O documento descreve a história da região de Bedanda na Guiné-Bissau. Inicialmente habitada apenas pela tribo Nalú, a região foi gradualmente invadida por outras tribos, principalmente os Fula e Sôssa, atraídos pela fertilidade da terra. Atualmente a população é composta majoritariamente por Balanta, Fula e Nalú, totalizando cerca de 10.000 indivíduos distribuídos em 63 povoações.
1. (*) Extracto da resposta "o Inquérito Etnográfico organizado pelo
Governo da Colónia em 1946. Publica-se agora, dado o pouco conhecimento
que geralmente há desta região, a princípio escassamente povoada
por nalús e nos últimos tempos teatro de invasão de outros povos, que a
vieram valorizar. Como na Carta da Colónia de 1933 (Comissão de
Cartografia do Ministério das Colónias) esta zona aparece em branco, junta-
se um esboço feito por A. Teixeira da Mota (rios e estradas), com a
distribuição das povoações baseada em elementos fornecidos por J. P.
Garcia de Carvalho.-NOTA DA REDACÇÃO.
A área do Posto Administrativo de Bedanda, criado
recentemente, compreende 2 territórios
e 1 regulado: Cantanhez e Cabedú outrora pertencentes ao
Posto Administativo de Catió, e Guilege, desanexado da área da
antiga Circunscrição Civil de Buba. Os seus limites são: ao
Norte o rio Cumbijã; ao Sul o rio Cacine e o Oceano Atlântico; a
Oeste o Rio Cumbijã; e a Este a Guiné Francesa e o Rio Cacine.
O terreno da região é de natureza argilosa, em parte, sendo,
no entanto, a maior extensão, constituída por terrenos
pantanosos, aqueles cobertos de uma vegetação exuberante,
principalmente no território de Cantanhez onde existe a célebre
mata do mesmo nome, habitada por elefantes, e estes próprios
para a cultura do arroz.
2. Os principais rios que banham a área são o rio Cumbijã, o
rio Cacine e o rio Cabochanque, não contando com os
numerosíssimos braços que neles têm a sua origem e que
irrigam abundantemente toda esta fértil região.
Terra habitada, ainda há tempos, exclusivamente pela tribo
Nalú, encontra-se hoje povoada por indígenas das tribos
balanta, futa-fula, sôssa, nalú e uma minoria de papéis,
manjacos e bijagós, sendo no entanto a tribo balanta a mais
numerosa.
Estas diferentes tribos, ocupando uma área de mil e cem
quilómetros quadrados e em número de 10.000 indivíduos,
aproximadamente, acham-se divididas em 63 povoações, a
saber:
3.
4.
5. Como se vê, a tribo mais populosa da área do Posto
Administrativo de Bedanda é a Balanta seguindo-se-lhe
imediatamente a Futa-fula e só depois a Nalú e Sôssa, não
contando com a Manjaca, Papel e Bijagó por serem uma minoria
insignificante e quase não figurarem na vida económica da
região.
TRIBO BALANTA - Esta tribo há aproximadamente 25 anos
que se começou a fixar nesta área. É proveniente da região de
Mansoa, de onde veio primeiramente para o Cubisseque e
depois para o Tombali, vulgarmente conhecido por «Chão de
Nalús», transformando-o no celeiro da Colónia. A ela se deve o
6. enorme incremento que tem tido nos últimos anos a
Circunscrição Civil de Catió, pois além de ser a tribo cultivadora
de arroz - base da alimentação da maioria dos indígenas - é a
que mais se presta para todo e qualquer trabalho que se
pretenda realizar .
O motivo que levou esta tribo a emigrar para esta área foi a
procura de novos e mais férteis terrenos para as sua lavouras.
TRIBO FUTA-FULA - No tempo em que a região do Tombali e
Cacine era habitada apenas pela tribo Nalú, que estava
instalada unicamente nas ilhas de Melo e Olmo, provavelmente
no «reinado» de Alfa Bacar Guidali, um grupo de caçadores, nas
suas correrias, deparou com esta região. Mais tarde, pelas
notícias dadas pelos mesmos, um grupo de fulas cativos,
oriundos de Boé Francês e chefiados por Turá-Iá, atraídos pela
fertilidade do terreno, imigraram para o território a que puseram
o nome de Guilege, fundando a povoação do mesmo nome e
pouco depois a de Salancaur de Fulas. No entanto, deram a toda
esta região O nome de «Chão de Nalús» por serem estes o único
povo nela encontrado.
Com escrita própria, credo religioso estabelecido e
costumes mais civilizados, o fula, nascido com a única ambição
do mando, em breve se tornou senhor de toda a região. O
nalú não se atrevia a sair das suas ilhas, pois seria
imediatamente feito escravo e remetido para o Forreá, como
raça inferior. Daí a mestiçagem de costumes fula-nalú que
actualmente se constata em algumas povoações,
nomeadamente Cadique e Cabedú.
Às primeiras invasões de Fulas-pretos sucedeu-se a
avalanche migratória dos Futa-fulas do Boé Francês que,
infiltrando-se em todo o leste da Colónia, em grande número se
estabeleceram em Guilege. À excepção da povoação de Quebo,
recentemente fundada – 1917 - e exclusivamente habitada por
fulas pretos franceses, do Boké, os invasores de Guilege
dominaram completamente a região impondo aos vencidos as
doutrinas da religião de Maomet, ensinando e desenvolvendo
entre eles a agricultura, sistema de alimentação e doando-lhes
também a sua escrita. Estes eram a principio escravos
capturados nas razias em que todo o fula era useiro e vezeiro.
7. Aquando da terrível discórdia entre Fulas forros e Fulas
pretos - 1891 - novas hordas de Fulas do Futa, por motivos
políticos, abandonaram seu lares, vindo estabelecer-se neste
território um pouco mais ao leste de Guilege, no local
denominado Cantanhez. Eram seus chefes Souleimane Djaló,
Bacar Dumbuia, Bela Colubali e Mutaro Calissa; edificaram a
povoação de Jambarém, próximo da de Camecote
quase à mesma altura fundada por indígenas Sossos do Boké
que nessa ocasião também começavam a invadir o território,
virgem e fértil. Deram-se bem as duas tribos. O território de
Cantanhez tinha como chefe dos Fulas Souleimane Djálo, e o
mestiço francês Lourenço Lavy chefiava os Sôssos. Ao tempo,
esta região já era completamente independente do regulado de
Guilegc. Fundou-se depois a povoação fula de Madina.
Lourenço Davy pretendeu assenhorear-se de todo o «Chão
de Nalús» até à povoação de Cantomane, o que os Fulas não lhe
permitiram.
Findas as guerras, o Nalú, vendo o território assim invadido,
resolveu-se a sair das suas ilhas, instigado por antigos parentes
que, tendo sido escravos dos fulas de Forreá, com eles
aprenderam a religião muçulmana e todos os demais predicados
que o indígena arabizado possuía de ascendente sobre os
outros. Chefiados por Cubé, que fora escravo e depois «batulai»
do régulo de Forreá, Cherno Cali, passaram ao continente - 1896
- estabelecendo-se primeiramente em Cabedú e fundando suces-
sivamente as povoações de Calaque, Caiai, Cauntchinque, e,
recentemente, Cadique (1926). Constitui-se assim o território de
Cabedú de que era chefe o Cubé, com sede em Cabedú.
Por morte de Turá-Iá (1918) foi nomeado régulo de Guilege
Alfá Mamadú Seilú, um dos lugares tenentes do guerreiro Abdul
Injai nas guerras de pacificação da Colónia. Findas estas, Alfá
Mamadú Seilú, grande príncipe do Futa-Jálom, recusou a
compensação monetária que o Governo lhe oferecia, preferindo
o regulado de Guilege para onde seguiu com todos os seus
vassalos (1919); inteligente e instruído, em três anos de reinado
desenvolveu largamente a região, fundando as povoações de
Mejo, Bomane, Um-Siré, Tandá, Banco-Bunge, Banhege, etc ..
Tornou-se senhor absoluto de toda a actual área deste Posto
8. com a submissão, voluntária, à sua autoridade, do chefe de
Cantanhez, Souleimane Djálo.
Mandava em Quebo e no território de Cabedú. Fiel partidário do
seu chefe Abdul, morreu em Mansoa, nos preparativos da
revolta de Abdul contra os Portugueses (1921). Neste tempo,
começaram a povoar os territórios de Cantanhez e Cabedú, em
grande índice, indígenas Balantas, apa recendo depois
pequenos núcleos de Manjacos, Papéis e Bijagós, os primeiros
atraídos pela grande extensão de terrenos férteis e
propícios à lavoura do arroz e os outros pela abundância de
palmares.
Ao grande régulo de Guilege, Alfá Mamadú Seilú, sucedeu
seu filho Amadú Uri que 3 anos depois era deposto e desterrado
para Porto de Goli onde veio a falecer.
Mamadú Seilú, irmão e sucessor de Amadú Uri, morreu
depois de 5 anos de «reinança». O presuntivo herdeiro, Mamadú
Saliu, filho de Alfá Mamadú Seilú, era criança e ficou o regulado
por ocupar, escolhendo cada povoação o seu chefe.
Aí por volta do ano de 1935 começaram a formar-se dois
partidos: um a favor do legitimo herdeiro e o outro apoiando
Adjibo, padrasto daquele e chefe da povoação de Bomane.
Adjibo, mais experimentado, derrotou o partido contrário e
conseguiu ser nomeado régulo (1937). Porém, em menos de um
ano, o régulo que era visto pelos indígenas como um usurpador
e por isso os trazia num estado latente de insubordinação, foi
deposto por se insurgir contra a autoridade administrativa
(Chefe de Posto de Cacine - João Carlos Pereira Jordão).
Ficou o território sem régulo, quase num caos, até 1941, em
que foi nomeado Mamadú Saliu, legítimo herdeiro, que transferiu
a Sede do regulado para a povoação de Salancaur,
Nos últimos tempos a preponderância Fula nos hábitos
Nalús decresceu, impondo os Sossos, já numerosos, os seus
princípios mais facilmente adaptados pelos Nalús, devido à
afinidade de costumes das duas tribos.
TRIBO NALÚ - Em tempos remotíssimos, muitas dezenas de
anos antes das caravelas de Nuno Tristão aproarem à então
Guiné Portuguesa, no local denominado «Canchafari», hoje
pertencente à Guiné Francesa, a tribo Nalú, que se encontrava
9. fixada para além do Futa-Jalom, no território por eles chamado
do «Mandi», juntamente com as tribos Bagá e Sôssa,
devido à forte pressão que a tribo Tilibó, chefiada por Samodoi,
que declarara querer conquistar todo o território até chegar à
«água salgada», sobre eles estava exercendo, chefiada por
Manga Tauliá, imigrou para o território que hoje constitui a
Guiné Portuguesa, parando primeiro na região de Bafatá em que
fundou a povoação de Begine. Mais tarde, depois de se terem
reunido os retardatários da tribo, o chefe Manga Tauliá
convocou os «grandes» a fim de decidirem em conjunto
a direcção que deviam tomar; assente esta, abandonaram
Begine c espalharam-se por toda a região compreendida entre
os rios Tombali e o de Boké, conforme as 5 sub-divisões
existentes dentro da tribo. Uma parte fixou-se desde o rio
Tombali até ao Cumbijã; outra entre este e o Cacine; outra no
actual regulado de Quitáfine; outra na restante área do Posto de
Cacine e a última entre o rio Cacine e o de Boké. Estas 5 sub-
divisões eram devidas apenas à ligeira diferenciação das
línguas embora todos se entendessem entre si e estivessem
sujeitas à autoridade do mesmo chefe.
O primeiro grupo sofreu a influência da tribo Beafada já
estabelecida na região do Cubisseque, Fulacunda e Buba. Os
Beafadas quiseram submetê-Ios tendo feito várias arremetidas
e obrigando-os a refugiar-se na Ilha de Como de onde só sairam
após a submissão deste território à soberania portuguesa.
O segundo grupo, estabelecido entre os rios Cumbijã e
Cacine, ocupava toda a actual área do Posto Administrativo de
Bedanda e era chefiada por Saiandi que sucedera a Manga lura,
descendente de Manga Tauliá na época da ocupação.
Muitos anos após a descoberta da Guiné, aproaram os
franceses à hoje Guiné Francesa- região do Boké - onde então
chefiava os Naiús Almam Diná, irmão de Saiandi, e que os
recebeu bem. Vendo isto o Saiandi dirigiu-se a Bolama pedindo
ao Governo da Colónia que mandasse ocupar a região, tendo
então sido fundada a Administração da Circunscrição Civil de
Cacine, hoje extinta.
10. Nesse tempo havia apenas Nalús em toda a área do
Tombali e estavam divididos em 4 regulados: Tombali, Cubetai,
Quitáfine e Cacine; Tombali chefiado por Bassurú, Cubetai por
Sichope, Quitáfine por Samane e Cacine por Saiandi.
Mas deixo as restantes áreas para me ocupar apenas da
área deste Posto, a antiga Cubetai dos Nalús.
Por volta de 1889 começaram a invadir esta região os
indígenas da tribo Fula. Os Nalús, menos aguerridos, recuaram a
pouco e pouco sendo finalmente compelidos a refugiarem-se
nas Ilhas de Como e Melo.
Desta invasão resultou a conversão ao islamismo dos Nalús
aprisionados, que, por sua vez, depois de regressarem à sua
terra vieram a converter outros.
Depois da paz reinar na região por intervenção dos
Portugueses, os Nalús, chefiados por Cubé, ex-escravo e
«batulai» do régulo de Forreá, Cherno Cali, passaram ao
continente, estabelecendo-se novamente nas povoações que
haviam abandonado c fundando outras.
A área do Posto ficou então dividida em 3 regulados:
Guilege, Catonco e Cabedú.
Guilege, chefiada por Alfá Mamadú Seilú; Catonco, chefiada
por Sumacri Camará; Cabedú, chefiada por Cubé.
Poucos anos depois, devido à decrepitude do régulo de
Catonco, Sumacri Camará, e ao facto do filho ser ainda uma
criança e não ter nenhum irmão, este entregou o regulado a um
sobrinho, de nome Massimare Basse, o que provocou o
descontentamento dos Nalús porque este, embora fosse
sobrinho do régulo, era filho de um Sosso.
Levado o facto ao conhecimento da autoridade
administrativa, Massimare Basse deixou o regulado sendo este,
até ao herdeiro Aliu Camará atingir a maioridade, anexado ao de
Cabedú.
Um ou dois anos depois, o régulo de Cabedú, Cubé, devido a
uma multa avultada que lhe foi imposta pelo então
Administrador Ramalho, fugiu para o Forreá sendo colocado em
Cabedú, como encarregado do regulado, Bacar Turé, que ainda
hoje ocupa esse posto .
11. Dois anos depois, tendo sido nomeado Administrador,
Joaquim Monteiro Sérgio e devido a ter encontrado os regulados
de Catonco e Cabedú vagos, para evitar a política desenvolvida
pelos vários pretendentes, dividiu-os em grupos de povoações:
A povoação de Cabedú era e é ainda a mais importante.
A situação mantém-se actualmente tal como a criou o
Administrador Monteiro Sérgio, com as seguintes diferenças:
Catonco passou a denominar-se Cantanhez e tem mais
algumas povoações de Balantas, formadas posteriormente. O
grupo de povoações de Canchinque passou a denominar-se
Cadique e a ser chefiado pelo herdeiro do regulado de Catonco-
12. Cantanhez, que atingiu a maioridade e tem mais algumas
povoações de Balantas e Nalús recém-fundadas.
Cabedú: mantém o mesmo nome; o grupo de povoações de
Cabankanbol passou a denominar-se Cafal e compreende mais
algumas povoações recém-fundadas por Papéis, Manjacos e
Balantas; o grupo de povoações de Cassincha desapareceu,
fazendo agora parte do de Cabedú que compreende mais
algumas povoações fundadas por Balantas e Nalús e que ainda
é chefiado por Bacar Turé em virtude de não haver herdeiro.
Esta é a divisão indígena, porque a oficial continua a ser em
1 regulado e 2 territórios, dos quais só Guilege tem um único
chefe.
SOSSOS - Esta tribo só há 56 anos, aproximadamente,
chegou a esta área, chefiada pelo mestiço Lourenço Davy, mas
em número reduzidissimo, tendo depois da sua morte estado
sempre sob as ordens de chefes Nalús.
É oriunda também de «Mandi» e foi «civilizada» pela tribo Tilibó.
Saída de Mandi, fixou-se na região entre o rio de Boké e Conakri
e só muito depois um pequeno número de Sossos chefiado por
Lourenço Davy passou a esta região, ao princípio com fins
comerciais e depois com intuitos de domínio, no que foram
contrariados pelos Fulas.
Só há uns 15 anos é que começou a aumentar o número de
Sossos, com a fundação das povoações de Cachamba de
Sossos e os núcleos Sossos das povoações de Cafal, Cafine,
Calaque e Darsalame.
Joaquim Pereira Garcia de Carvalho Chefe do Posto
Administrativo de Bedanda