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  Este caderno é parte integrante do Jornal Expresso das Ilha Nº 546 e não pode ser vendido separadamente




Guiné-Bissau
  As crises político-militares na Guiné-Bissau: causas, problemas e soluções
  Entre 12 de Abril e 16 Maio passou mais de um mês e a Guiné-Bissau continua                 fosse cumprida com a segunda volta das eleições presidenciais. Armindo
  sem ver a luz no fundo do túnel. Este novo golpe militar mergulhou o país                   Ferreira e Nelson Herbert conhecem bem a realidade guineense e ajudam a
  no caos e deixou em estilhaços a legitimidade democrática que se esperava                   perceber as teias que urdiram uma nação.




As Crises Político-Militares na Guiné-Bissau:
Causas, problemas e Soluções [i]
                                                            por mais de uma vez, destaco uma que se realizou no            Da resistência “armada” à ocupação colonial, de
                                                            Centro de Estudos e Estratégia do Ministério dos Negó-      carácter étnico (papeis, balantas, beafadas, felupes e
                                                            cios Estrangeiros sob a forma de um debate subordinado      outras) e circunscrito ao chão de cada etnia que termina
                                                            ao tema “As Crises Político-Militares na Guiné-             nos finas dos anos 30 do século passado passando pela
                                                            Bissau: Causas, problemas e  Soluções” para o               resistência política em que foram precursores a Liga
                                                            qual fui convidado como “Animador do Debate”. Levei         Guineense (1910 – 1915), o Partido Socialista (1948)
                                                            à letra o meu papel e propus-me apresentar à audiência      e o MING (1955) mas também protagonizada por um
                                                            o quadro em que se desenrolava toda a espiral de vio-       enxame de partidos políticos nacionais:
                                                            lência que grassa a Guiné-Bissau desde os primórdios        •	 (FLING (Frente de Libertação para a Independência
                                                            da ocupação do seu território, até os nossos dias, com          Nacional da Guiné Portuguesa)
                                                            especial ênfase  para estes últimos anos, pretendendo       •	 FNLG (Frente de Libertação da Guiné)
               Por Armindo  Ferreira                        desta forma descrever o cenário em que se deveria           •	 MLG (Movimento de Libertação da Guiné)
                                                            processar o debate.                                         •	 PDG (Partido Democrático da Guiné-Bissau)




O
                                                               Da cronologia dos acontecimentos que tem início          •	 PELUNDENSE (formado apenas por manjacos de
               golpe de Estado na Guiné-Bissau do passado   com a chegada dos portugueses – meados do século XV             Pelundo)
               dia 12 de Abril (mais um), não surpreendeu   - salientei os marcos mais relevantes da História recente   •	 PLG (Partido de Libertação da Guiné)
               verdadeiramente ninguém minimamente          da Guiné-Bissau no quadro da violência, detendo-me          •	 UNGP (União dos Naturais da Guiné Portuguesa)
               avisado porque fora anunciado (insinuado)    para uma análise mais cuidada naqueles que, em meu          •	 UPG (União Popular da Guiné)
na véspera, por Kumba Yalá à cabeça dos Cinco – os que      entender, são mais representativos para a compreensão       •	 UPLG (União Popular de Libertação da Guiné
contestaram os resultados das eleições presidenciais – na   do fenómeno.                                                    Portuguesa) e supranacionais:
sua conferência de imprensa então realizada.                                                                            •	 FGICV (Federação da Guiné e das Ilhas de Cabo
   Ao reiterar o que antes afirmara da sua não partici-                                                                     Verde)
pação na 2ª volta (eleições presidenciais) Kumba Yalá                                                                   •	 FLGC (Frente de Libertação da Guiné e Cabo Ver-
disse expressamente que não haveria a 2ª volta, deixando                                                                    de)
entender que o processo eleitoral seria interrompido.                                                                   •	 FUL (Frente Unida de Libertação da Guiné e Cabo
   Na sequência desse golpe, as reacções não se fizeram                                                                     Verde)
esperar. Registe-se o forte e contundente comunicado                                                                    •	 MLGC (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo
da CPLP que deu o mote às demais organizações in-                                                                           Verde)
ternacionais, para a condenação inequívoca do golpe                                                                     •	 MLGCV (Movimento de Libertação da Guiné e
ao mesmo tempo que exigiam todas – organizações                                                                             Cabo Verde)
internacionais – o regresso imediato à ordem constitu-                                                                  •	 PAIGC (Partido Africano da Independência da
cional. No mesmo sentido, e com a mesma veemência,                                                                          Guiné e Cabo Verde) a maior parte de vida muito
antecipando as próprias resoluções do Conselho de                                                                           efémera, mas todos afastados da luta para a inde-
Segurança, foi a voz do Secretário-Geral das Nações                                                                         pendência pelo génio diplomático de Amílcar de
Unidas Ban-Ki Moon. A CEDEAO, com a ambiguidade                                                                             Cabral que acaba por fazer reconhecer pela co-
e a inconsequência que se lhe conhecem, “condena” o                                                                         munidade internacional o PAIGC como o único e
golpe mas presta-se de seguida a legitimá-la através                                                                        legítimo representante dos povos da Guiné e Cabo
de negociações generosas sempre em benefício e im-                                                                          Verde. O PAIGC torna-se deste modo no alfa e
punidade dos golpistas sustentadas com o argumento                                                                          no ómega da questão. É no PAIGC que nascem as
de que é preciso evitar “banhos de sangue”. No fundo                                                                        causas e estou convencido de que é com o PAIGC
a CEDEAO não tem moral para condenar quaisquer                                                                              que se encontrará a solução. Se não, vejamos:
golpes porque com mais ou menos “nuances” ela se                                                                            1.	 Em 1963, o PAIGC dá início à luta armada.
edifica sob fundações golpistas.                                                                                                 E, pela primeira vez na história da Guiné, um
   De entre as inúmeras reacções populares e dispersas                                                                           balanta, um papel, um mandinga, um fula, um
por todos os cantos em que exista um guineense, e não
só, pois até a longínqua e poderosa China se manifestou     Amílcar Cabral
02                                                                                                                                                   Nº 546 • 16 de Maio de 2012




Especial Guiné-Bissau

u
                                                                   potência colonizadora em Setembro de 1974                   cimento, como arrogantemente dispensaram a
                                                                   depois de dezenas de outros países já o terem               sua participação como cidadãos de pleno direito
                                                                   o feito. Foi a 1ª vez em África, pelo menos na              no processo da (re)construção nacional. Um
                                                                   ao Sul de Sahara, que uma independência não é               amigo meu, a este propósito, e comentando um
                                                                   “concedida” mas sim reconhecida pela potência               artigo que eu escrevera, disse:
                                                                   colonizadora.                                         “Para o cúmulo disso tudo, o que está a atrasar o país
                                                               7.	 Em 25 de Abril de 1974 acontece o Golpe de         é que introduziram na vida social guineense um elemento
                                                                   Estado em Portugal que ficou conhecido pela        perturbador que é a divisão entre os que fizeram a luta,
                                                                   Revolução dos Cravos pondo fim a uma dita-         «os melhores filhos», que a si arrogam tudo, e os que já
                                                                   dura que durava quase 50 anos.                     cá estavam que lhes devem prestar vassalagem e a nada
                                                               8.	 Pouco tempo depois do Golpe de 25 de Abril,        têm direito.”
                                                                   o PAIGC instala-se oficiosamente em Bissau,            11.	 O governo instalou-se em Bissau após o reco-
                                                                   e assiste-se a uma onda de “raptos” seguidos                nhecimento de jure por parte de Portugal. Os
Kumba Yalá, ex-presidente da Guiné-Bissau                          de fuzilamentos no mato de indivíduos que                   ministros eram chamados “comissários” e ao
                                                                   haviam abandonado o PAIGC, e se encontra-                   primeiro-ministro “comissário principal”. Logo
         felupe ou um anónimo qualquer de qualquer                 vam em Bissau, e de outros que eram acusados                nos primeiros sinais verificamos que estávamos
         outra etnia está disposto a lutar e a morrer              de colaborar com o “colon”. Nem sequer havia                perante gente incapaz e incompetente para gerir
         não especificamente pelo seu “chão” mas por               julgamentos. Uma “brigada” composta por                     um país. Arrogantes e com tiques autistas para
         toda a Guiné, pelo “chão” do outro, pelo chão             uma suposta gente na clandestinidade ávida                  esconder as enormes insuficiências e total impre-
         comum.                                                    de mostrar serviço apontava-os e localizava-                paração; e a culminar uma moral muito duvidosa
   2.	   A luta armada conduzida pelo PAIGC ao pôr                 os não se sabe com que critério. Eram levados               dado o comportamento perante a sociedade.
         em mãos impreparadas e mentes pouco escla-                e fuzilados. Quando se perguntava por um               12.  O período desse governo foi de seis anos (1974
         recidas um instrumento de matar permitiu que              fulano, que se supunha nessa situação, a res-               – 1980). Teve o privilégio e o benefício de ter
         o terror, o abuso de autoridade, o desrespeito            posta era: Partido lêba’l! (O Partido levou-o!)             sido o governo que maior ajuda per capita rece-
         e mesmo o barbarismo se espalhassem de                    As coisas passavam-se à calada da noite e sob               beu no mundo inteiro. Desbaratou-a completa-
         forma tão epidémica que Amílcar Cabral teve               a cumplicidade silenciosa de todos. Tudo era                mente em projectos megalómanos decididos de
         necessidade urgente de convocar uma reunião               permitido ao PAIGC, inclusive tirar vida aos                forma acéfala e autocrática. Sobre este período
         de quadros conhecida por “Congresso de Cas-               seus concidadãos, por simples decisão dos seus              escrevi num artigo de opinião:
         sacá”, para pôr cobro aos desmandos dos então             dirigentes e sem que tenha de prestar quaisquer    	 “O novo poder que se instalou em Bissau (1974),
         senhores da guerra que se apresentaram nessa              justificações públicas.                            não escondia o seu carácter repressivo, autoritarista,
         reunião fortemente armados e escoltados. Teve         9.	 A entrada do PAIGC após o reconhecimento de        intimidatório e revanchista. O medo e a intolerância
         AC de fazer apelo à toda a sua diplomacia para            jure fora deveras triunfal. O mundo inteiro ren-   instalaram-se. O ajuste de contas havia já substituído a
         evitar que ali mesmo se operasse um banho de              dia-se à gesta dos obreiros da independência. E    reconciliação mesmo antes da sua instalação (do poder)
         sangue. Dessa reunião, para além da criação               os guineenses orgulhosos dos seus combatentes      com desaparecimentos misteriosos e execuções sumá-
         das FARP, uma forma de controlar, disciplinar             reverenciavam-se humilde e generosamente           rias. Algumas ocorrências e mortes, designadamente
         e balizar a violência, saíram importantes orien-          perante eles. Entregaram-se de alma lavada         a do Primeiro-Ministro Francisco Mendes (Chico Té)
         tações que determinaram o rumo do PAIGC.                                                                     encontram-se até hoje envoltas em profundos enigmas
         O pós-congresso gerou ajustes de contas e um                                                                 e mistérios. A debandada dos quadros e de toda uma
         banho de sangue, até então sem precedentes.                                                                  administração com o seu “know how“ processava-se de
   3.	   A violência não terminou porque a luta armada                                                                forma assustadora criando um negligenciado vazio real
         é, de per se, uma violência. Processos sumários                                                              na Administração do Estado, de efeitos não devidamente
         continuaram e condenações à morte por fuzi-                                                                  dimensionados e sopesados e, por isso, arrogantemente
         lamento não eram raras.                                                                                      desprezados pelas novas autoridades. Os projectos me-
   4.	   O PAIGC era minado por intrigas e conspira-                                                                  galómanos pontificavam-se como verdadeiros elefantes
         çõezitas internas, é bom reafirmá-lo, que cul-                                                               brancos desbaratando a eito toda a ajuda da cooperação
         minaram com o assassínio de Amílcar Cabral                                                                   internacional; sinais exteriores de riqueza exibiam-se de-
         em 1973.                                                                                                     nunciando na mesma medida um certo novo-riquismo e
   5.	   O assassínio de Amílcar Cabral espoletou uma                                                                 o despontar despudorado da corrupção; os bens essenciais
         vaga de execuções sumárias de carácter sangren-                                                              escasseavam; o peso, moeda nacional, depreciava-se a
         to e generalizado com denúncias seguidas logo                                                                um ritmo acelerado agravando o já muito débil poder
         de execuções, sem julgamentos, para evitar, ao     Francisco Fadul, antigo primeiro ministro da GB           de compra; e a economia degradava-se a uma taxa ga-
         que se diz, o seu (das denúncias) efeito boome-                                                              lopante. A insatisfação era total.”
         rang. O envolvimento de dirigentes de topo, da             e de corpo inteiro ao anunciado projecto da           13.  Perante o cenário descrito, que talvez peque
         Guiné, era de tal forma abrangente que, falam              (re)construção nacional.  Acreditaram todos,               por defeito, pois funções de director-geral de
         rumores sustentados, que foi preciso a inter-              com raríssimas excepções, que aqueles que                  importantes empresas públicas chegaram a
         venção do arguto e atento Presidente Samora                foram capazes de levar de vencida, com todo o              ser exercidas por autênticos analfabetos cujo
         Machel que tinha na comissão de inquérito, o               brilhantismo que se lhes reconhece, um exército            único curriculum era ter participado na luta
         seu braço direito Aquino Bragança, a alertar que           europeu, também poderiam ser competentes                   para a independência, rumores permanentes
         se se continuasse com as execuções ficar-se-ia             para gerir o País. Tanto mais que anunciavam               percorriam toda a cidade de Bissau sobre a
         sem gente para continuar a luta tal era a abran-           em grandes parangonas a chegada do “Homem                  iminência de um golpe de estado. O que variava
         gência dos implicados. Isto fez com que muitos             Novo forjado na luta” prenhe de virtudes e                 era apenas a identidade do seu eventual autor
         dos eventuais “implicados” fossem ignorados                convicções nacionalistas.                                  que oscilava entre 2 a 3 nomes;
         para não decepar a estrutura da luta armada.          10.	 O sucesso da luta embriagou o PAIGC e cegou           14.  A 14 de Novembro de 1980, Nino Vieira con-
   6.	   Ainda no ano de 1973, mais propriamente a 24               os seus dirigentes. Declaram guerra à uma in-              suma aquilo que todos esperavam pondo fim a
         de Setembro, a Guiné-Bissau declara a sua in-              defesa e descuidada (politicamente) sociedade              esse governo, do qual ele era primeiro-ministro,
         dependência que será reconhecida de jure pela              de “civis” e não só decretaram o seu desapare-             através daquilo a que chamou “Movimento
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          Reajustador”. Suspende a Assembleia Nacional         i. 	 A 17 de Outubro de 1985, uma alegada intentona                 e humilhante para os protagonistas processou de
          e cria o “Conselho da Revolução”.                         “balanta” para derrubar Nino Vieira foi atribuída a            forma arrogante a retirada, pelas suas próprias
     15.  Foi na sequência desse golpe que aparecem                 Paulo Correia que no seu seguimento foi “julgado”              mãos, das patentes que tinham sido conferidas a
          as valas comuns com algumas centenas de                   e condenado à morte com mais 5 (Binhanquerem                   esses militares.
          cadáveres, pondo a descoberto a máscara hu-               na Tchuda, Braima Bangura, N’Baná Sambú, Pedro           vii. 	A 30 de Novembro de 2000 é assassinado Ansumane
          manística do PAIGC e que pela sua gravidade               Ramos, e Viriato Pam) de entre mais de meia cen-               Mané, de forma bárbara, ao que parece depois de
          e dimensão humana e no quadro do sistema de               tena de acusados. Outros 5 terão perdido a vida na             ele se ter entregado, estando ainda por desvendar os
          funcionamento do PAIGC – estrutura marxista-              prisão (Agostinho Gomes, B’nhate na Biate, Foré                autores e as verdadeiras razões do seu assassínio.
          leninista – não se podem alhear, como bem o               na ‘Mbitna, João da Silva e Zacarias António Perei-      viii.	A 14 de Setembro de 2003, Kumba Yalá, através de
          tentaram, os seus dirigentes de topo (ainda em            ra). Processa-se a partir desta data uma autêntica             um golpe comandado por Veríssimo Seabra, então
          Unidade) em Cabo Verde e na Guiné-Bissau.                 antropofagia entre os dirigentes do PAIGC que se               CEMGFA, à frente de um “Comité Militar”, é de-
          Todos “sabiam” e foram igualmente responsá-                                                                              posto. Renuncia formalmente 3 dias depois, tendo
          veis. A este respeito um outro articulista depois                                                                        sido substituído pelo empresário Henrique Pereira
          de confirmar o quadro descrito no ponto 12,                                                                              Rosa.
          acrescentava:                                                                                                      ix.  	A 6 de Outubro de 2004, Veríssimo Seabra, CE-
    “O que não sabíamos (nem podíamos imaginar) era                                                                                MGFA, é assassinado supostamente por um levan-
que nessa altura o regime já tinha embarcado num pro-                                                                              tamento dos militares que tinham estado na Libéria
jecto criminoso para o qual não havia volta. Nesse preciso                                                                         como força de interposição, aparentemente, por
momento Guineenses estavam a matar Guineenses e a en-                                                                              corrupção ligada à questão salarial.
terrá-los em valas comuns em Jugudul,Cumeré, e outros                                                                        x.   	A 24 de Julho de 2005 Nino Vieira volta ao poder
sítios, num genocídio que nem os colonialistas nos seus                                                                            através de eleições, demite o governo de Carlos
mais criminosos sonhos ousaram apenas imaginar.”(Fim                                                                               Gomes, Jr. (discricionariedade que gera polémica
de transcrição)                                                                                                                    constitucional) e nomeia em seu lugar Aristides Go-
     16.  Com o golpe de 14 de Novembro na Guiné,                                                                                  mes (1 de Novembro de 2005) que é deposto através
          Cabo Verde apressou-se, num gesto pleno de                                                                               de uma moção de censura em 19 de Março de 2007.
          oportunismo e imediatismo, a romper com o                                                                                Carlos Gomes regressa ao poder em Dezembro de
          processo de Unidade que tantas vítimas gerara                                                                            2008 através de eleições ganhas pelo PAIGC com
          na Guiné e em Cabo Verde tendo até estado                                                                                larga maioria.
          nas especulações quanto às causas próximas                                                                         xi.	 A 1 de Março de 2009, Tagma na Waié, CEMGFA,
          do assassínio de Amílcar Cabral. De ambos os                                                                             é assassinado através de um atentado bombista que,
          lados, as congratulações superaram de longe          Tagma na Waié, antigo CEMGFA, morto num ataque                      dadas a sofisticação, técnica e precisão utilizadas,
          as lamentações que não passaram, na maior            à bomba contra o Estado-Maior guineense em 2009                     dizem uns, ter a assinatura dos narcotraficantes
          parte dos casos, de algum decoro e de puras                                                                              estrangeiros não obstante também ele, Tagma, ser
          formalidades.                                                                                                            acusado de controlar uma das várias redes mili-
     17.  O chamado “Movimento Reajustador” mostrou                   vêem privados por eliminação física dos seus mais            tares de narcotráfico; dizem outros, que é obra de
          logo a sua verdadeira face e fez desvanecer toda            proeminentes quadros da luta armada.                         especialistas militares estrangeiros. Acontece que
          a esperança que nele se havia depositado de pro-     ii.  	 A 7 de Junho de 1997 uma tentativa de golpe de es-           Tagma na Waié previa o seu assassínio e apontava o
          mover a concórdia nacional e “reajustar” aquilo             tado levada a cabo por uma “Junta Militar” chefiada          seu futuro autor, pelo menos moral. Tinha deixado
          que se considerava desvio da linha orientadora              por Ansumane Mané, ex-CEMGFA, deposto uma                    uma mensagem aos seus camaradas de armas: “Se
          do PAIGC. Liberto da ala cabo-verdiana do                   semana antes por alegado envolvimento no tráfico             ele me matar de manhã, matem-no à noite”. A este
          PAIGC, o que foi fortemente aclamado pelos                  de armas com os rebeldes de Casamança, gera uma              propósito um amigo meu escreveu: “Talvez tenha
          quadros “lutistas” ávidos de afirmação num                  guerra civil.                                                sido a primeira vez que um morto mata um vivo.”
          ambiente de vazio, nasce um corpo de “nacio-         iii.  	A 7 de Maio de 1999 Nino Vieira é deposto. Parte       xii. 	A 2 de Março de 2009, cumpria-se rigorosamente as
          nalistas guineístas” que se apressa a depurar a já          para o exílio depois de obrigado a renunciar o cargo         ordens de ex-CEMGFA, com o assassínio de Nino
          muito débil administração do estado através de              de PR que é assumido interinamente, nos termos da            Vieira que se diz ter sido uma mistura de tiros e
          autêntica caça às bruxas com o beneplácito do               Constituição, pelo Presidente da ANP, Malam Bacai            catanadas da forma mais selvagem e bárbara que
          poder instituído e dos seus acólitos. O aparelho            Sanhá pondo fim a uma guerra civil de 11 meses.              se possa imaginar. Dizem uns, por gente ligada a
          repressivo é aperfeiçoado e a debandada dos          iv.  	Em Julho de 1999, processam-se importantes emen-              Zamora Induta a mando do PM Carlos Gomes,
          quadros técnicos, sobretudo, de origem cabo-                das na Constituição: Abolição da pena de morte;              Jr. e outros que a operação fora levado a cabo por
          verdiana é praticamente geral. A incompetência              limitação de mandatos de presidente da república a           membros do Batalhão de Mansôa que se encontrava
          e a iliteracia tomam conta do próprio governo; a            dois; estabelecimento de que os principais titulares         sob o comando de António Injai que:
          desilusão e a decepção regressam com o mesmo                de cargos de estado têm que ser guineenses, filhos         “Uma semana antes Indjai assinara em Bissau, perante
          fulgor dos primórdios da independência.                     de pais guineenses. [ii]                               uma comissão composta pelo Primeiro-ministro, Carlos
     18.  Nino Vieira tendo enveredado pelo mesmo              v.  	 A 16 de Janeiro de 2000, Kumba Yalá, do PRS,            Gomes Júnior, CEMGFA, Zamora Induta, Procurador-Ge-
          caminho do seu antecessor, e temendo que                    vence as eleições presidenciais contra o candidato     ral da República e o Presidente, um documento onde reco-
          lhe acontecesse o que ele próprio havia feito,              do PAIGC, Malam Bacai Sanhá. Com a eleição de          nhecia estar envolvido numa operação de narcotráfico que
          engendrou a sua eternização no poder, com a                 Kumbá Yalá as funções presidenciais perderam           ocorrera no aeródromo de Cufar, sul da Guiné, desmante-
          eliminação de todos aqueles que com o prestígio             dignidade e respeito devido a postura histriónica      lada «in extremis» pelos militares de Zamora Induta. Na
          também de antigos combatentes, fonte da sua                 do presidente potenciada com actos caricatos e         mesma ocasião ficou estabelecido que António Indjai seria
          legitimação, lhe podiam fazer frente. Uma figu-             indignos para a imagem interna e externa do País.      automaticamente exonerado do cargo de número dois das
          ra despontava e impunha-se pela sua postura                 Mas o mais grave é a tentativa de “balantização” do    forças armadas e partiria para Cuba, oficialmente, em
          de discrição, honestidade, fino trato, sensatez e           exército com a elevação a patentes de comando de       «tratamentos médicos».” (Fim de transcrição)
          clarividência, tanto entre aqueles que de perto             muitos militares.                                      xiii.	A 5 de Junho de 2009 são assassinados Baciro
          trabalharam e trabalhavam com ele, como em           vi. 	 O acto de promoção por parte do PR desagradou                 Dabó, candidato às presidenciais e Helder Proença
          toda a sociedade guineense – Paulo Correia.                 o então CEMGFA, Ansumane Mané, que numa
     19.  É assim, que:                                               atitude pública e mediática provocatória, insensata                                                         u
04                                                                                                                                                            Nº 546 • 16 de Maio de 2012




Especial Guiné-Bissau

u
     (Político dinâmico, ex-Ministro da Defesa de Nino         munidade Económica dos Estados da África Ocidental                       hoje um partido de assassinos. É uma triste e
     Vieira). Sobre o assassínio de Baciro Dabó, escreve       (CEDEAO), Abdel Fatau Musah. “O facto de ele estar a                     deprimente constatação.
     um analista num artigo intitulado “Figuras de Nar-        controlar as coisas é muito desagradável”.                          22.	 O sonho de Cabral do seu PAIGC gerar um
     cotráfico na Guiné-Bissau:                                xvi.	Malam Bacai Sanhá morre em França a 9 de Ja-                        “homem novo forjado na luta” com princípios
   “Pedra basilar de todo o fenómeno do narcotráfico na              neiro de 2012 e as eleições presidenciais para a                   e valores bem sintonizados com o respeito pela
Guiné-Bissau foi Baciro Dabó, assassinado na madruga-                sua substituição têm lugar a 18 de Março de 2012,                  dignidade do Homem e defesa do humanismo e
da de 5 de Junho de 2009 em mais uma alegada tentativa               data que buscava o cumprimento de um preceito                      da humanidade foi completamente defraudado
de Golpe de Estado a assolar a ex-colónia portuguesa.                constitucional e tinha a concordância de todos os                  pela metamorfose que esse homem sonhado e
Baciro Dabó ocupou entre 2006 e 2008 as pastas de Se-                partidos e de todos os putativos candidatos avisados               idealizado terá sofrido, surgindo como o mais
cretário de Estado da Ordem Pública e posteriormente                 da desactualização dos Cadernos Eleitorais e da                    acabado homo belicus,  perito na arte de ma-
de Ministro da Administração Interna. Em final de 2008,              impossibilidade de os regularizar nesse lapso de                   tar.
e não obstante o avolumar de suspeitas internacionais                tempo.                                                        23.	 E Amílcar Cabral, homem inteligente e arguto,
de envolvimento no narcotráfico, Baciro foi nomeado            xvii.	O decorrer das eleições e os resultados da 1ª volta                tinha plena consciência da limitação e inca-
Ministro da Administração Territorial.”                              não deixaram qualquer dúvida aos observadores                      pacidade dos seus homens para o exercício
   Mais adiante, continua o mesmo articulista:                       internacionais que se pronunciaram e a diferença                   de tarefas fora do contexto “militarista”. E ad-
   “Mas a transformação da Guiné – Bissau em Nar-                    de votos entre os candidatos também não deixava                    vertiu-os, embora sem sucesso, que a luta não
co-Estado não foi trabalho exclusivo de Baciro Dabó.                 espaço para a reclamação posteriormente engen-
Apesar do lugar central que desempenhou, Baciro teve                 drada. O peso das eventuais irregularidades, seria
a conivência e o apoio das principais figuras do Estado              insignificante para alterar o curso normal das elei-
Guineense, desde políticos, militares a empresários e                ções. E a existirem seria mais fácil encontrarem-se
deputados, alguns deles ainda em funções.                            entre o 2º e o 3º classificados do que entre o 1º e os
   Nino Vieira, o ex- Presidente da República Guineense              outros. (vide quadro)
assassinado a 2 de Março de 2009, ocupou um lugar               
central em todo este processo.”
xiv.	Bacai Sanhá é eleito Presidente da República a 28
     de Junho de 2009 vencendo Kumba Yalá numa 2ª
     volta.
xv.	 A 1 de Abril de 2010, uma tentativa de golpe de
     estado conduzida pelo vice-CEMGFA, Gen. An-
     tónio Injai e pelo Alm. Bubo na Tchuto, detém o
     PM Carlos Gomes, Jr. com ameaça de morte, caso
     houvesse reacção popular de apoio bem como o seu
     CEMGFA, Alm. Zamora Induta. O silêncio inicial                                                                            Henrique Rosa foi presidente da Guiné-Bissau, ainda
     do então-Presidente da República, Malam Bacai                                                                             que de forma interina
     Sanhá, foi notória e a sua condenação tímida e tar-
     dia foi grave, sobretudo ao classificar a ocorrência      xviii.	A iminência de uma derrota anunciada na 2ª volta
     como um “pequeno problema entre militares”. Mas                  por parte da oposição levou que o seu mais bem                     era um investimento em proveito próprio, ao
     mais grave ainda foi o facto do autor do atentado ter            classificado candidato, por coincidência da etnia                  preconizar o encontro de Ensalmá da forma
     sido, por ele, nomeado no seguimento do seu acto                 balanta, um ex-presidente, eterno contestatário e                  como o faz:
     a CEMGFA tal como reivindicava apesar do aviso                   pertencente ao maior partido da oposição “mani-              “A Luta que levamos a cabo com a arma na mão para
     americano através de um comunicado transmitido                   pulasse” – só assim se compreende – os outros que        tirar os tugas do nosso chão, para a nossa Independência,
     da sua embaixada em Dakar:                                       se lhe seguiam e os levasse de forma absolutamente       é o programa mínimo que estamos a cumprir. Não pensem
   “É impossível para os EUA contribuir para o processo               inconsequente a se lhe juntarem no coro de protes-       que vamos todos mandar em Bissau. Para aquele que era
de reforma da segurança e da defesa se essas pessoas, ou              tos.                                                     mecânico, electricista, pescador, agricultor quando entrou
outros implicados no tráfico de estupefacientes, forem no-     xix.	No dia 11 de Abril os 5 candidatos mais votados            na Luta, irão ser criadas condições para ele continuar a
meados ou permanecerem em postos de responsabilidade                  depois de Carlos Gomes, Jr, encabeçados por              sua actividade e viver o seu estatuto de combatente da
nas forças armadas”, acrescentando em outro passo:                    Kumba Yalá, seu porta-voz, dão uma conferência           liberdade da pátria. A nossa Independência termina em
   É “imperativo” que o chefe das Forças Armadas – que                de imprensa, em que o porta-voz afirma que não           Ensalmá. Ela vai ser entregue à gente que virá ao nosso
deve ser nomeado em breve pelo Presidente da Repú-                    só ele não compareceria à 2ª volta, como ela, a 2ª       encontro para a assumir. Essa gente é que irá começar
blica, Malam Bacai Sanhá – não esteja “implicado nos                  volta, não se iria realizar, num anúncio claro de        a cumprir o Programa Maior que é compor a terra,
acontecimentos de 01 de Abril”, evocando implicitamente               interrupção do processo eleitoral.                       tarefa maior e mais complicada.” (O negrito é meu)
o major-general António Indjai.                                xx.	 No dia 12 de Abril, dá-se o golpe de estado, com                24.	 Cabral falhou redondamente na formação
   Mais tarde, num despacho da Lusa lê-se:                            a detenção de PR interino, Raimundo Pereira, e                     do “Homem Novo”. E tinha a consciência do
   “O governo americano espera trabalhar com as auto-                 do candidato Carlos Gomes, Jr. (PM com funções                     “monstro” que estava a criar. Os seus sucessores
ridades guineenses para desalojar as pessoas que ocupam               suspensas e destacado 1º classificado na 1ª volta) de              mostraram-se medíocres, mesquinhos, estreitos
funções oficiais e que se servem do seu poder para facilitar          entre outros importantes membros do Governo.                       de espírito (narrow mind) e algo oportunista
o tráfico de estupefacientes”.                                        20.	 Registe-se que esta onda de violência que vem                 tirando proveito da parte mais superficial da
   Ainda no decorrer deste caso e sobre o Alm. Bubo                        desde o início da luta armada, não pode ser                   sua filosofia que era a incitação ao cumprimento
na Tchuto, seu cúmplice, escreve um analista:                              atribuída a este ou aquele actor político-militar             de um programa mínimo – Independência dos
   “No dia 1 de Abril, soldados leais a Bubo Na Tchuto                     em especial, mas a uma cultura de violência                   territórios da Guiné e de Cabo Verde – que exi-
entraram no edifício da ONU e resgataram-no[iii],                          interiorizada e que se manifestou na luta pelo                gia sobretudo engenho militar e mais não era
enquanto detinham o primeiro-ministro Carlos Gomes                         poder.                                                        do que uma etapa mínima da luta de libertação
Júnior e o Chefe do Estado-Maior General, almirante                   21.	 O mais estranho é que os que matam são do                     no qual ainda continuamos fortemente empe-
Zamora Induta.                                                             PAIGC e os que morrem também o são num                        nhados e como ele diz, não podia ser feita nem
   “Bubo Na Tchuto é a força por trás de todas as outras                   ritual de antropofagia sem precedentes. O                     liderada só pelos participantes da 1ª etapa que
forças”, disse à reportagem o director político da Co-                     PAIGC ontem, um partido de heróis; o PAIGC                    para tal faltava-lhes o “know how”.
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       25. 	A ganância, a arrogância e um certo autismo             e Primeiro-Ministro, respectivamente. Regresso dos           terinos não poderiam candidatar-se às eleições que
            apoiados apenas e tão-somente no poder das              militares às casernas.                                       ela (CEDEAO) preconizava. Em conclusão: Não há
            armas falaram mais alto.                          v.   	Pergunta-se: Que legitimidade têm os militares para          memória da CEDEAO ter resolvido um golpe de
       26.	 E enquanto o Encontro de Ensalmá não acon-              interromper a ordem constitucional democratica-              estado em que os golpistas não fiquem incólumes e o
            tecer para que interiorização da força do saber         mente instalada e impor a sua vontade?                       golpe, de forma directa ou encoberta, legitimado.
            e da razão suceda à força das armas, os golpes    vi.	 As reacções internas e externas não se fizeram es-      x. 	 Como era de esperar, o PAIGC, uma vez mais firme
            não pararão. E só o PAIGC pode operar esta              perar.                                                       nas suas posições de reposição da ordem constitu-
            inversão porque foi ele que o criou. Todos os     vii.	 Tiveram, os golpistas, um tímido mas declarado               cional, rejeitou liminarmente a recomendação pro-
            principais protagonistas, em todos os golpes            apoio inicial da parte dos cinco candidatos que              posta pela CEDEAO, pois representava na realidade
            ou tentativas, são do PAIGC. Um outro impor-            contestavam os resultados eleitorais de que falamos          legitimação do golpe e um pacto com os golpistas
            tante denominador comum é a encorajadora                atrás –  depois deram o dito por não dito – bem              para os quais não havia sanções.
            IMPUNIDADE de que os autores dos golpes                 como de algumas forças políticas da oposição e         xi. 	 Os interesses que gravitam à volta da CEDEAO são
            e das tentativas sempre se beneficiaram. E              condenação de toda a população e das organizações            vários e de vária índole. Por comodidade e algum
            é sobre este aspecto que alguém num longo               internacionais e de todo o mundo, destacando-se              decoro apenas os caracterizamos como sendo uns
            trabalho tipo ensaio deixa as seguintes inter-          a veemência e contundência da CPLP, da União                 de carácter endógeno, outros exógenos em relação à
            rogações:                                               africana, do Secretário-Geral das Nações Unidas, do          própria região. Quer uns quer outros, todos à volta
    “Quem foram os assassinos de Robalo, Nicandro Perei-            Conselho de Segurança, da União Europeia que exi-            daquilo que podemos sintetizar como interesses
ra Barreto, Ansumane Mané, Veríssimo Correia Seabra,                giram o retorno imediato e incondicional à ordem             hegemónicos na região e de passagem algum res-
Domingos Barros, Lamine Sanha e outros? Quem foram                  constitucional e sanções aos golpistas. A CEDEAO             sabiamento.
os responsáveis pela vala comum descoberta após golpe               condenou-o ao mesmo tempo que se apressava em          xii.	 A UA e UE tomaram medidas concretas. A pri-
de 1980 que derrubou Luis Cabral? Quem foram os                     pactuar ao propor negociar uma solução.                      meira suspendendo de imediato a Guiné-Bissau da
traficantes de armas que deram origem à guerra civil na       viii.	O Governo da Guiné-Bissau falava em todos os                 Organização enquanto a segunda fechava as suas
Guiné-Bissau? Quando é que serão julgados os políticos              fóruns com a legitimidade e a autoridade que a               fronteiras aos golpistas, ambas exigindo o retorno
e militares suspeitos de Narcotráfico? Porque Bubo na               legalidade internacional lhe conferia, através do            à ordem constitucional.
Tchuto não foi julgado pela acusação de tráfico de droga            seu representante para política externa – Ministro     xiii.	A firmeza do PAIGC tem sido nota dominan-
e pela acusação da tentativa de golpe de estado? Porque             das Relações Externas. Um erro que os golpistas              te. Não abdicar minimamente dos seus direitos
é que Intchami Yalá não foi julgado pela tentativa de               cometeram e que lhes custou a veemência, a firmeza           constitucionais. A procissão ainda vai no adro e
golpe? Quem foi o responsável pelo desaparecimento de               e a constância do discurso de condenação em todas            é nesta firmeza e defesa de princípios que, a meu
500 quilos de cocaína apreendidos e guardados no tesouro            as frentes bem como a inquestionável solidariedade           ver, estará a solução política, não direi definitiva
Público? Quem foram os assassinos de Tagma na Waié e                internacional.                                               mas duradoura, dos golpes de estado. Deverão ser
João Bernardo Vieira? (fim de trancrição).                                                                                       procurados procedimentos complementares. A luta
       27.	 O último golpe, o de 12 de Abril, merece uma                                                                         armada terminou há 40 anos. Uns poucos, muito
            atenção mais cuidada, embora não caiba nesta                                                                         poucos, são os militares ainda vivos, com verda-
            minha tarefa – animar o debate – analisá-lo                                                                          deiro e legítimo estatuto de antigos combatentes
            em pormenor. Vamos retomá-lo – o golpe de                                                                            para a independência nacional, isto é, oriundos da
            12 de Abril – para continuar o que no início                                                                         luta armada. E é para eles, só para eles, que se deve
            dissemos:                                                                                                            procurar afincadamente uma saída militar, diria,
i.  	 Os autores do golpe, não conseguem justificá-lo.                                                                           humanista, condigna.
       Atribuem-no à presença das forças angolanas – um                                                                    xiv.	A questão do narcotráfico deve ser vista e tratada
       pequeno contingente de cerca de 200 homens – no                                                                           numa óptica global. Só a Guiné-Bissau por si só,
       território, como ameaça para as forças armadas                                                                            não tem meios, nem humanos, nem materiais nem
       (mais de 4.000 homens) e a uma carta da qual só                                                                           financeiros para resolver o problema.
       apresentam uma eventual minuta, do PM para o                                                                        xv.	 Feita esta panorâmica da espiral de violência na
       Secretário-Geral das Nações Unidas solicitando                                                                            Guiné-Bissau, que vem desde os tempos da luta
       uma força de interposição (estabilização).                                                                                armada, penso que estão criadas condições mini-
ii.  	 A 1ª justificação visava obter o apoio popular atra-                                                                      malistas para um debate sobre As Crises Polí-
       vés do apelo ao sentimento nacionalista contra um                                                                         tico-Militares na Guiné-Bissau: Causas,
       “invasor” estrangeiro (funcionou outrora) e a 2ª que                                                                      problemas e  Soluções,  tema proposto pelo
       se tratava de “agressão” contra as FA, ameaçadas de                                                                       Centro de Estudo e Estratégias do MNE. Não se
       controlo e extinção, feita nas suas costas e contra                                                                       trata, obviamente, de uma palestra que exigiria uma
       a sua vontade porque, justificam, a Guiné não está                                                                        outra abordagem, mas sim de uma nota introdutó-
       em guerra.                                                                                                                ria, de um auxiliar de memória, dos parâmetros que
iii. 	As verdadeiras motivações continuam por “desven-                                                                           devem nortear o debate. Não há posições acabadas,
       dar” uma vez que as apresentadas não colheram. E       Combate ao narcotráfico terá impulsionado o golpe                  mas apenas tópicos para reflexão.
       um dado imediato é o impedimento da realização         na Guiné-Bissau
       da 2ª volta das eleições presidenciais na data apra-                                                                   Notas:
       zada.
iv. 	 Reivindicam para o “regresso” aos quartéis, a           ix. 	 A solução encontrada pela CEDEAO, que se tem             [i] Tema do debate para o qual fui convidado para
       criação de um Conselho Nacional de Transição;                mostrado incapaz de todo, de resolver este tipo de       “Animador”
       nomeação de um novo Presidente da República e                problema, não representava nem de perto nem de           [ii] Amilcar não poderia exercer nenhum cargo do
       de um novo Primeiro-Ministro; Eleições legislati-            longe, a tolerância zero estipulada pela organiza-       poder de estado na Guiné-Bissau sendo filho de pais
       vas e presidenciais, em simultâneo, num prazo de             ção, pois contemplava os interesses dos golpistas        cabo-verdianos.
       dois anos; manutenção, obviamente, das chefias               ignorando o governo legítimo, democraticamente           [iii] Bubo na Tchuto encontrava-se escondido nas
       militares; recusa de qualquer solução que inclua o           eleito e indo mais longe ao cercear, para agradar os     instalações da Representação das NU em Bissau
       regresso de Raimundo Pereira e Carlos Gomes, Jr.             golpistas, o acesso ao poder de alguns dirigentes        depois de ter regressado da Gâmbia para onde fugira
       às suas funções de Presidente da República interino          do PAIGC ao invocar que o presidente e o PM in-          para não ser preso por acusação de narcotráfico.
06                                                                                                                                                 Nº 546 • 16 de Maio de 2012




Especial Guiné-Bissau



MISSANG: Crónica de um Fracass
                                   gregas, as ditas referências
                                   históricas.
                                      O esvaziamento do factor                        Os Altos e Baixos de uma
                                                                                      Relação Estado a Estado
                                   colonização comum, como ele-
                                   mento simbólico aglutinador,
                                   de que os PALOPs inclusive se
                                   valeram enquanto grupo, para
                                   manter avivada os tais laços
                                   históricos e de cumplicidade                                                                                A capital guineense acolhe
                                   mútua, incumbiu-se de soltar                                                                             em Junho de 1978 a Cimeira
                                   as rédeas dos rumos das duas                                                                             de Bissau, que sob a égide do
                                   capitais africanas.                                                                                      então presidente guineense, Luís
                                      E Luanda e Bissau de tempo                                                                            Cabral, ensaia a reaproximação
Por Nelson Herbert, Jornalista     em tempo foram-se reencon-                                                                               Agostinho Neto a Ramalho
                                   trando no quadro de uma                                                                                  Eanes.
                                   comunidade linguística, a                                                                                   Sobre esse encontro entre
                                   CPLP, que tem por sinal na sua                                                                           Luanda e Lisboa, o investigador
                                   génese um factor também ele                                                                              António Duarte identifica entre
                                   exógeno, de “aproximação” dos




A
                                                                                                                                            outros aspectos da estratégia de
                                   dois estados e povos.                                                                                    Neto, a necessidade de «criar
             o envolver-se no         Por conseguinte, de um                                                                                condições para se gerar uma
             processo de re-       panorâmico e crítico olhar                                                                               aproximação com os EUA, fa-
             forma do sector       sobre o historial das relações                                                                           zendo cessar o apoio deste país
             da defesa e da se-    MPLA–PAIGC ressalta esta                                                                                 aos movimentos da FLNA e da
gurança, na Guiné-Bissau,          insofismável constatação.                                                                                UNITA».
no âmbito de um acordo de             Sem prejuízo da cumplici-                                                                                Mas o golpe de estado de
cooperação técnico-militar,        dade gerada pela luta comum,       Ramalho Eanes (esq.), Luís Cabral (cen.) e Agostinho Neto (esq.)
                                                                                                                                            14 de Novembro de 1980, que




                                                                      D
Angola fê-lo em parte, evo-        travada em frentes distintas,                                                                            depôs Luís Cabral, acaba por as-
cando as históricas relações       afinal os outrora laços de afec-                o passado do relacionamento entre       sinalar o início de uma era distinta, nas relações
entre o MPLA e o PAIGC.            to entre os dois partidos dos                   a Guiné-Bissau e Angola são iden-       entre os dois estados.
   Relações de afecto e de         “camaradas” circunscreviam-                     tificados dois períodos imediatos,         Luanda não vê na altura com bons olhos o
cumplicidade entre elites          se muito mais ao nível pessoal                  diametralmente distintos e uma          “movimento reajustador” de Nino Vieira, por
partidárias, que remontam          e da elite dirigente de ambos      terceira fase, esta em estado embrionário que        razões de solidariedade a Luís Cabral e não
aos tempos da Casa dos Es-         os movimentos de libertação        tem como seu ponto alto, a presença da MIS-          menos determinante, o 27 de Maio de 1977
tudantes do império, em Lis-       do que entre as bases da mili-     SANG e os interesses económicos angolanos na         de Nito Alves , três anos antes, condicionava a
boa, sedimentadas nos anos         tância activa.                     Guiné-Bissau.                                        condescendência e a tolerância de Angola para
de exílio em Conacri e de luta        No caso do PAIGC, na sua           Foi pois durante a presidência de Luís Cabral,    com movimentos “putschistas” do género!
contra o domínio colonial          maioria, mestiça ou cabo-ver-      nos primórdios da independência da Guiné-               Dai ao esfriamento das relações entre os dois
comum.                             diana, que a independência         Bissau, que o estado das relações entre Luanda       países e o extremar de posições, foi apenas um
   Um argumento que entre-         de Cabo Verde e mais tarde, o      e Bissau vive os seus momentos áureos.               compasso de espera.
tanto foi resistindo aos ventos    golpe da ruptura do projecto de       Na gesta da solidariedade e da luta anti-            No auge da guerra civil angolana, Luanda ex-
da história e das conjunturas,     união entre os dois estados a 14   imperialista da ocasião, Bissau despacha, para       perimenta na década 90 e na frente diplomática
graças a carolice de uns tantos    de Novembro de 1980 na Gui-        Angola efectivos do seu comando “Abel Djassi”,       internacional, os primeiros sinais da quebra de
dirigentes históricos dos dois     né, liderado por Nino Vieira, se   municiadores de famosos mísseis “Strela” que na      solidariedade no relacionamento com Guiné-
partidos, mas que provavel-        encarregou de fixar, nas ilhas     fase derradeira da luta pela libertação tinham       Bissau.
mente hoje jaz inerte algures      atlânticas cabo-verdianas.         contido a supremacia aérea do exército colo-            Como membro do Conselho de Segurança
no pante ao de um cemitério           Convenhamos, um factor a        nial, desequilibrando o conflito, para o lado da     das Nações Unidas (1996/97) Bissau destoa
qualquer de ideais pan-afri-       explicar em parte a cordialida-    guerrilha independentista.                           dos demais poderes estabelecidos nos Palop’s
canistas!                          de das relações entre Luanda          O MPLA estaria prestes a proclamar uni-           no apoio e na solidariedade ao MPLA no poder
   A geografia, os conflitos, as   e Praia enraizada por certo        lateralmente a independência do país a 11 de         em Angola enquanto paralelamente ensaia uma
purgas internas e as guerras       nos tais laços históricos entre    Novembro de 1975, em Luanda. E impunha-se            aproximação as posições da UNITA.
civis presentes no passado         nacionalistas contemporâneos       garantir o mínimo de segurança ao acto ante             Com a rebelião militar de 1998/99 liderado
histórico recente de ambos os      que conduziram os destinos         as ameaças de incursões aéreas da forca aérea        por Ansumane Mané e que culmina no der-
países, isto sem se perder de      dos dois países, no dealbar das    sul-africana e zairense.                             rube de Nino Vieira, do poder, o presidente
vista a importância da nova        respectivas independências            São pois os tempos da “ponte aérea” de soli-      angolano vale-se da oportunidade para se res-
geração de dirigentes políticos    e em termos comparativos,          dariedade à Angola, com as forças do MPLA, a         sarcir dos prejuízos que a postura do regime de
na renovação das referenciadas     a frouxa impetuosidade que         fazerem frente a uma invasão externa movida          Bissau, trouxera a diplomacia angolana.
simbologias comuns, trataram       marca as relações entre Luanda     pelo Zaire de Mobutu e pela África de Sul de            Crítica na sua intervenção na cimeira dos
de relegar para as calendas        e Bissau.                          Pik Botha.                                           chefes de estado da CPLP, de Julho de 1998 na
07




so Anunciado
 capital cabo-verdiana, Praia, que tem a guerra civil      no leste do país, com um potencial de mineração          segurança, na origem das cíclicas e violentas convul-
 guineense no topo da agenda, a governação de Nino         calculado em 110 milhões de toneladas despertam          sões vividas no país, de nada valeriam os avultados
 Vieira, a quem inclusive assaca responsabilidades pelo    o interesse de investidores angolanos. Um mega-          investimentos preconizados.
 envolvimento de forças estrangeiras, nomeadamente         investimento orçado em cerca de 400 milhões de              Dos acordos de cooperação militar celebrados com
 do Senegal no conflito.                                   dólares americanos que prevê ainda construção de         o governo guineense, Luanda dificilmente consegue
                                                           um porto de águas profundas na região de Quina-          disfarçar a associação lógica destes, com os seus inte-
                                                           rá, no sul da Guiné-Bissau e uma via rodoviária e        resses estratégicos e económicos no país.
                                                           ferroviária que ligará a região mineira de Boé ao           E é pois neste contexto que a missão de cooperação
                                                           porto de Buba.                                           militar angolana, MISSANG avança para a Guiné-
                                                              Mas, seria entretanto o sector militar a merecer a    Bissau de mãos dadas com os indisfarçáveis interesses
                                                           maior acuidade por parte das autoridades angolanas.      económicos de Luanda, tacteando um terreno que sob a
                                                           Afinal, sem a pronta reforma do sector da defesa e da    ilusão de familiar, se lhe impunha entretanto inóspito.



                                                                 Missão de Paz, em Terreno Movediço
                                                              O país acabava de sair de mais uma das cíclicas       da Paz no país levanta em Nova Iorque as suas dúvidas
                                                           e turbulentas convulsões políticas e militares, com      quanto à independência do governo face ao poder mili-
                                                           a tropa e a classe política no centro de um jogo de      tar. A União Europeia une a sua voz ao coro de protestos
                                                           intrigas palacianas que invariavelmente desemboca        internacionais e desaconselha as nomeações. Bissau
                                                           nos tais ajustes de contas.                              assobia pró lado e justifica a decisão à “uma tentativa do
                                                              A vítima desta vez seria Zamora Induta, o chefe de    poder legítimo, do Governo e da Presidência da Repú-
                                                           estado-maior das forças armadas. Um episódio que         blica, de criar um clima propício para a implementação
                                                           leva ainda a detenção do primeiro-ministro Carlos        da reforma do sector de defesa e segurança”.
                                                           Gomes júnior, pelos militares, revoltosos.                  Os europeus debandam e decidem não renovar a
                                                                                                                    missão de apoio a reforma do sector da defesa e da
 João Bernardo Vieira “Nino”, assassinado em 2009                                                                   segurança.
                                                                                                                       Confrontado com este cenário de desmobilização
                                                                                                                    da comunidade internacional e de descrédito do poder
    O anúncio da intenção de Nino Vieira de regressar                                                               em Bissau, que Angola sem a cobertura de um “man-
 ao país para se candidatar as eleições presidenciais em                                                            dato internacional, avança como a “solução africana”
 2005 foi um outro aspecto a não passar despercebido                                                                para um problema que ciclicamente está na origem
 ao líder angolano.                                                                                                 dos conflitos de contornos violentos e sangrentos que
    Dos Santos alerta na altura para o impacto de uma                                                               assolam a Guiné-Bissau.
 tal “aventura”, na frágil estabilidade guineense, que
 assente sob os escombros de uma recente guerra civil,
 carecia de consolidação.
    Entretanto, ao fim de seis anos de um exílio forçado
 em Portugal, Nino Vieira consuma o regresso, carim-
 bando assim o seu próprio passaporte para a morte.
    Mas ironicamente foi com o regresso daquele
 antigo chefe guerrilheiro ao poder em 2005, que Lu-
 anda relança os contactos e ensaia a reaproximação a
 Guiné-Bissau.                                             Carlos Gomes Júnior, primeiro-ministro deposto da
    No auge da guerra civil na Costa do Marfim, o          Guiné-Bissau
 envolvimento de Angola numa alegada violação do
 embargo internacional de armas decretado em 2004
 contra aquele pais oeste africano, pelo Conselho de          Mas contrariando a pressão internacional, seria
 Segurança das Nações Unidas,  é referenciad0 pela         o próprio Carlos Gomes Júnior a premiar a cúpula
 imprensa marfinense.                                      golpista, liderada por António Indjai e Bubo Natchu-
    No centro da controvérsia, o apoio declarado de        to, que são reconduzidos na liderança da estrutura
 Luanda ao presidente Laurent Gbagbo com a Guiné-          castrense.                                               José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola
 Bissau a servir-se de placa giratória de um alegado          Washington denuncia o gesto de Bissau e parte para
 fluxo ilícito de armamentos e munições destinados às      a adopção de sanções contra as novas chefias militares
 então forças governamentais marfinenses. Mas Bissau       guineenses que acusa de envolvimento numa rede              No terreno a presença militar angolana faz face
 e Luanda preferem remeter-se ao silêncio!                 de trafico internacional de droga que afecta a África    às primeiras resistências de sectores de umas forças
    Em 2009, as jazidas de bauxite de Madina de Boé,       Ocidental. A Comissão da ONU para a Consolidação         armadas, de uma forte acentuação ideológica que
08                                                                                                                                                   Nº 546 • 16 de Maio de 2012




Especial Guiné-Bissau

u
reclama uma simbólica legitimidade que se chega a            Afinal, de facções e de rupturas se faz a história do    colonial de Portugal e que tem porventura, os assas-
confundir com a própria génese da formação do estado       PAIGC, uma maldição que remonta aos primórdios             sinatos de Amílcar Cabral e de Nino Vieira, entre os
independente da Guiné-Bissau.                              da luta pela independência daquele antigo território       seus mais mediáticos episódios.
   Convenhamos “símbolos de legitimidade” para cujo
reavivamento, o próprio PAIGC, em muito contribui
particularmente sempre e quando para fins eleitoralis-
tas esteja em causa a revigoração da memória colectiva     PAIGC: um percurso de conflitos internos
nacional e a evocação da importância histórica deste




                                                           U
partido na construção do estado independente da
Guiné-Bissau.                                                            m rápido olhar sobre a
   Aliás a associação tácita do PAIGC aos símbolos                       história deste partido
do estado e da nação em construção, pela primeira                        da independência da
vez criticada de forma aberta na recente campanha                        Guiné-Bissau remete-
eleitoral para as eleições presidenciais de 18 de Março    nos a certeza de que, dos partidos da
último, nomeadamente a bandeira nacional que se            independências das antigas colónias
confunde com símbolos partidários, expõe as conve-         portuguesas em África, tem sido
niências daquele partido, na evocação de um legado         aquele que mais momentos de tur-
histórico, da qual insiste entretanto em deserdar as       bulência interna tem enfrentantado
actuais forças armadas, que dela contínua sendo uma        — sempre e quando em causa estiver
espécie de apêndice.                                       a realização das suas reuniões magnas
   Um coro de vozes da oposição guineense, opõem-se à      ou conferências nacionais para a in-
presença da MISSANG, que chegam inclusive a compa-         digitação de candidatos presidênciais
rar a uma força de ocupação, enquanto a vida política do   ou para a liderança do partido.
pais, continuava sendo animada pelo cortejo de intrigas       A permeabilidade das casernas mi-
políticas no seio do PAIGC e do governo.                   litares as divergências e contradições
                                                           intestinas daquele partido histórico
                                                           guineense, apenas se incumbe do resto.                     Mané com todo um cortejo de consequências e impli-
                                                                                                                      cações a espraiar-se aos tempos actuais.
                                                                                 PAIGC                                   A expulsão de dirigentes próximos do então pre-
                                                                                                                      sidente Nino Vieira, no congresso de 2008 seria pois,
                                                              Em 1973, o II congresso Amílcar Cabral de Boé, o        invariavelmente o prelúdio de mais um dramático
                                                           da sucessão de Amílcar Cabral na liderança do partido,     episódio, entretanto consumado a 2 de Abril de 2009
                                                           acentuam-se as divergências entre a ala cabo-verdiana      com assassinato daquele chefe de estado.
                                                           e guineense do partido. Uma ruptura que seria entre-          Um episódio que entre outras eventuais conexões,
                                                           tanto adiada até Bissau.                                   nomeadamente o factor ajuste de contas, em parte de-
                                                              O seu III Congresso de 1977, o primeiro do pôs          vido a “mão de ferro” com que Nino Vieira lidou com
                                                           independência, por sinal o congresso da controvérsia       o caso 17 de Outubro de 1987, a do fuzilamentos dos
                                                           da nova constituição da república e das desavenças         oficias e militantes do partido, de etnia Balanta, contou
                                                           em redor da atribuição das patentes militares, acaba       com a cumplicidade de sectores do PAIGC.
                                                           por precipitar o golpe de estado de 14 de Novembro            Nas eleições presidenciais de Junho de 2008, Baciro
                                                           de 1980, que destituiu Luís Cabral.                        Dabó, um antigo chefe da secreta guineense destoa-se
                                                              Em 1991, no seu V conclave, o da abertura política      da decisão partidária e resolve — à revelia do PAIGC
Malam Bacai Sanhá, falecido em Janeiro de 2012             do país ao multipartidarismo, o PAIGC experimenta          — avançar como independente e à revelia do PAIGC,
                                                           a primeira grande cisão da sua história. Um grupo de       na corrida para a presidência guineense. Uma ambição
                                                           121 militantes, entre intelectuais e quadros, abandonam    que de resto custa-lhe a vida, em circunstâncias ainda
   De um lado o núcleo de Malam Bacai Sanhá, que           aquele partido histórico.                                  por esclarecer.
conta com a circunstanciada aliança da outrora ala            Facto curioso desta cisão é que nas eleições legis-        A crispação gerada pelas primárias internas do
partidária afecta a Nino Vieira. Do outro, a de Carlos     lativas meses depois, as primeiras multipartidárias da     PAIGC, para a escolha do candidato do partido às
Gomes Júnior, que a despeito dos históricos do PAIGC,      história do país, dos 13 partidos concorrentes, incluin-   presidenciais de 18 de Março último que, recorde-se,
via entretanto galvanizar a sua meteórica ascensão na      do o PRS do controverso Kumba Yalá, apenas a Frente        colocaram Carlos Gomes Júnior, o líder do PAIGC e
liderança do partido dos “camaradas”.                      de Libertação Nacional da Guiné (FLING), partido           chefe do governo e Serifo Nhamadjo, vice-presiden-
   E natural seria que a resistência a presença militar    rival do PAIGC cuja existência remonta ao período          te da Assembleia Nacional Popular em trincheiras
angolana, encarada desde o início entre sectores do        colonial e a Resistência da Guiné-Bissau-Movimento         desavindas, não deixa por outro lado de se constituir
PAIGC, como a “guarda pretoriana” do executivo             Bafatá, são firmações que não resultam de cisões ou        em mais um episódio cúmplice da perturbação da
governamental de Carlos Gomes Júnior, emergisse            dissidências do PAIGC.                                     frágil estabilidade política guineense, de novo com os
na surdina, no seio do próprio partido e da facção de         Particularidade que em parte explica a facilidade       militares no centro da polémica.
veteranos da guerra pela independência.                    com que as contradições internas do PAIGC acabam              E pois neste labirinto de intrigas palacianas e de
   Basta recordar que durante a campanha para as           invariavelmente por permear estes siameses partidos        guerras de facções com as casernas militares, a fun-
presidenciais que o elege em 2008, Malam Bacai Sa-         políticos na oposição, trespassando o clima de confli-     cionarem tal qual um depositário fiel das contradições
nhá chega inclusive a defender “que o envio de forças      tualidade para dentro das guarnições militares.            internas do PAIGC, com indícios do narcotráfico a
estrangeiras para a Guiné-Bissau seria o mesmo que            Com a polémica do tráfico de armas para os rebeldes     nível de sectores da instituição militar, que Luanda e
declarar falência do Estado e um gesto de subestimar       do Casamance na agenda do debate nacional, o partido       a MISSANG se vêem perdidos na Guiné-Bissau.
do patriotismo das actuais forças armadas guineen-         reúne-se em 1998 no seu VI Congresso, qual prólogo            Quiça “verdades” que o partido dos “camaradas” da
ses”.                                                      da rebelião militar liderada pelo brigadeiro Ansumane      Guiné entendeu, sonegar aos “camaradas” de Angola.

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As crises político-militares na Guiné-Bissau

  • 1. Especial 17 Entrevista Este caderno é parte integrante do Jornal Expresso das Ilha Nº 546 e não pode ser vendido separadamente Guiné-Bissau As crises político-militares na Guiné-Bissau: causas, problemas e soluções Entre 12 de Abril e 16 Maio passou mais de um mês e a Guiné-Bissau continua fosse cumprida com a segunda volta das eleições presidenciais. Armindo sem ver a luz no fundo do túnel. Este novo golpe militar mergulhou o país Ferreira e Nelson Herbert conhecem bem a realidade guineense e ajudam a no caos e deixou em estilhaços a legitimidade democrática que se esperava perceber as teias que urdiram uma nação. As Crises Político-Militares na Guiné-Bissau: Causas, problemas e Soluções [i] por mais de uma vez, destaco uma que se realizou no Da resistência “armada” à ocupação colonial, de Centro de Estudos e Estratégia do Ministério dos Negó- carácter étnico (papeis, balantas, beafadas, felupes e cios Estrangeiros sob a forma de um debate subordinado outras) e circunscrito ao chão de cada etnia que termina ao tema “As Crises Político-Militares na Guiné- nos finas dos anos 30 do século passado passando pela Bissau: Causas, problemas e  Soluções” para o resistência política em que foram precursores a Liga qual fui convidado como “Animador do Debate”. Levei Guineense (1910 – 1915), o Partido Socialista (1948) à letra o meu papel e propus-me apresentar à audiência e o MING (1955) mas também protagonizada por um o quadro em que se desenrolava toda a espiral de vio- enxame de partidos políticos nacionais: lência que grassa a Guiné-Bissau desde os primórdios • (FLING (Frente de Libertação para a Independência da ocupação do seu território, até os nossos dias, com Nacional da Guiné Portuguesa) especial ênfase  para estes últimos anos, pretendendo • FNLG (Frente de Libertação da Guiné) Por Armindo  Ferreira desta forma descrever o cenário em que se deveria • MLG (Movimento de Libertação da Guiné) processar o debate. • PDG (Partido Democrático da Guiné-Bissau) O Da cronologia dos acontecimentos que tem início • PELUNDENSE (formado apenas por manjacos de golpe de Estado na Guiné-Bissau do passado com a chegada dos portugueses – meados do século XV Pelundo) dia 12 de Abril (mais um), não surpreendeu - salientei os marcos mais relevantes da História recente • PLG (Partido de Libertação da Guiné) verdadeiramente ninguém minimamente da Guiné-Bissau no quadro da violência, detendo-me • UNGP (União dos Naturais da Guiné Portuguesa) avisado porque fora anunciado (insinuado) para uma análise mais cuidada naqueles que, em meu • UPG (União Popular da Guiné) na véspera, por Kumba Yalá à cabeça dos Cinco – os que entender, são mais representativos para a compreensão • UPLG (União Popular de Libertação da Guiné contestaram os resultados das eleições presidenciais – na do fenómeno. Portuguesa) e supranacionais: sua conferência de imprensa então realizada. • FGICV (Federação da Guiné e das Ilhas de Cabo Ao reiterar o que antes afirmara da sua não partici- Verde) pação na 2ª volta (eleições presidenciais) Kumba Yalá • FLGC (Frente de Libertação da Guiné e Cabo Ver- disse expressamente que não haveria a 2ª volta, deixando de) entender que o processo eleitoral seria interrompido. • FUL (Frente Unida de Libertação da Guiné e Cabo Na sequência desse golpe, as reacções não se fizeram Verde) esperar. Registe-se o forte e contundente comunicado • MLGC (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo da CPLP que deu o mote às demais organizações in- Verde) ternacionais, para a condenação inequívoca do golpe • MLGCV (Movimento de Libertação da Guiné e ao mesmo tempo que exigiam todas – organizações Cabo Verde) internacionais – o regresso imediato à ordem constitu- • PAIGC (Partido Africano da Independência da cional. No mesmo sentido, e com a mesma veemência, Guiné e Cabo Verde) a maior parte de vida muito antecipando as próprias resoluções do Conselho de efémera, mas todos afastados da luta para a inde- Segurança, foi a voz do Secretário-Geral das Nações pendência pelo génio diplomático de Amílcar de Unidas Ban-Ki Moon. A CEDEAO, com a ambiguidade Cabral que acaba por fazer reconhecer pela co- e a inconsequência que se lhe conhecem, “condena” o munidade internacional o PAIGC como o único e golpe mas presta-se de seguida a legitimá-la através legítimo representante dos povos da Guiné e Cabo de negociações generosas sempre em benefício e im- Verde. O PAIGC torna-se deste modo no alfa e punidade dos golpistas sustentadas com o argumento no ómega da questão. É no PAIGC que nascem as de que é preciso evitar “banhos de sangue”. No fundo causas e estou convencido de que é com o PAIGC a CEDEAO não tem moral para condenar quaisquer que se encontrará a solução. Se não, vejamos: golpes porque com mais ou menos “nuances” ela se 1. Em 1963, o PAIGC dá início à luta armada. edifica sob fundações golpistas. E, pela primeira vez na história da Guiné, um De entre as inúmeras reacções populares e dispersas balanta, um papel, um mandinga, um fula, um por todos os cantos em que exista um guineense, e não só, pois até a longínqua e poderosa China se manifestou Amílcar Cabral
  • 2. 02 Nº 546 • 16 de Maio de 2012 Especial Guiné-Bissau u potência colonizadora em Setembro de 1974 cimento, como arrogantemente dispensaram a depois de dezenas de outros países já o terem sua participação como cidadãos de pleno direito o feito. Foi a 1ª vez em África, pelo menos na no processo da (re)construção nacional. Um ao Sul de Sahara, que uma independência não é amigo meu, a este propósito, e comentando um “concedida” mas sim reconhecida pela potência artigo que eu escrevera, disse: colonizadora. “Para o cúmulo disso tudo, o que está a atrasar o país 7. Em 25 de Abril de 1974 acontece o Golpe de é que introduziram na vida social guineense um elemento Estado em Portugal que ficou conhecido pela perturbador que é a divisão entre os que fizeram a luta, Revolução dos Cravos pondo fim a uma dita- «os melhores filhos», que a si arrogam tudo, e os que já dura que durava quase 50 anos. cá estavam que lhes devem prestar vassalagem e a nada 8. Pouco tempo depois do Golpe de 25 de Abril, têm direito.” o PAIGC instala-se oficiosamente em Bissau, 11. O governo instalou-se em Bissau após o reco- e assiste-se a uma onda de “raptos” seguidos nhecimento de jure por parte de Portugal. Os Kumba Yalá, ex-presidente da Guiné-Bissau de fuzilamentos no mato de indivíduos que ministros eram chamados “comissários” e ao haviam abandonado o PAIGC, e se encontra- primeiro-ministro “comissário principal”. Logo felupe ou um anónimo qualquer de qualquer vam em Bissau, e de outros que eram acusados nos primeiros sinais verificamos que estávamos outra etnia está disposto a lutar e a morrer de colaborar com o “colon”. Nem sequer havia perante gente incapaz e incompetente para gerir não especificamente pelo seu “chão” mas por julgamentos. Uma “brigada” composta por um país. Arrogantes e com tiques autistas para toda a Guiné, pelo “chão” do outro, pelo chão uma suposta gente na clandestinidade ávida esconder as enormes insuficiências e total impre- comum. de mostrar serviço apontava-os e localizava- paração; e a culminar uma moral muito duvidosa 2. A luta armada conduzida pelo PAIGC ao pôr os não se sabe com que critério. Eram levados dado o comportamento perante a sociedade. em mãos impreparadas e mentes pouco escla- e fuzilados. Quando se perguntava por um 12.  O período desse governo foi de seis anos (1974 recidas um instrumento de matar permitiu que fulano, que se supunha nessa situação, a res- – 1980). Teve o privilégio e o benefício de ter o terror, o abuso de autoridade, o desrespeito posta era: Partido lêba’l! (O Partido levou-o!) sido o governo que maior ajuda per capita rece- e mesmo o barbarismo se espalhassem de As coisas passavam-se à calada da noite e sob beu no mundo inteiro. Desbaratou-a completa- forma tão epidémica que Amílcar Cabral teve a cumplicidade silenciosa de todos. Tudo era mente em projectos megalómanos decididos de necessidade urgente de convocar uma reunião permitido ao PAIGC, inclusive tirar vida aos forma acéfala e autocrática. Sobre este período de quadros conhecida por “Congresso de Cas- seus concidadãos, por simples decisão dos seus escrevi num artigo de opinião: sacá”, para pôr cobro aos desmandos dos então dirigentes e sem que tenha de prestar quaisquer “O novo poder que se instalou em Bissau (1974), senhores da guerra que se apresentaram nessa justificações públicas. não escondia o seu carácter repressivo, autoritarista, reunião fortemente armados e escoltados. Teve 9. A entrada do PAIGC após o reconhecimento de intimidatório e revanchista. O medo e a intolerância AC de fazer apelo à toda a sua diplomacia para jure fora deveras triunfal. O mundo inteiro ren- instalaram-se. O ajuste de contas havia já substituído a evitar que ali mesmo se operasse um banho de dia-se à gesta dos obreiros da independência. E reconciliação mesmo antes da sua instalação (do poder) sangue. Dessa reunião, para além da criação os guineenses orgulhosos dos seus combatentes com desaparecimentos misteriosos e execuções sumá- das FARP, uma forma de controlar, disciplinar reverenciavam-se humilde e generosamente rias. Algumas ocorrências e mortes, designadamente e balizar a violência, saíram importantes orien- perante eles. Entregaram-se de alma lavada a do Primeiro-Ministro Francisco Mendes (Chico Té) tações que determinaram o rumo do PAIGC. encontram-se até hoje envoltas em profundos enigmas O pós-congresso gerou ajustes de contas e um e mistérios. A debandada dos quadros e de toda uma banho de sangue, até então sem precedentes. administração com o seu “know how“ processava-se de 3. A violência não terminou porque a luta armada forma assustadora criando um negligenciado vazio real é, de per se, uma violência. Processos sumários na Administração do Estado, de efeitos não devidamente continuaram e condenações à morte por fuzi- dimensionados e sopesados e, por isso, arrogantemente lamento não eram raras. desprezados pelas novas autoridades. Os projectos me- 4. O PAIGC era minado por intrigas e conspira- galómanos pontificavam-se como verdadeiros elefantes çõezitas internas, é bom reafirmá-lo, que cul- brancos desbaratando a eito toda a ajuda da cooperação minaram com o assassínio de Amílcar Cabral internacional; sinais exteriores de riqueza exibiam-se de- em 1973. nunciando na mesma medida um certo novo-riquismo e 5. O assassínio de Amílcar Cabral espoletou uma o despontar despudorado da corrupção; os bens essenciais vaga de execuções sumárias de carácter sangren- escasseavam; o peso, moeda nacional, depreciava-se a to e generalizado com denúncias seguidas logo um ritmo acelerado agravando o já muito débil poder de execuções, sem julgamentos, para evitar, ao Francisco Fadul, antigo primeiro ministro da GB de compra; e a economia degradava-se a uma taxa ga- que se diz, o seu (das denúncias) efeito boome- lopante. A insatisfação era total.” rang. O envolvimento de dirigentes de topo, da e de corpo inteiro ao anunciado projecto da 13.  Perante o cenário descrito, que talvez peque Guiné, era de tal forma abrangente que, falam (re)construção nacional.  Acreditaram todos, por defeito, pois funções de director-geral de rumores sustentados, que foi preciso a inter- com raríssimas excepções, que aqueles que importantes empresas públicas chegaram a venção do arguto e atento Presidente Samora foram capazes de levar de vencida, com todo o ser exercidas por autênticos analfabetos cujo Machel que tinha na comissão de inquérito, o brilhantismo que se lhes reconhece, um exército único curriculum era ter participado na luta seu braço direito Aquino Bragança, a alertar que europeu, também poderiam ser competentes para a independência, rumores permanentes se se continuasse com as execuções ficar-se-ia para gerir o País. Tanto mais que anunciavam percorriam toda a cidade de Bissau sobre a sem gente para continuar a luta tal era a abran- em grandes parangonas a chegada do “Homem iminência de um golpe de estado. O que variava gência dos implicados. Isto fez com que muitos Novo forjado na luta” prenhe de virtudes e era apenas a identidade do seu eventual autor dos eventuais “implicados” fossem ignorados convicções nacionalistas. que oscilava entre 2 a 3 nomes; para não decepar a estrutura da luta armada. 10. O sucesso da luta embriagou o PAIGC e cegou 14.  A 14 de Novembro de 1980, Nino Vieira con- 6. Ainda no ano de 1973, mais propriamente a 24 os seus dirigentes. Declaram guerra à uma in- suma aquilo que todos esperavam pondo fim a de Setembro, a Guiné-Bissau declara a sua in- defesa e descuidada (politicamente) sociedade esse governo, do qual ele era primeiro-ministro, dependência que será reconhecida de jure pela de “civis” e não só decretaram o seu desapare- através daquilo a que chamou “Movimento
  • 3. 03 Reajustador”. Suspende a Assembleia Nacional i.  A 17 de Outubro de 1985, uma alegada intentona e humilhante para os protagonistas processou de e cria o “Conselho da Revolução”. “balanta” para derrubar Nino Vieira foi atribuída a forma arrogante a retirada, pelas suas próprias 15.  Foi na sequência desse golpe que aparecem Paulo Correia que no seu seguimento foi “julgado” mãos, das patentes que tinham sido conferidas a as valas comuns com algumas centenas de e condenado à morte com mais 5 (Binhanquerem esses militares. cadáveres, pondo a descoberto a máscara hu- na Tchuda, Braima Bangura, N’Baná Sambú, Pedro vii.  A 30 de Novembro de 2000 é assassinado Ansumane manística do PAIGC e que pela sua gravidade Ramos, e Viriato Pam) de entre mais de meia cen- Mané, de forma bárbara, ao que parece depois de e dimensão humana e no quadro do sistema de tena de acusados. Outros 5 terão perdido a vida na ele se ter entregado, estando ainda por desvendar os funcionamento do PAIGC – estrutura marxista- prisão (Agostinho Gomes, B’nhate na Biate, Foré autores e as verdadeiras razões do seu assassínio. leninista – não se podem alhear, como bem o na ‘Mbitna, João da Silva e Zacarias António Perei- viii. A 14 de Setembro de 2003, Kumba Yalá, através de tentaram, os seus dirigentes de topo (ainda em ra). Processa-se a partir desta data uma autêntica um golpe comandado por Veríssimo Seabra, então Unidade) em Cabo Verde e na Guiné-Bissau. antropofagia entre os dirigentes do PAIGC que se CEMGFA, à frente de um “Comité Militar”, é de- Todos “sabiam” e foram igualmente responsá- posto. Renuncia formalmente 3 dias depois, tendo veis. A este respeito um outro articulista depois sido substituído pelo empresário Henrique Pereira de confirmar o quadro descrito no ponto 12, Rosa. acrescentava: ix.   A 6 de Outubro de 2004, Veríssimo Seabra, CE- “O que não sabíamos (nem podíamos imaginar) era MGFA, é assassinado supostamente por um levan- que nessa altura o regime já tinha embarcado num pro- tamento dos militares que tinham estado na Libéria jecto criminoso para o qual não havia volta. Nesse preciso como força de interposição, aparentemente, por momento Guineenses estavam a matar Guineenses e a en- corrupção ligada à questão salarial. terrá-los em valas comuns em Jugudul,Cumeré, e outros x.    A 24 de Julho de 2005 Nino Vieira volta ao poder sítios, num genocídio que nem os colonialistas nos seus através de eleições, demite o governo de Carlos mais criminosos sonhos ousaram apenas imaginar.”(Fim Gomes, Jr. (discricionariedade que gera polémica de transcrição) constitucional) e nomeia em seu lugar Aristides Go- 16.  Com o golpe de 14 de Novembro na Guiné, mes (1 de Novembro de 2005) que é deposto através Cabo Verde apressou-se, num gesto pleno de de uma moção de censura em 19 de Março de 2007. oportunismo e imediatismo, a romper com o Carlos Gomes regressa ao poder em Dezembro de processo de Unidade que tantas vítimas gerara 2008 através de eleições ganhas pelo PAIGC com na Guiné e em Cabo Verde tendo até estado larga maioria. nas especulações quanto às causas próximas xi. A 1 de Março de 2009, Tagma na Waié, CEMGFA, do assassínio de Amílcar Cabral. De ambos os é assassinado através de um atentado bombista que, lados, as congratulações superaram de longe Tagma na Waié, antigo CEMGFA, morto num ataque dadas a sofisticação, técnica e precisão utilizadas, as lamentações que não passaram, na maior à bomba contra o Estado-Maior guineense em 2009 dizem uns, ter a assinatura dos narcotraficantes parte dos casos, de algum decoro e de puras estrangeiros não obstante também ele, Tagma, ser formalidades. acusado de controlar uma das várias redes mili- 17.  O chamado “Movimento Reajustador” mostrou vêem privados por eliminação física dos seus mais tares de narcotráfico; dizem outros, que é obra de logo a sua verdadeira face e fez desvanecer toda proeminentes quadros da luta armada. especialistas militares estrangeiros. Acontece que a esperança que nele se havia depositado de pro- ii.   A 7 de Junho de 1997 uma tentativa de golpe de es- Tagma na Waié previa o seu assassínio e apontava o mover a concórdia nacional e “reajustar” aquilo tado levada a cabo por uma “Junta Militar” chefiada seu futuro autor, pelo menos moral. Tinha deixado que se considerava desvio da linha orientadora por Ansumane Mané, ex-CEMGFA, deposto uma uma mensagem aos seus camaradas de armas: “Se do PAIGC. Liberto da ala cabo-verdiana do semana antes por alegado envolvimento no tráfico ele me matar de manhã, matem-no à noite”. A este PAIGC, o que foi fortemente aclamado pelos de armas com os rebeldes de Casamança, gera uma propósito um amigo meu escreveu: “Talvez tenha quadros “lutistas” ávidos de afirmação num guerra civil. sido a primeira vez que um morto mata um vivo.” ambiente de vazio, nasce um corpo de “nacio- iii.   A 7 de Maio de 1999 Nino Vieira é deposto. Parte xii.  A 2 de Março de 2009, cumpria-se rigorosamente as nalistas guineístas” que se apressa a depurar a já para o exílio depois de obrigado a renunciar o cargo ordens de ex-CEMGFA, com o assassínio de Nino muito débil administração do estado através de de PR que é assumido interinamente, nos termos da Vieira que se diz ter sido uma mistura de tiros e autêntica caça às bruxas com o beneplácito do Constituição, pelo Presidente da ANP, Malam Bacai catanadas da forma mais selvagem e bárbara que poder instituído e dos seus acólitos. O aparelho Sanhá pondo fim a uma guerra civil de 11 meses. se possa imaginar. Dizem uns, por gente ligada a repressivo é aperfeiçoado e a debandada dos iv.   Em Julho de 1999, processam-se importantes emen- Zamora Induta a mando do PM Carlos Gomes, quadros técnicos, sobretudo, de origem cabo- das na Constituição: Abolição da pena de morte; Jr. e outros que a operação fora levado a cabo por verdiana é praticamente geral. A incompetência limitação de mandatos de presidente da república a membros do Batalhão de Mansôa que se encontrava e a iliteracia tomam conta do próprio governo; a dois; estabelecimento de que os principais titulares sob o comando de António Injai que: desilusão e a decepção regressam com o mesmo de cargos de estado têm que ser guineenses, filhos “Uma semana antes Indjai assinara em Bissau, perante fulgor dos primórdios da independência. de pais guineenses. [ii] uma comissão composta pelo Primeiro-ministro, Carlos 18.  Nino Vieira tendo enveredado pelo mesmo v.   A 16 de Janeiro de 2000, Kumba Yalá, do PRS, Gomes Júnior, CEMGFA, Zamora Induta, Procurador-Ge- caminho do seu antecessor, e temendo que vence as eleições presidenciais contra o candidato ral da República e o Presidente, um documento onde reco- lhe acontecesse o que ele próprio havia feito, do PAIGC, Malam Bacai Sanhá. Com a eleição de nhecia estar envolvido numa operação de narcotráfico que engendrou a sua eternização no poder, com a Kumbá Yalá as funções presidenciais perderam ocorrera no aeródromo de Cufar, sul da Guiné, desmante- eliminação de todos aqueles que com o prestígio dignidade e respeito devido a postura histriónica lada «in extremis» pelos militares de Zamora Induta. Na também de antigos combatentes, fonte da sua do presidente potenciada com actos caricatos e mesma ocasião ficou estabelecido que António Indjai seria legitimação, lhe podiam fazer frente. Uma figu- indignos para a imagem interna e externa do País. automaticamente exonerado do cargo de número dois das ra despontava e impunha-se pela sua postura Mas o mais grave é a tentativa de “balantização” do forças armadas e partiria para Cuba, oficialmente, em de discrição, honestidade, fino trato, sensatez e exército com a elevação a patentes de comando de «tratamentos médicos».” (Fim de transcrição) clarividência, tanto entre aqueles que de perto muitos militares. xiii. A 5 de Junho de 2009 são assassinados Baciro trabalharam e trabalhavam com ele, como em vi.  O acto de promoção por parte do PR desagradou Dabó, candidato às presidenciais e Helder Proença toda a sociedade guineense – Paulo Correia. o então CEMGFA, Ansumane Mané, que numa 19.  É assim, que: atitude pública e mediática provocatória, insensata u
  • 4. 04 Nº 546 • 16 de Maio de 2012 Especial Guiné-Bissau u (Político dinâmico, ex-Ministro da Defesa de Nino munidade Económica dos Estados da África Ocidental hoje um partido de assassinos. É uma triste e Vieira). Sobre o assassínio de Baciro Dabó, escreve (CEDEAO), Abdel Fatau Musah. “O facto de ele estar a deprimente constatação. um analista num artigo intitulado “Figuras de Nar- controlar as coisas é muito desagradável”.  22. O sonho de Cabral do seu PAIGC gerar um cotráfico na Guiné-Bissau: xvi. Malam Bacai Sanhá morre em França a 9 de Ja- “homem novo forjado na luta” com princípios “Pedra basilar de todo o fenómeno do narcotráfico na neiro de 2012 e as eleições presidenciais para a e valores bem sintonizados com o respeito pela Guiné-Bissau foi Baciro Dabó, assassinado na madruga- sua substituição têm lugar a 18 de Março de 2012, dignidade do Homem e defesa do humanismo e da de 5 de Junho de 2009 em mais uma alegada tentativa data que buscava o cumprimento de um preceito da humanidade foi completamente defraudado de Golpe de Estado a assolar a ex-colónia portuguesa. constitucional e tinha a concordância de todos os pela metamorfose que esse homem sonhado e Baciro Dabó ocupou entre 2006 e 2008 as pastas de Se- partidos e de todos os putativos candidatos avisados idealizado terá sofrido, surgindo como o mais cretário de Estado da Ordem Pública e posteriormente da desactualização dos Cadernos Eleitorais e da acabado homo belicus,  perito na arte de ma- de Ministro da Administração Interna. Em final de 2008, impossibilidade de os regularizar nesse lapso de tar. e não obstante o avolumar de suspeitas internacionais tempo. 23. E Amílcar Cabral, homem inteligente e arguto, de envolvimento no narcotráfico, Baciro foi nomeado xvii. O decorrer das eleições e os resultados da 1ª volta tinha plena consciência da limitação e inca- Ministro da Administração Territorial.” não deixaram qualquer dúvida aos observadores pacidade dos seus homens para o exercício Mais adiante, continua o mesmo articulista: internacionais que se pronunciaram e a diferença de tarefas fora do contexto “militarista”. E ad- “Mas a transformação da Guiné – Bissau em Nar- de votos entre os candidatos também não deixava vertiu-os, embora sem sucesso, que a luta não co-Estado não foi trabalho exclusivo de Baciro Dabó. espaço para a reclamação posteriormente engen- Apesar do lugar central que desempenhou, Baciro teve drada. O peso das eventuais irregularidades, seria a conivência e o apoio das principais figuras do Estado insignificante para alterar o curso normal das elei- Guineense, desde políticos, militares a empresários e ções. E a existirem seria mais fácil encontrarem-se deputados, alguns deles ainda em funções. entre o 2º e o 3º classificados do que entre o 1º e os Nino Vieira, o ex- Presidente da República Guineense outros. (vide quadro) assassinado a 2 de Março de 2009, ocupou um lugar   central em todo este processo.” xiv. Bacai Sanhá é eleito Presidente da República a 28 de Junho de 2009 vencendo Kumba Yalá numa 2ª volta. xv. A 1 de Abril de 2010, uma tentativa de golpe de estado conduzida pelo vice-CEMGFA, Gen. An- tónio Injai e pelo Alm. Bubo na Tchuto, detém o PM Carlos Gomes, Jr. com ameaça de morte, caso houvesse reacção popular de apoio bem como o seu CEMGFA, Alm. Zamora Induta. O silêncio inicial Henrique Rosa foi presidente da Guiné-Bissau, ainda do então-Presidente da República, Malam Bacai que de forma interina Sanhá, foi notória e a sua condenação tímida e tar- dia foi grave, sobretudo ao classificar a ocorrência xviii. A iminência de uma derrota anunciada na 2ª volta como um “pequeno problema entre militares”. Mas por parte da oposição levou que o seu mais bem era um investimento em proveito próprio, ao mais grave ainda foi o facto do autor do atentado ter classificado candidato, por coincidência da etnia preconizar o encontro de Ensalmá da forma sido, por ele, nomeado no seguimento do seu acto balanta, um ex-presidente, eterno contestatário e como o faz: a CEMGFA tal como reivindicava apesar do aviso pertencente ao maior partido da oposição “mani-  “A Luta que levamos a cabo com a arma na mão para americano através de um comunicado transmitido pulasse” – só assim se compreende – os outros que tirar os tugas do nosso chão, para a nossa Independência, da sua embaixada em Dakar: se lhe seguiam e os levasse de forma absolutamente é o programa mínimo que estamos a cumprir. Não pensem “É impossível para os EUA contribuir para o processo inconsequente a se lhe juntarem no coro de protes- que vamos todos mandar em Bissau. Para aquele que era de reforma da segurança e da defesa se essas pessoas, ou tos. mecânico, electricista, pescador, agricultor quando entrou outros implicados no tráfico de estupefacientes, forem no- xix. No dia 11 de Abril os 5 candidatos mais votados na Luta, irão ser criadas condições para ele continuar a meados ou permanecerem em postos de responsabilidade depois de Carlos Gomes, Jr, encabeçados por sua actividade e viver o seu estatuto de combatente da nas forças armadas”, acrescentando em outro passo: Kumba Yalá, seu porta-voz, dão uma conferência liberdade da pátria. A nossa Independência termina em É “imperativo” que o chefe das Forças Armadas – que de imprensa, em que o porta-voz afirma que não Ensalmá. Ela vai ser entregue à gente que virá ao nosso deve ser nomeado em breve pelo Presidente da Repú- só ele não compareceria à 2ª volta, como ela, a 2ª encontro para a assumir. Essa gente é que irá começar blica, Malam Bacai Sanhá – não esteja “implicado nos volta, não se iria realizar, num anúncio claro de a cumprir o Programa Maior que é compor a terra, acontecimentos de 01 de Abril”, evocando implicitamente interrupção do processo eleitoral. tarefa maior e mais complicada.” (O negrito é meu) o major-general António Indjai. xx. No dia 12 de Abril, dá-se o golpe de estado, com 24. Cabral falhou redondamente na formação Mais tarde, num despacho da Lusa lê-se: a detenção de PR interino, Raimundo Pereira, e do “Homem Novo”. E tinha a consciência do “O governo americano espera trabalhar com as auto- do candidato Carlos Gomes, Jr. (PM com funções “monstro” que estava a criar. Os seus sucessores ridades guineenses para desalojar as pessoas que ocupam suspensas e destacado 1º classificado na 1ª volta) de mostraram-se medíocres, mesquinhos, estreitos funções oficiais e que se servem do seu poder para facilitar entre outros importantes membros do Governo.  de espírito (narrow mind) e algo oportunista o tráfico de estupefacientes”. 20. Registe-se que esta onda de violência que vem tirando proveito da parte mais superficial da Ainda no decorrer deste caso e sobre o Alm. Bubo desde o início da luta armada, não pode ser sua filosofia que era a incitação ao cumprimento na Tchuto, seu cúmplice, escreve um analista: atribuída a este ou aquele actor político-militar de um programa mínimo – Independência dos “No dia 1 de Abril, soldados leais a Bubo Na Tchuto em especial, mas a uma cultura de violência territórios da Guiné e de Cabo Verde – que exi- entraram no edifício da ONU e resgataram-no[iii], interiorizada e que se manifestou na luta pelo gia sobretudo engenho militar e mais não era enquanto detinham o primeiro-ministro Carlos Gomes poder. do que uma etapa mínima da luta de libertação Júnior e o Chefe do Estado-Maior General, almirante 21.  O mais estranho é que os que matam são do no qual ainda continuamos fortemente empe- Zamora Induta. PAIGC e os que morrem também o são num nhados e como ele diz, não podia ser feita nem “Bubo Na Tchuto é a força por trás de todas as outras ritual de antropofagia sem precedentes. O liderada só pelos participantes da 1ª etapa que forças”, disse à reportagem o director político da Co- PAIGC ontem, um partido de heróis; o PAIGC para tal faltava-lhes o “know how”.
  • 5. 05 25.  A ganância, a arrogância e um certo autismo e Primeiro-Ministro, respectivamente. Regresso dos terinos não poderiam candidatar-se às eleições que apoiados apenas e tão-somente no poder das militares às casernas. ela (CEDEAO) preconizava. Em conclusão: Não há armas falaram mais alto. v.    Pergunta-se: Que legitimidade têm os militares para memória da CEDEAO ter resolvido um golpe de 26. E enquanto o Encontro de Ensalmá não acon- interromper a ordem constitucional democratica- estado em que os golpistas não fiquem incólumes e o tecer para que interiorização da força do saber mente instalada e impor a sua vontade? golpe, de forma directa ou encoberta, legitimado. e da razão suceda à força das armas, os golpes vi. As reacções internas e externas não se fizeram es- x.  Como era de esperar, o PAIGC, uma vez mais firme não pararão. E só o PAIGC pode operar esta perar. nas suas posições de reposição da ordem constitu- inversão porque foi ele que o criou. Todos os vii. Tiveram, os golpistas, um tímido mas declarado cional, rejeitou liminarmente a recomendação pro- principais protagonistas, em todos os golpes apoio inicial da parte dos cinco candidatos que posta pela CEDEAO, pois representava na realidade ou tentativas, são do PAIGC. Um outro impor- contestavam os resultados eleitorais de que falamos legitimação do golpe e um pacto com os golpistas tante denominador comum é a encorajadora atrás –  depois deram o dito por não dito – bem para os quais não havia sanções. IMPUNIDADE de que os autores dos golpes como de algumas forças políticas da oposição e xi.  Os interesses que gravitam à volta da CEDEAO são e das tentativas sempre se beneficiaram. E condenação de toda a população e das organizações vários e de vária índole. Por comodidade e algum é sobre este aspecto que alguém num longo internacionais e de todo o mundo, destacando-se decoro apenas os caracterizamos como sendo uns trabalho tipo ensaio deixa as seguintes inter- a veemência e contundência da CPLP, da União de carácter endógeno, outros exógenos em relação à rogações: africana, do Secretário-Geral das Nações Unidas, do própria região. Quer uns quer outros, todos à volta “Quem foram os assassinos de Robalo, Nicandro Perei- Conselho de Segurança, da União Europeia que exi- daquilo que podemos sintetizar como interesses ra Barreto, Ansumane Mané, Veríssimo Correia Seabra, giram o retorno imediato e incondicional à ordem hegemónicos na região e de passagem algum res- Domingos Barros, Lamine Sanha e outros? Quem foram constitucional e sanções aos golpistas. A CEDEAO sabiamento. os responsáveis pela vala comum descoberta após golpe condenou-o ao mesmo tempo que se apressava em xii. A UA e UE tomaram medidas concretas. A pri- de 1980 que derrubou Luis Cabral? Quem foram os pactuar ao propor negociar uma solução. meira suspendendo de imediato a Guiné-Bissau da traficantes de armas que deram origem à guerra civil na viii. O Governo da Guiné-Bissau falava em todos os Organização enquanto a segunda fechava as suas Guiné-Bissau? Quando é que serão julgados os políticos fóruns com a legitimidade e a autoridade que a fronteiras aos golpistas, ambas exigindo o retorno e militares suspeitos de Narcotráfico? Porque Bubo na legalidade internacional lhe conferia, através do à ordem constitucional. Tchuto não foi julgado pela acusação de tráfico de droga seu representante para política externa – Ministro xiii. A firmeza do PAIGC tem sido nota dominan- e pela acusação da tentativa de golpe de estado? Porque das Relações Externas. Um erro que os golpistas te. Não abdicar minimamente dos seus direitos é que Intchami Yalá não foi julgado pela tentativa de cometeram e que lhes custou a veemência, a firmeza constitucionais. A procissão ainda vai no adro e golpe? Quem foi o responsável pelo desaparecimento de e a constância do discurso de condenação em todas é nesta firmeza e defesa de princípios que, a meu 500 quilos de cocaína apreendidos e guardados no tesouro as frentes bem como a inquestionável solidariedade ver, estará a solução política, não direi definitiva Público? Quem foram os assassinos de Tagma na Waié e internacional. mas duradoura, dos golpes de estado. Deverão ser João Bernardo Vieira? (fim de trancrição). procurados procedimentos complementares. A luta 27. O último golpe, o de 12 de Abril, merece uma armada terminou há 40 anos. Uns poucos, muito atenção mais cuidada, embora não caiba nesta poucos, são os militares ainda vivos, com verda- minha tarefa – animar o debate – analisá-lo deiro e legítimo estatuto de antigos combatentes em pormenor. Vamos retomá-lo – o golpe de para a independência nacional, isto é, oriundos da 12 de Abril – para continuar o que no início luta armada. E é para eles, só para eles, que se deve dissemos: procurar afincadamente uma saída militar, diria, i.   Os autores do golpe, não conseguem justificá-lo. humanista, condigna. Atribuem-no à presença das forças angolanas – um xiv. A questão do narcotráfico deve ser vista e tratada pequeno contingente de cerca de 200 homens – no numa óptica global. Só a Guiné-Bissau por si só, território, como ameaça para as forças armadas não tem meios, nem humanos, nem materiais nem (mais de 4.000 homens) e a uma carta da qual só financeiros para resolver o problema. apresentam uma eventual minuta, do PM para o xv. Feita esta panorâmica da espiral de violência na Secretário-Geral das Nações Unidas solicitando Guiné-Bissau, que vem desde os tempos da luta uma força de interposição (estabilização). armada, penso que estão criadas condições mini- ii.   A 1ª justificação visava obter o apoio popular atra- malistas para um debate sobre As Crises Polí- vés do apelo ao sentimento nacionalista contra um tico-Militares na Guiné-Bissau: Causas, “invasor” estrangeiro (funcionou outrora) e a 2ª que problemas e  Soluções,  tema proposto pelo se tratava de “agressão” contra as FA, ameaçadas de Centro de Estudo e Estratégias do MNE. Não se controlo e extinção, feita nas suas costas e contra trata, obviamente, de uma palestra que exigiria uma a sua vontade porque, justificam, a Guiné não está outra abordagem, mas sim de uma nota introdutó- em guerra. ria, de um auxiliar de memória, dos parâmetros que iii.  As verdadeiras motivações continuam por “desven- devem nortear o debate. Não há posições acabadas, dar” uma vez que as apresentadas não colheram. E Combate ao narcotráfico terá impulsionado o golpe mas apenas tópicos para reflexão. um dado imediato é o impedimento da realização na Guiné-Bissau da 2ª volta das eleições presidenciais na data apra- Notas: zada. iv.  Reivindicam para o “regresso” aos quartéis, a ix.  A solução encontrada pela CEDEAO, que se tem [i] Tema do debate para o qual fui convidado para criação de um Conselho Nacional de Transição; mostrado incapaz de todo, de resolver este tipo de “Animador” nomeação de um novo Presidente da República e problema, não representava nem de perto nem de [ii] Amilcar não poderia exercer nenhum cargo do de um novo Primeiro-Ministro; Eleições legislati- longe, a tolerância zero estipulada pela organiza- poder de estado na Guiné-Bissau sendo filho de pais vas e presidenciais, em simultâneo, num prazo de ção, pois contemplava os interesses dos golpistas cabo-verdianos. dois anos; manutenção, obviamente, das chefias ignorando o governo legítimo, democraticamente [iii] Bubo na Tchuto encontrava-se escondido nas militares; recusa de qualquer solução que inclua o eleito e indo mais longe ao cercear, para agradar os instalações da Representação das NU em Bissau regresso de Raimundo Pereira e Carlos Gomes, Jr. golpistas, o acesso ao poder de alguns dirigentes depois de ter regressado da Gâmbia para onde fugira às suas funções de Presidente da República interino do PAIGC ao invocar que o presidente e o PM in- para não ser preso por acusação de narcotráfico.
  • 6. 06 Nº 546 • 16 de Maio de 2012 Especial Guiné-Bissau MISSANG: Crónica de um Fracass gregas, as ditas referências históricas. O esvaziamento do factor Os Altos e Baixos de uma Relação Estado a Estado colonização comum, como ele- mento simbólico aglutinador, de que os PALOPs inclusive se valeram enquanto grupo, para manter avivada os tais laços históricos e de cumplicidade A capital guineense acolhe mútua, incumbiu-se de soltar em Junho de 1978 a Cimeira as rédeas dos rumos das duas de Bissau, que sob a égide do capitais africanas. então presidente guineense, Luís E Luanda e Bissau de tempo Cabral, ensaia a reaproximação Por Nelson Herbert, Jornalista em tempo foram-se reencon- Agostinho Neto a Ramalho trando no quadro de uma Eanes. comunidade linguística, a Sobre esse encontro entre CPLP, que tem por sinal na sua Luanda e Lisboa, o investigador génese um factor também ele António Duarte identifica entre exógeno, de “aproximação” dos A outros aspectos da estratégia de dois estados e povos. Neto, a necessidade de «criar o envolver-se no Por conseguinte, de um condições para se gerar uma processo de re- panorâmico e crítico olhar aproximação com os EUA, fa- forma do sector sobre o historial das relações zendo cessar o apoio deste país da defesa e da se- MPLA–PAIGC ressalta esta aos movimentos da FLNA e da gurança, na Guiné-Bissau, insofismável constatação. UNITA». no âmbito de um acordo de Sem prejuízo da cumplici- Mas o golpe de estado de cooperação técnico-militar, dade gerada pela luta comum, Ramalho Eanes (esq.), Luís Cabral (cen.) e Agostinho Neto (esq.) 14 de Novembro de 1980, que D Angola fê-lo em parte, evo- travada em frentes distintas, depôs Luís Cabral, acaba por as- cando as históricas relações afinal os outrora laços de afec- o passado do relacionamento entre sinalar o início de uma era distinta, nas relações entre o MPLA e o PAIGC. to entre os dois partidos dos a Guiné-Bissau e Angola são iden- entre os dois estados. Relações de afecto e de “camaradas” circunscreviam- tificados dois períodos imediatos, Luanda não vê na altura com bons olhos o cumplicidade entre elites se muito mais ao nível pessoal diametralmente distintos e uma “movimento reajustador” de Nino Vieira, por partidárias, que remontam e da elite dirigente de ambos terceira fase, esta em estado embrionário que razões de solidariedade a Luís Cabral e não aos tempos da Casa dos Es- os movimentos de libertação tem como seu ponto alto, a presença da MIS- menos determinante, o 27 de Maio de 1977 tudantes do império, em Lis- do que entre as bases da mili- SANG e os interesses económicos angolanos na de Nito Alves , três anos antes, condicionava a boa, sedimentadas nos anos tância activa. Guiné-Bissau. condescendência e a tolerância de Angola para de exílio em Conacri e de luta No caso do PAIGC, na sua Foi pois durante a presidência de Luís Cabral, com movimentos “putschistas” do género! contra o domínio colonial maioria, mestiça ou cabo-ver- nos primórdios da independência da Guiné- Dai ao esfriamento das relações entre os dois comum. diana, que a independência Bissau, que o estado das relações entre Luanda países e o extremar de posições, foi apenas um Um argumento que entre- de Cabo Verde e mais tarde, o e Bissau vive os seus momentos áureos. compasso de espera. tanto foi resistindo aos ventos golpe da ruptura do projecto de Na gesta da solidariedade e da luta anti- No auge da guerra civil angolana, Luanda ex- da história e das conjunturas, união entre os dois estados a 14 imperialista da ocasião, Bissau despacha, para perimenta na década 90 e na frente diplomática graças a carolice de uns tantos de Novembro de 1980 na Gui- Angola efectivos do seu comando “Abel Djassi”, internacional, os primeiros sinais da quebra de dirigentes históricos dos dois né, liderado por Nino Vieira, se municiadores de famosos mísseis “Strela” que na solidariedade no relacionamento com Guiné- partidos, mas que provavel- encarregou de fixar, nas ilhas fase derradeira da luta pela libertação tinham Bissau. mente hoje jaz inerte algures atlânticas cabo-verdianas. contido a supremacia aérea do exército colo- Como membro do Conselho de Segurança no pante ao de um cemitério Convenhamos, um factor a nial, desequilibrando o conflito, para o lado da das Nações Unidas (1996/97) Bissau destoa qualquer de ideais pan-afri- explicar em parte a cordialida- guerrilha independentista. dos demais poderes estabelecidos nos Palop’s canistas! de das relações entre Luanda O MPLA estaria prestes a proclamar uni- no apoio e na solidariedade ao MPLA no poder A geografia, os conflitos, as e Praia enraizada por certo lateralmente a independência do país a 11 de em Angola enquanto paralelamente ensaia uma purgas internas e as guerras nos tais laços históricos entre Novembro de 1975, em Luanda. E impunha-se aproximação as posições da UNITA. civis presentes no passado nacionalistas contemporâneos garantir o mínimo de segurança ao acto ante Com a rebelião militar de 1998/99 liderado histórico recente de ambos os que conduziram os destinos as ameaças de incursões aéreas da forca aérea por Ansumane Mané e que culmina no der- países, isto sem se perder de dos dois países, no dealbar das sul-africana e zairense. rube de Nino Vieira, do poder, o presidente vista a importância da nova respectivas independências São pois os tempos da “ponte aérea” de soli- angolano vale-se da oportunidade para se res- geração de dirigentes políticos e em termos comparativos, dariedade à Angola, com as forças do MPLA, a sarcir dos prejuízos que a postura do regime de na renovação das referenciadas a frouxa impetuosidade que fazerem frente a uma invasão externa movida Bissau, trouxera a diplomacia angolana. simbologias comuns, trataram marca as relações entre Luanda pelo Zaire de Mobutu e pela África de Sul de Crítica na sua intervenção na cimeira dos de relegar para as calendas e Bissau. Pik Botha. chefes de estado da CPLP, de Julho de 1998 na
  • 7. 07 so Anunciado capital cabo-verdiana, Praia, que tem a guerra civil no leste do país, com um potencial de mineração segurança, na origem das cíclicas e violentas convul- guineense no topo da agenda, a governação de Nino calculado em 110 milhões de toneladas despertam sões vividas no país, de nada valeriam os avultados Vieira, a quem inclusive assaca responsabilidades pelo o interesse de investidores angolanos. Um mega- investimentos preconizados. envolvimento de forças estrangeiras, nomeadamente investimento orçado em cerca de 400 milhões de Dos acordos de cooperação militar celebrados com do Senegal no conflito. dólares americanos que prevê ainda construção de o governo guineense, Luanda dificilmente consegue um porto de águas profundas na região de Quina- disfarçar a associação lógica destes, com os seus inte- rá, no sul da Guiné-Bissau e uma via rodoviária e resses estratégicos e económicos no país. ferroviária que ligará a região mineira de Boé ao E é pois neste contexto que a missão de cooperação porto de Buba. militar angolana, MISSANG avança para a Guiné- Mas, seria entretanto o sector militar a merecer a Bissau de mãos dadas com os indisfarçáveis interesses maior acuidade por parte das autoridades angolanas. económicos de Luanda, tacteando um terreno que sob a Afinal, sem a pronta reforma do sector da defesa e da ilusão de familiar, se lhe impunha entretanto inóspito. Missão de Paz, em Terreno Movediço O país acabava de sair de mais uma das cíclicas da Paz no país levanta em Nova Iorque as suas dúvidas e turbulentas convulsões políticas e militares, com quanto à independência do governo face ao poder mili- a tropa e a classe política no centro de um jogo de tar. A União Europeia une a sua voz ao coro de protestos intrigas palacianas que invariavelmente desemboca internacionais e desaconselha as nomeações. Bissau nos tais ajustes de contas. assobia pró lado e justifica a decisão à “uma tentativa do A vítima desta vez seria Zamora Induta, o chefe de poder legítimo, do Governo e da Presidência da Repú- estado-maior das forças armadas. Um episódio que blica, de criar um clima propício para a implementação leva ainda a detenção do primeiro-ministro Carlos da reforma do sector de defesa e segurança”. Gomes júnior, pelos militares, revoltosos. Os europeus debandam e decidem não renovar a missão de apoio a reforma do sector da defesa e da João Bernardo Vieira “Nino”, assassinado em 2009 segurança. Confrontado com este cenário de desmobilização da comunidade internacional e de descrédito do poder O anúncio da intenção de Nino Vieira de regressar em Bissau, que Angola sem a cobertura de um “man- ao país para se candidatar as eleições presidenciais em dato internacional, avança como a “solução africana” 2005 foi um outro aspecto a não passar despercebido para um problema que ciclicamente está na origem ao líder angolano. dos conflitos de contornos violentos e sangrentos que Dos Santos alerta na altura para o impacto de uma assolam a Guiné-Bissau. tal “aventura”, na frágil estabilidade guineense, que assente sob os escombros de uma recente guerra civil, carecia de consolidação. Entretanto, ao fim de seis anos de um exílio forçado em Portugal, Nino Vieira consuma o regresso, carim- bando assim o seu próprio passaporte para a morte. Mas ironicamente foi com o regresso daquele antigo chefe guerrilheiro ao poder em 2005, que Lu- anda relança os contactos e ensaia a reaproximação a Guiné-Bissau. Carlos Gomes Júnior, primeiro-ministro deposto da No auge da guerra civil na Costa do Marfim, o Guiné-Bissau envolvimento de Angola numa alegada violação do embargo internacional de armas decretado em 2004 contra aquele pais oeste africano, pelo Conselho de Mas contrariando a pressão internacional, seria Segurança das Nações Unidas,  é referenciad0 pela o próprio Carlos Gomes Júnior a premiar a cúpula imprensa marfinense. golpista, liderada por António Indjai e Bubo Natchu- No centro da controvérsia, o apoio declarado de to, que são reconduzidos na liderança da estrutura Luanda ao presidente Laurent Gbagbo com a Guiné- castrense. José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola Bissau a servir-se de placa giratória de um alegado Washington denuncia o gesto de Bissau e parte para fluxo ilícito de armamentos e munições destinados às a adopção de sanções contra as novas chefias militares então forças governamentais marfinenses. Mas Bissau guineenses que acusa de envolvimento numa rede No terreno a presença militar angolana faz face e Luanda preferem remeter-se ao silêncio! de trafico internacional de droga que afecta a África às primeiras resistências de sectores de umas forças Em 2009, as jazidas de bauxite de Madina de Boé, Ocidental. A Comissão da ONU para a Consolidação armadas, de uma forte acentuação ideológica que
  • 8. 08 Nº 546 • 16 de Maio de 2012 Especial Guiné-Bissau u reclama uma simbólica legitimidade que se chega a Afinal, de facções e de rupturas se faz a história do colonial de Portugal e que tem porventura, os assas- confundir com a própria génese da formação do estado PAIGC, uma maldição que remonta aos primórdios sinatos de Amílcar Cabral e de Nino Vieira, entre os independente da Guiné-Bissau. da luta pela independência daquele antigo território seus mais mediáticos episódios. Convenhamos “símbolos de legitimidade” para cujo reavivamento, o próprio PAIGC, em muito contribui particularmente sempre e quando para fins eleitoralis- tas esteja em causa a revigoração da memória colectiva PAIGC: um percurso de conflitos internos nacional e a evocação da importância histórica deste U partido na construção do estado independente da Guiné-Bissau. m rápido olhar sobre a Aliás a associação tácita do PAIGC aos símbolos história deste partido do estado e da nação em construção, pela primeira da independência da vez criticada de forma aberta na recente campanha Guiné-Bissau remete- eleitoral para as eleições presidenciais de 18 de Março nos a certeza de que, dos partidos da último, nomeadamente a bandeira nacional que se independências das antigas colónias confunde com símbolos partidários, expõe as conve- portuguesas em África, tem sido niências daquele partido, na evocação de um legado aquele que mais momentos de tur- histórico, da qual insiste entretanto em deserdar as bulência interna tem enfrentantado actuais forças armadas, que dela contínua sendo uma — sempre e quando em causa estiver espécie de apêndice. a realização das suas reuniões magnas Um coro de vozes da oposição guineense, opõem-se à ou conferências nacionais para a in- presença da MISSANG, que chegam inclusive a compa- digitação de candidatos presidênciais rar a uma força de ocupação, enquanto a vida política do ou para a liderança do partido. pais, continuava sendo animada pelo cortejo de intrigas A permeabilidade das casernas mi- políticas no seio do PAIGC e do governo. litares as divergências e contradições intestinas daquele partido histórico guineense, apenas se incumbe do resto. Mané com todo um cortejo de consequências e impli- cações a espraiar-se aos tempos actuais. PAIGC A expulsão de dirigentes próximos do então pre- sidente Nino Vieira, no congresso de 2008 seria pois, Em 1973, o II congresso Amílcar Cabral de Boé, o invariavelmente o prelúdio de mais um dramático da sucessão de Amílcar Cabral na liderança do partido, episódio, entretanto consumado a 2 de Abril de 2009 acentuam-se as divergências entre a ala cabo-verdiana com assassinato daquele chefe de estado. e guineense do partido. Uma ruptura que seria entre- Um episódio que entre outras eventuais conexões, tanto adiada até Bissau. nomeadamente o factor ajuste de contas, em parte de- O seu III Congresso de 1977, o primeiro do pôs vido a “mão de ferro” com que Nino Vieira lidou com independência, por sinal o congresso da controvérsia o caso 17 de Outubro de 1987, a do fuzilamentos dos da nova constituição da república e das desavenças oficias e militantes do partido, de etnia Balanta, contou em redor da atribuição das patentes militares, acaba com a cumplicidade de sectores do PAIGC. por precipitar o golpe de estado de 14 de Novembro Nas eleições presidenciais de Junho de 2008, Baciro de 1980, que destituiu Luís Cabral. Dabó, um antigo chefe da secreta guineense destoa-se Em 1991, no seu V conclave, o da abertura política da decisão partidária e resolve — à revelia do PAIGC Malam Bacai Sanhá, falecido em Janeiro de 2012 do país ao multipartidarismo, o PAIGC experimenta — avançar como independente e à revelia do PAIGC, a primeira grande cisão da sua história. Um grupo de na corrida para a presidência guineense. Uma ambição 121 militantes, entre intelectuais e quadros, abandonam que de resto custa-lhe a vida, em circunstâncias ainda De um lado o núcleo de Malam Bacai Sanhá, que aquele partido histórico. por esclarecer. conta com a circunstanciada aliança da outrora ala Facto curioso desta cisão é que nas eleições legis- A crispação gerada pelas primárias internas do partidária afecta a Nino Vieira. Do outro, a de Carlos lativas meses depois, as primeiras multipartidárias da PAIGC, para a escolha do candidato do partido às Gomes Júnior, que a despeito dos históricos do PAIGC, história do país, dos 13 partidos concorrentes, incluin- presidenciais de 18 de Março último que, recorde-se, via entretanto galvanizar a sua meteórica ascensão na do o PRS do controverso Kumba Yalá, apenas a Frente colocaram Carlos Gomes Júnior, o líder do PAIGC e liderança do partido dos “camaradas”. de Libertação Nacional da Guiné (FLING), partido chefe do governo e Serifo Nhamadjo, vice-presiden- E natural seria que a resistência a presença militar rival do PAIGC cuja existência remonta ao período te da Assembleia Nacional Popular em trincheiras angolana, encarada desde o início entre sectores do colonial e a Resistência da Guiné-Bissau-Movimento desavindas, não deixa por outro lado de se constituir PAIGC, como a “guarda pretoriana” do executivo Bafatá, são firmações que não resultam de cisões ou em mais um episódio cúmplice da perturbação da governamental de Carlos Gomes Júnior, emergisse dissidências do PAIGC. frágil estabilidade política guineense, de novo com os na surdina, no seio do próprio partido e da facção de Particularidade que em parte explica a facilidade militares no centro da polémica. veteranos da guerra pela independência. com que as contradições internas do PAIGC acabam E pois neste labirinto de intrigas palacianas e de Basta recordar que durante a campanha para as invariavelmente por permear estes siameses partidos guerras de facções com as casernas militares, a fun- presidenciais que o elege em 2008, Malam Bacai Sa- políticos na oposição, trespassando o clima de confli- cionarem tal qual um depositário fiel das contradições nhá chega inclusive a defender “que o envio de forças tualidade para dentro das guarnições militares. internas do PAIGC, com indícios do narcotráfico a estrangeiras para a Guiné-Bissau seria o mesmo que Com a polémica do tráfico de armas para os rebeldes nível de sectores da instituição militar, que Luanda e declarar falência do Estado e um gesto de subestimar do Casamance na agenda do debate nacional, o partido a MISSANG se vêem perdidos na Guiné-Bissau. do patriotismo das actuais forças armadas guineen- reúne-se em 1998 no seu VI Congresso, qual prólogo Quiça “verdades” que o partido dos “camaradas” da ses”. da rebelião militar liderada pelo brigadeiro Ansumane Guiné entendeu, sonegar aos “camaradas” de Angola.