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Ana Sofia Correia Campos
A cheia de Abril de 1962 na cidade de Vila do Conde:
reconstrução hidro-histórica das áreas afetadas e avaliação da
vulnerabilidade atual.
Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Risco, Cidades e Ordenamento do
Território, orientada pelo Professor Doutor António Alberto Teixeira Gomes
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Setembro de 2015
A cheia de Abril de 1962 na cidade de Vila do Conde:
reconstrução hidro-histórica das áreas afetadas e avaliação da
vulnerabilidade atual.
Ana Sofia Correia Campos
Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Riscos, Cidades e Ordenamento do
Território, orientada pelo Professor Doutor António Alberto Teixeira Gomes
Membros do Júri
Professor Doutor José Ramiro Marques de Queirós Gomes Pimenta
Faculdade Letras – Universidade do Porto
Professora Doutora Laura Maria Pinheiro Soares
Faculdade Letras – Universidade do Porto
Professor Doutor António Alberto Teixeira Gomes
Faculdade Letras – Universidade do Porto
Classificação obtida: …. valores
Aos Homens da minha vida: Acácio, Jorge e Lourenço
6
Sumário
Agradecimentos ...................................................................................................................7
Resumo ...............................................................................................................................8
Abstract...............................................................................................................................9
Índice de Figuras................................................................................................................10
Índice de Tabelas................................................................................................................13
Lista de Abreviaturas e Siglas .............................................................................................13
Introdução .........................................................................................................................14
Capítulo 1 – Enquadramento Conceptual .............................................................................16
1.1 A água, o rio e o estuário...........................................................................................16
1.2 Cheias e inundações fluviais em áreas urbanas estuarinas ............................................21
1.3 O risco natural e os conceitos fundamentais ................................................................28
Capítulo 2 - Vila do Conde e a Cheia de Abril de 1962 .........................................................32
2.1 A região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça e a sub-bacia do Ave..............................34
2.2 A cheia de Abril de 1962 ...........................................................................................39
2.3 Aplicação do cenário de cheia de 1962 ao contexto atual da cidade ..............................54
2.4 Coeficientes de impermeabilização na área de estudo ..................................................58
Capítulo 3 – Identificação dos Elementos Expostos e da Vulnerabilidade na área de estudo.....61
3.1 Levantamento Funcional............................................................................................61
3.2 Influência dos elementos expostos móveis ..................................................................64
3.3 Vulnerabilidade ........................................................................................................74
3.4 Cálculo da Vulnerabilidade e resultados .....................................................................77
Conclusão..........................................................................................................................81
Referências Bibliográficas ..................................................................................................83
Anexos..............................................................................................................................88
7
Agradecimentos
Quando há cinco anos iniciei o meu percurso académico, estava longe de imaginar a
quantidade de pessoas que ao longo da licenciatura e do mestrado me iriam inspirar, dar força e
apoio para aqui chegar. Hoje, finda a dissertação de mestrado, resta-me agradecer.
Em primeiro lugar, quero agradecer ao meu orientador, o Professor Doutor Alberto
Gomes, que me ajudou a crescer e que tantas vezes me incentivou a continuar quando a meta
parecia tão distante. Um Professor exímio com uma capacidade única de aligeirar as situações
que me pareciam difíceis sem o ser. Muito obrigado!
De seguida, quero agradecer à Câmara Municipal de Vila do Conde, na pessoa do Doutor
Vicente Amaro, pelas informações que me facultou assim como, pela sua disponibilidade e
conselhos que gentilmente partilhou comigo. Agradeço também ao Centro de Memória de Vila
do Conde pelas fotografias que disponibilizou e ao Arquivo da Biblioteca Municipal José Régio
pelas notícias que me autorizou a consultar. Importa também referir todos os Vilacondenses que
gentilmente partilharam comigo a sua experiência durante a cheia de 1962 e me proporcionaram
momentos repletos de boa disposição e conhecimento.
Neste sentido, quero também agradecer ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera
(IPMA) pela cedência dos Boletins Meteorológicos e ao Instituto Hidrográfico da Marinha pela
cedência dos dados relativos à altura de onda no Porto de Leixões para as datas em estudo.
Deixo ainda uma palavra de apreço a todos os que percorreram este caminho comigo, os
meus colegas, que através da troca de experiências e opiniões me ajudaram a compreender
outras perspetivas e a amadurecer como Geógrafa. Em especial refiro os meus queridos amigos:
Catarina Maia, Daniel Catalão e Mafalda Lopes, que foram e continuarão a ser um porto de
abrigo, uma fonte de alegria e bons momentos.
Por fim, quero agradecer a toda a minha família, em especial aos meus pais e padrinhos,
por sempre me terem deixado sonhar e ajudado a alcançar os meus objetivos. Agradecer à
minha irmã e cunhado pelo apoio, mas sobretudo ao meu afilhado Lourenço que me
proporcionou os onze meses mais felizes da minha vida! Agradecer ainda à minha prima Diana,
que se atrasou uma semana, mas que chegou a tempo de partilhar comigo todos os momentos
importantes, sendo este um eles. Ao Jorge quero agradecer a compreensão durante o meu
percurso académico, mas sobretudo a sua companhia e apoio incondicional.
A todos o meu mais sincero obrigado.
8
Resumo
A ocupação de leitos de cheia intensifica-se com a expansão urbana, potenciando a
artificialização, impermeabilização e concentração de pessoas e bens em áreas suscetíveis à
subida natural do nível fluvial. Esta realidade altera a vulnerabilidade territorial e aumenta os
elementos expostos a eventos de cheia.
Portugal tem um longo historial de eventos naturais com consequências danosas. Segundo
a base de dados DISASTER, nos últimos 150 anos ocorreram diversos eventos de génese
hidrogeomorfológica. Este trabalho destaca, relativamente à ocorrência de cheias e inundações,
o período compreendido entre 1935 e 1969, o qual correspondeu ao período mais crítico em
termos do número de ocorrências que implicaram danos sociais.
Tendo em conta que a cheia de Abril de 1962, em Vila do Conde, foi a mais expressiva
do século XX, encetou-se a delimitação do perímetro de inundação e analisou-se o contexto
hidrogemorfológico do evento. Apesar de não ter provocado vítimas mortais, o rio Ave
alcançou alturas de 1 metro, o que provocou danos consideráveis nas habitações e embarcações
ancoradas no Cais das Lavandeiras.
A área de estudo limita-se à Praça da República e áreas contíguas à mesma, devido ao
facto de terem sido das áreas mais afetadas. Esta praça, que representava uma área habitacional
por excelência tornou-se num centro de animação noturna, repleta de bares e restaurantes. Esta
nova realidade aumentou o número de elementos expostos a eventos danosos de origem natural.
Face a esta dinâmica urbana, reuniu-se informação sobre o evento de 1962 e procedeu-se
à caracterização do evento e à delimitação do perímetro de cheia nas bases cartográficas. Esta
informação juntamente com o levantamento funcional e dos elementos expostos representou um
passo vital para alcançar o nosso objetivo principal: o cálculo da vulnerabilidade da área de
estudo a um evento semelhante ao de 1962 na atualidade. Através deste exercício foi possível
compreender que um evento desta natureza teria consequências bem mais graves em 2014.
Palavras-chave: Cheias, Vila do Conde, Perímetros de inundação, Elementos expostos,
Vulnerabilidade
9
Abstract
The occupation of flood plains intensifies with the urban expansion, enhancing the
artificiality, waterproofing and concentration of people and property in susceptible areas to the
natural rise of the river level. This fact changes the territorial vulnerability and increases the
number of exposed elements to flood events.
Portugal has a long history of natural events with damaging consequences. According to
the DISASTER database, in the last 150 years several events occurred of a
hydrogeomorphological nature. This project highlights, regarding the events of floods and
inundations, the period between 1935 and 1969, which corresponds to the most critical period in
terms of number of events with social damages.
Having in mind that the flood of April 1962, in Vila do Conde, was the most significant
of the 20th century, a delimitation of the flood perimeter was executed and the
hydrogeomorphological context of the event was analyzed. Even though no deaths occurred, the
Ave River reached heights of 1 meter, causing considerable damages in houses and boats
anchored on the Lavandeiras Pier.
The study area is limited to the República Square and adjacent areas, due to the fact that
they were the most affected. This square, which represented a housing area,has become a center
of night life, with several bars and restaurants. This new reality increased the number of
exposed elements to damaging events of natural origin.
Considering this urban dynamics, information of the 1962 event was gathered, a
characterization of the event was performed and the delimitation of the flood perimeter on the
cartographic databases was made. This information alongside with the functional survey and the
exposed elements represented a vital step towards the main goal of the project: the calculation
of vulnerability of the study area to an event similar to the one of 1962 in today’s time. Through
this exercise it was possible to understand that such event would have much more serious
consequences in 2014.
Keywords: Floods, Vila do Conde, Flood perimeters, Exposed elements, Vulnerability
10
Índice de Figuras
Figura 1. Listagem dos eventos de cheia ocorridos em Vila do Conde e identificação dos
eventos mais importantes (Piloto, 2009) ...............................................................................15
Figura 2. Resumo das metodologias aplicadas .....................................................................15
Figura 3. Esquema da longitudinalidade fluvial. Adaptado de: (T. Ferreira, 2006)..................17
Figura 4. Esquema da transversalidade fluvial. Adaptado de: (T. Ferreira, 2006) ...................18
Figura 5. Zonamento clássico de estuário. Adaptado de: (Bianchi, 2013)...............................21
Figura 6. Caracterização da morfologia fluvial (Coque, 1987) ..............................................25
Figura 7. Análise espacial da distribuição dos trabalhos académicos sobre cheias e inundações e
da sua relação com as áreas susceptíveis às mesmas..............................................................27
Figura 8. Ligação dos conceitos associados ao risco (Julião, Nery, Ribeiro, Branco, & Zêzere,
2009).................................................................................................................................31
Figura 9. Localização dos estaleiros navais no século XVI (Polónia, 1999) ...........................33
Figura 10. Marina de Vila do Conde com vista para a Nau Quinhentista e para o edifício da
Alfândega Régia.................................................................................................................34
Figura 11. Perfis longitudinais do rio Ave e dos seus principais afluentes (F. Costa, 2007) .....38
Figura 12. A cheia na Praça da República em 1962 (A) e a Praça na atualidade (B) (Fonte:
Centro de Memória de Vila do Conde e Câmara Municipal de Vila do Conde) .......................39
Figura 13. Uma perspetiva da cheia em 1962 (A) e o mesmo local atualmente (B) (Fonte:
Centro de Memória de Vila do Conde).................................................................................39
Figura 14. Um barco navega na cheia de 1962 na Praça da República (A) e a perspetiva atual da
área (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) ........................................................40
Figura 15. Vista aérea da Praça da República em 1962 (A) e na atualidade (B) (Fonte: Centro
de Memória de Vila do Conde e Câmara Municipal de Vila do Conde) ..................................40
Figura 16. Perspetiva da cheia sobre a Praça da República (A) e perspetiva atual (B) (Fonte:
Centro de Memória de Vila do Conde).................................................................................40
Figura 17. Vista sobre o rio Ave durante a cheia de 1962 (A) e vista atual (B) (Fonte: Centro de
Memória de Vila do Conde) ................................................................................................41
Figura 18. Vista para a Capela do Socorro desde a Rua do Bombeiro (A) e perspetiva atual (B)
(Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) .....................................................................41
Figura 19. Vista da cheia de 1962 sobre o Cais das Lavandeiras (A) e situação atual com a Nau
Quinhentista (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde)............................................41
11
Figura 20. Distribuição espacial das imagens recolhidas na área de estudo ............................42
Figura 21. A cheia de 1 de Abril de 1962 em Amarante
(http://informaticahb.blogspot.pt/2011/08/ ...........................................................................43
Figura 22. A cheia de 1 de Abril de 1962 na Ponte Romana de Vizela (http://vizela-
antiga.blogs.sapo.pt/2931.html) ...........................................................................................43
Figura 23. Pormenor do Jornal Renovação consultado nos arquivos da Biblioteca Municipal de
Vila do Conde ....................................................................................................................43
Figura 24. A cheia de 1962 em Vila do Conde: panorâmica (A) e pormenor (B) sobre a Praça
da República (Centro de Memória de Vila do Conde) ...........................................................44
Figura 25. Imagem da antiga ponte presente no primeiro Boletim Cultural de 1960 da Câmara
Municipal de Vila do Conde (A) (Câmara Municipal de Vila do Conde, 1960) e aspeto atual da
ponte (B) ...........................................................................................................................45
Figura 26. Registos de precipitação diária entre 1931 e 2007 (mm) na estação de Viatodos
(Barcelos) (SNIRH, 2015)...................................................................................................46
Figura 27. Registos de precipitação diária de 01/01/1962 a 30/04/1962 e precipitação
acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015) 46
Figura 28. Registos de precipitação diária no ano de 1962 e precipitação acumulada entre
episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)..........................47
Figura 29. Registos de precipitação diária de 01/10/1961 a 30/04/1962 e precipitação
acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015) 47
Figura 30. Registos de precipitação diária no ano de 1966 e precipitação acumulada entre
episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)..........................48
Figura 31. Maregrama das alturas horárias registadas pelo marégrafo de Leixões de 28/03/1962
a 04/04/1962, indicação do período de cheia em estudo (linha vermelha) e das fases da lua
(Instituto Hidrográfico da Marinha, 2015) ............................................................................49
Figura 32. Dados de precipitação (mm/dia) de 30 de Março a 2 de Abril de 1962 (Earth System
Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) ......................................................51
Figura 33. Dados de precipitação (mm/dia) de 20 a 29 de Março de 1962 (Earth System
Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) ......................................................51
Figura 34. Geopotencial a 1000mb de30 de Março a 2 de Abril de 1962 (Earth System
Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015)......................................................52
Figura 35. Geopotencial a 1000mb de 20 a 29 de Março de 1962 (Earth System Research
Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) ....................................................................52
12
Figura 36. Representação da área de estudo em 1958...........................................................53
Figura 37. Esquema metodológico utilizado ........................................................................54
Figura 38. Panorâmica da área de estudo vista da freguesia da Azurara em Agosto de 2015....55
Figura 39. Fotografia aérea de 1958 e ortofotomapa de 2010 onde se pode constatar as
diferenças e semelhanças na ocupação do solo na área de estudo ...........................................56
Figura 40. Representação da área de estudo em 2014...........................................................57
Figura 41. Aplicação dos cálculos explicados anteriormente à área de estudo........................60
Figura 42. Representação do uso funcional da área de estudo em 2014..................................62
Figura 43. Esquema da organização para um sistema de informação sobre cheias (Karmakar,
Simonovic, Peck, & Black, 2010) ........................................................................................64
Figura 44. Identificação dos pontos de contagem nos dias 24 e 25 de Julho de 2015 (BingMaps,
2015).................................................................................................................................65
Figura 45. Vista dos pontos de contagem: Rua 5 de Outubro (A), Praça José Régio (B) e Cais
das Lavandeiras (C)............................................................................................................66
Figura 46. Representação dos dados referentes ao movimento de pessoas no dia 24 de Julho de
2015 ..................................................................................................................................68
Figura 47. Representação dos dados referentes ao movimento de veículos no dia 24 de Julho de
2015 ..................................................................................................................................69
Figura 48. Representação dos dados referentes ao movimento de pessoas no dia 25 de Julho de
2015 ..................................................................................................................................70
Figura 49. Representação dos dados referentes ao movimento de veículos no dia 25 de Julho de
2015 ..................................................................................................................................71
Figura 50. Alguns dos elementos mais importantes na área de estudo: Um stand automóvel (A),
vários veículos estacionados (B), um posto de abastecimento (C), um parque de estacionamento
subterrâneo (D), uma perspetiva do interior da Loja Interativa de Turismo de Vila do Conde (E)
e uma oficina de reparação automóvel (F) ............................................................................72
Figura 51. Distribuição da capacidade legal dos estabelecimentos e a sua classificação..........73
Figura 52. Apresentação do cálculo da Vulnerabilidade, segundo Santos 2011 ......................78
Figura 53. Apresentação do cálculo da Vulnerabilidade com o indicador das Curvas de Nível,
adaptação de Santos 2011 ...................................................................................................79
13
Índice de Tabelas
Tabela 1. Caudais de ponta de cheia na massa de água do Rio Ave (m3
/s) (ARHNorte, 2012a)38
Tabela 2. Resumo das informações presentes nos Boletins Meteorológicos (Instituto Português
do Mar e da Atmosfera, 2015) .............................................................................................50
Tabela 3. Informação cartográfica trabalhada em ambiente SIG para o contexto de 1962 e 2014
.........................................................................................................................................55
Tabela 4. Alterações no uso do solo na área de estudo (m2)..................................................58
Tabela 5. Atribuição dos coeficientes de impermeabilização segundo Teixeira et al. (2008)
adaptado por Marafuz (2011) ..............................................................................................59
Tabela 6. Estabelecimentos que poderiam ser afetados atualmente por uma cheia semelhante à
de Abril de 1962.................................................................................................................63
Tabela 7. Deslocações no dia 24 de Julho de 2015 ...............................................................67
Tabela 8. Deslocações no dia 25 de Julho de 2015 ...............................................................67
Tabela 9. Síntese das metodologias analisadas.....................................................................74
Tabela 10. Classes de Vulnerabilidade definidos por Santos, 2011........................................76
Tabela 11. Importância atribuída a cada um dos indicadores consoante a ponderação (E. Santos,
2011).................................................................................................................................77
Lista de Abreviaturas e Siglas
ANPC – Autoridade Nacional de Proteção Civil
APP – Aplicação
BGRI – Base Geográfica de Referenciação de Informação
EM-DAT – International Disaster Database
IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera
PGRH – Plano de Gestão da Região Hidrográfica
SIG – Sistemas de Informação Geográfica
SNIRH – Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos
UNISDR – United Nations Office for Disaster Risk Reduction
14
Introdução
A gestão do risco de cheia é um aspeto importante na adaptação às mudanças globais que
hoje vivemos e tem ganho muito destaque no meio científico, sobretudo nas últimas décadas.
Sendo um dos eventos naturais mais comuns no mundo, as avaliações do risco de cheia a priori
tornaram-se uma parte importante dos métodos de gestão aplicados a cada caso (de Moel et al.,
2015). No passado as estimativas de cheia eram suficientes para a tomada decisões, porém
atualmente há uma demanda crescente para o detalhe e precisão, utilizando preferencialmente
dados consolidados e mapas de risco (de Bruijn, Klijn, van de Pas, & Slager, 2015).
Seguindo esta visão, os inventários de ocorrências históricas naturais, que visem a criação
de bases de dados para futuro processamento e representação em SIG, revelam-se um fator-
chave na fase inicial da aplicação de modelos preditivos temporais e espaciais destas
ocorrências, com vista a implementar melhores medidas de atuação (Soares et al., 2012).
Posto isto, podemos compreender a pertinência e a necessidade de analisar os eventos
históricos de maior relevo, para de certa forma podermos estudar a evolução, localização e
magnitude da ocorrência de cheia. A base de dados DISASTER1
provou que a análise dos
relatos na imprensa pode ser uma forma eficaz de reunir informação sobre ocorrências
anteriores, as quais muitas vezes não têm as suas características sistematizadas pelas autoridades
competentes.
Assim, surgiu a ideia de reconstituir o perímetro de cheia do evento de 31 de Março e 1
de Abril na área ribeirinha de Vila do Conde. Este foi um dos pontos de partida deste trabalho,
constituindo-se como o primeiro objetivo a alcançar. O segundo objetivo surge com a vontade
de contabilizar os elementos expostos móveis e fixos na área de estudo, algo fundamental para
chegar ao objetivo principal desta dissertação: o cálculo da vulnerabilidade da área a um evento
de características semelhantes ao de 1962.
A escolha da área de estudo baseou-se na proximidade, mas também, pelo facto da área
abrangida pela Bacia Hidrográfica do Ave ser das zonas portuguesas e, mesmo europeias, mais
favorecidas em termos de disponibilidades hídricas anuais, com um valor anual médio superior
à média do país mais húmido da Europa: a Irlanda com 700 mm (F. Costa, 2007), algo
resultante da existência de uma densa malha de linhas de água com caudal permanente ao longo
de todo o ano.
1
Este projeto construiu uma base de dados SIG sobre desastres hidrológicos (cheias) e geomorfológicos
(deslizamentos) ocorridos em Portugal continental no fim do século XIX, século XX e 1ª década do século XXI. Os
resultados podem ser consultados em: http://riskam.ul.pt/disaster/
15
Outro motivo prende-se no facto da ocorrência de cheias no rio Ave em Vila do Conde
não ser um acontecimento raro. Através da pesquisa de notícias presentes no Arquivo da
Biblioteca Municipal de Vila do Conde, foi possível enumerar algumas das cheias mais
importantes da história da cidade (Figura 1):
Portanto, há um risco de cheia evidente e reconhecido em vários trabalhos, como no
Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça (Relatório de Base: Parte 2,
pág. 1780) e a atribuição de risco moderado por Sá e Vicêncio, 2011 (Sá & Vicêncio, 2011).
Estes fatores aliados à baixa elevação da área de estudo e da localização em área estuarina são
pertinentes para um estudo mais aprofundado sobre o processo das cheias em Vila do Conde.
Em termos metodológicos, a Figura 2 tenta sintetizar as ideias principais de cada um dos
esquemas metodológicos utilizados, e que posteriormente serão explicados com mais pormenor
nos seus respetivos capítulos.
Figura 1. Listagem dos eventos de cheia ocorridos em Vila do Conde e identificação dos eventos mais
importantes (Piloto, 2009)
Figura 2. Resumo das metodologias aplicadas
16
O trabalho dividir-se-á em quatro capítulos, sendo que o primeiro aborda
essencialmente questões de enquadramento. Neste capítulo serão esclarecidos conceitos
fundamentais de base, necessários para a consolidação de competências científicas que serão
aplicadas posteriormente. Na parte final do capítulo é feito um apanhado das metodologias que
serão aplicadas ao longo da dissertação.
O segundo capítulo irá apresentar a área de estudo, a região hidrográfica onde esta se
insere e ainda o evento de cheia de Abril de 1962. Neste capítulo serão compiladas todas as
informações que foi possível recolher sobre o evento referido. Depois de definido o perímetro
de inundação histórico, este será aplicado à realidade atual da cidade.
No terceiro capítulo podemos encontrar os elementos expostos fixos e móveis da área
de estudo. Aqui, será apresentada a metodologia aplicada e posteriormente apresentado o
levantamento funcional e as contagens de movimentos realizados. Tudo isto com vista a
alcançar o cálculo da vulnerabilidade no quarto e último capítulo.
Capítulo 1 – Enquadramento Conceptual
1.1 A água, o rio e o estuário
Quando nos propomos trabalhar o tema das cheias, e tendo em conta que este é um
processo hidrológico, temos que inevitavelmente falar de água. A água é um elemento natural
fundamental para a manutenção da vida no planeta Terra. Integrante nos ecossistemas naturais,
a água torna-se um fator indispensável para a sobrevivência das espécies, para a conservação e
equilíbrio da biodiversidade e das relações de dependência entre seres vivos e ambientes
naturais (Bacci & Pataca, 2008).
Sem água, o nosso planeta não teria um ambiente apropriado para a criação e manutenção
de vida. É a combinação entre o hidrogénio e o oxigênio o elemento-chave para a nossa
existência. Também ao longo da história da humanidade percebemos a importância da água:
esta condicionou culturas e hábitos, a ocupação territorial, a vitória ou derrota em batalhas e até
determinou a extinção ou a sobrevivência de espécies. Ao longo de milhares de anos, e sob a
influência da água, o Homem e as demais espécies cresceram e desenvolveram-se com base
neste bem natural tão valioso.
Torna-se também necessário compreender e ter em conta as propriedades de um rio. Este
pode ser classificado como sendo um sistema natural que, de forma eficiente, transporta água,
17
sedimentos, nutrientes e seres vivos. Porém, a importância destas artérias naturais do território
não se fica por aqui: são também os rios que equilibram o ciclo hidrológico, pois conduzem a
água excedente das chuvas para o oceano (Christofoletti, 1974).
São estes sistemas que recarregam os aquíferos situados nas planícies aluviais e que
levam areias até às praias do litoral, regenerando-as de forma contínua. É o rio que se regula a si
mesmo, abrindo espaço para conter as suas subidas através dos sedimentos que arrasta,
trabalhando pouco a pouco no seu leito. Os rios são também paisagens de elevado valor cénico,
com personalidade própria e singular, internamente muito complexos e diversos.
Segundo Ojeda (2014), um rio compreende quatro dimensões: uma componente
longitudinal, outra transversal, uma componente vertical e outra temporal. Longitudinalmente
estes sistemas nascem numa área mais elevada e vão mudando conforme recebem afluentes e
conforme vão atravessando diferentes áreas geológicas até se converterem num grande recetor
que chegará ao mar (Figura 3).
Ou seja, o perfil longitudinal de um rio mostra o seu declive, representando visualmente a
relação entre altimetria e comprimento de determinado curso de água. O perfil característico é
côncavo apresentando declives maiores em direção à nascente e valores mais suaves em direção
à foz (Christofoletti, 1974).
Figura 3. Esquema da longitudinalidade fluvial. Adaptado de: (T. Ferreira, 2006)
18
Transversalmente, o rio é todo o espaço inundável, por vezes de vários quilómetros, que
conta com um conjunto diverso de ecossistemas interrelacionados dispostos em mosaicos e em
bandas, que podem ser canais principais e secundários, zonas pantanosas, ilhas fluviais, entre
outros (Figura 4).
Verticalmente, o rio tem elementos superficiais e subterrâneos conectados com a água,
sedimentos e organismos vivos por baixo do canal visível à superfície. Temporalmente o rio
assiste a mudanças contínuas de caudal, da carga de sedimentos e dos seus processos de erosão.
Os rios são ecossistemas de grande diversidade, valor ambiental e fertilidade. Esta
fertilidade provém dos nutrientes que estes sistemas naturais conseguem transportar desde a
nascente até à foz. Estes nutrientes, aliados às subidas do rio, são distribuídos e renovam os
habitats, criando ecossistemas ricos e diversos que se rejuvenescem de forma contínua. Nestes
habitats terrestres e aquáticos residem muitos seres vivos, o que faz com que os rios sejam
importantes corredores ecológicos (Ojeda, 2014).
Estes ecossistemas desempenham também um papel importantíssimo para o ser Humano,
uma vez que amenizam as condições meteorológicas locais, fornecem água e alimentos e
desempenham funções de proteção. Devido a estes fatores, podemos compreender o motivo que
desde o Neolítico tem levado o Homem a utilizar as margens dos rios para prosperar e
desenvolver civilizações. Hoje e no futuro, os rios desempenharão um importante papel no que
toca à redução dos impactes das alterações climáticas (Bacci & Pataca, 2008).
Posto isto, percebemos que o rio não é apenas a água que nele vemos correr e não é
apenas a área normalmente por ele ocupada, mas sim todo o espaço lateral que ele pode inundar:
o vale fluvial. Apesar de muitas vezes ocupados por atividades antrópicas, esse espaço não é do
Homem mas sim do rio, que o ocupa quando necessário. Daqui compreendemos a importância
Figura 4. Esquema da transversalidade fluvial. Adaptado de: (T. Ferreira, 2006)
19
de gerir o espaço de forma adequada, tendo em conta que somos “inquilinos” nessas áreas e que
não podemos quebrar nem o funcionamento natural do rio nem o seu sistema de autorregulação.
Colocar elementos de ocupação permanente nestes espaços supõe que inevitavelmente estes
serão alcançados pelas cheias do curso de água presente.
Estas cheias representam processos naturais, processos esses, constituídos por um
aumento geralmente repentino do caudal do curso de água. Este aumento de caudal é também
acompanhado pelo aumento da velocidade da corrente, que pode transbordar o leito normal e
inundar progressivamente as margens até alcançar a ponta de cheia e, a partir daí, voltar
gradualmente ao normal. Este processo tem consequências ambientais muito diferentes dos
processos de escoamento normal, uma vez que extravasam os limites de resistência do sistema
fluvial acelerando os processos de erosão, transporte e sedimentação.
Ojeda (2014), ajuda-nos a compreender como se gera, manifesta e desenvolve uma cheia
começando por afirmar que a maioria dos seus processos tem origem em causas hidro-
meteorológicas (precipitação intensa ou prolongada, por exemplo). Existem ainda outros
motivos que podem levar à subida dos caudais de um rio: como as características topográficas e
geométricas da bacia de drenagem (declive, dimensão e forma da bacia), a componente
geológica (litologia e permeabilidade), a natureza da ocupação do solo (coberto vegetal, tipo de
solo e a sua utilização) e as intervenções humanas existentes (urbanização em leito de cheia,
construção de açudes e barragens, entre outras) (Teles, 2002).
Em relação à sua formação, Ojeda (2014) explica que quando se dá a saturação dos solos
os processos de aumento do leito normal começam, pois os solos já não conseguem reter toda a
água recebida. Nestes processos há ainda alguns fatores que podem interferir nas características
da cheia, os chamados fatores de intensificação ou atenuação (saturação dos solos, topografia,
geometria hidráulica, ação antrópica, entre outros).
Como a força da corrente aumenta nestes períodos, a erosão torna-se mais expressiva uma
vez que as águas adquirem força suficiente para arrancar materiais das margens. Em conjunto
com os materiais sólidos (cascalho, areias, sedimentos finos e solo), também matéria orgânica e
elementos antrópicos que se encontrem em leito de cheia serão arrastados pela corrente.
Na fase final dá-se o descanso e o retorno ao leito normal, que provavelmente será
diferente da situação inicial. Este processo é gradual e geralmente muito mais lento do que a
formação da cheia. Nesta fase o rio procura um novo equilíbrio. Esta transformação tem
consequências nos meios abióticos (gera uma nova geometria e morfometria no canal do rio),
20
meios bióticos (leva matéria orgânica e nutrientes a áreas mais afastadas do leito normal) e
meios humanos (provoca danos em infraestruturas, levando a perdas económicas diretas e
indiretas) (Ojeda, 2014).
Como já foi referido anteriormente, as cheias fluviais são necessárias para o correto
funcionamento do rio e para o seu equilíbrio ecológico. Estas subidas de caudal podem também
ter consequências positivas para os ecossistemas e para a sociedade, como por exemplo: a cheia
limpa e redefine o curso do rio; leva sedimentos e nutrientes a áreas mais distantes,
enriquecendo-as; cada cheia recarrega o aquífero aluvial; as cheias diluem os contaminantes e
conseguem arrancar espécies invasoras que provocam a eutrofização das águas.
Posto isto, e tendo em conta que a área de estudo se localiza na foz do rio Ave, onde este
se encontra com o oceano Atlântico, importa compreender melhor o conceito de estuário e a sua
importância. Os estuários podem ser definidos como corpos de água parcialmente fechados que
se localizam na costa, onde a água doce de um rio encontra a água salgada de um oceano,
primando por serem entidades complexas e muito dinâmicas. Estes são locais de transição entre
a dinâmica fluvial e a dinâmica marítima e embora sofram a influência das marés estão mais
protegidos da força das ondas, dos ventos e das tempestades (United States Environmental
Protection Agency, 2012).
Esta definição é normalmente aceite pela grande maioria dos investigadores, contudo a
delimitação da área do estuário é menos clara. Alguns autores acrescentam à região interior de
um ambiente costeiro a região da plataforma continental adjacente (pluma estuarina) ou têm em
conta outras variáveis, como a salinidade da água (Delgado, 2011). Podemos então afirmar que
consoante a área disciplinar, a definição de estuário varia, adaptando-se à área científica que o
autor pretende, moldando os componentes morfológicos, sedimentares e hidrodinâmicos destes
locais (Figura 5).
21
Figura 5. Zonamento clássico de estuário. Adaptado de: (Bianchi, 2013)
Podemos ainda afirmar que os ambientes estuarinos são conhecidos por serem
extremamente férteis, criando valores consideráveis de matéria orgânica e têm capacidade para
suportar comunidades únicas de fauna e flora especialmente adaptadas para viver nestes locais.
As áreas estuarinas oferecem-nos um sem número de recursos, benefícios e serviços. Nestes
espaços podemos desenvolver atividades de recreio, estudos científicos ou apenas apreciar o seu
elevado valor cénico (United States Environmental Protection Agency, 2012). Os estuários
representam um recurso natural insubstituível que deve ser gerido de forma cuidada.
Depois deste capítulo, podemos compreender que respeitar a dinâmica fluvial ao invés de
a impedir, é uma medida inteligente e de acordo com a atenção que deve ser dada ao meio
ambiente numa altura de mudanças profundas como as que vivemos. Sabendo que as ações
antrópicas ditarão um risco cada vez maior de cheia e inundação, este é um tema que merece
especial atenção, sobretudo nas áreas mais suscetíveis, como os ambientes urbanos estuarinos
(Agência Europeia do Ambiente, 2012).
1.2 Cheias e inundações fluviais em áreas urbanas estuarinas
Atualmente tem sido dado grande destaque aos riscos naturais e às implicações que estes
podem ter em áreas urbanas que cada vez mais se encontram em locais passíveis de serem
afetados. Em Portugal verifica-se que grande parte da população se concentra nas cidades
litorais, que cada vez mais edificadas, exercem grande pressão sobre os recursos existentes (P.
22
Santos, Reis, & Tavares, 2014). Estando o ser Humano pouco recetivo às consequências de
eventos extremos interessa trabalhar no sentido de identificar e mitigar os efeitos resultantes de
um fenómeno natural, algo que o Homem não é capaz de controlar.
O facto dos meios urbanos serem os mais vulneráveis aos perigos naturais é já bem
conhecido, quer pela concentração de população, quer pela impermeabilização existente (P.
Santos, Tavares, & Zêzere, 2014). O aumento da urbanização potenciou um aumento da
vulnerabilidade territorial devido sobretudo à artificialização e à concentração desenfreada de
pessoas, edifícios e infraestruturas, o que ao potenciar o número de elementos expostos adiciona
um sem número de consequências diretas e indiretas aos processos naturais que sempre
acompanharam a evolução do Planeta (Peixoto, 2013).
Com o decorrer dos anos, cresceu a necessidade de expandir os locais que o Homem
considerava mais oportunos para a sua instalação. Com isto, a desflorestação e a
impermeabilização dos solos começou a ser uma realidade cada vez mais presente, algo que
teve um impacto direto nos fenómenos naturais, especialmente nos hídricos (Frias, 2013).
No que diz respeito às cheias vários autores têm-se debruçado sobre este conceito de onde
resultam definições como sendo um fenómeno hidrológico extremo e temporário, natural ou
induzido pelo Homem, que se caracteriza pelo transbordo de um curso de água relativamente ao
seu leito normal, originando inundação nos terrenos circundantes (Chow, 1956). Já Almeida
(2006) refere que uma cheia se caracteriza por um escoamento de água muito intenso em
consequência da ocorrência de causas naturais, provocando extravasamento e inundações, ou
seja, a cobertura temporária de uma área por água (Almeida, 2006).
Também a distinção entre cheia e inundação é pertinente para o caso de estudo. Para
Portela (2000), quando se dá a ocorrência de uma cheia a bacia hidrográfica é sujeita a uma
alimentação de água tão intensa e prolongada que o seu caudal excede a capacidade normal de
transporte, extravasando-a e alagando as áreas marginais, logo provocando uma inundação da
área (Portela, 2000).
No que diz respeito a normas europeias, a Diretiva Europeia 2007/60/CE para a
Avaliação e Gestão de Riscos de Inundação diz-nos que uma inundação é “a cobertura
temporária por água de uma parcela do terreno fora do leito normal, resultante de cheias
provocadas por fenómenos naturais como a precipitação, incrementando o caudal dos rios,
torrentes de montanha e cursos de água efémeros, correspondendo estas a cheias fluviais, ou de
sobreelevação do nível das águas do mar, nas zonas costeiras” (Parlamento Europeu, 2007).
23
Posto isto, podemos compreender que apesar de serem conceitos relacionados, são
diferentes, uma vez que uma cheia pode ou não originar uma inundação e uma inundação pode
ou não ter que ver com uma cheia. Esta pode ser motivada por outros fatores como o
rebentamento de barragens ou a subida do nível da água do mar (Rodrigues, 2009). Mais à
frente vamos compreender que no caso em estudo, o que aconteceu foi uma inundação das áreas
ribeirinhas com origem na cheia do rio Ave em final de Março e início de Abril de 1962.
Em Portugal, as cheias devem-se sobretudo a processos meteorológicos, com destaque
claro para a pluviosidade, que origina processos que podem ser divididos em: cheias
progressivas dos grandes rios, cheias rápidas (flash floods) dos rios e ribeiras de pequenas e
médias bacias hidrográficas e inundações urbanas resultantes da forte precipitação combinada
com a crescente impermeabilização destes terrenos (P. Costa, 1986).
A pluviosidade referida pode-se desagregar em dois tipos: as chuvas contínuas e
duradouras, que podem até nem ser intensas mas originam cheias lentas e a subida dos lençóis
freáticos. São chuvas que atingem áreas alargadas e que devido à sua longa duração saturam os
solos e provocam fenómenos de transbordo (cheias fluviais, por exemplo). Nas latitudes médias,
como é o caso de Portugal, devem-se a depressões frontais, correspondendo à circulação zonal
de oeste (Sousa, 2012).
Estas chuvas podem também concentrar-se no espaço e no tempo apresentando grande
intensidade, o que dá origem a cheias rápidas e a inundações urbanas. Este tipo de chuva ocorre
num período de tempo curto (horas ou até menos minutos) mas são muito intensas. No caso
português ocorrem devido às frentes frias ativas e às células convectivas isoladas (Ramos,
2013).
Em qualquer dos casos é importante conhecer o período de retorno da cheia que permite
prever a probabilidade de determinados caudais ocorrerem novamente ou de serem
ultrapassados. Neste sentido, período de retorno significa o intervalo temporal em que o
fenómeno é igualado ou excedido (Marafuz, 2011).
Para o caso em estudo, e segundo Miranda & Baptista (2006) “tanto por influência do
Ave, como do seu afluente rio Vizela, alguns concelhos desta bacia são afetados por cheias,
normalmente de curta duração, dada a reduzida dimensão da bacia” (Miranda & Baptista, 2006).
Dentro desta temática e segundo Costa (1986), devemos ainda considerar as inundações
urbanas que não estão ligadas ao transbordo das linhas de água mas sim aos processos de
impermeabilização do solo cada vez mais patentes sobretudo nos grandes aglomerados urbanos
24
da atualidade. Esta impermeabilização em conjunto com a concentração de água em áreas
deprimidas e a resposta deficiente dos sistemas de drenagem das águas pluviais, muitas das
vezes subdimensionados, geram situações de risco que poem em causa a segurança do Homem e
do Meio Ambiente (P. Costa, 1986).
Apesar dos fatores desencadeantes das cheias serem essencialmente de natureza
meteorológica, é importante compreender que outros fatores podem influenciar a frequência, a
dinâmica e a magnitude do fenómeno em questão. Estes fatores, juntamente com as
componentes biofísicas das bacias hidrográficas em questão, têm que ver com: a geometria
(forma e dimensão), o relevo (particularmente o declive), o solo e o substrato geológico
(permeabilidade do solo), a vegetação e a forma como os solos estão ocupados (Sousa, 2012).
Estes fatores conjugados interferem na relação entre a quantidade de água que fica
armazenada ou retida (à superfície e em profundidade) e a quantidade de água que se escoa à
superfície, o escoamento direto. Assim é possível afirmar que as bacias hidrográficas com
permeabilidade reduzida e declive acentuado são mais suscetíveis a vir a ser afetadas pelas
cheias pois há uma maior concentração de água a jusante dos vales (Marafuz, 2011). Posto isto,
a dimensão da bacia hidrográfica revela ser um parâmetro relevante para distinguir as situações
de cheia, uma vez que influencia o tempo de resposta da bacia e da propagação da cheia
(Carvalho, 2009).
Neste contexto, também os fatores antrópicos agravam os episódios de cheia e inundação
uma vez que afetam a ocorrência e a magnitude dos acontecimentos. Esta influência deve-se
sobretudo à já citada impermeabilização dos solos2
e à alteração do coberto vegetal3
que vai
afetar os processos normais de interseção, retenção, infiltração e escoamento das águas.
Neste momento já percebemos que há vários fatores a influenciar a ocorrência de cheias e
inundações. A geomorfologia dos vales e leitos fluviais, ao potenciar a suscetibilidade de
ocorrência destes fenómenos, deve ser estudada detalhadamente. Interessa nesta fase abordar
alguns conceitos fundamentais para esta temática, nomeadamente os que dizem respeito ao leito
fluvial.
2 Resulta da construção de estruturas e pavimentos em terrenos subjacentes aos leitos dos rios. Esta inibição de
infiltração faz aumentar o escoamento superficial e o perigo em locais a jusante, algo que acontece frequentemente no
meio urbano (Sousa, 2012);
3 O desaparecimento do coberto vegetal existente na bacia hidrográfica (devido a incêndios, a desbaste ou outros
fatores), resulta em alterações profundas das condições de escoamento tanto ao nível da circulação superficial como o
nível da carga sólida (Sousa, 2012);
25
Sobre este tema Sousa (2012) diz-nos que “o vale fluvial de um rio é constituído pelo
leito menor, que corresponde ao leito corrente do rio propriamente dito, por ser bem encaixado e
delimitado, onde o escoamento das águas tem frequência suficiente para impedir o crescimento
de vegetação (Figura 6). Nele encontra-se incluído o canal de estiagem que corresponde ao
canal de escoamento da água na época mais seca do ano. O leito maior também faz parte do vale
fluvial e pode ser também denominado como planície de inundação ou leito de cheia” (Sousa,
2012).
Já Christofoletti (1974), distingue os leitos fluviais em quatro categorias: leito vazante,
que está incluído no leito menor; o leito menor, que está bem delimitado, encaixa nas margens
do rio e impede o crescimento de vegetação; o leito maior periódico ou sazonal, que é
regularmente ocupado pelas cheias; e o leito maior excecional, que é ocupada quando ocorrem
cheias mais agressivas (Christofoletti, 1974).
Atualmente, e no que diz respeito a cheias e inundações, podemos enumerar algumas
medidas de defesa e mitigação agrupáveis nas vertentes estruturais e não estruturais. Podemos
dizer que no primeiro caso, as medidas estruturais, são aquelas que intervêm num ou vários
parâmetros de cheia (caudal, áreas inundáveis, entre outros), do ponto de vista hidráulico ou
hidrológico. Exemplos disto mesmo são: diques, barragens, bacias de retenção, modificação no
leito, regularização fluvial, entre outros (Sousa, 2012).
Já as medidas não estruturais, não assumindo forma física, destacam-se a nível
regulamentar, legislativo e normativo. Usualmente estabelecem zonamentos, regulam a
Figura 6. Caracterização da morfologia fluvial (Coque,1987)
26
construção e definem medidas de ação no âmbito da gestão do risco (planos de emergência,
sistemas de alerta e previsão, entre outros).
Tendo em conta que diariamente os riscos naturais exercem um efeito condicionante na
segurança, na qualidade de vida e na qualidade ambiental das populações, torna-se urgente
identificar e conhecer detalhadamente estes riscos.
Para comprovar ainda mais o perigo que estes fenómenos representam e através dos
dados disponíveis no EM-DAT4
, podemos verificar que em Portugal Continental e Ilhas, entre
1960 e 2014 as cheias e inundações representam a catástrofe mais frequente no total das
catástrofes naturais ocorridas. Foram também a segunda catástrofe mais mortífera (depois das
ondas de calor) e a segunda catástrofe que mais pessoas afetou (depois dos incêndios florestais).
Estando perante esta realidade, que apesar de incontrolável pode ser mitigada, surge cada
vez mais a necessidade de criar medidas eficazes que englobem políticas de proteção civil e de
ordenamento do território com o objetivo de contornar os efeitos destes fenómenos que ocorrem
em áreas definidas: as áreas inundáveis (algo que não acontece com outros tipos de ocorrências
meteorológicas como as ondas de frio e calor).
Tendo em conta este fator de localização definida, surgiu a ideia de sintetizar a
localização dos trabalhos referentes ao risco de cheia e inundação e perceber se os locais mais
abordados são os que representam mais risco. Para isso foram recolhidos 55 trabalhos
académicos de 1986 a 2015 (Anexo 5), e confrontámos a localização das suas áreas de estudo
com a Carta de Suscetibilidade a Cheias e Inundações elaborado em 2013 pela ANPC. No final
foi possível concluir que na amostra de trabalhos utilizada há uma clara concentração destes
estudos nos rios de maior caudal, localizados sobretudo no Norte e Centro de Portugal. Por seu
turno há uma falha clara em relação ao estudo dos rios na região alentejana. Mais conclusões
podem ser retiradas através da observação da Figura 7.
4 Dados para consulta disponíveis depois de selecionar “Portugal” em http://www.emdat.be/result-country-profile e
consultados a 06/10/14;
27
Figura 7. Análise espacial da distribuição dos trabalhos académicos sobre cheias e inundações e da sua relação com as áreas susceptívei s às
mesmas
28
Apesar de existirem trabalhos para a grande maioria das áreas críticas, interessa continuar
a apostar na definição e nos recursos cartográficos, algo que teve um avanço significativo com a
publicação do Guia Metodológico para a Produção de Cartografia Municipal de Risco e para a
Criação de Sistemas de Informação Geográfica de Base Municipal (Julião et al., 2009), o qual
permite uniformizar técnicas e promover a convergência de estratégias.
1.3 O risco natural e os conceitos fundamentais
Sendo hoje um conceito bem presente na sociedade, o risco natural ganha destaque na
década de 90 depois das Nações Unidas declararem essa década como a Década Internacional
para a Redução de Riscos Naturais. Desde então têm-se desenvolvido, tanto a nível nacional
como internacional, um conjunto de normas e métodos de perceção, avaliação, quantificação,
prevenção e mitigação dos riscos de origem natural, antrópica ou mista, existindo atualmente
um enorme conjunto de teorias e métodos aplicados à sua análise (Belo, 2012).
Por seu turno, o risco de cheia ganha destaque na agenda política europeia devido às
cheias severas que afetaram grande parte da europa na viragem para o século XXI, sendo que
em 2007 é lançada a Diretiva 2007/60/CE relativa à avaliação e gestão dos riscos de inundação,
no sentido de reduzir os efeitos adversos que estes fenómenos podem ter (Schumann, 2011).
Com as mudanças que se têm observado a nível mundial em termos climáticos e que
resultam em ocorrências mais severas e frequentes, este será um conceito cada vez mais
abordado por geógrafos, geólogos, engenheiros e outros investigadores que continuarão a
contribuir para o conhecimento dos riscos na sua vertente física e natural, o que enriquecerá o
domínio teórico e prático do tema.
Citando o UNISDR (2004), o risco é definido como a probabilidade de ocorrerem
consequências danosas, ou perdas esperadas (mortos e/ou feridos, danos nas propriedades e nas
formas de vida, ruturas na atividade económica ou danos ambientais) resultantes da interação
entre perigos naturais ou induzidos pelo homem e as condições da sua vulnerabilidade
(International Strategy for Disaster Reduction, 2004).
A nível nacional a ANPC diz-nos que o risco é definido como a probabilidade de
ocorrência de um processo (ou ação) perigoso e respetiva estimativa das suas consequências
sobre pessoas, bens e ambiente (Barreiros, Costa,& Pires, 2009). Já Zêzere et al. (2005) diz-nos
que “a avaliação quantitativa do risco (R) é obtida através do produto da perigosidade (P) pela
vulnerabilidade (V) e pelo valor dos elementos em risco (E). Deste modo, verifica-se que o risco
29
pode ser mitigado a partir da intervenção em qualquer um dos seus componentes (perigosidade,
vulnerabilidade, valor dos elementos expostos), sendo nulo se um deles for eliminado” (J.
Zêzere, Pereira, & Morgado, 2005).
Os riscos desempenham um papel importante no desenvolvimento das sociedades e
culturas. Sempre representaram uma ameaça para o Homem e podem fazer-se sentir de forma
rápida e violenta, como os terramotos, ou de forma lenta, como a erosão do solo. Em termos
geográficos, podem afetar áreas restritas, ou podem afetar áreas mais alargadas (Colegio Oficial
de Geólogos, 2008).
O risco pode ser dividido em natural, tecnológico ou misto (Barreiros et al., 2009). O
risco natural é um fenómeno que produz danos e tem origem na natureza, por exemplo cheias,
ondas de calor, sismos, entre outros. Os riscos tecnológicos são aqueles em que o fenómeno
causador de danos tem origem na ação do Homem, por exemplo acidentes industriais,
derramamento de matérias perigosas, acidentes nucleares, entre outros. Já os riscos mistos
resultam de uma ação combinada entre risco tecnológico e natural, que podem ser reunidos em
três grupos: riscos mistos de componente atmosférica, de componente geodinâmica e riscos
dendrocaustológicos (Lourenço, 2008).
No caso do risco natural este pode, segundo o EM-DAT, ser dividido em cinco
categorias: ocorrências geofísicas (movimentos de vertente, erupções vulcânicas), ocorrências
meteorológicas (tempestades), ocorrências hidrológicas (inundações), ocorrências
climatológicas (temperaturas extremas, secas, incêndios) e ocorrências biológicas (epidemias,
infestações, entre outros) (International Disaster Database (EM-DAT), 2009). Posto isto, o
termo de risco natural implica a ocorrência de uma condição natural, que ameaça ou age
perigosamente num espaço e tempo definidos (Alcántara-Ayala, 2002).
Para cartografar de forma eficaz os riscos é necessário identificar o fenómeno natural,
tecnológico ou misto que representa perigo, determinar a probabilidade da sua ocorrência,
conhecer com precisão a área geográfica que poderá ser afetada e apurar o grau de
vulnerabilidade do capital humano presente nessa área (Belo, 2012).
Ainda no contexto do risco natural, podemos utilizar a linguagem matemática para
traduzir este conceito através da seguinte expressão: Risco = Perigo x Exposição x
Vulnerabilidade, ou seja, o mesmo risco pode corresponder a um perigo fraco e a uma
30
vulnerabilidade alta5
, a um perigo moderado e a uma vulnerabilidade moderada6
ou ainda a um
perigo forte com fraca vulnerabilidade7
. Sem exposição de bens ou pessoas não há risco
propriamente dito, apenas a ocorrência de processos naturais (Hallegatte, 2014).
A equação anterior define as variáveis mais importantes do risco8
: o perigo e a
vulnerabilidade. O perigo, ou seja, a ocorrência (geofísica, meteorológica, hidrológica,
climatológica ou biológica) está dependente da magnitude e frequência, o que confere
características próprias a cada fenómeno. Segundo Julião, et al. (2009), estes dois fatores
representam a severidade, que é definida como a “capacidade do processo ou ação para danos
em função da sua magnitude, intensidade, grau, velocidade ou outro parâmetro que melhor
expresse o seu potencial destruidor” (Julião et al., 2009).
No que diz respeito à vulnerabilidade, esta tem que ver com o comportamento do Homem
e a sua exposição face ao perigo, algo que influência a sua capacidade de antecipar, lutar,
resistir e recuperar do impacte de um risco natural (Wisner, Piers, Cannon, & Davis, 2003), ou
seja, a vulnerabilidade depende da capacidade física e funcional dos elementos expostos para
resistir aos perigos existentes. Já Kasperson et al. (2010) define vulnerabilidade como “o grau
em que um sistema ou unidade (grupo de pessoas ou local) é suscetível de sofrer danos devido à
sua exposição a perturbações ou tensões” (Kasperson, Kasperson, & Turner, 2010).
Neste sentido, a vulnerabilidade apresenta três dimensões: exposição, sensibilidade (que
inclui a antecipação e a forma como se lida com a ocorrência) e resiliência (Schumann, 2011).
Para um sistema social, por exemplo uma comunidade, a vulnerabilidade pode ser definida
como "um conjunto de condições e processos decorrentes de fatores físicos, sociais, económicos
e ambientais, que aumentam a suscetibilidade de uma comunidade para o risco" (United Nations
- International Strategy for Disaster Reduction, 2004).
Esta perspetiva pode ser traduzida em termos matemáticos, como: V = E x S x CR, sendo
que a vulnerabilidade é a combinação da exposição, suscetibilidade e capacidade de resposta. A
5 Como aconteceu no Haiti em 2010, onde um sismo de magnitude 7 (que em países preparados não teria causado
danos tão graves) teve efeitos devastadores mostrando que este país estava mal preparado para a possibilidade deste
tipo de ocorrência (Birkmann, Kienberger, & Alexander, 2014);
6 Ocorre em países com desenvolvimento desigual, onde algumas regiões não sofrem grandes consequências,
enquanto que outras regiões mais pobres ficam completamente devastadas;
7 Como por exemplo o caso do Japão, que apesar de ser frequentemente abalado por atividade sísmica está preparado
para tal ocorrência e registam-se poucos danos e perdas humanas;
8 Neste contexto o risco pode ser classificado de duas formas: a nível qualitativo ou quantitativo de perdas humanas,
de bens e de património (construído e ambiental). A nível quantitativo, a análise é sustentada pela avaliação prévia da
vulnerabilidade e do valor dos elementos expostos. O cálculo qualitativo pode ser efetuado através da identificação
das áreas de risco, indicando os cenários de probabilidade de ocorrência e a localização dos elementos expostos em
risco (Sousa, 2012);
31
exposição é condicionada pelas consequências sociais, económicas, ecológicas e culturais que
podem advir dos eventos naturais. A suscetibilidade representa o grau em que o sistema é
afetado pela ocorrência e a capacidade de resposta diz respeito à forma como se lida com o
evento e a capacidade para superar as suas consequências (Merz, Hall, Disse, & Schumann,
2010).
De uma forma mais abrangente, o conceito de suscetibilidade tem que ver com a
predisposição de uma área para ser afetada por um determinado perigo, estando relacionada com
as questões físicas e humanas e não com questões de frequência e período de retorno, sendo que
estas variáveis dizem respeito à perigosidade (Peixoto, 2013).
A perigosidade pode ser entendida como a probabilidade de ocorrência (avaliada
qualitativa ou quantitativamente) de um fenómeno com uma determinada magnitude (a que está
associado um potencial de destruição), num determinado período de tempo e numa dada área,
ou seja, a probabilidade de ocorrência de um processo ou ação com potencial destruidor com
uma determinada severidade, numa dada área e num dado período de tempo (Julião et al., 2009).
Após este enquadramento teórico é possível perceber que a avaliação do risco se torna
uma componente fundamental para a gestão sustentável e sustentada do território, uma vez que
os fenómenos naturais extremos não são necessariamente um risco para os indivíduos e sistemas
sociais, pois é necessário que estes fenómenos se revelem uma ameaça à normalidade de uma
qualquer coletividade ou dos recursos naturais que valoriza. Tendo isto em conta, podemos
Figura 8. Ligação dos conceitos associados ao risco (Julião, Nery, Ribeiro, Branco, &
Zêzere, 2009)
32
perceber que as sociedades têm poder no território, uma vez que interferem com a magnitude do
risco e dos seus impactes (Carvalho, 2009).
Numa época em que o crescimento populacional é extraordinário e as alterações
climáticas ganham maior impacte no meio ambiente, o estudo dos eventos naturais como as
cheias fluviais revela-se muito oportuno. Estes fenómenos de caráter extremo, temporário e
cíclico representam cada vez mais um perigo latente ao qual é necessário ter atenção.
Capítulo 2 - Vila do Conde e a Cheia de Abril de 1962
Apesar dos primeiros relatos sobre Vila do Conde remontarem a épocas anteriores à
criação de Portugal9
, o topónimo manteve-se praticamente inalterado até aos dias de hoje. Foi
através da doação da jurisdição de Vila do Conde por D. Sancho I a D. Maria Pais, que a
história desta urbe arranca verdadeiramente.
Sendo do conhecimento geral, o século XV revelou-se extremamente importante para a
cidade: as Descobertas impulsionaram o entreposto comercial da região, devido ao porto
existente, à alfândega e ao incremento da construção naval que era necessária para o apoio da
grande epopeia marítima que os portugueses levaram a cabo em Quinhentos (Câmara Municipal
de Vila do Conde, 2014). Nesta altura Vila do Conde afirmou-se economicamente no país,
gerando um intenso movimento portuário, apesar de ser apenas uma vila de média dimensão.
Nesta fase, o núcleo urbano desenvolvia-se essencialmente na elevação do Mosteiro de
Santa Clara, na Praça Velha10
e em direção à zona ribeirinha, sendo que estes representavam
espaços intensamente ocupados. Porém, devido à visita de D. Manuel I em 1502, e através da
importante decisão régia de construir uma nova igreja matriz11
, uma nova praça e os Paços do
Concelho, foi conferida à Vila uma nova centralidade. Também a intensa atividade comercial e
social da altura ditaram a estrutura urbana que se foi expandindo no sentido do rio, o que
despoletou novos traçados de ruas.
Com o passar dos tempos, Vila do Conde vai-se expandindo e modernizando, sendo que
nos finais do século XIX a sua configuração urbana caracterizava-se pelos ideais da
Regeneração, atingindo o seu expoente máximo através da ideia e obra de Fontes Pereira de
9
A primeira referência a Vila do Conde surge em 953, nessa altura “Villa de Comite”, através de um documento de
doação (Câmara Municipal de Vila do Conde, 2012);
10
A Praça Velha ocupava o atual Largo Antero de Quental (Fernandes, 2003);
11
A antiga Igreja Matriz situava-se no castro de S. João, local onde atualmente está erigido o Mosteiro de Santa Clara
(Polónia, 1999);
33
Melo12
. Nesta altura projetaram-se novos alinhamentos urbanos e abriram-se novos arruamentos
que ligavam a urbe ao mar, por exemplo a ainda existente Avenida Bento de Freitas. Entre 1852
e 1891 foi também construído o molhe Norte na barra do Ave, a Estrada Real nº 30 (Porto-
Valença) e abriria ao público o caminho-de-ferro entre o Porto e a Póvoa de Varzim (Fernandes,
2003). Foram ainda propostos novos espaços públicos13
que pretendiam ser espaços de
qualificação estética e ambiental para a cidade (Câmara Municipal de Vila do Conde, 2012).
Ao longo dos séculos XIX e XX o gosto pelo embelezamento da cidade e pela criação de
espaços verdes foi ficando cada vez mais patente, até que na década de 80 do século XX, as
preocupações voltam-se para o reconhecimento e valorização do património cultural e do centro
histórico da cidade. Dá-se início a um longo processo de regeneração e requalificação urbana
pela mão do Gabinete Técnico Local (Câmara Municipal de Vila do Conde, 2012).
A evolução da cidade, com a herança e os valores ligados ao mar e aos Descobrimentos,
deixam patente que Vila do Conde, apesar de contemporânea, com novas premissas sociais e
ambientais, não esqueceu o seu legado e continua a integrar a história e o desenvolvimento de
uma forma sustentável e sustentada que se reflete, atualmente, em condições de excelência para
habitabilidade num ambiente de conforto físico e estético.
Hoje em dia a atividade piscatória desenvolve-se no Porto de pesca da Póvoa de Varzim,
e as atividades de construção naval foram deslocadas para
a margem sul do rio Ave, na freguesia de Azurara.
Esta atividade perdeu importância, mas continua a
marcar presença. Atualmente, e ao contrário do que
acontecia no século XVI (Figura 10), a Ribeira das
Naus/Cais da Alfândega não está ocupada com os
estaleiros mas sim com uma réplica de Nau Quinhentista14
que evoca os tempos áureos da navegação nacional e
vilacondense. Aqui situa-se o edifício da Alfândega Régia,
também Museu de Construção Naval, e a marina de Vila
12
Político português que se destacou na segunda metade do século XIX, ao tentar modernizar Portugal que se
encontrava muito atrasado face a outros países europeus. No primeiro governo desta nova fase (a Regeneração),
Fontes Pereira de Melo encarregou-se do Ministério das Obras Públicas, com tal afinco que este período ficou
conhecido como “Fontismo” (Mónica, 1997);
13
Como por exemplos o Jardim Júlio Graça, que se tornou o primeiro grande espaço ajardinado de Vila do Conde e
que ainda hoje tem grande importância para a cidade, uma vez que é neste local que se realizam algumas das mais
importantes atividades da Vila, como a Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde que se realiza anualmente no
mês de Agosto;
14
Que atualmente é um dos principais pontos de atração turística da cidade de Vila do Conde;
Figura 9. Localização dos estaleiros
navais no século XVI (Polónia, 1999)
34
do Conde que permite um total de 37 atracagens (Figura 10).
Atualmente, o porto abrange a área estuarina desde a ponte da EN13 (Azurara - Vila do
Conde) até à barra. A relação caudal/prisma da maré é elevada neste estuário, o que pressupõe
velocidades residuais elevadas e um jacto de vazante intenso. O caudal médio do Ave na sua foz
é de aproximadamente 40m3
/s. Podemos ainda observar a existência de um banco de sedimentos
no meio da embocadura, a montante dos pontões existentes, que protegem a navegação neste
estuário (Instituto Superior Técnico/INAG, 2000).
Posto isto, percebemos que o rio desempenha e implica nesta área importantes funções
naturais, sociais, culturais e económicas que nos ajudam a compreender a relação umbilical que
a cidade e os vilacondenses desenvolveram ao longo de séculos com o Ave.
2.1 A região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça e a sub-bacia do Ave
A sub-bacia do Ave está inserida na Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça, região
que tem aproximadamente 3.400 km2 em território português. Esta região divide-se por 30
concelhos e inclui cerca de 1.4 milhões de habitantes, o que representa 15% da população de
Portugal Continental.
Insere-se no Maciço Hespérico e é constituída de uma forma geral, por substrato rochoso
de idade paleozoica e proterozoica. Na faixa litoral, que abrange Vila do Conde, dominam os
granitóides e as rochas metassedimentares muito fraturadas. Esta região hidrográfica é marcada
em termos geomorfológicos pela presença de relevos elevados que culminam em planaltos
descontínuos (F. Costa, 2007). No que diz respeito aos fatores climáticos é possível caracterizar
a região hidrográfica supracitada em termos de precipitação, temperatura, humidade, vento,
Figura 10. Marina de Vila do Conde com vista para a Nau
Quinhentista e para o edifício da Alfândega Régia
35
insolação, evaporação e evapotranspiração potencial, utilizando a informação fornecida pelo
Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça (ARHNorte, 2012a).
Em relação à precipitação mensal, fica evidenciada a existência de seis meses mais
chuvosos (Outubro a Março) onde se registam precipitações acima de 165mm, atingindo os
valores máximos em Dezembro. De Abril a Setembro registam-se os meses mais secos, com
precipitação média inferior a 138mm, atingindo o valor mínimo em Julho.
A região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça apresenta precipitação média anual de
1.778mm, sendo que a sub-bacia do Ave apresenta o segundo maior valor com 1.690mm de
precipitação média anual, só ultrapassada pela sub-bacia do Cávado.
Em termos de temperatura, esta região hidrográfica apresenta uma temperatura média
anual de 13.7º, sendo que a temperatura máxima média anual é de 18.6º e a temperatura mínima
média anual é de 8.2º. As temperaturas mais baixas registam-se em Janeiro, sendo que em Julho
e Agosto registam-se as temperaturas mais elevadas. Nesta região hidrográfica a amplitude
térmica da temperatura máxima média do ar é mais baixa no litoral devido ao efeito
regularizador do oceano Atlântico. Porém, as amplitudes térmicas são superiores à medida que
caminhamos para o interior da região (ARHNorte, 2012a).
No que diz respeito à humidade, o PGRH do Cávado, Ave e Leça, diz-nos que a
humidade relativa média anual da região é de 77%, atingindo valores mais baixos em Julho
(69.4%) e mais elevados em Janeiro (83.9%). A velocidade média do vento nesta região
hidrográfica varia entre 6.8km/h (Setembro e Novembro) e 9.5km/h (Março), apresentando um
valor médio de 8.9km/h.
Segundo o Relatório supracitado, a insolação média anual nesta região é de 2.322 horas,
atingindo os valores mais baixos em Dezembro (105h) e Janeiro (110h) e os valores mais altos
em Julho (311h) e Agosto (298h). O mínimo anual é de 2.152h e o máximo de 2.465h. Também
a amplitude do número de horas de insolação ao longo do ano é menor nas zonas costeiras e
aumenta progressivamente à medida que caminhamos para as regiões mais interiores e altas.
Em termos anuais, a evaporação na região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça varia
entre 801mm e 1.015mm, apresentando um valor médio de 917mm. A evaporação (segundo o
evaporómetro de piche), apresenta uma média anual ponderada que varia entre os 44.2mm
(Novembro) e os 121.6mm (Julho). Todas as sub-bacias desta região apresentam uma média
anual a rondar os 900/950mm.
36
Em relação à evapotranspiração potencial, de forma global, a região hidrográfica
apresenta uma média anual de 724mm, variando entre os 20.2mm (Janeiro) e os 117mm (Julho).
Como seria de esperar, os meses de verão potenciam os valores da evapotranspiração potencial,
uma vez que são os meses que apresentam as temperaturas mais elevadas. Este indicador
apresenta valores superiores nos meses mais quentes nas sub-bacias do Ave e do Cávado, sendo
que o valor máximo de evapotranspiração potencial média mensal se regista na sub-bacia do
Ave com 123mm (Julho).
Depois de analisados estes indicadores, e através do PGRH do Cávado, Ave e Leça,
podemos considerar que o clima da região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça é um clima
temperado (mesotérmico), que segundo a classificação de Koppen é do tipo Csb15
. Apresenta
um Verão e um Inverno bem definidos, sendo que a estação seca ocorre com as temperaturas
mais altas. Na zona litoral, onde se insere Vila do Conde, o clima é mais húmido
comparativamente com as restantes zonas analisadas por este documento (ARHNorte, 2012a).
Em termos hidrológicos, a sub-bacia hidrográfica do Ave contribui com 1.295hm3
para a
afluência anual média total disponível na Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça que tem
3.607hm3
. É o rio Este que mais contribui para o escoamento anual da bacia do Ave. Nesta
bacia são, em média, gerados 160hm3
/ano, o que correspondem a cerca de 12% do escoamento
anual total da bacia do rio Ave. O escoamento em estiagem do rio Ave e dos seus afluentes é de
aproximadamente 7%.
De acordo com a ordem de classificação de FAO16
, esta região apresenta 87% de
Cambissolos e 12% de Para-Litossolos (ARHNorte, 2012a). O uso de solo revela um domínio
das áreas não agrícolas, porém este solo tem grande capacidade para áreas florestais que
representam 54% do total da região. Segue-se a vertente agrícola que representa cerca de 30%
do total da região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça.
Estando localizada no noroeste português (sentido ENE-WSW) e delimitada a norte pela
bacia do Cávado, a oriente pela bacia do Douro e a sul pela bacia do rio Leça, a sub-bacia do
Ave possui 1391km² de área, com um perímetro de 303km, que se distribui por 19 concelhos17
,
incluindo cerca de 1.290.532 habitantes em 2014 (Instituto Nacional de Estatística, 2015). Em
15
Informação disponível em http://koeppen-geiger.vu-wien.ac.at/ e consultada a 17/05/2015;
16
Informação disponível para consulta em http://www.fao.org/soils-portal/soil-survey/soil-classification/en/ e
consultada a 25/02/2015;
17
Os concelhos são: Barcelos, Braga, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Fafe, Felgueiras, Guimarães, Lousada,
Maia, Montalegre, Paços de Ferreira, Póvoa de Lanhoso, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Trofa, Vieira do Minho, Vila
do Conde, Vila Nova de Famalicão e Vizela (ARHNorte, 2012b);
37
termos morfológicos, atinge a altitude máxima aos 1.100m e a mínima aos 0m. Em relação ao
declive, o máximo é de 89% e o mínimo de 0%.
A principal linha de água desta sub-bacia é o rio Ave que ao nascer a 1200m de altitude
na Serra da Cabreira (Vieira do Minho), percorre numa direção este-oeste cerca de 101km até
chegar à sua foz, Vila do Conde. Os seus principais afluentes são o rio Vizela (na margem
esquerda) que drena uma área de 342 km2
e o rio Este (na margem direita) que drena uma área
de 247 km2
(ARHNorte, 2012a). A sub-bacia hidrográfica do Ave é relativamente alongada ou
longitudinal, o que lhe confere um risco potencial menos gravoso quando comparado com
bacias de forma circular ou arredondada (Marafuz, 2011).
Em relação ao clima, e usando a escala de Koppen18
, a sub-bacia do Ave apresenta um
clima temperado onde a vegetação natural presente reflete esta mesma condição climática,
estando o Verão e o Inverno bem definidos. Também a precipitação anual19
, que apresenta
valores máximos em Dezembro e mínimos em Julho, é bem menor no litoral comparativamente
com a região interior (ARHNorte, 2012c).
Esta sub-bacia em termos geológicos é caracterizada pela existência de granitos,
quartzitos, xistos e diversas rochas afins, sendo ainda possível encontrar formações de cobertura
do Holocénico (aluviões) e do Plio-Plistocénico (terraços fluviais). No que diz respeito aos
solos, que se encontram ocupados por floresta e meios naturais e semi-naturais20
, são
essencialmente do tipo Cambissolos Húmicos (Aguiar, 2012).
Os perfis longitudinais dos principais cursos de água existentes nesta sub-bacia
hidrográfica (Figura 12) permitem concluir que o rio Ave apresenta um primeiro troço, a
montante, com declives bastante elevados que variam entre os 400 e os 1198m e um troço final
de planície aluvial, com uma extensão de cerca de 70km, com declives quase nulos (F. Costa,
2007).
18
Esta classificação define cada tipo de clima em função da temperatura, da precipitação média anual e da sua
distribuição ao longo do ano. Estes elementos refletem as condições climáticas e as influências dinâmicas e sinópticas
predominantes numa dada região (F. Costa, 2007);
19
Que apresenta de média mensal 148 mm (Aguiar, 2012);
20
Como por exemplo áreas agrícolas e agroflorestais (ARHNorte, 2012c)
38
A sub-bacia do Ave conta com 117 açudes e barragens ao longo do seu percurso, assim
como com 6 albufeiras. Destacam-se as barragens de Andorinhas, Guilhofrei e Queimadela por
terem mais de 15m de altura e por conseguirem armazenar mais de 1hm3
de água (F. Costa,
2010). Em relação aos caudais de ponta de cheia, e tendo em conta a informação presente no
Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça, os períodos de retorno de
caudais de ponta de cheia do rio Ave podem ser observados através da Tabela 1.
Tabela 1. Caudais de ponta de cheia na massa de água do Rio Ave (m3
/s) 21
(ARHNorte, 2012a)
Sub-bacia Código da massa de
água
Designação da
massa de água
Período de retorno (anos)
2 5 10 20 50 100
Ave 02AVE0130 Rio Ave 414 319 330 401 549 766
21
Após uma análise atenta aos dados representados na tabela, pareceu-nos que os valores de período de retorno não
estariam corretos. Porém estes são os valores que constam do Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado,
Ave e Leça;
Figura 11. Perfis longitudinais do rio Ave e dos seus principais afluentes (F. Costa, 2007)
39
2.2 A cheia de Abril de 1962
A ocupação de leitos de cheia intensifica-se com a expansão urbana que, ao potenciar a
artificialização, impermeabilização e concentração de pessoas e bens em áreas de subida natural
do nível fluvial, aumenta a vulnerabilidade territorial e os elementos expostos aos processos
naturais.
Portugal tem um longo historial de eventos hidrogeomorfológicos com consequências
danosas. Segundo a base de dados DISASTER, nos últimos 150 anos ocorreram diversos
eventos de génese hidrogeomorfológica (cheias, inundações e movimentos de massa em
vertentes) que geraram danos sociais e económicos significativos. Esse trabalho destaca,
relativamente à ocorrência de cheias e inundações, o período compreendido entre 1935 e 1969,
o qual, correspondeu ao período mais crítico em termos do número de ocorrências que
implicaram danos sociais (J. L. Zêzere et al., 2014).
Esta dissertação pretende estudar o evento de cheia de 31 de Março e 1 de Abril de 1962
que afetou a cidade de Vila do Conde, evento esse que se insere no período mais crítico
evidenciado pelo trabalho supracitado e que podemos ver através das seguintes Figuras.
Figura 13. Uma perspetiva da cheia em 1962 (A) e o mesmo local atualmente (B) (Fonte: Centro de
Memória de Vila do Conde)
A B
A B
Figura 12. A cheia na Praça da República em 1962 (A) e a Praça na atualidade (B) (Fonte: Centro de
Memória de Vila do Conde e Câmara Municipal de Vila do Conde)
40
Figura 14. Um barco navega na cheia de 1962 na Praça da República (A) e a perspetiva atual da área
(B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde)
Figura 15. Vista aérea da Praça da República em 1962 (A) e na atualidade (B) (Fonte: Centro de
Memória de Vila do Conde e Câmara Municipal de Vila do Conde)
Figura 16. Perspetiva da cheia sobre a Praça da República (A) e perspetiva atual (B) (Fonte: Centro de
Memória de Vila do Conde)
A
B
A B
A B
41
Figura 17. Vista sobre o rio Ave durante a cheia de 1962 (A) e vista atual (B) (Fonte: Centro de
Memória de Vila do Conde)
Figura 18. Vista para a Capela do Socorro desde a Rua do Bombeiro (A) e perspetiva atual (B) (Fonte:
Centro de Memória de Vila do Conde)
Figura 19. Vista da cheia de 1962 sobre o Cais das Lavandeiras (A) e situação atual com a Nau
Quinhentista (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde)
A
B
A B
A B
42
Figura 20. Distribuição espacial das imagens recolhidas na área de estudo
43
Os eventos de cheia registados nesta data, ocorreram um pouco por todo o norte do país.
À semelhança do que aconteceu com Vila do Conde e no rio Ave, podemos também enumerar
os casos de Amarante e o rio Tâmega (Figura 21) ou Vizela e o rio Vizela (Figura 22).
Segundo a edição do dia 14 de Abril de 1962 do Jornal Renovação (Nº 1.080), este
evento que teve início na noite de 31 de Março de 1962 (sábado) apanhou a população
vilacondense desprevenida e atingiu o seu pico de cheia na manhã de 1 de Abril (domingo).
Nessa data, o rio Ave atingiu 1 metro acima do pavimento da Praça da República, mas não
provocou vítimas mortais. Os danos materiais foram consideráveis, sobretudo nas habitações
mais próximas ao rio e nas embarcações que estavam ancoradas no Cais das Lavandeiras (C.
Ferreira, 1962).
Para conseguirmos caracterizar o melhor possível esta ocorrência, foi necessário proceder
Figura 23. Pormenor do Jornal Renovação consultado nos arquivos da Biblioteca Municipal de Vila do
Conde
Figura 22. A cheia de 1 de Abril de 1962 na
Ponte Romana de Vizela (http://vizela-
antiga.blogs.sapo.pt/2931.html)
Figura 21. A cheia de 1 de Abril de 1962 em
Amarante
(http://informaticahb.blogspot.pt/2011/08/
amarante-rio-tamega-cheia-de-1-abril-de.html)
44
à recolha de várias informações provenientes das entidades municipais, entre eles a Câmara
Municipal de Vila do Conde, o Centro de Memória e os arquivos de notícias da Biblioteca
Municipal José Régio. Neste arquivo foram consultadas as edições Nº 1.080 e Nº 1.274 do
Jornal Renovação, o Boletim Cultural Nº1 da Câmara Municipal de 1960 e ainda a edição do
dia 29 de Outubro de 2009 do Jornal Terras do Ave.
Foram muitos os transtornos causados por este evento. Por exemplo, o jornal referido
(Renovação) deixou de publicar durante 15 dias, pois a sua redação, que se encontrava no nº44
da Praça da República, foi inundada pelo rio Ave. Esta situação fica comprovada pela seguinte
passagem retirada da publicação Nº 1.080 supracitada:
―Aliás, tão imperiosas circunstâncias ameaçavam prolongar-se, se não fora a gentil
simpatia e a amável deferência dosSalesianos de Santa Clara, que graciosamente puseram as
suas oficinasà nossa disposição,assegurando a normalidade da publicação do nosso jornal,
embora tenhamos a lamentargraves prejuízos que a ocorrência originou.‖ (C. Ferreira, 1962).
Através da consulta do Boletim Cultural Nº1 da Câmara Municipal de Vila do Conde foi
possível confirmar a inexistência de vítimas mortais e perceber, através das imagens publicadas,
que a cheia alcançou a parte inferior do tabuleiro da antiga ponte que ligava Azurara a Vila do
Conde (Figura 25A), ponte essa que à data estaria rebaixada em cerca de 70 cm face à ponte
atual.
Figura 24. A cheia de 1962 em Vila do Conde: panorâmica (A) e pormenor (B) sobre a Praça da
República (Centro de Memória de Vila do Conde)
A B
45
Esta ponte metálica tinha sido inaugurada a 26 de Setembro de 1983 e foi obra do
arquiteto Augusto Barbosa. Acabou por ser desmantelada para dar lugar à atual ponte de betão
armado que podemos observar na travessia do Ave. Esta transformação foi acompanhada por
várias obras de alargamento das vias (C. Ferreira, 1974).
Atualmente, o tabuleiro da ponte conta com três faixas de rodagem e tem sofrido várias
obras de melhoramento e manutenção (Figura 25B). Esta travessia vê-se hoje em dia mais
descongestionada devido à inauguração, em 2013, de uma nova ponte que atravessa o Ave,
fazendo ligação entre a freguesia de Retorta e de Vila do Conde.
Depois de tratada toda a informação consultada e facultada pelas entidades municipais já
referidas, foi necessário recorrer à memória da população Vilacondense. Foram entrevistadas
algumas pessoas que se recordavam do acontecimento e ainda os donos do Restaurante Rámon
(o restaurante mais antigo de Vila do Conde), que gentilmente nos forneceram mais informações
sobre a cheia e que nos ajudaram a validar os limites prováveis da área inundada durante o
evento de Abril de 1962.
Após esta recolha inicial, foi necessário reunir informações que nos permitissem
caracterizar profundamente a cheia de 1962 e comprovar que de facto, este evento foi um dos
mais expressivos do séc. XX na cidade. Um dos entraves desta investigação residiu na falta de
dados de caudal do rio Ave, o que dificultou a definição mais precisa dos contornos deste
evento e o cálculo dos períodos de retorno. Contudo, conseguimos recolher dados de
precipitação, de maré e das condições meteorológicas da altura.
Tendo em conta que os eventos de cheia em Portugal ocorrem associados a períodos de
precipitação abundante e prolongada, recolheu-se informação da estação meteorológica de
Figura 25. Imagem da antiga ponte presente no primeiro Boletim Cultural de 1960 da Câmara
Municipal de Vila do Conde (A) (Câmara Municipal de Vila do Conde,1960) e aspeto atual da ponte (B)
A B
46
Viatodos (Barcelos, bacia do rio Ave) onde constam registos de precipitação desde 1931.
Através dessa informação e no que diz respeito ao séc. XX registaram-se três grandes picos de
precipitação diária superior a 120mm: 1932, 1962 e 1974 (Figura 26). Esta estação encontra-se
distanciada da área de estudo em cerca de 30 km e foi usada face à inexistência de dados para
estações mais próximas nas datas pretendidas.
No que diz respeito aos quatro primeiros meses do ano de 1962, podemos ver através da
Figura 27 que há um pico claro correspondente ao período de 30 de Março e 1 de Abril.
Podemos ainda verificar que nesses dias foram registados 108 mm, 84 mm e 120 mm de
precipitação.
Figura 26. Registos de precipitação diária entre 1931 e 2007 (mm) na estação de Viatodos (Barcelos)
(SNIRH, 2015)
Figura 27. Registos de precipitação diária de 01/01/1962 a 30/04/1962 e precipitação acumulada
entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)
47
Em relação ao ano de 1962 (Figura 28), podemos afirmar que nenhum outro mês
apresentou valores de precipitação idênticos aos atingidos a 31 de Março e 1 de Abril, ficando
muito aquém desses valores. Algo que vai de encontro ao facto de este ano ter sido
caracterizado como normal em termos de precipitação (Ramos, 1987). Posto isto,
compreendemos por que razão os Vilacondenses recordam tão bem este evento em específico.
Podemos ainda observar através da Figura 29 que precipitaram 312 mm em apenas 3 dias,
de 30 de Março a 1 de Abril, algo excecional se tivermos em conta que a normal climatológica
de precipitação em Abril para Braga (1971/2000) era de 122,5 mm mensal e 61,6 mm de
máxima diária (IPMA, 2015).
Figura 29. Registosde precipitação diária de 01/10/1961 a 30/04/1962 e precipitação acumulada entre
episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)
Figura 28. Registos de precipitação diária no ano de 1962 e precipitação acumulada entre episódios
chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)
48
Posteriormente, decidimos alargar a nossa pesquisa aos jornais de anos seguintes que
referissem o episódio em estudo. Na edição nº 1.274 de 19 de Fevereiro de 1966 do Jornal
Renovação, deparamo-nos com a seguinte notícia:
“No último sábado, as águas do Ave invadiram os campos marginais das nossas
freguesiasde Touguinhó, Touguinha e Formariz, impedindo o trânsito na estrada que desta
Vila leva à Junqueira, no lugar das Calçadas.
Inundadas estas, o Ave estendeu as suas águas sobre a margem direita, passando a
inundar parte da nossa Praça da República e parte do Cais das Lavandeiras.
Embora a cheia não tivesse atingido o nível de há quatro anos [fazendo referência à
cheia de Abril de 1962], pôs emsobressalto osmoradores destes lugares, que trataram de pôr
as suas coisas a salvo,pois lá dizo ditado: «mais vale prevenir, que remediar»‖ (C. Ferreira,
1966).
Tendo por base esta informação, e pretendendo criar um ponto de comparação, reuniu-se
informação de precipitação sobre o evento referido nesta notícia. Foi possível compreender
através da análise dos gráficos disponíveis na base de dados do Sistema Nacional de Informação
de Recursos Hídricos, que em termos de precipitação não houve nenhuma ocasião no ano de
1966 que igualasse os valores registados na data da ocorrência em estudo.
Através da Figura 30, podemos observar que de facto houve um pico de precipitação
correspondente ao episódio referido pela notícia, que ocorreu no dia 18 de Fevereiro de 1966.
Nesta data registaram-se 72mm de precipitação diária, valor que fica muito aquém dos 120mm
registados apenas no dia 1 de Abril de 1962.
Figura 30. Registosde precipitação diária no ano de 1966 e precipitação acumulada entre episódios
chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)
49
Foi ainda possível reunir informações sobre a maré para o Porto de Leixões, uma vez que
não existem dados para a foz do Ave no ano pretendido (1962). Os dados fornecidos
compreendem os dias 28 de Março e 4 de Abril e correspondem a valores horários. Estas
informações revelam que a amplitude da maré estava na ordem dos 2 metros, em regime de
maré-morta (Figura 31).
Deste modo, assume-se que a maré não teve uma influência determinante na geração da
cheia e que ela se deveu, essencialmente, à concentração extraordinária do volume de
precipitação/caudal na bacia do Ave num curto espaço de tempo.
Através da observação da Figura 31, podemos ainda classificar esta maré como sendo de
regime semidiurno e tendo amplitude mesomareal, uma vez que se situa entre os 2 e os 4 metros
de altura (Araújo, 2010).
Em relação aos dados meteorológicos, e tendo em conta as informações cedidas pelo
Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) foi possível sintetizar a informação na
Tabela 2. Tendo por base as cartas disponibilizadas, podemos afirmar que o período
compreendido entre o dia 30 de Março e 2 de Abril de 1962 pautou-se pela influência de
superfícies frontais, com uma frente polar que cobria todo a região norte da Península Ibérica
(Instituto Português do Mar e da Atmosfera, 2015).
Figura 31. Maregrama das alturas horárias registadas pelo marégrafo de Leixões de 28/03/1962 a
04/04/1962, indicação do período de cheia em estudo (linha vermelha) e das fases da lua (Instituto
Hidrográfico da Marinha, 2015)
50
Tabela 2. Resumo das informações presentes nos Boletins Meteorológicos (Instituto Português do Mar e
da Atmosfera, 2015)
Previsão para a costa Norte Velocidade
do Vento
Pressão Temperatura
do ar
30/03/1962 Céu muito nublado a encoberto; vento
fresco a muito fresco de sudoeste, por
vezes com rajadas fortes a muito fortes;
chuva; visibilidade moderada por vezes
fraca; mar cavado a grosso; ondulação
moderada a forte de sudoeste.
41 Km/h 1011 mb 14ºC
31/03/1962 Céu encoberto; vento muito fresco a
forte de sul, saltando para noroeste
fresco ao fim da tarde; chuvisco e chuva
moderada; visibilidade moderada,
tornando-se boa; mar grosso passando a
pequena vaga.
15 Km/h 1013 mb 13ºC
01/04/1962 Céu muito nublado; vento moderado a
fresco do quadrante sudoeste,
enfraquecendo gradualmente; períodos
de chuvisco e de chuva fraca na parte
norte; visibilidade moderada, por vezes
fraca na parte norte; mar cavado
passando a pequena vaga.
24 Km/h 1019 mb 15ºC
02/04/1962 Céu muito nublado, tornando-se pouco
nublado no dia 3; vento fraco, tornando-
se moderado a fresco de norte no dia 3;
chuvisco local; visibilidade moderada,
tornando-se boa no dia 3; mar
encrespado,tornando-se cavado no dia 3.
22 Km/h 1021 mb 12ºC
Conseguimos ainda recolher informações a partir das reanálises do séc. XX
disponibilizadas no site do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA)22
, um
departamento do governo dos Estados Unidos da América. A informação recolhida centrou-se
nos dados de precipitação e de geopotencial aos 1000 mb (Figura 32 e 33).
22
Informação disponível no site http://www.esrl.noaa.gov/psd/ consultado a 25/07/2015;
51
Figura 33. Dados de precipitação (mm/dia) de 30
de Março a 2 de Abril de 1962 (Earth System
Research Laboratory | Physical Sciences Division,
2015)
Figura 32. Dados de precipitação (mm/dia) de 20
a 29 de Março de 1962 (Earth System Research
Laboratory | Physical Sciences Division, 2015)
Através da observação das Figuras 32 e 33 é possível compreender que a situação
meteorológica em termos de precipitação agravou-se quando comparamos os intervalos de
tempo representados. Estas informações corroboram as conclusões já explicadas, que davam
conta de uma precipitação fora do normal no período da cheia, quando comparado com os
valores apresentados no resto do ano (ver Figura 28). No Anexo 1, podemos observar os dados
recolhidos para cada um dos dias analisados.
Através das Figuras 34 e 35 podemos observar que a situação meteorológica apresentava
uma depressão cavada sobre Portugal e que estava presente um núcleo instável bem definido. A
precipitação era intensa, porém houve uma ligeira melhoria do geopotencial23
no período de 30
de Março a 2 de Abril face ao registado de 20 a 29 de Março de 1962. No Anexo 2, podemos
também observar os dados recolhidos para cada um dos dias analisados.
23
Através do geopotencial pode-se determinar a altura dos níveis de pressão atmosférica num determinado local,
tendo como referência o nível médio do mar e não a elevação do local (Dicionário Português, 2015);
52
Figura 35. Geopotencial a 1000mb de 20 a 29 de
Março de 1962 (Earth System Research
Laboratory | Physical Sciences Division, 2015)
Figura 34. Geopotencial a 1000mb de30 de
Março a 2 de Abril de 1962 (Earth System
Research Laboratory | Physical Sciences
Division, 2015)
Depois de reunidas e tratadas todas as informações supracitadas e utilizando a base
cartográfica criada previamente em ambiente SIG, através de uma fotografia aérea de 12 de
Junho de 1958 (1:25.000), tornou-se possível delimitar um provável perímetro de cheia
referente ao evento de 31 de Março a 1 de Abril de 1962. Esta delimitação baseou-se nos dados
já apresentados, nas informações visuais retiradas das fotografias recolhidas e previamente
apresentadas, nos depoimentos orais recolhidos e na ajuda das curvas de nível. Posto isto,
chegamos à proposta de delimitação da área inundada (Figura 36).
53
Figura 36. Representação da área de estudo em 1958
54
Figura 37. Esquema metodológico utilizado
2.3 Aplicação do cenário de cheia de 1962 ao contexto atual da cidade
Estando a delimitação do perímetro de cheia histórico estabelecido, é necessário fazer
alguns apontamentos. Através da análise cuidada de algumas das imagens recolhidas, era
possível perceber que o Forte de São João e as suas áreas adjacentes foram completamente
inundadas. Porém,essa área não está representada nesta dissertação, uma vez que por não haver
fotografias em específico, não quisemos arriscar uma delimitação errada. Em 1962, esta área era
ocupada por terrenos agrícolas e hoje em dia é ocupada por uma vasta área residencial. Este
fator representaria um interessante ponto de trabalho, porém a falta de bases fidedignas impediu
este estudo.
Posto isto, a área de estudo centrou-se essencialmente na Praça da República, na Praça
José Régio e na Rua do Cais das Lavandeiras. Interessa neste momento aplicar este cenário à
realidade atual da cidade de Vila do Conde. Para chegar a este ponto foi preciso percorrer um
longo caminho metodológico representado pela Figura 37.
As informações presentes na primeira fase da Figura 37 foram obtidas no Instituto
Geográfico do Exército, na Câmara Municipal de Vila do Conde e no Centro de Memória de
Vila do Conde. A base cartográfica de 1958 foi elaborada através da fotografia aérea de 1958,
uma vez que não foi possível recolher material cartográfico/fotográfico de uma data mais
próxima à data da cheia de 1962. As fontes dos dados referidos na segunda fase já foram
anteriormente citadas. Em relação à informação trabalhada em SIG, nomeadamente através do
programa ArcGIS 10.2, as variáveis utilizadas podem ser analisadas através da Tabela 3.
55
Tabela 3. Informação cartográfica trabalhada em ambiente SIG para o contexto de 1962 e 2014
Base Cartográfica de “1962” Base Cartográfica e Levantamento Funcional de 2014
Fotografia aérea de 1958
- Definição das classes de Uso do Solo
- Vetorização do Uso do Solo
- Vetorização do Rio Ave
- Identificação da rede viária
- Delimitação do perímetro de inundação
Ortofotomapa de 2010
- Definição das classes de Uso do Solo
- Vetorização do Uso do Solo
- Vetorização do Rio Ave e atualização da rede viária
- Vetorização do levantamento funcional para cada edifício
- Identificação do parque de estacionamento
- Aplicação do perímetro de cheia de 1962 à área em 2014
Depois de atualizarmos a base cartográfica de 2014 fornecida pela Câmara Municipal,
com a ajuda do Ortofotomapa de 2010 disponibilizado pela mesma entidade, foi possível ver as
diferenças no uso do solo e aplicar o perímetro de inundação histórico ao contexto atual da
cidade (Figuras 39 e 40).
Figura 38. Panorâmica da área de estudo vista da freguesia da Azurara em Agosto de 2015
56
Figura 39. Fotografia aérea de 1958 e ortofotomapa de 2010 onde se pode constatar as diferenças e semelhanças na ocupação do solo na
área de estudo
57
Figura 40. Representação da área de estudo em 2014
Cheia de 1962 em Vila do Conde: Vulnerabilidade Atual
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  • 1. Ana Sofia Correia Campos A cheia de Abril de 1962 na cidade de Vila do Conde: reconstrução hidro-histórica das áreas afetadas e avaliação da vulnerabilidade atual. Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Risco, Cidades e Ordenamento do Território, orientada pelo Professor Doutor António Alberto Teixeira Gomes Faculdade de Letras da Universidade do Porto Setembro de 2015
  • 2.
  • 3. A cheia de Abril de 1962 na cidade de Vila do Conde: reconstrução hidro-histórica das áreas afetadas e avaliação da vulnerabilidade atual. Ana Sofia Correia Campos Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Riscos, Cidades e Ordenamento do Território, orientada pelo Professor Doutor António Alberto Teixeira Gomes Membros do Júri Professor Doutor José Ramiro Marques de Queirós Gomes Pimenta Faculdade Letras – Universidade do Porto Professora Doutora Laura Maria Pinheiro Soares Faculdade Letras – Universidade do Porto Professor Doutor António Alberto Teixeira Gomes Faculdade Letras – Universidade do Porto Classificação obtida: …. valores
  • 4. Aos Homens da minha vida: Acácio, Jorge e Lourenço
  • 5.
  • 6. 6 Sumário Agradecimentos ...................................................................................................................7 Resumo ...............................................................................................................................8 Abstract...............................................................................................................................9 Índice de Figuras................................................................................................................10 Índice de Tabelas................................................................................................................13 Lista de Abreviaturas e Siglas .............................................................................................13 Introdução .........................................................................................................................14 Capítulo 1 – Enquadramento Conceptual .............................................................................16 1.1 A água, o rio e o estuário...........................................................................................16 1.2 Cheias e inundações fluviais em áreas urbanas estuarinas ............................................21 1.3 O risco natural e os conceitos fundamentais ................................................................28 Capítulo 2 - Vila do Conde e a Cheia de Abril de 1962 .........................................................32 2.1 A região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça e a sub-bacia do Ave..............................34 2.2 A cheia de Abril de 1962 ...........................................................................................39 2.3 Aplicação do cenário de cheia de 1962 ao contexto atual da cidade ..............................54 2.4 Coeficientes de impermeabilização na área de estudo ..................................................58 Capítulo 3 – Identificação dos Elementos Expostos e da Vulnerabilidade na área de estudo.....61 3.1 Levantamento Funcional............................................................................................61 3.2 Influência dos elementos expostos móveis ..................................................................64 3.3 Vulnerabilidade ........................................................................................................74 3.4 Cálculo da Vulnerabilidade e resultados .....................................................................77 Conclusão..........................................................................................................................81 Referências Bibliográficas ..................................................................................................83 Anexos..............................................................................................................................88
  • 7. 7 Agradecimentos Quando há cinco anos iniciei o meu percurso académico, estava longe de imaginar a quantidade de pessoas que ao longo da licenciatura e do mestrado me iriam inspirar, dar força e apoio para aqui chegar. Hoje, finda a dissertação de mestrado, resta-me agradecer. Em primeiro lugar, quero agradecer ao meu orientador, o Professor Doutor Alberto Gomes, que me ajudou a crescer e que tantas vezes me incentivou a continuar quando a meta parecia tão distante. Um Professor exímio com uma capacidade única de aligeirar as situações que me pareciam difíceis sem o ser. Muito obrigado! De seguida, quero agradecer à Câmara Municipal de Vila do Conde, na pessoa do Doutor Vicente Amaro, pelas informações que me facultou assim como, pela sua disponibilidade e conselhos que gentilmente partilhou comigo. Agradeço também ao Centro de Memória de Vila do Conde pelas fotografias que disponibilizou e ao Arquivo da Biblioteca Municipal José Régio pelas notícias que me autorizou a consultar. Importa também referir todos os Vilacondenses que gentilmente partilharam comigo a sua experiência durante a cheia de 1962 e me proporcionaram momentos repletos de boa disposição e conhecimento. Neste sentido, quero também agradecer ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) pela cedência dos Boletins Meteorológicos e ao Instituto Hidrográfico da Marinha pela cedência dos dados relativos à altura de onda no Porto de Leixões para as datas em estudo. Deixo ainda uma palavra de apreço a todos os que percorreram este caminho comigo, os meus colegas, que através da troca de experiências e opiniões me ajudaram a compreender outras perspetivas e a amadurecer como Geógrafa. Em especial refiro os meus queridos amigos: Catarina Maia, Daniel Catalão e Mafalda Lopes, que foram e continuarão a ser um porto de abrigo, uma fonte de alegria e bons momentos. Por fim, quero agradecer a toda a minha família, em especial aos meus pais e padrinhos, por sempre me terem deixado sonhar e ajudado a alcançar os meus objetivos. Agradecer à minha irmã e cunhado pelo apoio, mas sobretudo ao meu afilhado Lourenço que me proporcionou os onze meses mais felizes da minha vida! Agradecer ainda à minha prima Diana, que se atrasou uma semana, mas que chegou a tempo de partilhar comigo todos os momentos importantes, sendo este um eles. Ao Jorge quero agradecer a compreensão durante o meu percurso académico, mas sobretudo a sua companhia e apoio incondicional. A todos o meu mais sincero obrigado.
  • 8. 8 Resumo A ocupação de leitos de cheia intensifica-se com a expansão urbana, potenciando a artificialização, impermeabilização e concentração de pessoas e bens em áreas suscetíveis à subida natural do nível fluvial. Esta realidade altera a vulnerabilidade territorial e aumenta os elementos expostos a eventos de cheia. Portugal tem um longo historial de eventos naturais com consequências danosas. Segundo a base de dados DISASTER, nos últimos 150 anos ocorreram diversos eventos de génese hidrogeomorfológica. Este trabalho destaca, relativamente à ocorrência de cheias e inundações, o período compreendido entre 1935 e 1969, o qual correspondeu ao período mais crítico em termos do número de ocorrências que implicaram danos sociais. Tendo em conta que a cheia de Abril de 1962, em Vila do Conde, foi a mais expressiva do século XX, encetou-se a delimitação do perímetro de inundação e analisou-se o contexto hidrogemorfológico do evento. Apesar de não ter provocado vítimas mortais, o rio Ave alcançou alturas de 1 metro, o que provocou danos consideráveis nas habitações e embarcações ancoradas no Cais das Lavandeiras. A área de estudo limita-se à Praça da República e áreas contíguas à mesma, devido ao facto de terem sido das áreas mais afetadas. Esta praça, que representava uma área habitacional por excelência tornou-se num centro de animação noturna, repleta de bares e restaurantes. Esta nova realidade aumentou o número de elementos expostos a eventos danosos de origem natural. Face a esta dinâmica urbana, reuniu-se informação sobre o evento de 1962 e procedeu-se à caracterização do evento e à delimitação do perímetro de cheia nas bases cartográficas. Esta informação juntamente com o levantamento funcional e dos elementos expostos representou um passo vital para alcançar o nosso objetivo principal: o cálculo da vulnerabilidade da área de estudo a um evento semelhante ao de 1962 na atualidade. Através deste exercício foi possível compreender que um evento desta natureza teria consequências bem mais graves em 2014. Palavras-chave: Cheias, Vila do Conde, Perímetros de inundação, Elementos expostos, Vulnerabilidade
  • 9. 9 Abstract The occupation of flood plains intensifies with the urban expansion, enhancing the artificiality, waterproofing and concentration of people and property in susceptible areas to the natural rise of the river level. This fact changes the territorial vulnerability and increases the number of exposed elements to flood events. Portugal has a long history of natural events with damaging consequences. According to the DISASTER database, in the last 150 years several events occurred of a hydrogeomorphological nature. This project highlights, regarding the events of floods and inundations, the period between 1935 and 1969, which corresponds to the most critical period in terms of number of events with social damages. Having in mind that the flood of April 1962, in Vila do Conde, was the most significant of the 20th century, a delimitation of the flood perimeter was executed and the hydrogeomorphological context of the event was analyzed. Even though no deaths occurred, the Ave River reached heights of 1 meter, causing considerable damages in houses and boats anchored on the Lavandeiras Pier. The study area is limited to the República Square and adjacent areas, due to the fact that they were the most affected. This square, which represented a housing area,has become a center of night life, with several bars and restaurants. This new reality increased the number of exposed elements to damaging events of natural origin. Considering this urban dynamics, information of the 1962 event was gathered, a characterization of the event was performed and the delimitation of the flood perimeter on the cartographic databases was made. This information alongside with the functional survey and the exposed elements represented a vital step towards the main goal of the project: the calculation of vulnerability of the study area to an event similar to the one of 1962 in today’s time. Through this exercise it was possible to understand that such event would have much more serious consequences in 2014. Keywords: Floods, Vila do Conde, Flood perimeters, Exposed elements, Vulnerability
  • 10. 10 Índice de Figuras Figura 1. Listagem dos eventos de cheia ocorridos em Vila do Conde e identificação dos eventos mais importantes (Piloto, 2009) ...............................................................................15 Figura 2. Resumo das metodologias aplicadas .....................................................................15 Figura 3. Esquema da longitudinalidade fluvial. Adaptado de: (T. Ferreira, 2006)..................17 Figura 4. Esquema da transversalidade fluvial. Adaptado de: (T. Ferreira, 2006) ...................18 Figura 5. Zonamento clássico de estuário. Adaptado de: (Bianchi, 2013)...............................21 Figura 6. Caracterização da morfologia fluvial (Coque, 1987) ..............................................25 Figura 7. Análise espacial da distribuição dos trabalhos académicos sobre cheias e inundações e da sua relação com as áreas susceptíveis às mesmas..............................................................27 Figura 8. Ligação dos conceitos associados ao risco (Julião, Nery, Ribeiro, Branco, & Zêzere, 2009).................................................................................................................................31 Figura 9. Localização dos estaleiros navais no século XVI (Polónia, 1999) ...........................33 Figura 10. Marina de Vila do Conde com vista para a Nau Quinhentista e para o edifício da Alfândega Régia.................................................................................................................34 Figura 11. Perfis longitudinais do rio Ave e dos seus principais afluentes (F. Costa, 2007) .....38 Figura 12. A cheia na Praça da República em 1962 (A) e a Praça na atualidade (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde e Câmara Municipal de Vila do Conde) .......................39 Figura 13. Uma perspetiva da cheia em 1962 (A) e o mesmo local atualmente (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde).................................................................................39 Figura 14. Um barco navega na cheia de 1962 na Praça da República (A) e a perspetiva atual da área (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) ........................................................40 Figura 15. Vista aérea da Praça da República em 1962 (A) e na atualidade (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde e Câmara Municipal de Vila do Conde) ..................................40 Figura 16. Perspetiva da cheia sobre a Praça da República (A) e perspetiva atual (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde).................................................................................40 Figura 17. Vista sobre o rio Ave durante a cheia de 1962 (A) e vista atual (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) ................................................................................................41 Figura 18. Vista para a Capela do Socorro desde a Rua do Bombeiro (A) e perspetiva atual (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) .....................................................................41 Figura 19. Vista da cheia de 1962 sobre o Cais das Lavandeiras (A) e situação atual com a Nau Quinhentista (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde)............................................41
  • 11. 11 Figura 20. Distribuição espacial das imagens recolhidas na área de estudo ............................42 Figura 21. A cheia de 1 de Abril de 1962 em Amarante (http://informaticahb.blogspot.pt/2011/08/ ...........................................................................43 Figura 22. A cheia de 1 de Abril de 1962 na Ponte Romana de Vizela (http://vizela- antiga.blogs.sapo.pt/2931.html) ...........................................................................................43 Figura 23. Pormenor do Jornal Renovação consultado nos arquivos da Biblioteca Municipal de Vila do Conde ....................................................................................................................43 Figura 24. A cheia de 1962 em Vila do Conde: panorâmica (A) e pormenor (B) sobre a Praça da República (Centro de Memória de Vila do Conde) ...........................................................44 Figura 25. Imagem da antiga ponte presente no primeiro Boletim Cultural de 1960 da Câmara Municipal de Vila do Conde (A) (Câmara Municipal de Vila do Conde, 1960) e aspeto atual da ponte (B) ...........................................................................................................................45 Figura 26. Registos de precipitação diária entre 1931 e 2007 (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)...................................................................................................46 Figura 27. Registos de precipitação diária de 01/01/1962 a 30/04/1962 e precipitação acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015) 46 Figura 28. Registos de precipitação diária no ano de 1962 e precipitação acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)..........................47 Figura 29. Registos de precipitação diária de 01/10/1961 a 30/04/1962 e precipitação acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015) 47 Figura 30. Registos de precipitação diária no ano de 1966 e precipitação acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)..........................48 Figura 31. Maregrama das alturas horárias registadas pelo marégrafo de Leixões de 28/03/1962 a 04/04/1962, indicação do período de cheia em estudo (linha vermelha) e das fases da lua (Instituto Hidrográfico da Marinha, 2015) ............................................................................49 Figura 32. Dados de precipitação (mm/dia) de 30 de Março a 2 de Abril de 1962 (Earth System Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) ......................................................51 Figura 33. Dados de precipitação (mm/dia) de 20 a 29 de Março de 1962 (Earth System Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) ......................................................51 Figura 34. Geopotencial a 1000mb de30 de Março a 2 de Abril de 1962 (Earth System Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015)......................................................52 Figura 35. Geopotencial a 1000mb de 20 a 29 de Março de 1962 (Earth System Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) ....................................................................52
  • 12. 12 Figura 36. Representação da área de estudo em 1958...........................................................53 Figura 37. Esquema metodológico utilizado ........................................................................54 Figura 38. Panorâmica da área de estudo vista da freguesia da Azurara em Agosto de 2015....55 Figura 39. Fotografia aérea de 1958 e ortofotomapa de 2010 onde se pode constatar as diferenças e semelhanças na ocupação do solo na área de estudo ...........................................56 Figura 40. Representação da área de estudo em 2014...........................................................57 Figura 41. Aplicação dos cálculos explicados anteriormente à área de estudo........................60 Figura 42. Representação do uso funcional da área de estudo em 2014..................................62 Figura 43. Esquema da organização para um sistema de informação sobre cheias (Karmakar, Simonovic, Peck, & Black, 2010) ........................................................................................64 Figura 44. Identificação dos pontos de contagem nos dias 24 e 25 de Julho de 2015 (BingMaps, 2015).................................................................................................................................65 Figura 45. Vista dos pontos de contagem: Rua 5 de Outubro (A), Praça José Régio (B) e Cais das Lavandeiras (C)............................................................................................................66 Figura 46. Representação dos dados referentes ao movimento de pessoas no dia 24 de Julho de 2015 ..................................................................................................................................68 Figura 47. Representação dos dados referentes ao movimento de veículos no dia 24 de Julho de 2015 ..................................................................................................................................69 Figura 48. Representação dos dados referentes ao movimento de pessoas no dia 25 de Julho de 2015 ..................................................................................................................................70 Figura 49. Representação dos dados referentes ao movimento de veículos no dia 25 de Julho de 2015 ..................................................................................................................................71 Figura 50. Alguns dos elementos mais importantes na área de estudo: Um stand automóvel (A), vários veículos estacionados (B), um posto de abastecimento (C), um parque de estacionamento subterrâneo (D), uma perspetiva do interior da Loja Interativa de Turismo de Vila do Conde (E) e uma oficina de reparação automóvel (F) ............................................................................72 Figura 51. Distribuição da capacidade legal dos estabelecimentos e a sua classificação..........73 Figura 52. Apresentação do cálculo da Vulnerabilidade, segundo Santos 2011 ......................78 Figura 53. Apresentação do cálculo da Vulnerabilidade com o indicador das Curvas de Nível, adaptação de Santos 2011 ...................................................................................................79
  • 13. 13 Índice de Tabelas Tabela 1. Caudais de ponta de cheia na massa de água do Rio Ave (m3 /s) (ARHNorte, 2012a)38 Tabela 2. Resumo das informações presentes nos Boletins Meteorológicos (Instituto Português do Mar e da Atmosfera, 2015) .............................................................................................50 Tabela 3. Informação cartográfica trabalhada em ambiente SIG para o contexto de 1962 e 2014 .........................................................................................................................................55 Tabela 4. Alterações no uso do solo na área de estudo (m2)..................................................58 Tabela 5. Atribuição dos coeficientes de impermeabilização segundo Teixeira et al. (2008) adaptado por Marafuz (2011) ..............................................................................................59 Tabela 6. Estabelecimentos que poderiam ser afetados atualmente por uma cheia semelhante à de Abril de 1962.................................................................................................................63 Tabela 7. Deslocações no dia 24 de Julho de 2015 ...............................................................67 Tabela 8. Deslocações no dia 25 de Julho de 2015 ...............................................................67 Tabela 9. Síntese das metodologias analisadas.....................................................................74 Tabela 10. Classes de Vulnerabilidade definidos por Santos, 2011........................................76 Tabela 11. Importância atribuída a cada um dos indicadores consoante a ponderação (E. Santos, 2011).................................................................................................................................77 Lista de Abreviaturas e Siglas ANPC – Autoridade Nacional de Proteção Civil APP – Aplicação BGRI – Base Geográfica de Referenciação de Informação EM-DAT – International Disaster Database IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera PGRH – Plano de Gestão da Região Hidrográfica SIG – Sistemas de Informação Geográfica SNIRH – Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos UNISDR – United Nations Office for Disaster Risk Reduction
  • 14. 14 Introdução A gestão do risco de cheia é um aspeto importante na adaptação às mudanças globais que hoje vivemos e tem ganho muito destaque no meio científico, sobretudo nas últimas décadas. Sendo um dos eventos naturais mais comuns no mundo, as avaliações do risco de cheia a priori tornaram-se uma parte importante dos métodos de gestão aplicados a cada caso (de Moel et al., 2015). No passado as estimativas de cheia eram suficientes para a tomada decisões, porém atualmente há uma demanda crescente para o detalhe e precisão, utilizando preferencialmente dados consolidados e mapas de risco (de Bruijn, Klijn, van de Pas, & Slager, 2015). Seguindo esta visão, os inventários de ocorrências históricas naturais, que visem a criação de bases de dados para futuro processamento e representação em SIG, revelam-se um fator- chave na fase inicial da aplicação de modelos preditivos temporais e espaciais destas ocorrências, com vista a implementar melhores medidas de atuação (Soares et al., 2012). Posto isto, podemos compreender a pertinência e a necessidade de analisar os eventos históricos de maior relevo, para de certa forma podermos estudar a evolução, localização e magnitude da ocorrência de cheia. A base de dados DISASTER1 provou que a análise dos relatos na imprensa pode ser uma forma eficaz de reunir informação sobre ocorrências anteriores, as quais muitas vezes não têm as suas características sistematizadas pelas autoridades competentes. Assim, surgiu a ideia de reconstituir o perímetro de cheia do evento de 31 de Março e 1 de Abril na área ribeirinha de Vila do Conde. Este foi um dos pontos de partida deste trabalho, constituindo-se como o primeiro objetivo a alcançar. O segundo objetivo surge com a vontade de contabilizar os elementos expostos móveis e fixos na área de estudo, algo fundamental para chegar ao objetivo principal desta dissertação: o cálculo da vulnerabilidade da área a um evento de características semelhantes ao de 1962. A escolha da área de estudo baseou-se na proximidade, mas também, pelo facto da área abrangida pela Bacia Hidrográfica do Ave ser das zonas portuguesas e, mesmo europeias, mais favorecidas em termos de disponibilidades hídricas anuais, com um valor anual médio superior à média do país mais húmido da Europa: a Irlanda com 700 mm (F. Costa, 2007), algo resultante da existência de uma densa malha de linhas de água com caudal permanente ao longo de todo o ano. 1 Este projeto construiu uma base de dados SIG sobre desastres hidrológicos (cheias) e geomorfológicos (deslizamentos) ocorridos em Portugal continental no fim do século XIX, século XX e 1ª década do século XXI. Os resultados podem ser consultados em: http://riskam.ul.pt/disaster/
  • 15. 15 Outro motivo prende-se no facto da ocorrência de cheias no rio Ave em Vila do Conde não ser um acontecimento raro. Através da pesquisa de notícias presentes no Arquivo da Biblioteca Municipal de Vila do Conde, foi possível enumerar algumas das cheias mais importantes da história da cidade (Figura 1): Portanto, há um risco de cheia evidente e reconhecido em vários trabalhos, como no Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça (Relatório de Base: Parte 2, pág. 1780) e a atribuição de risco moderado por Sá e Vicêncio, 2011 (Sá & Vicêncio, 2011). Estes fatores aliados à baixa elevação da área de estudo e da localização em área estuarina são pertinentes para um estudo mais aprofundado sobre o processo das cheias em Vila do Conde. Em termos metodológicos, a Figura 2 tenta sintetizar as ideias principais de cada um dos esquemas metodológicos utilizados, e que posteriormente serão explicados com mais pormenor nos seus respetivos capítulos. Figura 1. Listagem dos eventos de cheia ocorridos em Vila do Conde e identificação dos eventos mais importantes (Piloto, 2009) Figura 2. Resumo das metodologias aplicadas
  • 16. 16 O trabalho dividir-se-á em quatro capítulos, sendo que o primeiro aborda essencialmente questões de enquadramento. Neste capítulo serão esclarecidos conceitos fundamentais de base, necessários para a consolidação de competências científicas que serão aplicadas posteriormente. Na parte final do capítulo é feito um apanhado das metodologias que serão aplicadas ao longo da dissertação. O segundo capítulo irá apresentar a área de estudo, a região hidrográfica onde esta se insere e ainda o evento de cheia de Abril de 1962. Neste capítulo serão compiladas todas as informações que foi possível recolher sobre o evento referido. Depois de definido o perímetro de inundação histórico, este será aplicado à realidade atual da cidade. No terceiro capítulo podemos encontrar os elementos expostos fixos e móveis da área de estudo. Aqui, será apresentada a metodologia aplicada e posteriormente apresentado o levantamento funcional e as contagens de movimentos realizados. Tudo isto com vista a alcançar o cálculo da vulnerabilidade no quarto e último capítulo. Capítulo 1 – Enquadramento Conceptual 1.1 A água, o rio e o estuário Quando nos propomos trabalhar o tema das cheias, e tendo em conta que este é um processo hidrológico, temos que inevitavelmente falar de água. A água é um elemento natural fundamental para a manutenção da vida no planeta Terra. Integrante nos ecossistemas naturais, a água torna-se um fator indispensável para a sobrevivência das espécies, para a conservação e equilíbrio da biodiversidade e das relações de dependência entre seres vivos e ambientes naturais (Bacci & Pataca, 2008). Sem água, o nosso planeta não teria um ambiente apropriado para a criação e manutenção de vida. É a combinação entre o hidrogénio e o oxigênio o elemento-chave para a nossa existência. Também ao longo da história da humanidade percebemos a importância da água: esta condicionou culturas e hábitos, a ocupação territorial, a vitória ou derrota em batalhas e até determinou a extinção ou a sobrevivência de espécies. Ao longo de milhares de anos, e sob a influência da água, o Homem e as demais espécies cresceram e desenvolveram-se com base neste bem natural tão valioso. Torna-se também necessário compreender e ter em conta as propriedades de um rio. Este pode ser classificado como sendo um sistema natural que, de forma eficiente, transporta água,
  • 17. 17 sedimentos, nutrientes e seres vivos. Porém, a importância destas artérias naturais do território não se fica por aqui: são também os rios que equilibram o ciclo hidrológico, pois conduzem a água excedente das chuvas para o oceano (Christofoletti, 1974). São estes sistemas que recarregam os aquíferos situados nas planícies aluviais e que levam areias até às praias do litoral, regenerando-as de forma contínua. É o rio que se regula a si mesmo, abrindo espaço para conter as suas subidas através dos sedimentos que arrasta, trabalhando pouco a pouco no seu leito. Os rios são também paisagens de elevado valor cénico, com personalidade própria e singular, internamente muito complexos e diversos. Segundo Ojeda (2014), um rio compreende quatro dimensões: uma componente longitudinal, outra transversal, uma componente vertical e outra temporal. Longitudinalmente estes sistemas nascem numa área mais elevada e vão mudando conforme recebem afluentes e conforme vão atravessando diferentes áreas geológicas até se converterem num grande recetor que chegará ao mar (Figura 3). Ou seja, o perfil longitudinal de um rio mostra o seu declive, representando visualmente a relação entre altimetria e comprimento de determinado curso de água. O perfil característico é côncavo apresentando declives maiores em direção à nascente e valores mais suaves em direção à foz (Christofoletti, 1974). Figura 3. Esquema da longitudinalidade fluvial. Adaptado de: (T. Ferreira, 2006)
  • 18. 18 Transversalmente, o rio é todo o espaço inundável, por vezes de vários quilómetros, que conta com um conjunto diverso de ecossistemas interrelacionados dispostos em mosaicos e em bandas, que podem ser canais principais e secundários, zonas pantanosas, ilhas fluviais, entre outros (Figura 4). Verticalmente, o rio tem elementos superficiais e subterrâneos conectados com a água, sedimentos e organismos vivos por baixo do canal visível à superfície. Temporalmente o rio assiste a mudanças contínuas de caudal, da carga de sedimentos e dos seus processos de erosão. Os rios são ecossistemas de grande diversidade, valor ambiental e fertilidade. Esta fertilidade provém dos nutrientes que estes sistemas naturais conseguem transportar desde a nascente até à foz. Estes nutrientes, aliados às subidas do rio, são distribuídos e renovam os habitats, criando ecossistemas ricos e diversos que se rejuvenescem de forma contínua. Nestes habitats terrestres e aquáticos residem muitos seres vivos, o que faz com que os rios sejam importantes corredores ecológicos (Ojeda, 2014). Estes ecossistemas desempenham também um papel importantíssimo para o ser Humano, uma vez que amenizam as condições meteorológicas locais, fornecem água e alimentos e desempenham funções de proteção. Devido a estes fatores, podemos compreender o motivo que desde o Neolítico tem levado o Homem a utilizar as margens dos rios para prosperar e desenvolver civilizações. Hoje e no futuro, os rios desempenharão um importante papel no que toca à redução dos impactes das alterações climáticas (Bacci & Pataca, 2008). Posto isto, percebemos que o rio não é apenas a água que nele vemos correr e não é apenas a área normalmente por ele ocupada, mas sim todo o espaço lateral que ele pode inundar: o vale fluvial. Apesar de muitas vezes ocupados por atividades antrópicas, esse espaço não é do Homem mas sim do rio, que o ocupa quando necessário. Daqui compreendemos a importância Figura 4. Esquema da transversalidade fluvial. Adaptado de: (T. Ferreira, 2006)
  • 19. 19 de gerir o espaço de forma adequada, tendo em conta que somos “inquilinos” nessas áreas e que não podemos quebrar nem o funcionamento natural do rio nem o seu sistema de autorregulação. Colocar elementos de ocupação permanente nestes espaços supõe que inevitavelmente estes serão alcançados pelas cheias do curso de água presente. Estas cheias representam processos naturais, processos esses, constituídos por um aumento geralmente repentino do caudal do curso de água. Este aumento de caudal é também acompanhado pelo aumento da velocidade da corrente, que pode transbordar o leito normal e inundar progressivamente as margens até alcançar a ponta de cheia e, a partir daí, voltar gradualmente ao normal. Este processo tem consequências ambientais muito diferentes dos processos de escoamento normal, uma vez que extravasam os limites de resistência do sistema fluvial acelerando os processos de erosão, transporte e sedimentação. Ojeda (2014), ajuda-nos a compreender como se gera, manifesta e desenvolve uma cheia começando por afirmar que a maioria dos seus processos tem origem em causas hidro- meteorológicas (precipitação intensa ou prolongada, por exemplo). Existem ainda outros motivos que podem levar à subida dos caudais de um rio: como as características topográficas e geométricas da bacia de drenagem (declive, dimensão e forma da bacia), a componente geológica (litologia e permeabilidade), a natureza da ocupação do solo (coberto vegetal, tipo de solo e a sua utilização) e as intervenções humanas existentes (urbanização em leito de cheia, construção de açudes e barragens, entre outras) (Teles, 2002). Em relação à sua formação, Ojeda (2014) explica que quando se dá a saturação dos solos os processos de aumento do leito normal começam, pois os solos já não conseguem reter toda a água recebida. Nestes processos há ainda alguns fatores que podem interferir nas características da cheia, os chamados fatores de intensificação ou atenuação (saturação dos solos, topografia, geometria hidráulica, ação antrópica, entre outros). Como a força da corrente aumenta nestes períodos, a erosão torna-se mais expressiva uma vez que as águas adquirem força suficiente para arrancar materiais das margens. Em conjunto com os materiais sólidos (cascalho, areias, sedimentos finos e solo), também matéria orgânica e elementos antrópicos que se encontrem em leito de cheia serão arrastados pela corrente. Na fase final dá-se o descanso e o retorno ao leito normal, que provavelmente será diferente da situação inicial. Este processo é gradual e geralmente muito mais lento do que a formação da cheia. Nesta fase o rio procura um novo equilíbrio. Esta transformação tem consequências nos meios abióticos (gera uma nova geometria e morfometria no canal do rio),
  • 20. 20 meios bióticos (leva matéria orgânica e nutrientes a áreas mais afastadas do leito normal) e meios humanos (provoca danos em infraestruturas, levando a perdas económicas diretas e indiretas) (Ojeda, 2014). Como já foi referido anteriormente, as cheias fluviais são necessárias para o correto funcionamento do rio e para o seu equilíbrio ecológico. Estas subidas de caudal podem também ter consequências positivas para os ecossistemas e para a sociedade, como por exemplo: a cheia limpa e redefine o curso do rio; leva sedimentos e nutrientes a áreas mais distantes, enriquecendo-as; cada cheia recarrega o aquífero aluvial; as cheias diluem os contaminantes e conseguem arrancar espécies invasoras que provocam a eutrofização das águas. Posto isto, e tendo em conta que a área de estudo se localiza na foz do rio Ave, onde este se encontra com o oceano Atlântico, importa compreender melhor o conceito de estuário e a sua importância. Os estuários podem ser definidos como corpos de água parcialmente fechados que se localizam na costa, onde a água doce de um rio encontra a água salgada de um oceano, primando por serem entidades complexas e muito dinâmicas. Estes são locais de transição entre a dinâmica fluvial e a dinâmica marítima e embora sofram a influência das marés estão mais protegidos da força das ondas, dos ventos e das tempestades (United States Environmental Protection Agency, 2012). Esta definição é normalmente aceite pela grande maioria dos investigadores, contudo a delimitação da área do estuário é menos clara. Alguns autores acrescentam à região interior de um ambiente costeiro a região da plataforma continental adjacente (pluma estuarina) ou têm em conta outras variáveis, como a salinidade da água (Delgado, 2011). Podemos então afirmar que consoante a área disciplinar, a definição de estuário varia, adaptando-se à área científica que o autor pretende, moldando os componentes morfológicos, sedimentares e hidrodinâmicos destes locais (Figura 5).
  • 21. 21 Figura 5. Zonamento clássico de estuário. Adaptado de: (Bianchi, 2013) Podemos ainda afirmar que os ambientes estuarinos são conhecidos por serem extremamente férteis, criando valores consideráveis de matéria orgânica e têm capacidade para suportar comunidades únicas de fauna e flora especialmente adaptadas para viver nestes locais. As áreas estuarinas oferecem-nos um sem número de recursos, benefícios e serviços. Nestes espaços podemos desenvolver atividades de recreio, estudos científicos ou apenas apreciar o seu elevado valor cénico (United States Environmental Protection Agency, 2012). Os estuários representam um recurso natural insubstituível que deve ser gerido de forma cuidada. Depois deste capítulo, podemos compreender que respeitar a dinâmica fluvial ao invés de a impedir, é uma medida inteligente e de acordo com a atenção que deve ser dada ao meio ambiente numa altura de mudanças profundas como as que vivemos. Sabendo que as ações antrópicas ditarão um risco cada vez maior de cheia e inundação, este é um tema que merece especial atenção, sobretudo nas áreas mais suscetíveis, como os ambientes urbanos estuarinos (Agência Europeia do Ambiente, 2012). 1.2 Cheias e inundações fluviais em áreas urbanas estuarinas Atualmente tem sido dado grande destaque aos riscos naturais e às implicações que estes podem ter em áreas urbanas que cada vez mais se encontram em locais passíveis de serem afetados. Em Portugal verifica-se que grande parte da população se concentra nas cidades litorais, que cada vez mais edificadas, exercem grande pressão sobre os recursos existentes (P.
  • 22. 22 Santos, Reis, & Tavares, 2014). Estando o ser Humano pouco recetivo às consequências de eventos extremos interessa trabalhar no sentido de identificar e mitigar os efeitos resultantes de um fenómeno natural, algo que o Homem não é capaz de controlar. O facto dos meios urbanos serem os mais vulneráveis aos perigos naturais é já bem conhecido, quer pela concentração de população, quer pela impermeabilização existente (P. Santos, Tavares, & Zêzere, 2014). O aumento da urbanização potenciou um aumento da vulnerabilidade territorial devido sobretudo à artificialização e à concentração desenfreada de pessoas, edifícios e infraestruturas, o que ao potenciar o número de elementos expostos adiciona um sem número de consequências diretas e indiretas aos processos naturais que sempre acompanharam a evolução do Planeta (Peixoto, 2013). Com o decorrer dos anos, cresceu a necessidade de expandir os locais que o Homem considerava mais oportunos para a sua instalação. Com isto, a desflorestação e a impermeabilização dos solos começou a ser uma realidade cada vez mais presente, algo que teve um impacto direto nos fenómenos naturais, especialmente nos hídricos (Frias, 2013). No que diz respeito às cheias vários autores têm-se debruçado sobre este conceito de onde resultam definições como sendo um fenómeno hidrológico extremo e temporário, natural ou induzido pelo Homem, que se caracteriza pelo transbordo de um curso de água relativamente ao seu leito normal, originando inundação nos terrenos circundantes (Chow, 1956). Já Almeida (2006) refere que uma cheia se caracteriza por um escoamento de água muito intenso em consequência da ocorrência de causas naturais, provocando extravasamento e inundações, ou seja, a cobertura temporária de uma área por água (Almeida, 2006). Também a distinção entre cheia e inundação é pertinente para o caso de estudo. Para Portela (2000), quando se dá a ocorrência de uma cheia a bacia hidrográfica é sujeita a uma alimentação de água tão intensa e prolongada que o seu caudal excede a capacidade normal de transporte, extravasando-a e alagando as áreas marginais, logo provocando uma inundação da área (Portela, 2000). No que diz respeito a normas europeias, a Diretiva Europeia 2007/60/CE para a Avaliação e Gestão de Riscos de Inundação diz-nos que uma inundação é “a cobertura temporária por água de uma parcela do terreno fora do leito normal, resultante de cheias provocadas por fenómenos naturais como a precipitação, incrementando o caudal dos rios, torrentes de montanha e cursos de água efémeros, correspondendo estas a cheias fluviais, ou de sobreelevação do nível das águas do mar, nas zonas costeiras” (Parlamento Europeu, 2007).
  • 23. 23 Posto isto, podemos compreender que apesar de serem conceitos relacionados, são diferentes, uma vez que uma cheia pode ou não originar uma inundação e uma inundação pode ou não ter que ver com uma cheia. Esta pode ser motivada por outros fatores como o rebentamento de barragens ou a subida do nível da água do mar (Rodrigues, 2009). Mais à frente vamos compreender que no caso em estudo, o que aconteceu foi uma inundação das áreas ribeirinhas com origem na cheia do rio Ave em final de Março e início de Abril de 1962. Em Portugal, as cheias devem-se sobretudo a processos meteorológicos, com destaque claro para a pluviosidade, que origina processos que podem ser divididos em: cheias progressivas dos grandes rios, cheias rápidas (flash floods) dos rios e ribeiras de pequenas e médias bacias hidrográficas e inundações urbanas resultantes da forte precipitação combinada com a crescente impermeabilização destes terrenos (P. Costa, 1986). A pluviosidade referida pode-se desagregar em dois tipos: as chuvas contínuas e duradouras, que podem até nem ser intensas mas originam cheias lentas e a subida dos lençóis freáticos. São chuvas que atingem áreas alargadas e que devido à sua longa duração saturam os solos e provocam fenómenos de transbordo (cheias fluviais, por exemplo). Nas latitudes médias, como é o caso de Portugal, devem-se a depressões frontais, correspondendo à circulação zonal de oeste (Sousa, 2012). Estas chuvas podem também concentrar-se no espaço e no tempo apresentando grande intensidade, o que dá origem a cheias rápidas e a inundações urbanas. Este tipo de chuva ocorre num período de tempo curto (horas ou até menos minutos) mas são muito intensas. No caso português ocorrem devido às frentes frias ativas e às células convectivas isoladas (Ramos, 2013). Em qualquer dos casos é importante conhecer o período de retorno da cheia que permite prever a probabilidade de determinados caudais ocorrerem novamente ou de serem ultrapassados. Neste sentido, período de retorno significa o intervalo temporal em que o fenómeno é igualado ou excedido (Marafuz, 2011). Para o caso em estudo, e segundo Miranda & Baptista (2006) “tanto por influência do Ave, como do seu afluente rio Vizela, alguns concelhos desta bacia são afetados por cheias, normalmente de curta duração, dada a reduzida dimensão da bacia” (Miranda & Baptista, 2006). Dentro desta temática e segundo Costa (1986), devemos ainda considerar as inundações urbanas que não estão ligadas ao transbordo das linhas de água mas sim aos processos de impermeabilização do solo cada vez mais patentes sobretudo nos grandes aglomerados urbanos
  • 24. 24 da atualidade. Esta impermeabilização em conjunto com a concentração de água em áreas deprimidas e a resposta deficiente dos sistemas de drenagem das águas pluviais, muitas das vezes subdimensionados, geram situações de risco que poem em causa a segurança do Homem e do Meio Ambiente (P. Costa, 1986). Apesar dos fatores desencadeantes das cheias serem essencialmente de natureza meteorológica, é importante compreender que outros fatores podem influenciar a frequência, a dinâmica e a magnitude do fenómeno em questão. Estes fatores, juntamente com as componentes biofísicas das bacias hidrográficas em questão, têm que ver com: a geometria (forma e dimensão), o relevo (particularmente o declive), o solo e o substrato geológico (permeabilidade do solo), a vegetação e a forma como os solos estão ocupados (Sousa, 2012). Estes fatores conjugados interferem na relação entre a quantidade de água que fica armazenada ou retida (à superfície e em profundidade) e a quantidade de água que se escoa à superfície, o escoamento direto. Assim é possível afirmar que as bacias hidrográficas com permeabilidade reduzida e declive acentuado são mais suscetíveis a vir a ser afetadas pelas cheias pois há uma maior concentração de água a jusante dos vales (Marafuz, 2011). Posto isto, a dimensão da bacia hidrográfica revela ser um parâmetro relevante para distinguir as situações de cheia, uma vez que influencia o tempo de resposta da bacia e da propagação da cheia (Carvalho, 2009). Neste contexto, também os fatores antrópicos agravam os episódios de cheia e inundação uma vez que afetam a ocorrência e a magnitude dos acontecimentos. Esta influência deve-se sobretudo à já citada impermeabilização dos solos2 e à alteração do coberto vegetal3 que vai afetar os processos normais de interseção, retenção, infiltração e escoamento das águas. Neste momento já percebemos que há vários fatores a influenciar a ocorrência de cheias e inundações. A geomorfologia dos vales e leitos fluviais, ao potenciar a suscetibilidade de ocorrência destes fenómenos, deve ser estudada detalhadamente. Interessa nesta fase abordar alguns conceitos fundamentais para esta temática, nomeadamente os que dizem respeito ao leito fluvial. 2 Resulta da construção de estruturas e pavimentos em terrenos subjacentes aos leitos dos rios. Esta inibição de infiltração faz aumentar o escoamento superficial e o perigo em locais a jusante, algo que acontece frequentemente no meio urbano (Sousa, 2012); 3 O desaparecimento do coberto vegetal existente na bacia hidrográfica (devido a incêndios, a desbaste ou outros fatores), resulta em alterações profundas das condições de escoamento tanto ao nível da circulação superficial como o nível da carga sólida (Sousa, 2012);
  • 25. 25 Sobre este tema Sousa (2012) diz-nos que “o vale fluvial de um rio é constituído pelo leito menor, que corresponde ao leito corrente do rio propriamente dito, por ser bem encaixado e delimitado, onde o escoamento das águas tem frequência suficiente para impedir o crescimento de vegetação (Figura 6). Nele encontra-se incluído o canal de estiagem que corresponde ao canal de escoamento da água na época mais seca do ano. O leito maior também faz parte do vale fluvial e pode ser também denominado como planície de inundação ou leito de cheia” (Sousa, 2012). Já Christofoletti (1974), distingue os leitos fluviais em quatro categorias: leito vazante, que está incluído no leito menor; o leito menor, que está bem delimitado, encaixa nas margens do rio e impede o crescimento de vegetação; o leito maior periódico ou sazonal, que é regularmente ocupado pelas cheias; e o leito maior excecional, que é ocupada quando ocorrem cheias mais agressivas (Christofoletti, 1974). Atualmente, e no que diz respeito a cheias e inundações, podemos enumerar algumas medidas de defesa e mitigação agrupáveis nas vertentes estruturais e não estruturais. Podemos dizer que no primeiro caso, as medidas estruturais, são aquelas que intervêm num ou vários parâmetros de cheia (caudal, áreas inundáveis, entre outros), do ponto de vista hidráulico ou hidrológico. Exemplos disto mesmo são: diques, barragens, bacias de retenção, modificação no leito, regularização fluvial, entre outros (Sousa, 2012). Já as medidas não estruturais, não assumindo forma física, destacam-se a nível regulamentar, legislativo e normativo. Usualmente estabelecem zonamentos, regulam a Figura 6. Caracterização da morfologia fluvial (Coque,1987)
  • 26. 26 construção e definem medidas de ação no âmbito da gestão do risco (planos de emergência, sistemas de alerta e previsão, entre outros). Tendo em conta que diariamente os riscos naturais exercem um efeito condicionante na segurança, na qualidade de vida e na qualidade ambiental das populações, torna-se urgente identificar e conhecer detalhadamente estes riscos. Para comprovar ainda mais o perigo que estes fenómenos representam e através dos dados disponíveis no EM-DAT4 , podemos verificar que em Portugal Continental e Ilhas, entre 1960 e 2014 as cheias e inundações representam a catástrofe mais frequente no total das catástrofes naturais ocorridas. Foram também a segunda catástrofe mais mortífera (depois das ondas de calor) e a segunda catástrofe que mais pessoas afetou (depois dos incêndios florestais). Estando perante esta realidade, que apesar de incontrolável pode ser mitigada, surge cada vez mais a necessidade de criar medidas eficazes que englobem políticas de proteção civil e de ordenamento do território com o objetivo de contornar os efeitos destes fenómenos que ocorrem em áreas definidas: as áreas inundáveis (algo que não acontece com outros tipos de ocorrências meteorológicas como as ondas de frio e calor). Tendo em conta este fator de localização definida, surgiu a ideia de sintetizar a localização dos trabalhos referentes ao risco de cheia e inundação e perceber se os locais mais abordados são os que representam mais risco. Para isso foram recolhidos 55 trabalhos académicos de 1986 a 2015 (Anexo 5), e confrontámos a localização das suas áreas de estudo com a Carta de Suscetibilidade a Cheias e Inundações elaborado em 2013 pela ANPC. No final foi possível concluir que na amostra de trabalhos utilizada há uma clara concentração destes estudos nos rios de maior caudal, localizados sobretudo no Norte e Centro de Portugal. Por seu turno há uma falha clara em relação ao estudo dos rios na região alentejana. Mais conclusões podem ser retiradas através da observação da Figura 7. 4 Dados para consulta disponíveis depois de selecionar “Portugal” em http://www.emdat.be/result-country-profile e consultados a 06/10/14;
  • 27. 27 Figura 7. Análise espacial da distribuição dos trabalhos académicos sobre cheias e inundações e da sua relação com as áreas susceptívei s às mesmas
  • 28. 28 Apesar de existirem trabalhos para a grande maioria das áreas críticas, interessa continuar a apostar na definição e nos recursos cartográficos, algo que teve um avanço significativo com a publicação do Guia Metodológico para a Produção de Cartografia Municipal de Risco e para a Criação de Sistemas de Informação Geográfica de Base Municipal (Julião et al., 2009), o qual permite uniformizar técnicas e promover a convergência de estratégias. 1.3 O risco natural e os conceitos fundamentais Sendo hoje um conceito bem presente na sociedade, o risco natural ganha destaque na década de 90 depois das Nações Unidas declararem essa década como a Década Internacional para a Redução de Riscos Naturais. Desde então têm-se desenvolvido, tanto a nível nacional como internacional, um conjunto de normas e métodos de perceção, avaliação, quantificação, prevenção e mitigação dos riscos de origem natural, antrópica ou mista, existindo atualmente um enorme conjunto de teorias e métodos aplicados à sua análise (Belo, 2012). Por seu turno, o risco de cheia ganha destaque na agenda política europeia devido às cheias severas que afetaram grande parte da europa na viragem para o século XXI, sendo que em 2007 é lançada a Diretiva 2007/60/CE relativa à avaliação e gestão dos riscos de inundação, no sentido de reduzir os efeitos adversos que estes fenómenos podem ter (Schumann, 2011). Com as mudanças que se têm observado a nível mundial em termos climáticos e que resultam em ocorrências mais severas e frequentes, este será um conceito cada vez mais abordado por geógrafos, geólogos, engenheiros e outros investigadores que continuarão a contribuir para o conhecimento dos riscos na sua vertente física e natural, o que enriquecerá o domínio teórico e prático do tema. Citando o UNISDR (2004), o risco é definido como a probabilidade de ocorrerem consequências danosas, ou perdas esperadas (mortos e/ou feridos, danos nas propriedades e nas formas de vida, ruturas na atividade económica ou danos ambientais) resultantes da interação entre perigos naturais ou induzidos pelo homem e as condições da sua vulnerabilidade (International Strategy for Disaster Reduction, 2004). A nível nacional a ANPC diz-nos que o risco é definido como a probabilidade de ocorrência de um processo (ou ação) perigoso e respetiva estimativa das suas consequências sobre pessoas, bens e ambiente (Barreiros, Costa,& Pires, 2009). Já Zêzere et al. (2005) diz-nos que “a avaliação quantitativa do risco (R) é obtida através do produto da perigosidade (P) pela vulnerabilidade (V) e pelo valor dos elementos em risco (E). Deste modo, verifica-se que o risco
  • 29. 29 pode ser mitigado a partir da intervenção em qualquer um dos seus componentes (perigosidade, vulnerabilidade, valor dos elementos expostos), sendo nulo se um deles for eliminado” (J. Zêzere, Pereira, & Morgado, 2005). Os riscos desempenham um papel importante no desenvolvimento das sociedades e culturas. Sempre representaram uma ameaça para o Homem e podem fazer-se sentir de forma rápida e violenta, como os terramotos, ou de forma lenta, como a erosão do solo. Em termos geográficos, podem afetar áreas restritas, ou podem afetar áreas mais alargadas (Colegio Oficial de Geólogos, 2008). O risco pode ser dividido em natural, tecnológico ou misto (Barreiros et al., 2009). O risco natural é um fenómeno que produz danos e tem origem na natureza, por exemplo cheias, ondas de calor, sismos, entre outros. Os riscos tecnológicos são aqueles em que o fenómeno causador de danos tem origem na ação do Homem, por exemplo acidentes industriais, derramamento de matérias perigosas, acidentes nucleares, entre outros. Já os riscos mistos resultam de uma ação combinada entre risco tecnológico e natural, que podem ser reunidos em três grupos: riscos mistos de componente atmosférica, de componente geodinâmica e riscos dendrocaustológicos (Lourenço, 2008). No caso do risco natural este pode, segundo o EM-DAT, ser dividido em cinco categorias: ocorrências geofísicas (movimentos de vertente, erupções vulcânicas), ocorrências meteorológicas (tempestades), ocorrências hidrológicas (inundações), ocorrências climatológicas (temperaturas extremas, secas, incêndios) e ocorrências biológicas (epidemias, infestações, entre outros) (International Disaster Database (EM-DAT), 2009). Posto isto, o termo de risco natural implica a ocorrência de uma condição natural, que ameaça ou age perigosamente num espaço e tempo definidos (Alcántara-Ayala, 2002). Para cartografar de forma eficaz os riscos é necessário identificar o fenómeno natural, tecnológico ou misto que representa perigo, determinar a probabilidade da sua ocorrência, conhecer com precisão a área geográfica que poderá ser afetada e apurar o grau de vulnerabilidade do capital humano presente nessa área (Belo, 2012). Ainda no contexto do risco natural, podemos utilizar a linguagem matemática para traduzir este conceito através da seguinte expressão: Risco = Perigo x Exposição x Vulnerabilidade, ou seja, o mesmo risco pode corresponder a um perigo fraco e a uma
  • 30. 30 vulnerabilidade alta5 , a um perigo moderado e a uma vulnerabilidade moderada6 ou ainda a um perigo forte com fraca vulnerabilidade7 . Sem exposição de bens ou pessoas não há risco propriamente dito, apenas a ocorrência de processos naturais (Hallegatte, 2014). A equação anterior define as variáveis mais importantes do risco8 : o perigo e a vulnerabilidade. O perigo, ou seja, a ocorrência (geofísica, meteorológica, hidrológica, climatológica ou biológica) está dependente da magnitude e frequência, o que confere características próprias a cada fenómeno. Segundo Julião, et al. (2009), estes dois fatores representam a severidade, que é definida como a “capacidade do processo ou ação para danos em função da sua magnitude, intensidade, grau, velocidade ou outro parâmetro que melhor expresse o seu potencial destruidor” (Julião et al., 2009). No que diz respeito à vulnerabilidade, esta tem que ver com o comportamento do Homem e a sua exposição face ao perigo, algo que influência a sua capacidade de antecipar, lutar, resistir e recuperar do impacte de um risco natural (Wisner, Piers, Cannon, & Davis, 2003), ou seja, a vulnerabilidade depende da capacidade física e funcional dos elementos expostos para resistir aos perigos existentes. Já Kasperson et al. (2010) define vulnerabilidade como “o grau em que um sistema ou unidade (grupo de pessoas ou local) é suscetível de sofrer danos devido à sua exposição a perturbações ou tensões” (Kasperson, Kasperson, & Turner, 2010). Neste sentido, a vulnerabilidade apresenta três dimensões: exposição, sensibilidade (que inclui a antecipação e a forma como se lida com a ocorrência) e resiliência (Schumann, 2011). Para um sistema social, por exemplo uma comunidade, a vulnerabilidade pode ser definida como "um conjunto de condições e processos decorrentes de fatores físicos, sociais, económicos e ambientais, que aumentam a suscetibilidade de uma comunidade para o risco" (United Nations - International Strategy for Disaster Reduction, 2004). Esta perspetiva pode ser traduzida em termos matemáticos, como: V = E x S x CR, sendo que a vulnerabilidade é a combinação da exposição, suscetibilidade e capacidade de resposta. A 5 Como aconteceu no Haiti em 2010, onde um sismo de magnitude 7 (que em países preparados não teria causado danos tão graves) teve efeitos devastadores mostrando que este país estava mal preparado para a possibilidade deste tipo de ocorrência (Birkmann, Kienberger, & Alexander, 2014); 6 Ocorre em países com desenvolvimento desigual, onde algumas regiões não sofrem grandes consequências, enquanto que outras regiões mais pobres ficam completamente devastadas; 7 Como por exemplo o caso do Japão, que apesar de ser frequentemente abalado por atividade sísmica está preparado para tal ocorrência e registam-se poucos danos e perdas humanas; 8 Neste contexto o risco pode ser classificado de duas formas: a nível qualitativo ou quantitativo de perdas humanas, de bens e de património (construído e ambiental). A nível quantitativo, a análise é sustentada pela avaliação prévia da vulnerabilidade e do valor dos elementos expostos. O cálculo qualitativo pode ser efetuado através da identificação das áreas de risco, indicando os cenários de probabilidade de ocorrência e a localização dos elementos expostos em risco (Sousa, 2012);
  • 31. 31 exposição é condicionada pelas consequências sociais, económicas, ecológicas e culturais que podem advir dos eventos naturais. A suscetibilidade representa o grau em que o sistema é afetado pela ocorrência e a capacidade de resposta diz respeito à forma como se lida com o evento e a capacidade para superar as suas consequências (Merz, Hall, Disse, & Schumann, 2010). De uma forma mais abrangente, o conceito de suscetibilidade tem que ver com a predisposição de uma área para ser afetada por um determinado perigo, estando relacionada com as questões físicas e humanas e não com questões de frequência e período de retorno, sendo que estas variáveis dizem respeito à perigosidade (Peixoto, 2013). A perigosidade pode ser entendida como a probabilidade de ocorrência (avaliada qualitativa ou quantitativamente) de um fenómeno com uma determinada magnitude (a que está associado um potencial de destruição), num determinado período de tempo e numa dada área, ou seja, a probabilidade de ocorrência de um processo ou ação com potencial destruidor com uma determinada severidade, numa dada área e num dado período de tempo (Julião et al., 2009). Após este enquadramento teórico é possível perceber que a avaliação do risco se torna uma componente fundamental para a gestão sustentável e sustentada do território, uma vez que os fenómenos naturais extremos não são necessariamente um risco para os indivíduos e sistemas sociais, pois é necessário que estes fenómenos se revelem uma ameaça à normalidade de uma qualquer coletividade ou dos recursos naturais que valoriza. Tendo isto em conta, podemos Figura 8. Ligação dos conceitos associados ao risco (Julião, Nery, Ribeiro, Branco, & Zêzere, 2009)
  • 32. 32 perceber que as sociedades têm poder no território, uma vez que interferem com a magnitude do risco e dos seus impactes (Carvalho, 2009). Numa época em que o crescimento populacional é extraordinário e as alterações climáticas ganham maior impacte no meio ambiente, o estudo dos eventos naturais como as cheias fluviais revela-se muito oportuno. Estes fenómenos de caráter extremo, temporário e cíclico representam cada vez mais um perigo latente ao qual é necessário ter atenção. Capítulo 2 - Vila do Conde e a Cheia de Abril de 1962 Apesar dos primeiros relatos sobre Vila do Conde remontarem a épocas anteriores à criação de Portugal9 , o topónimo manteve-se praticamente inalterado até aos dias de hoje. Foi através da doação da jurisdição de Vila do Conde por D. Sancho I a D. Maria Pais, que a história desta urbe arranca verdadeiramente. Sendo do conhecimento geral, o século XV revelou-se extremamente importante para a cidade: as Descobertas impulsionaram o entreposto comercial da região, devido ao porto existente, à alfândega e ao incremento da construção naval que era necessária para o apoio da grande epopeia marítima que os portugueses levaram a cabo em Quinhentos (Câmara Municipal de Vila do Conde, 2014). Nesta altura Vila do Conde afirmou-se economicamente no país, gerando um intenso movimento portuário, apesar de ser apenas uma vila de média dimensão. Nesta fase, o núcleo urbano desenvolvia-se essencialmente na elevação do Mosteiro de Santa Clara, na Praça Velha10 e em direção à zona ribeirinha, sendo que estes representavam espaços intensamente ocupados. Porém, devido à visita de D. Manuel I em 1502, e através da importante decisão régia de construir uma nova igreja matriz11 , uma nova praça e os Paços do Concelho, foi conferida à Vila uma nova centralidade. Também a intensa atividade comercial e social da altura ditaram a estrutura urbana que se foi expandindo no sentido do rio, o que despoletou novos traçados de ruas. Com o passar dos tempos, Vila do Conde vai-se expandindo e modernizando, sendo que nos finais do século XIX a sua configuração urbana caracterizava-se pelos ideais da Regeneração, atingindo o seu expoente máximo através da ideia e obra de Fontes Pereira de 9 A primeira referência a Vila do Conde surge em 953, nessa altura “Villa de Comite”, através de um documento de doação (Câmara Municipal de Vila do Conde, 2012); 10 A Praça Velha ocupava o atual Largo Antero de Quental (Fernandes, 2003); 11 A antiga Igreja Matriz situava-se no castro de S. João, local onde atualmente está erigido o Mosteiro de Santa Clara (Polónia, 1999);
  • 33. 33 Melo12 . Nesta altura projetaram-se novos alinhamentos urbanos e abriram-se novos arruamentos que ligavam a urbe ao mar, por exemplo a ainda existente Avenida Bento de Freitas. Entre 1852 e 1891 foi também construído o molhe Norte na barra do Ave, a Estrada Real nº 30 (Porto- Valença) e abriria ao público o caminho-de-ferro entre o Porto e a Póvoa de Varzim (Fernandes, 2003). Foram ainda propostos novos espaços públicos13 que pretendiam ser espaços de qualificação estética e ambiental para a cidade (Câmara Municipal de Vila do Conde, 2012). Ao longo dos séculos XIX e XX o gosto pelo embelezamento da cidade e pela criação de espaços verdes foi ficando cada vez mais patente, até que na década de 80 do século XX, as preocupações voltam-se para o reconhecimento e valorização do património cultural e do centro histórico da cidade. Dá-se início a um longo processo de regeneração e requalificação urbana pela mão do Gabinete Técnico Local (Câmara Municipal de Vila do Conde, 2012). A evolução da cidade, com a herança e os valores ligados ao mar e aos Descobrimentos, deixam patente que Vila do Conde, apesar de contemporânea, com novas premissas sociais e ambientais, não esqueceu o seu legado e continua a integrar a história e o desenvolvimento de uma forma sustentável e sustentada que se reflete, atualmente, em condições de excelência para habitabilidade num ambiente de conforto físico e estético. Hoje em dia a atividade piscatória desenvolve-se no Porto de pesca da Póvoa de Varzim, e as atividades de construção naval foram deslocadas para a margem sul do rio Ave, na freguesia de Azurara. Esta atividade perdeu importância, mas continua a marcar presença. Atualmente, e ao contrário do que acontecia no século XVI (Figura 10), a Ribeira das Naus/Cais da Alfândega não está ocupada com os estaleiros mas sim com uma réplica de Nau Quinhentista14 que evoca os tempos áureos da navegação nacional e vilacondense. Aqui situa-se o edifício da Alfândega Régia, também Museu de Construção Naval, e a marina de Vila 12 Político português que se destacou na segunda metade do século XIX, ao tentar modernizar Portugal que se encontrava muito atrasado face a outros países europeus. No primeiro governo desta nova fase (a Regeneração), Fontes Pereira de Melo encarregou-se do Ministério das Obras Públicas, com tal afinco que este período ficou conhecido como “Fontismo” (Mónica, 1997); 13 Como por exemplos o Jardim Júlio Graça, que se tornou o primeiro grande espaço ajardinado de Vila do Conde e que ainda hoje tem grande importância para a cidade, uma vez que é neste local que se realizam algumas das mais importantes atividades da Vila, como a Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde que se realiza anualmente no mês de Agosto; 14 Que atualmente é um dos principais pontos de atração turística da cidade de Vila do Conde; Figura 9. Localização dos estaleiros navais no século XVI (Polónia, 1999)
  • 34. 34 do Conde que permite um total de 37 atracagens (Figura 10). Atualmente, o porto abrange a área estuarina desde a ponte da EN13 (Azurara - Vila do Conde) até à barra. A relação caudal/prisma da maré é elevada neste estuário, o que pressupõe velocidades residuais elevadas e um jacto de vazante intenso. O caudal médio do Ave na sua foz é de aproximadamente 40m3 /s. Podemos ainda observar a existência de um banco de sedimentos no meio da embocadura, a montante dos pontões existentes, que protegem a navegação neste estuário (Instituto Superior Técnico/INAG, 2000). Posto isto, percebemos que o rio desempenha e implica nesta área importantes funções naturais, sociais, culturais e económicas que nos ajudam a compreender a relação umbilical que a cidade e os vilacondenses desenvolveram ao longo de séculos com o Ave. 2.1 A região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça e a sub-bacia do Ave A sub-bacia do Ave está inserida na Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça, região que tem aproximadamente 3.400 km2 em território português. Esta região divide-se por 30 concelhos e inclui cerca de 1.4 milhões de habitantes, o que representa 15% da população de Portugal Continental. Insere-se no Maciço Hespérico e é constituída de uma forma geral, por substrato rochoso de idade paleozoica e proterozoica. Na faixa litoral, que abrange Vila do Conde, dominam os granitóides e as rochas metassedimentares muito fraturadas. Esta região hidrográfica é marcada em termos geomorfológicos pela presença de relevos elevados que culminam em planaltos descontínuos (F. Costa, 2007). No que diz respeito aos fatores climáticos é possível caracterizar a região hidrográfica supracitada em termos de precipitação, temperatura, humidade, vento, Figura 10. Marina de Vila do Conde com vista para a Nau Quinhentista e para o edifício da Alfândega Régia
  • 35. 35 insolação, evaporação e evapotranspiração potencial, utilizando a informação fornecida pelo Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça (ARHNorte, 2012a). Em relação à precipitação mensal, fica evidenciada a existência de seis meses mais chuvosos (Outubro a Março) onde se registam precipitações acima de 165mm, atingindo os valores máximos em Dezembro. De Abril a Setembro registam-se os meses mais secos, com precipitação média inferior a 138mm, atingindo o valor mínimo em Julho. A região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça apresenta precipitação média anual de 1.778mm, sendo que a sub-bacia do Ave apresenta o segundo maior valor com 1.690mm de precipitação média anual, só ultrapassada pela sub-bacia do Cávado. Em termos de temperatura, esta região hidrográfica apresenta uma temperatura média anual de 13.7º, sendo que a temperatura máxima média anual é de 18.6º e a temperatura mínima média anual é de 8.2º. As temperaturas mais baixas registam-se em Janeiro, sendo que em Julho e Agosto registam-se as temperaturas mais elevadas. Nesta região hidrográfica a amplitude térmica da temperatura máxima média do ar é mais baixa no litoral devido ao efeito regularizador do oceano Atlântico. Porém, as amplitudes térmicas são superiores à medida que caminhamos para o interior da região (ARHNorte, 2012a). No que diz respeito à humidade, o PGRH do Cávado, Ave e Leça, diz-nos que a humidade relativa média anual da região é de 77%, atingindo valores mais baixos em Julho (69.4%) e mais elevados em Janeiro (83.9%). A velocidade média do vento nesta região hidrográfica varia entre 6.8km/h (Setembro e Novembro) e 9.5km/h (Março), apresentando um valor médio de 8.9km/h. Segundo o Relatório supracitado, a insolação média anual nesta região é de 2.322 horas, atingindo os valores mais baixos em Dezembro (105h) e Janeiro (110h) e os valores mais altos em Julho (311h) e Agosto (298h). O mínimo anual é de 2.152h e o máximo de 2.465h. Também a amplitude do número de horas de insolação ao longo do ano é menor nas zonas costeiras e aumenta progressivamente à medida que caminhamos para as regiões mais interiores e altas. Em termos anuais, a evaporação na região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça varia entre 801mm e 1.015mm, apresentando um valor médio de 917mm. A evaporação (segundo o evaporómetro de piche), apresenta uma média anual ponderada que varia entre os 44.2mm (Novembro) e os 121.6mm (Julho). Todas as sub-bacias desta região apresentam uma média anual a rondar os 900/950mm.
  • 36. 36 Em relação à evapotranspiração potencial, de forma global, a região hidrográfica apresenta uma média anual de 724mm, variando entre os 20.2mm (Janeiro) e os 117mm (Julho). Como seria de esperar, os meses de verão potenciam os valores da evapotranspiração potencial, uma vez que são os meses que apresentam as temperaturas mais elevadas. Este indicador apresenta valores superiores nos meses mais quentes nas sub-bacias do Ave e do Cávado, sendo que o valor máximo de evapotranspiração potencial média mensal se regista na sub-bacia do Ave com 123mm (Julho). Depois de analisados estes indicadores, e através do PGRH do Cávado, Ave e Leça, podemos considerar que o clima da região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça é um clima temperado (mesotérmico), que segundo a classificação de Koppen é do tipo Csb15 . Apresenta um Verão e um Inverno bem definidos, sendo que a estação seca ocorre com as temperaturas mais altas. Na zona litoral, onde se insere Vila do Conde, o clima é mais húmido comparativamente com as restantes zonas analisadas por este documento (ARHNorte, 2012a). Em termos hidrológicos, a sub-bacia hidrográfica do Ave contribui com 1.295hm3 para a afluência anual média total disponível na Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça que tem 3.607hm3 . É o rio Este que mais contribui para o escoamento anual da bacia do Ave. Nesta bacia são, em média, gerados 160hm3 /ano, o que correspondem a cerca de 12% do escoamento anual total da bacia do rio Ave. O escoamento em estiagem do rio Ave e dos seus afluentes é de aproximadamente 7%. De acordo com a ordem de classificação de FAO16 , esta região apresenta 87% de Cambissolos e 12% de Para-Litossolos (ARHNorte, 2012a). O uso de solo revela um domínio das áreas não agrícolas, porém este solo tem grande capacidade para áreas florestais que representam 54% do total da região. Segue-se a vertente agrícola que representa cerca de 30% do total da região hidrográfica do Cávado, Ave e Leça. Estando localizada no noroeste português (sentido ENE-WSW) e delimitada a norte pela bacia do Cávado, a oriente pela bacia do Douro e a sul pela bacia do rio Leça, a sub-bacia do Ave possui 1391km² de área, com um perímetro de 303km, que se distribui por 19 concelhos17 , incluindo cerca de 1.290.532 habitantes em 2014 (Instituto Nacional de Estatística, 2015). Em 15 Informação disponível em http://koeppen-geiger.vu-wien.ac.at/ e consultada a 17/05/2015; 16 Informação disponível para consulta em http://www.fao.org/soils-portal/soil-survey/soil-classification/en/ e consultada a 25/02/2015; 17 Os concelhos são: Barcelos, Braga, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Fafe, Felgueiras, Guimarães, Lousada, Maia, Montalegre, Paços de Ferreira, Póvoa de Lanhoso, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Trofa, Vieira do Minho, Vila do Conde, Vila Nova de Famalicão e Vizela (ARHNorte, 2012b);
  • 37. 37 termos morfológicos, atinge a altitude máxima aos 1.100m e a mínima aos 0m. Em relação ao declive, o máximo é de 89% e o mínimo de 0%. A principal linha de água desta sub-bacia é o rio Ave que ao nascer a 1200m de altitude na Serra da Cabreira (Vieira do Minho), percorre numa direção este-oeste cerca de 101km até chegar à sua foz, Vila do Conde. Os seus principais afluentes são o rio Vizela (na margem esquerda) que drena uma área de 342 km2 e o rio Este (na margem direita) que drena uma área de 247 km2 (ARHNorte, 2012a). A sub-bacia hidrográfica do Ave é relativamente alongada ou longitudinal, o que lhe confere um risco potencial menos gravoso quando comparado com bacias de forma circular ou arredondada (Marafuz, 2011). Em relação ao clima, e usando a escala de Koppen18 , a sub-bacia do Ave apresenta um clima temperado onde a vegetação natural presente reflete esta mesma condição climática, estando o Verão e o Inverno bem definidos. Também a precipitação anual19 , que apresenta valores máximos em Dezembro e mínimos em Julho, é bem menor no litoral comparativamente com a região interior (ARHNorte, 2012c). Esta sub-bacia em termos geológicos é caracterizada pela existência de granitos, quartzitos, xistos e diversas rochas afins, sendo ainda possível encontrar formações de cobertura do Holocénico (aluviões) e do Plio-Plistocénico (terraços fluviais). No que diz respeito aos solos, que se encontram ocupados por floresta e meios naturais e semi-naturais20 , são essencialmente do tipo Cambissolos Húmicos (Aguiar, 2012). Os perfis longitudinais dos principais cursos de água existentes nesta sub-bacia hidrográfica (Figura 12) permitem concluir que o rio Ave apresenta um primeiro troço, a montante, com declives bastante elevados que variam entre os 400 e os 1198m e um troço final de planície aluvial, com uma extensão de cerca de 70km, com declives quase nulos (F. Costa, 2007). 18 Esta classificação define cada tipo de clima em função da temperatura, da precipitação média anual e da sua distribuição ao longo do ano. Estes elementos refletem as condições climáticas e as influências dinâmicas e sinópticas predominantes numa dada região (F. Costa, 2007); 19 Que apresenta de média mensal 148 mm (Aguiar, 2012); 20 Como por exemplo áreas agrícolas e agroflorestais (ARHNorte, 2012c)
  • 38. 38 A sub-bacia do Ave conta com 117 açudes e barragens ao longo do seu percurso, assim como com 6 albufeiras. Destacam-se as barragens de Andorinhas, Guilhofrei e Queimadela por terem mais de 15m de altura e por conseguirem armazenar mais de 1hm3 de água (F. Costa, 2010). Em relação aos caudais de ponta de cheia, e tendo em conta a informação presente no Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça, os períodos de retorno de caudais de ponta de cheia do rio Ave podem ser observados através da Tabela 1. Tabela 1. Caudais de ponta de cheia na massa de água do Rio Ave (m3 /s) 21 (ARHNorte, 2012a) Sub-bacia Código da massa de água Designação da massa de água Período de retorno (anos) 2 5 10 20 50 100 Ave 02AVE0130 Rio Ave 414 319 330 401 549 766 21 Após uma análise atenta aos dados representados na tabela, pareceu-nos que os valores de período de retorno não estariam corretos. Porém estes são os valores que constam do Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça; Figura 11. Perfis longitudinais do rio Ave e dos seus principais afluentes (F. Costa, 2007)
  • 39. 39 2.2 A cheia de Abril de 1962 A ocupação de leitos de cheia intensifica-se com a expansão urbana que, ao potenciar a artificialização, impermeabilização e concentração de pessoas e bens em áreas de subida natural do nível fluvial, aumenta a vulnerabilidade territorial e os elementos expostos aos processos naturais. Portugal tem um longo historial de eventos hidrogeomorfológicos com consequências danosas. Segundo a base de dados DISASTER, nos últimos 150 anos ocorreram diversos eventos de génese hidrogeomorfológica (cheias, inundações e movimentos de massa em vertentes) que geraram danos sociais e económicos significativos. Esse trabalho destaca, relativamente à ocorrência de cheias e inundações, o período compreendido entre 1935 e 1969, o qual, correspondeu ao período mais crítico em termos do número de ocorrências que implicaram danos sociais (J. L. Zêzere et al., 2014). Esta dissertação pretende estudar o evento de cheia de 31 de Março e 1 de Abril de 1962 que afetou a cidade de Vila do Conde, evento esse que se insere no período mais crítico evidenciado pelo trabalho supracitado e que podemos ver através das seguintes Figuras. Figura 13. Uma perspetiva da cheia em 1962 (A) e o mesmo local atualmente (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) A B A B Figura 12. A cheia na Praça da República em 1962 (A) e a Praça na atualidade (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde e Câmara Municipal de Vila do Conde)
  • 40. 40 Figura 14. Um barco navega na cheia de 1962 na Praça da República (A) e a perspetiva atual da área (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) Figura 15. Vista aérea da Praça da República em 1962 (A) e na atualidade (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde e Câmara Municipal de Vila do Conde) Figura 16. Perspetiva da cheia sobre a Praça da República (A) e perspetiva atual (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) A B A B A B
  • 41. 41 Figura 17. Vista sobre o rio Ave durante a cheia de 1962 (A) e vista atual (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) Figura 18. Vista para a Capela do Socorro desde a Rua do Bombeiro (A) e perspetiva atual (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) Figura 19. Vista da cheia de 1962 sobre o Cais das Lavandeiras (A) e situação atual com a Nau Quinhentista (B) (Fonte: Centro de Memória de Vila do Conde) A B A B A B
  • 42. 42 Figura 20. Distribuição espacial das imagens recolhidas na área de estudo
  • 43. 43 Os eventos de cheia registados nesta data, ocorreram um pouco por todo o norte do país. À semelhança do que aconteceu com Vila do Conde e no rio Ave, podemos também enumerar os casos de Amarante e o rio Tâmega (Figura 21) ou Vizela e o rio Vizela (Figura 22). Segundo a edição do dia 14 de Abril de 1962 do Jornal Renovação (Nº 1.080), este evento que teve início na noite de 31 de Março de 1962 (sábado) apanhou a população vilacondense desprevenida e atingiu o seu pico de cheia na manhã de 1 de Abril (domingo). Nessa data, o rio Ave atingiu 1 metro acima do pavimento da Praça da República, mas não provocou vítimas mortais. Os danos materiais foram consideráveis, sobretudo nas habitações mais próximas ao rio e nas embarcações que estavam ancoradas no Cais das Lavandeiras (C. Ferreira, 1962). Para conseguirmos caracterizar o melhor possível esta ocorrência, foi necessário proceder Figura 23. Pormenor do Jornal Renovação consultado nos arquivos da Biblioteca Municipal de Vila do Conde Figura 22. A cheia de 1 de Abril de 1962 na Ponte Romana de Vizela (http://vizela- antiga.blogs.sapo.pt/2931.html) Figura 21. A cheia de 1 de Abril de 1962 em Amarante (http://informaticahb.blogspot.pt/2011/08/ amarante-rio-tamega-cheia-de-1-abril-de.html)
  • 44. 44 à recolha de várias informações provenientes das entidades municipais, entre eles a Câmara Municipal de Vila do Conde, o Centro de Memória e os arquivos de notícias da Biblioteca Municipal José Régio. Neste arquivo foram consultadas as edições Nº 1.080 e Nº 1.274 do Jornal Renovação, o Boletim Cultural Nº1 da Câmara Municipal de 1960 e ainda a edição do dia 29 de Outubro de 2009 do Jornal Terras do Ave. Foram muitos os transtornos causados por este evento. Por exemplo, o jornal referido (Renovação) deixou de publicar durante 15 dias, pois a sua redação, que se encontrava no nº44 da Praça da República, foi inundada pelo rio Ave. Esta situação fica comprovada pela seguinte passagem retirada da publicação Nº 1.080 supracitada: ―Aliás, tão imperiosas circunstâncias ameaçavam prolongar-se, se não fora a gentil simpatia e a amável deferência dosSalesianos de Santa Clara, que graciosamente puseram as suas oficinasà nossa disposição,assegurando a normalidade da publicação do nosso jornal, embora tenhamos a lamentargraves prejuízos que a ocorrência originou.‖ (C. Ferreira, 1962). Através da consulta do Boletim Cultural Nº1 da Câmara Municipal de Vila do Conde foi possível confirmar a inexistência de vítimas mortais e perceber, através das imagens publicadas, que a cheia alcançou a parte inferior do tabuleiro da antiga ponte que ligava Azurara a Vila do Conde (Figura 25A), ponte essa que à data estaria rebaixada em cerca de 70 cm face à ponte atual. Figura 24. A cheia de 1962 em Vila do Conde: panorâmica (A) e pormenor (B) sobre a Praça da República (Centro de Memória de Vila do Conde) A B
  • 45. 45 Esta ponte metálica tinha sido inaugurada a 26 de Setembro de 1983 e foi obra do arquiteto Augusto Barbosa. Acabou por ser desmantelada para dar lugar à atual ponte de betão armado que podemos observar na travessia do Ave. Esta transformação foi acompanhada por várias obras de alargamento das vias (C. Ferreira, 1974). Atualmente, o tabuleiro da ponte conta com três faixas de rodagem e tem sofrido várias obras de melhoramento e manutenção (Figura 25B). Esta travessia vê-se hoje em dia mais descongestionada devido à inauguração, em 2013, de uma nova ponte que atravessa o Ave, fazendo ligação entre a freguesia de Retorta e de Vila do Conde. Depois de tratada toda a informação consultada e facultada pelas entidades municipais já referidas, foi necessário recorrer à memória da população Vilacondense. Foram entrevistadas algumas pessoas que se recordavam do acontecimento e ainda os donos do Restaurante Rámon (o restaurante mais antigo de Vila do Conde), que gentilmente nos forneceram mais informações sobre a cheia e que nos ajudaram a validar os limites prováveis da área inundada durante o evento de Abril de 1962. Após esta recolha inicial, foi necessário reunir informações que nos permitissem caracterizar profundamente a cheia de 1962 e comprovar que de facto, este evento foi um dos mais expressivos do séc. XX na cidade. Um dos entraves desta investigação residiu na falta de dados de caudal do rio Ave, o que dificultou a definição mais precisa dos contornos deste evento e o cálculo dos períodos de retorno. Contudo, conseguimos recolher dados de precipitação, de maré e das condições meteorológicas da altura. Tendo em conta que os eventos de cheia em Portugal ocorrem associados a períodos de precipitação abundante e prolongada, recolheu-se informação da estação meteorológica de Figura 25. Imagem da antiga ponte presente no primeiro Boletim Cultural de 1960 da Câmara Municipal de Vila do Conde (A) (Câmara Municipal de Vila do Conde,1960) e aspeto atual da ponte (B) A B
  • 46. 46 Viatodos (Barcelos, bacia do rio Ave) onde constam registos de precipitação desde 1931. Através dessa informação e no que diz respeito ao séc. XX registaram-se três grandes picos de precipitação diária superior a 120mm: 1932, 1962 e 1974 (Figura 26). Esta estação encontra-se distanciada da área de estudo em cerca de 30 km e foi usada face à inexistência de dados para estações mais próximas nas datas pretendidas. No que diz respeito aos quatro primeiros meses do ano de 1962, podemos ver através da Figura 27 que há um pico claro correspondente ao período de 30 de Março e 1 de Abril. Podemos ainda verificar que nesses dias foram registados 108 mm, 84 mm e 120 mm de precipitação. Figura 26. Registos de precipitação diária entre 1931 e 2007 (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015) Figura 27. Registos de precipitação diária de 01/01/1962 a 30/04/1962 e precipitação acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)
  • 47. 47 Em relação ao ano de 1962 (Figura 28), podemos afirmar que nenhum outro mês apresentou valores de precipitação idênticos aos atingidos a 31 de Março e 1 de Abril, ficando muito aquém desses valores. Algo que vai de encontro ao facto de este ano ter sido caracterizado como normal em termos de precipitação (Ramos, 1987). Posto isto, compreendemos por que razão os Vilacondenses recordam tão bem este evento em específico. Podemos ainda observar através da Figura 29 que precipitaram 312 mm em apenas 3 dias, de 30 de Março a 1 de Abril, algo excecional se tivermos em conta que a normal climatológica de precipitação em Abril para Braga (1971/2000) era de 122,5 mm mensal e 61,6 mm de máxima diária (IPMA, 2015). Figura 29. Registosde precipitação diária de 01/10/1961 a 30/04/1962 e precipitação acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015) Figura 28. Registos de precipitação diária no ano de 1962 e precipitação acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)
  • 48. 48 Posteriormente, decidimos alargar a nossa pesquisa aos jornais de anos seguintes que referissem o episódio em estudo. Na edição nº 1.274 de 19 de Fevereiro de 1966 do Jornal Renovação, deparamo-nos com a seguinte notícia: “No último sábado, as águas do Ave invadiram os campos marginais das nossas freguesiasde Touguinhó, Touguinha e Formariz, impedindo o trânsito na estrada que desta Vila leva à Junqueira, no lugar das Calçadas. Inundadas estas, o Ave estendeu as suas águas sobre a margem direita, passando a inundar parte da nossa Praça da República e parte do Cais das Lavandeiras. Embora a cheia não tivesse atingido o nível de há quatro anos [fazendo referência à cheia de Abril de 1962], pôs emsobressalto osmoradores destes lugares, que trataram de pôr as suas coisas a salvo,pois lá dizo ditado: «mais vale prevenir, que remediar»‖ (C. Ferreira, 1966). Tendo por base esta informação, e pretendendo criar um ponto de comparação, reuniu-se informação de precipitação sobre o evento referido nesta notícia. Foi possível compreender através da análise dos gráficos disponíveis na base de dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, que em termos de precipitação não houve nenhuma ocasião no ano de 1966 que igualasse os valores registados na data da ocorrência em estudo. Através da Figura 30, podemos observar que de facto houve um pico de precipitação correspondente ao episódio referido pela notícia, que ocorreu no dia 18 de Fevereiro de 1966. Nesta data registaram-se 72mm de precipitação diária, valor que fica muito aquém dos 120mm registados apenas no dia 1 de Abril de 1962. Figura 30. Registosde precipitação diária no ano de 1966 e precipitação acumulada entre episódios chuvosos (mm) na estação de Viatodos (Barcelos) (SNIRH, 2015)
  • 49. 49 Foi ainda possível reunir informações sobre a maré para o Porto de Leixões, uma vez que não existem dados para a foz do Ave no ano pretendido (1962). Os dados fornecidos compreendem os dias 28 de Março e 4 de Abril e correspondem a valores horários. Estas informações revelam que a amplitude da maré estava na ordem dos 2 metros, em regime de maré-morta (Figura 31). Deste modo, assume-se que a maré não teve uma influência determinante na geração da cheia e que ela se deveu, essencialmente, à concentração extraordinária do volume de precipitação/caudal na bacia do Ave num curto espaço de tempo. Através da observação da Figura 31, podemos ainda classificar esta maré como sendo de regime semidiurno e tendo amplitude mesomareal, uma vez que se situa entre os 2 e os 4 metros de altura (Araújo, 2010). Em relação aos dados meteorológicos, e tendo em conta as informações cedidas pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) foi possível sintetizar a informação na Tabela 2. Tendo por base as cartas disponibilizadas, podemos afirmar que o período compreendido entre o dia 30 de Março e 2 de Abril de 1962 pautou-se pela influência de superfícies frontais, com uma frente polar que cobria todo a região norte da Península Ibérica (Instituto Português do Mar e da Atmosfera, 2015). Figura 31. Maregrama das alturas horárias registadas pelo marégrafo de Leixões de 28/03/1962 a 04/04/1962, indicação do período de cheia em estudo (linha vermelha) e das fases da lua (Instituto Hidrográfico da Marinha, 2015)
  • 50. 50 Tabela 2. Resumo das informações presentes nos Boletins Meteorológicos (Instituto Português do Mar e da Atmosfera, 2015) Previsão para a costa Norte Velocidade do Vento Pressão Temperatura do ar 30/03/1962 Céu muito nublado a encoberto; vento fresco a muito fresco de sudoeste, por vezes com rajadas fortes a muito fortes; chuva; visibilidade moderada por vezes fraca; mar cavado a grosso; ondulação moderada a forte de sudoeste. 41 Km/h 1011 mb 14ºC 31/03/1962 Céu encoberto; vento muito fresco a forte de sul, saltando para noroeste fresco ao fim da tarde; chuvisco e chuva moderada; visibilidade moderada, tornando-se boa; mar grosso passando a pequena vaga. 15 Km/h 1013 mb 13ºC 01/04/1962 Céu muito nublado; vento moderado a fresco do quadrante sudoeste, enfraquecendo gradualmente; períodos de chuvisco e de chuva fraca na parte norte; visibilidade moderada, por vezes fraca na parte norte; mar cavado passando a pequena vaga. 24 Km/h 1019 mb 15ºC 02/04/1962 Céu muito nublado, tornando-se pouco nublado no dia 3; vento fraco, tornando- se moderado a fresco de norte no dia 3; chuvisco local; visibilidade moderada, tornando-se boa no dia 3; mar encrespado,tornando-se cavado no dia 3. 22 Km/h 1021 mb 12ºC Conseguimos ainda recolher informações a partir das reanálises do séc. XX disponibilizadas no site do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA)22 , um departamento do governo dos Estados Unidos da América. A informação recolhida centrou-se nos dados de precipitação e de geopotencial aos 1000 mb (Figura 32 e 33). 22 Informação disponível no site http://www.esrl.noaa.gov/psd/ consultado a 25/07/2015;
  • 51. 51 Figura 33. Dados de precipitação (mm/dia) de 30 de Março a 2 de Abril de 1962 (Earth System Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) Figura 32. Dados de precipitação (mm/dia) de 20 a 29 de Março de 1962 (Earth System Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) Através da observação das Figuras 32 e 33 é possível compreender que a situação meteorológica em termos de precipitação agravou-se quando comparamos os intervalos de tempo representados. Estas informações corroboram as conclusões já explicadas, que davam conta de uma precipitação fora do normal no período da cheia, quando comparado com os valores apresentados no resto do ano (ver Figura 28). No Anexo 1, podemos observar os dados recolhidos para cada um dos dias analisados. Através das Figuras 34 e 35 podemos observar que a situação meteorológica apresentava uma depressão cavada sobre Portugal e que estava presente um núcleo instável bem definido. A precipitação era intensa, porém houve uma ligeira melhoria do geopotencial23 no período de 30 de Março a 2 de Abril face ao registado de 20 a 29 de Março de 1962. No Anexo 2, podemos também observar os dados recolhidos para cada um dos dias analisados. 23 Através do geopotencial pode-se determinar a altura dos níveis de pressão atmosférica num determinado local, tendo como referência o nível médio do mar e não a elevação do local (Dicionário Português, 2015);
  • 52. 52 Figura 35. Geopotencial a 1000mb de 20 a 29 de Março de 1962 (Earth System Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) Figura 34. Geopotencial a 1000mb de30 de Março a 2 de Abril de 1962 (Earth System Research Laboratory | Physical Sciences Division, 2015) Depois de reunidas e tratadas todas as informações supracitadas e utilizando a base cartográfica criada previamente em ambiente SIG, através de uma fotografia aérea de 12 de Junho de 1958 (1:25.000), tornou-se possível delimitar um provável perímetro de cheia referente ao evento de 31 de Março a 1 de Abril de 1962. Esta delimitação baseou-se nos dados já apresentados, nas informações visuais retiradas das fotografias recolhidas e previamente apresentadas, nos depoimentos orais recolhidos e na ajuda das curvas de nível. Posto isto, chegamos à proposta de delimitação da área inundada (Figura 36).
  • 53. 53 Figura 36. Representação da área de estudo em 1958
  • 54. 54 Figura 37. Esquema metodológico utilizado 2.3 Aplicação do cenário de cheia de 1962 ao contexto atual da cidade Estando a delimitação do perímetro de cheia histórico estabelecido, é necessário fazer alguns apontamentos. Através da análise cuidada de algumas das imagens recolhidas, era possível perceber que o Forte de São João e as suas áreas adjacentes foram completamente inundadas. Porém,essa área não está representada nesta dissertação, uma vez que por não haver fotografias em específico, não quisemos arriscar uma delimitação errada. Em 1962, esta área era ocupada por terrenos agrícolas e hoje em dia é ocupada por uma vasta área residencial. Este fator representaria um interessante ponto de trabalho, porém a falta de bases fidedignas impediu este estudo. Posto isto, a área de estudo centrou-se essencialmente na Praça da República, na Praça José Régio e na Rua do Cais das Lavandeiras. Interessa neste momento aplicar este cenário à realidade atual da cidade de Vila do Conde. Para chegar a este ponto foi preciso percorrer um longo caminho metodológico representado pela Figura 37. As informações presentes na primeira fase da Figura 37 foram obtidas no Instituto Geográfico do Exército, na Câmara Municipal de Vila do Conde e no Centro de Memória de Vila do Conde. A base cartográfica de 1958 foi elaborada através da fotografia aérea de 1958, uma vez que não foi possível recolher material cartográfico/fotográfico de uma data mais próxima à data da cheia de 1962. As fontes dos dados referidos na segunda fase já foram anteriormente citadas. Em relação à informação trabalhada em SIG, nomeadamente através do programa ArcGIS 10.2, as variáveis utilizadas podem ser analisadas através da Tabela 3.
  • 55. 55 Tabela 3. Informação cartográfica trabalhada em ambiente SIG para o contexto de 1962 e 2014 Base Cartográfica de “1962” Base Cartográfica e Levantamento Funcional de 2014 Fotografia aérea de 1958 - Definição das classes de Uso do Solo - Vetorização do Uso do Solo - Vetorização do Rio Ave - Identificação da rede viária - Delimitação do perímetro de inundação Ortofotomapa de 2010 - Definição das classes de Uso do Solo - Vetorização do Uso do Solo - Vetorização do Rio Ave e atualização da rede viária - Vetorização do levantamento funcional para cada edifício - Identificação do parque de estacionamento - Aplicação do perímetro de cheia de 1962 à área em 2014 Depois de atualizarmos a base cartográfica de 2014 fornecida pela Câmara Municipal, com a ajuda do Ortofotomapa de 2010 disponibilizado pela mesma entidade, foi possível ver as diferenças no uso do solo e aplicar o perímetro de inundação histórico ao contexto atual da cidade (Figuras 39 e 40). Figura 38. Panorâmica da área de estudo vista da freguesia da Azurara em Agosto de 2015
  • 56. 56 Figura 39. Fotografia aérea de 1958 e ortofotomapa de 2010 onde se pode constatar as diferenças e semelhanças na ocupação do solo na área de estudo
  • 57. 57 Figura 40. Representação da área de estudo em 2014