inutilmente, barrar-lhes o caminho. De 996
  • 37. a 1018, combateu-os quase que permanentemente, até que foram totalmente conquistados. Toda a península, do Danúbio para o sul, obedecia ao imperador, mais uma vez, e seus súditos agradecidos deram-lhe o nome de Basílio Bulgaróctono, ou seja, matador de búlgaros. Enquanto isso, sua austeridade e seu apaixonado espírito de economia enchiam as arcas do tesouro imperial, mais ou menos esvaziadas pelas custosas guerras em que se empenharam seus predecessores. No fim do reinado de Basílio o império atingira uma extensão e uma prosperidade que não conhecia desde os dias de Heráclio. Com a morte de Basílio começou o declínio. Seu irmão Constantino VIII reinou sem eficiência durante três anos (1025-1028), após os quais morreu, deixando três irmãs de meia-idade: Eudócia, monja marcada pela varíola, Zoé e Teodora. Nas décadas que se seguiram, os maridos e protegidos de Zoé governaram o império. O primeiro deles, Romano III Argiro (1028-1034), era um homem de valor, mas extravagante, ocioso e fraco. Após sua morte em circunstâncias suspeitas, Zoé apressou-se a casar com um jovem e belo paflagônio, que governou por sete anos (1034-1041), como Miguel IV, Era um homem capaz e vigoroso, que conseguiu dominar uma séria rebelião dos búlgaros, mas sofria de epilepsia. A falta de saúde obrigou-o a ser um mero oportunista. Quando morreu, Zoé foi induzida a adotar seu sobrinho Miguel, cognominado o Calafate, ou fabricante de velas, devido à profissão de seu pai. Miguel V tinha esquemas de reformas que implicavam a queda de sua benfeitora, Zoé. A dinastia, porém, era muito amada para que um simples fabricante de velas pudesse destroná-la. Um levante popular em Constantinopla derrubou Miguel, colocando como únicas soberanas Zoé e sua irmã Teodora, em 1012. Mas as irmãs tinham ciúmes mútuos, e, para reduzir o poder de Teodora, Zoé casou-se, outra vez, com um velho devasso, Constantino Monômaco. Constantino IX (10-12-1054) não era incompetente, mas preguiçoso e corrupto, e nada fez para deter o crescente poder da Igreja e da aristocracia. O Patriarca Miguel Cerulário comportava-se quase que como um papa oriental e em 1054 provocava o cisma final entre as Igrejas Orientais e Roma. Sob Constantino a área do império foi aumentada com a anexação da Armênia independente, mas ao mesmo tempo aventureiros normandos a assolar a Itália bizantina, e a Sicília (12), e as tentativas do exército imperial de defender tais províncias constituíram um fracasso. Com a morte de Constantino em 1054 (Zoé morrera em 1050), a envelhecida Teodora assumiu o controle e governou por dois anos com surpreendente firmeza. Em 1036 a dinastia macedônia extinguia-se. Durante aqueles anos, a cultura bizantina elevara-se a uma altura sem
  • 38. precedente. Na pessoa de Psellos, historiador, filósofo e político da corte, culto, inquisitivo, inteligente, sem escrúpulos, cínico e ao mesmo tempo religioso, podemos vê-la no que tem de mais característico. Mas ao mesmo tempo a prosperidade havia rompido o equilíbrio da organização militarista do império, firmemente centralizada. O fim da grande dinastia liberou os elementos destrutivos. De 1056 a 1031 houve um período de caos no qual a Igreja e a burocracia civil lutaram pelo poder contra os aristocratas militares latifundiários. Infelizmente esse caos coincidiu com os ataques dos novos inimigos, nas fronteiras orientais e ocidentais. Os normandos completaram a conquista do sul da Itália, com a captura de Bari, em 1071, atravessando em seguida o Adriático, para o litoral balcânico. Os turcos seljuques reuniram-se nas fronteiras da Armênia, preparando uma invasão da Ásia Menor. E nesse meio tempo, o crescimento das repúblicas marítimas italianas dava início à revolução na geografia comercial que seria consumada pelas Cruzadas e golpeava fortemente a hegemonia financeira de Constantinopla. Teodora nomeara seu sucessor um civil já de idade, Miguel Estratiótico, que após um ano de governo sob o nome de Miguel VI era destronado pelos militaristas, chefiados pelo nobre Isaac Comneno. Isaac I reinou dois anos e abdicou inesperadamente em favor de seu ministro das finanças, Constantino Ducas, aristocrata aliado à Igreja e à burocracia civil, e não aos militares. Uma política de economia e o receio de revoltas militares fizeram que Constantino X (1059-1067) reduzisse e desorganizasse o exército num momento inoportuno. Morreu deixando um filho ainda jovem, Miguel VII, e sua viúva, Eudócia Macrembolitissa, modificou a política de governo, dando o trono e sua mão a um chefe militar, Romano IV Diógenes, que restaurou a ordem no exército e em 1071 saiu a campo para enfrentar uma invasão dos seljuques na Armênia. Devido a sua displicência, o império sofreu em Manziquerte uma derrota da qual jamais se recuperou. O ano da queda de Bari e da batalha de Manziquerte, 1071, é um dos marcos da história bizantina. Romano IV fora aprisionado em Manziquerte. Quando as notícias da batalha chegaram à capital, Miguel VII, apenas saído da adolescência, assumiu o governo e tentou, em vão, restabelecer a ordem, conter os nobres e expulsar os turcos, que assolavam a Ásia Menor, mostrando-se dispostos a permanecer ali. Eram um povo primitivo, dilapidador, pastoral e não agrícola. Onde quer que se estabelecesse, cessava o cultivo da terra, as estradas e aquedutos entravam em decadência. O consequente e rápido declínio da Ásia Menor, que se transformava num deserto, tomou mais difícil a recuperação pelo império, ao
  • 39. mesmo tempo que a perda daquela província o privava de sua principal fonte de abastecimento de cereais e de homens para o exército. O abastecimento teve de ser reorganizado, e as forças militares passaram a depender cada vez mais dos mercenários estrangeiros. A pressão econômica também aumentava. Em 1078 Miguel VII foi obrigado a abdicar em favor de um soldado, Nicéforo III Botoniato (1078-1081), que por sua vez foi destronado por outro soldado, muito mais capaz, Aleixo Comneno, sobrinho de Isaac I, que conseguira a aliança do partido do civil Ducas, graças a um casamento oportuno. Aleixo I (1081-1118) salvou o império. Teve de lutar continuamente em todas as frentes, mas suas guerras e sua diplomacia sutil mantiveram os normandos fora dos Balcãs, expulsaram os invasores bárbaros do norte e mantiveram sob controle os seljuques. Em 1096 o movimento conhecido como Cruzadas criou novos problemas para o imperador. Os cruzados, embora principalmente inspirados pela religião, eram conduzidos por políticos que ambicionavam Constantinopla tanto quanto o Santo Sepulcro. A situação foi bem manejada por Aleixo. Serviu- se dos exércitos das Cruzadas para reconquistar terras tomadas pelos seljuques, notadamente sua capital, Nicéia, e em seguida mandou os ocidentais ameaçar o Islã, pelo flanco. No final as Cruzadas, abrindo uma nova rota comercial direta entre a Síria e o Ocidente, causariam ao império um dano comercial irreparável. Por outro lado, a diplomacia maneirosa em que se empenhavam os dois lados exacerbou ao extremo o atrito entre o império e o Ocidente latino, já agravado pelo cisma religioso. Momentaneamente, porém, as Cruzadas serviram aos objetos de Aleixo. A salvação tivera, entretanto, seu preço, e o ônus financeiro foi superior às possibilidades do império. O auxílio dos navios venezianos foi comprado com concessões comerciais, os impostos foram elevados, constituindo um peso tão grande que o domínio dos seljuques quase parecia menos opressor. E além disso, Aleixo foi levado a especular um pouco com a moeda. Após manter seu valor em todas as perturbações de sete séculos, ela perdeu sua posição como o único meio firme de troca. Constantinopla já não era o centro financeiro do mundo. Sob a eficiente administração do filho de Aleixo, João II (1118-1143), essa decadência foi pouco evidente. As expedições militares de João conquistaram mais terras aos seljuques e fizerem medo aos cruzados; mas, embora as concessões aos estrangeiros tivessem sido canceladas, as despesas do governo não podiam ser reduzidas. Sob a superfície brilhante do reinado do filho de João, Manuel I (1143-1180), uma desintegração ainda pior começou. Manuel tinha atração pelas ideias ocidentais, e começou a confiar nas armas do Ocidente,
  • 40. particularmente nos navios das repúblicas italianas. Mas esse apoio naval significava mais concessões comerciais, e as dadas a Veneza foram exigidas e concedidas a Gênova e Pisa. Constantinopla permaneceu até o fim a grande produtora de artigos supérfluos para o mundo, mas a renda de suas alfândegas reduzia-se e seu comércio de além-mar desaparecia. Por outro lado, parecera durante o reinado de João, e os primeiros anos de Manuel, que a Ásia Menor poderia ser integralmente recuperada aos seljuques; entretanto, a grande derrota de Manuel em Miriocéfalo em 1176 — desastre que ele mesmo acertadamente comparava ao de Manziquerte — significava que os turcos se haviam instalado ali para sempre. A regência da viúva de Manuel, a latina Maria de Antióquia (1180-1183), durante a infância de seu filho Aleixo II representou o caos. Em 1183 seu primo Andronico Comneno tomou o poder e organizou sem demora o assassinato do jovem imperador. O reinado de Andronico I (1183-1185) foi uma reação contra os latinos. Sua ascensão foi assinalada por um grande massacre dos negociantes italianos em Constantinopla, e todas as concessões foram cassadas. Sua administração das províncias marcou-se pela eficiência e pela justiça exemplar, mas em Constantinopla seu despotismo arbitrário criou-lhe inimigos, e a ameaça de vingança dos ocidentais aumentava suas dificuldades. Em 1185 foi derrubado por motins na capital, sendo substituído por um parente distante, Isaac Ângelo. O governo dos Angeles, Isaac II (1185-1195) e seu irmão Aleixo III, que o derrubou e sucedeu (1195-1203), é uma história de melancólica fraqueza, de maiores desordens e pobreza no império, e de novas concessões aos italianos. A Bulgária conquistou a independência, Chipre revoltou-se. Finalmente em 1203 uma Cruzada do Oriente, que deveria dirigir-se à Terra Santa, foi desviada para Constantinopla pela cobiça veneziana. Seu aparecimento recolocou efetivamente no tronco Isaac II e seu filho Aleixo IV, durante algum tempo, mas em 1204 irrompeu um motim que deu aos cruzados o pretexto para a captura e saque da cidade. Será difícil exagerar o mal que causou à civilização europeia o saque de Constantinopla. Os tesouros da cidade, os livros e obras de arte preservados de séculos distantes foram dispersos e destruídos em sua maioria. O império, o grande bastião oriental do cristianismo, foi anulado como potência. Sua organização centralizada caiu em ruínas. As províncias, para se salvarem, foram forçadas a aceitar a sujeição. As conquistas dos otomanos foram possíveis graças ao crime dos cruzados,
  • 41. Veneza e os príncipes latinos dividiram o espólio. Um imperador latino foi colocado em Constantinopla, senhores latinos invadiram a península grega, difundindo um romantismo inquieto pela província há muito tranquila. Veneza tomou ilhas e construiu colônias ao longo do litoral, obtendo concessões que lhe asseguravam todo o comércio oriental. Mas a tentativa de tomar todo o império falhou. A Ásia Menor imperial continuava na esfera da língua grega. Em Nicéia, o genro de Aleixo III, Teodoro Lascáris, estabeleceu uma corte que logo se tornou a sede do império no exílio. Em Trebizonda, um Comneno declarou sua independência e em Épiro um Ângelo fez o mesmo, tomando pouco depois a Tessalônica dos senhores latinos. Esses três diferentes impérios disputavam a pretensão de ser o Império Romano no exílio, mas Nicéia era geralmente que predominava, e no fim acabou triunfando. O império da Tessalônica caiu frente ao de Nicéia em 1246, e os Ângelos ficaram reduzidos ao domínio de Épiro, que acabou reconhecendo a suserania do imperador. O império da Trebizonda continuou inconquistado até ser extinto pelos otomanos. Entretanto, isolado a Leste por Nicéia e pelos seljuques, o Grande Comneno jamais pôde pretender, convincentemente, ser o imperador ecumênico. Nessa luta de rivalidades, a vitória de Nicéia se deve á grande habilidade de seus imperadores. Teodoro I Lascáris (1204-1222) e seu genro João III Vatatzes (1222-1254) organizaram o império como uma empresa eficiente e lucrativa, sendo ambos bons soldados e diplomatas consumados. Sob o filho de João III, Teodoro II (1254-1258), um intelectual mórbido e doente, o império continuou crescendo, apesar do descontentamento da aristocracia, a quem ele perseguia. Quando seu filho ainda criança, João IV (1238-1259), sucedeu-o, a aristocracia levantou-se e matou Jorge Muzalão, regente de origem humilde, a quem ele nomeara em testamento, e deu o poder ao mais destacado dos aristocratas, Miguel Paleólogo. Mas isso foi apenas uma troca de senhores. No primeiro dia do ano de 1259 Miguel sentou-se ao trono e pouco depois o menino imperador era cegado. Enquanto isso, em Constantinopla o Império Latino ‘‘da România” afundava na pobreza e decadência. Balduino de Flandres, o primeiro imperador, não estava preparado para a tarefa. O império foi organizado em bases estritamente formais, e ele pouco passou de um barão. Poderia, entretanto, ter conseguido apoio de seus súditos contra os vassalos, se não os tivesse afastado querendo impor-lhes a odiada Igreja Latina. Em 1205 Balduino foi morto numa guerra contra os búlgaros. Seu sucessor e irmão, Henrique (1205-1216), adotou política mais conciliadora para com os gregos, e sob seu reinado parecia que o Império Latino
  • 42. poderia surgir como uma potência. Mas era tarde demais: os gregos haviam aprendido a buscar a liberdade religiosa em Nicéia. Os senhores latinos e os venezianos, interessados apenas nos lucros, eram inúteis como pontos de apoio do império, e após a morte de Henrique o declínio foi rápido. Foi ele sucedido pela irmã, Iolanda, e seu marido Pedro de Courtenay, morto em Épiro antes mesmo de chegar a Constantinopla. Iolanda governou por dois anos (1217- 1219), abdicando do poder em favor de seu segundo filho Roberto (o mais velho prudentemente recusou o posto). Roberto foi deposto como incompetente em 1228 e sucedeu-o o irmão Balduino II, sob a regência do ex-rei de Jerusalém, João de Brienne (1225-1237), um velho mais galante do que inteligente. Sugerira-se que a regência fosse oferecida ao rei búlgaro, para assegurar seu auxílio contra os gregos, mas o clero latino não pôde tolerar a ideia de um regente cismático e impediu o plano. Sob Balduino II, a sorte do Império da România piorou. Passou ele a maior parte de seu reinado viajando pelo Ocidente em busca de auxílio. Não tinha dinheiro e empenhou palácios, relíquias e o próprio filho aos venezianos. Constantinopla despovoava-se devido à fome e pobreza. A entrada das tropas de Miguel Paleólogo na cidade, em 1261, foi um ato de misericórdia, e Balduino, o patriarca latino e o podestade veneziano fugiram para o porto e fizeram-se ao mar para o ocidente. O mal, porém, era irreparável. Miguel entrou numa cidade despovoada e meio em ruínas. Foi uma retomada compensadora, pois ninguém no Oriente Próximo podia permitir a seus inimigos a posse de Constantinopla, e foi um ato glorioso para o prestígio do império. Trouxe, porém, problemas e gastos que estavam acima de suas posses. Os genoveses tinham sido seus aliados, e era necessário pagar-lhes com privilégios comerciais que reduziram as rendas do império. Os latinos tiveram um campeão e provável vingador em Carlos de Anjou, então rei das Duas Sicílias. Teve ele de ser envolvido por um movimento de União com a Igreja Latina, movimento esse que enfureceu os súditos do imperador sem arrastar Carlos. A moeda imperial, estabilizada pela economia dos imperadores de Nicéia, começou a oscilar novamente, e Miguel, incapaz de manter o sistema de pagar a suas tropas de fronteira com doações de terras livres de impostos, aboliu as posições na Ásia, enfraquecendo assim as defesas. Com a morte de Miguel em 1282, o império evidenciou a impossibilidade de sua renascença política. A única realização positiva do reino, além da tomada da capital, fora no Peloponeso, onde a vitória de Pelagônia em 1259 colocara nas mãos do imperador as importantes fortalezas de Mistra, Monenvásia e Maina. O longo reinado de seu filho Andronico II (1282-1328) mostrou um declínio
  • 43. lento. Às Vésperas Sicilianas tinham, em 1282, arruinado o poder de Carlos de Anjou, e Andronico pôde romper, sem receio, as negociações para a união da Igreja. Mas uma nova ameaça crescia no Oriente. As invasões mongólicas da Ásia Menor, no século XIII, haviam trazido consigo novas tribos turcas, uma das quais se estabeleceu na fronteira imperial e organizou-se, durante as últimas décadas do século, numa forte potência militarista chefiada por Osmã, sendo por isso conhecida como osmanis, ou turcos otomanos. Após a abolição, por Miguel, das tropas de fronteiras, as forças militares de Andronico não foram bastantes para contê-los. Teve de confiar em mercenários estrangeiros e, num momento de inconsciência, contratou um bando de aventureiros, conhecidos como o Grande Grupo de Catalães (1302), que logo se voltaram contra seus empregadores, sitiaram Constantinopla durante dois anos (1305- 1307), levaram os turcos para a Europa (1308), retirando-se finalmente para devastar a Macedônia e a Grécia franca. Enquanto isso, na Europa, o Império Búlgaro de Asen e o Império Sérvio de Uros eram fontes permanentes de perigo. Internamente, o reinado de Andronico II, embora culturalmente ativo, foi uma história de dificuldades financeiras e revoltas. De 1321 a 1328, combateu seu neto e herdeiro, Andronico III, e só a morte do velho imperador trouxe a paz. A história continuou, com o reinado de Andronico III (1328-1341). Os turcos otomanos capturaram Brussa em 1326, em 1329 tomaram Nicéia e em 1337, Nicomédia. Sob Estêvão Dusan (1331-1355) o Império Sérvio atingiu seu zênite e ameaçou Constantinopla, A morte de Andronico, deixando como imperador uma criança, João V, provocou a guerra civil pela regência, entre a imperatriz- mãe, Ana de Saboia, e o usurpador João VI Cantacuzeno, homem brilhante que as circunstâncias forçaram a ser oportunista, e que venceu a luta em 1347, mas caiu em 1355 frente ao filho de João V, Andronico IV. João V voltou ao poder em 1379, foi exilado durante certo tempo por seu neto João VII em 1390, mas morreu no trono, em 1391. A situação continuava piorando. No Peloponeso, os imperialistas gradualmente reconquistaram toda a península aos francos, mas nos demais lugares ocorria o contrário. Era evidente, já então, que a destruição viria dos turcos. Em 1356 começaram eles a instalar-se na Europa. Em 1357 tomaram Adrianópolis e dela fizeram sua capital. As batalhas de Mariza em 1371 e de Kosovo em 1389 colocaram a Bulgária e a Servia em suas mãos. Em 1390 seu poder chegava ao Danúbio, e o império conservava apenas Constantinopla, Tessalônica e o Peloponeso, além do despotato de Mistra. João V viajava pela Itália inutilmente em busca de auxilio, sendo aprisionado em Veneza como devedor. Mas sob seu jovem filho e sucessor, Manuel II, a Europa
  • 44. Ocidental começou a tomar consciência do perigo e enviou um exército aos Balcãs, exército esse que foi destruído em Nicópolis em 1396. Em 1397 os turcos sitiaram Constantinopla, mas a hora ainda não era chegada. Foram eles atacados do Oriente, por Tamerlão, o Tártaro, e em 1402 o sultão foi derrotado e aprisionado pelos mongóis, em Angora. Era a oportunidade para expulsar os turcos da Europa. Mas o império não tinha para isso força bastante, os servos eram uns traidores e o Ocidente não cooperaria. Em 1413 o império de Tamerlão havia desmoronado e os turcos já se tinham recuperado. Enquanto isso, Manuel, como seu pai, procurou aliados no Ocidente, viajando até Paris e Londres — e igualmente em vão. O tato de Manuel e sua popularidade entre os súditos e na corte turca preservaram o império enquanto ele reinou, mas em 1420 passou o governo a seu filho João VIII, vindo a falecer cinco anos mais tarde. Em 1422 João provocou os turcos a uma nova investida contra Constantinopla, mas uma revolta fez com que o sultão levantasse o sítio. Em 1423 o governador da Tessalônica, receando um ataque turco, vendeu a cidade aos venezianos. O ataque ocorrer sete anos depois, com êxito. João VIII, seguindo a tradição da família, dirigiu-se esperançosamente à Itália, onde, em 1139, no Concilio de Florença, comprometeu sua autoridade imperial com a União das Igrejas, união repudiada pela grande maioria de seus súditos. Em retribuição, uma nova expedição ocidental invadiu os Balcãs, sendo esmagada pelos turcos em Varna, em 1444. João morreu em 14411, e seu irmão Constantino XI sucedeu-o no império já condenado. O fim ocorreu em 1453. Após uma desesperada e heroica defesa de sete semanas, a 29 de maio a cidade caía nas mãos do Infiel. Em 1460 os turcos devastavam o Peloponeso. Em 1461 extinguiam o Império dos Comnenos em Trebizonda. A união entre a Roma Imperial e a Grécia Cristã tornou-se irreparavelmente algo do passado.
  • 45. III. A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL E O REINO DO DIREITO O Império Bizantino sobreviveu por 1.100 anos graças exclusivamente às virtudes de sua constituição e administração. Poucos Estados foram organizados de modo tão bem adequado à época e visando cuidadosamente a impedir que o poder permanecesse em mãos incompetentes. Essa organização não foi obra consciente e deliberada de um único homem ou de um único período. Fundamentalmente, foi uma herança do passado romano, adaptada continuamente e suplementada no decorrer dos séculos, para atender a exigências várias. O império era uma autocracia absoluta, A diarquia que Augusto estabelecera tendo o Senado como parte não durou muito. Seu último traço só desapareceu, é certo, em fins do século IX: desde a época de Diocleciano, porém, o imperador reinava, de fato, sozinho. Era a autoridade absoluta no império. Podia nomear e demitir todos os ministros a seu bel-prazer; dispunha de um controle financeiro completo; a legislação estava apenas em suas mãos; era o comandante-chefe de todas as forças imperiais, Era, além do mais, chefe da Igreja, alto sacerdote do império. Sua política e seus caprichos moldavam o destino de milhões de súditos, No princípio do império, seu título fora de Imperador, ou Augusto, Augusto continuou a ser usado como título até o fim do império, mas Imperador, com sua sugestão militar, foi gradualmente dando lugar, à medida que o império se orientalizava, a Autocrata, com sua implicação mais absoluta. Mas, a partir da época de Heráclio, o nome habitualmente dado ao imperador era Basileus, o velho nome grego para rei, e que nos anos mais recentes só havia sido dado ao rei da Abissínia, quando lembrado, e ao grande rival do imperador e seu modelo como autocrata, o rei Sassânida da Pérsia. E é significativo que o título de Basileus comece a ser usado pelo imperador em 629, exatamente após a derrota final dos persas. (13)