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O diamante azul
DOIS DIAS depois do Natal, fui visitar meu amigo Sherlock Holmes. Encontrei-o sentado
no sofá, de roupão, cachimbo apoiado no cinzeiro e, ao alcance da mão, um punhado de jornais. A
seu lado estava um chapéu de feltro, bastante velho e gasto, com alguns rasgões. No assento da
cadeira, vi uma lente de aumento e uma pinça, indicando que o chapéu havia sido suspenso e
examinado.
-Espero não estar atrapalhando...
-Caro Watson, gosto de um amigo como você por perto, para discutir as investigações
-apontou o chapéu. -O que-acha dele?
-Parece um objeto sem interesse -eu brinquei -, mas aposto que você me provará que é a
pista fabulosa para desvendar um crime extraordinário.
-Não,nada de crimes...-disse Sherlock, rindo. -Apenas um daqueles engraçados
acontecimentos que surgem quando há 4 milhões de seres humanos morando numa cidade
cosmopolita como Londres...Você se lembra do comissário Petersen, que tantas vezes nos visitou
quando você morava aqui?
-Claro! -respondi.
-Este troféu pertence a ele.
-O chapéu é dele? -espantei-me.
-Não, não. Ele o encontrou. Não se sabe quem é o dono. Deixe-me contar como veio parar
aqui.
Acendi um charuto e me servi de uma xícara de café forte, pronto para ouvir as explicações
de Sherlock.
-Este chapéu me veio às mãos no dia de Natal, junto com um belo ganso gordo, que a estas
horas, sem dúvida, já foi comido pela família de Petersen...
Holmes deu um sorriso e continuou:
-Às 4 horas da manhã do dia de Natal, mais ou menos, Petersen estava encerrando sua ronda
e passava pela Tottenham Court Road2, voltando para casa. À sua frente caminhava um homem,
cambaleando sob as fracas luzes de gás, carregando um ganso às costas. Quando chegou à esquina,
um bando de vagabundos o atacou,para roubar o ganso. Um deles derrubou o chapéu do homem e
este, num gesto de defesa, usou uma bengala, mas acabou quebrando a vitrine de uma loja. Petersen
apitou e foi defendê-lo, mas como ele havia quebrado a vitrine, assustou-se com o policial e
também correu, assim como os assaltantes. Conclusão: o policial se viu na rua, a essas horas da
madrugada, com um ganso e um velho chapéu nas mãos. Como o ganso era gordo e caro, e Petersen
é um policial honesto, pensou em devolvê-lo ao dono.
-E quem seria ele?-perguntei.
-Petersen não sabe. Por isso trouxe o caso até mim.
Havia um cartão amarrado na perna do ganso, "Para a senhora Henry Baker", e no chapéu
estão as iniciais H.E. Ora, como há milhares de Bakers na nossa cidade e provavelmente outro tanto
de Henrys, nosso amigo Petersen não conseguiria descobrir o homem a tempo de lhe devolver o
ganso para o almoço de Natal.
-E o que você sugeriu, Holmes?
-Que comesse o ganso antes que estragasse. E me deixasse resolver o mistério. O que acha?
-Acho que você supôs que o dono do ganso colocaria um anúncio no jornal. Não é por isso
que reuniu tantos jornais a seu redor?
-Excelente, meu caro Watson! Vejo que os casos que resolvemos ainda lhe são úteis. Mas
não encontrei anúncio algum. -E como espera resolver isso, então? -espantei-me. -Com o chapéu.
-Com esse chapéu velho e amassado?
-Precisamente.
É verdade que o tempo me ensinou a nunca menosprezar os dons dedutivos de meu amigo,
mas confesso que me rendi diante de tão dura tarefa. O que um velho chapéu poderia revelar de seu
dono, a não ser as iniciais H.B. e o seu estado de miséria?
Sherlock riu diante da minha óbvia expressão de desalento.
- Pense,Watson. O que podemos colher desse velho chapéu amarrotado? Vamos, amigo!
Você conhece meus métodos. Pegue a lente e examine o chapéu. Como é o homem que o usava?
Meio contrariado, peguei a lente e tentei acompanhar o brilhantismo dedutivo de meu
amigo. Era um chapéu preto, comum, redondo e muito gasto. O forro era de seda vermelha,
desbotado. Não havia nome de fabricante, apenas as iniciais H.B. Na aba havia um furo, do elástico
que o segurava, mas do elástico, nem sinal. Estava coberto de pó, com alguns buracos e pequenas
manchas. Nos lugares desbotados aplicaram uma tinta preta.
- Não vejo nada - respondi, devolvendo o chapéu.
- Watson, não me decepcione! Pode-se ver tudo nesse chapéu.
- Então me diga, você, o que vê nele.
Holmes segurou-o com um respeito dado a objetos preciosos e falou daquele jeito pausado,
com que sempre conduz suas investigações:
- Creio que o homem é mais intelectual do que operário.
Acha-se atualmente em péssimas condições de vida e isso vem acontecendo de uns três anos
para cá, pois antes vivia bem. Também já foi um homem prevenido, mas isso mudou, o que me leva
a crer na perda de seus bens. Talvez tenha sido levado a isso pela bebida, por isso sua mulher deixou
de cuidar dele e talvez não o ame mais.
- Meu caro Holmes!
-Ele é um homem de vida sedentária -continuou Sherlock,nem me dando ouvidos -, tem
cabelos grisalhos, que cortou faz pouco tempo, e usa gel nos cabelos. Estes são os fatos que se
podem deduzir do chapéu. E é bem provável que não tenha gás em sua casa...
-Holmes, você está brincando comigo...
- Jamais faria isso, meu caro Watson. Será possível que depois de eu ter assinalado todos
esses fatos, você não consegue descobrir mais nada?
- Devo confessar que não consigo seguir seu raciocínio... Por exemplo:como você percebeu
que o homem era intelectual?
Holmes respondeu colocando o chapéu na própria cabeça. Ele lhe desceu até o nariz.
- Não dizem que um homem de cabeça grande é mais inteligente?
- Ah!-exclamei.-E quanto ao fato de ele ser rico e ter empobrecido?
- Repare na aba. Esse modelo esteve na moda há três anos e é chapéu da melhor qualidade.
Tem um bom forro e uma fita de seda. Se esse homem pôde comprar um chapéu desses há três anos,
é porque tinha dinheiro para fazê-lo. E se não comprou outro, certamente é porque não teve mais
recursos para isso.
Holmes sempre me vencia. Suspirei fundo e continuei com minhas perguntas: -Como
explica o fato de não ser mais previdente? Sherlock deu risada.
-Veja a previdência -disse, colocando o dedo sobre o furo para o elástico. -Ninguém compra
um chapéu desse tipo com um elástico costurado na borda. Isso só é colocado se o freguês pedir,
numa prevenção contra o vento. O elástico arrebentou e ele não o costurou mais, o que é sinal de
descaso. Mas ainda tem orgulho suficiente para disfarçar as marcas da pobreza com tinta.
Havia uma certa lógica em tudo que Holmes me apresentava. Ele continuou:
-Bem, quanto ao fato de o homem ser de meia-idade, usar gel e ter cabelo grisalho cortado
há pouco, isso pode ser visto pelo exame do forro. Há vestígios de fios, óleo e cabelos curtos,
grisalhos.
-E a esposa dele?Você disse que ela não o ama mais.
-Este chapéu não é escovado há muitas semanas. Meu caro Watson, quando sua mulher
deixá-lo sair de casa com um chapéu nesse estado, terei certeza de que ela nem olha mais para sua
cara!
-Holmes, o homem pode ser um solteirão! Ou ser muito ocupado, sem tempo de cuidar de
si!-exclamei,furioso com o orgulho com que meu amigo expunha suas opiniões.
-Nada disso. Ele ia levando para casa um ganso caro e gordo como presente para sua mulher.
Não se esqueça do cartão na perna da ave.Não se faz isso com alguém a quem não se pretenda
agradar.
-Ah, Holmes! -exclamei, nervoso. -Você tem resposta para tudo. E por que diz que não há
gás na casa dele?
-Veja:há alguns pingos de vela aqui na aba. Esse homem está acostumado a subir a escada
com o chapéu numa mão e a vela na outra. Ao que eu saiba, gotas de cera não pingam de lampiões a
gás. Agora acredita no que falei?
Acabei rindo. Segurei no braço de meu amigo e considerei aquilo como um divertido conto
de Natal. -Ah, caro Holmes, tudo isso é muito curioso, mas já que me garante que não houve crime
e que o único assassinado foi um ganso, quer me explicar por que está gastando tanto tempo e
energia para decifrar o enigma desse chapéu perdido? Sherlock Holmes ia responder, quando a
porta foi aberta com violência e o comissário Petersen entrou no recinto, nervoso demais, sem
sequer nos cumprimentar.
-O ganso, senhor Holmes, o ganso...
-Hein? O ganso? O que aconteceu com ele?Ressuscitou e voou pela janela? -brincou
Sherlock, gozando da expressão apalermada do policial.
-Olhe aqui, senhor Holmes, o que minha mulher encontrou no papo da ave-e nos estendeu
uma grande pedra azul.
-Petersen, acredite, você tem aqui algo de grande valor! Por acaso sabe o que é isso?
-Um diamante, senhor Holmes! Uma pedra preciosa. Ela corta o vidro como se fosse banha.
-Não, caro Petersen. Não é uma pedra preciosa. É a pedra preciosa. -Não me diga, Holmes!
-explodi, furioso. -Não me diga que é a pedra da Condessa de Morcar!
-Creio que sim. Depois de seu roubo, foi o que mais se leu no The Times. Uma pedra única,
e a recompensa de mil libras oferecida pelo seu retorno não corresponde à vigésima parte de seu
valor -concluiu Holmes.
-Mil libras! Deus do céu!-gritou o comissário, nervoso demais para segurar a pedra por mais tempo
e derrubando-a no tapete da sala.
- Essa é a recompensa oferecida - disse Holmes, mantendo a tranquilidade e recolhendo a joia. -
Mas, por valor sentimental, sua dona seria capaz de oferecer metade da fortuna para recuperá-Ia.
- Ao que me lembro, a pedra desapareceu no Hotel Cosmopolitan - falei.
Holmes completou a informação:
- Isso mesmo! No dia 22 de dezembro, há exatamente cinco dias. John Horner, um encanador, foi
acusado de tirar a pedra de um porta-joias no quarto da condessa, e as provas contra ele são tão fortes,
que o homem irá a julgamento nas próximas semanas. Veja, tenho aqui um recorte de jornal para
comprovar o que digo.
E Holmes nos estendeu um artigo:
Roubo de jóias no Hotel Cosmopolitan
John Horner, 26
anos, encanador, foi
acusado de, no dia 22
corrente, ter roubado do
porta-joias da Condessa de
Morcar uma valiosa gema
conhecida como diamante
azul. James Ryder, copeiro-
mor do hotel, afirma ter
levado o Sr. Horner ao
quarto da condessa a
pedido da sua dama de
companhia, Catarina
Cusack, para que ele
soldasse uma grade da
lareira. O camareiro
permaneceu no local algum
tempo, mas, sendo
chamado, deixou o
soldador sozinho. Ao
voltar, viu que Horner já
havia saído, mas constatou
que o cofre se achava
aberto, o que o espantou.
Ryder deu o alarme e
Horner foi preso, mas a
pedra não foi encontrada.
O encanador
protestou inocência, mas
como já apresenta
antecedentes criminais,
tudo indica a sua culpa
provável. Horner deverá
ir a julgamento. Apesar
disso, o mais terrível é
que até o momento não
há o menor sinal do
diamante, peça muito
querida de Sua Alteza,
que prometeu régia
recompensa a quem
indicar o paradeiro da
joia.
-Hum, bobagens da polícia! -disse Holmes, jogando o jornal para o lado. -Nossa prioridade é
estabelecer a sequência de fatos desde que o porta-joias foi aberto até o fim, que é o ganso perdido
em Tottenham Court Road e comido pela família de nosso amigo Petersen. O que ocorreu entre
cada acontecimento? -ele perguntou e ele mesmo respondeu, abrindo a mão e exibindo a joia. -Aqui
está a pedra. A pedra veio do ganso. E como o ganso chegou a nossas mãos? Através de Petersen e
do homem idoso com um chapéu surrado. Por isso, caro amigo Watson, colocarei nos jornais um
anúncio.
Holmes redigiu rapidamente uma nota e a leu:
Ganso encontrado
na Tottenham Court Road
junto com um chapéu de
feltro. O Sr. Henry Baker
pode reaver seus
pertences, dirigindo-se,
hoje, às 18h30, à Rua
Baker, 221B.
-O que acha, Watson? -perguntou-me Holmes. -Se o homem não olhar os jornais, algum
conhecido de Henry Baker pode avisá-lo...Ah!Petersen,faça-me um favor.Coloque esse anúncio em
todos os jornais populares. E, na volta, compre-me um ganso parecido com aquele que sua família
comeu.
O policial recebeu o dinheiro de Hohnes e apontou a pedra.
-O que vai fazer com ela, senhor?
-Deixe-a comigo -respondeu Holmes. -Vou descobrir como essa joia foi parar no papo de um
ganso.
Depois que Petersen saiu, decidi partir também. Qualquer resultado só viria ao final da tarde.
Prometi voltar à noitinha, para conferir se o mistério do ganso e do roubo do diamante azul teria
solução.
Quando voltei, encontrei um homem na sala de Holmes.
-Watson, quero lhe apresentar o Sr. Henry Baker. Ele acabou de chegar e esperávamos por
você.
Cumprimentei-o e reparei que meu amigo havia acertado em muitas características de Henry
Baker: era alto, de faces vermelhas, com a roupa abotoada de cima a baixo, mas com mangas puídas
na camisa. Usava um boné escocês. Suas mãos tremiam um pouco, o que me lembrou o comentário
de Holmes a respeito da bebida. Falava baixo e escolhia as palavras com correção, mostrando ser
um homem letrado.
-Então o senhor perdeu o seu ganso e o chapéu -disse Holmes.
-É o que acreditava, senhor. Pensei que os ladrões a essa altura já tivessem devorado a ave.
-É o que nós fizemos, infelizmente.
-Ah! Os senhores comeram o ganso!...-disse o homem, decepcionado.
-O ganso acabaria apodrecendo e isso seria um desperdício... mas tenho aqui outra ave, de
igual peso e, espero, igual sabor. -Holmes indicou um pacote de onde sobressaíam as patas do
ganso, com o chapéu gasto ao lado.
Reparei que os olhos do homem se iluminaram. Ele não se importava em trocar uma ave
pela outra: o que queria mesmo era levar comida para casa. Holmes olhou para o homem e
perguntou:
-Espero que não se importe em me dizer onde o senhor comprou o ganso, Sr. Baker. Era de
ótima qualidade. -No Clube do Ganso.
Falamos quase ao mesmo tempo: -Clube do Ganso???
-Foi o dono da Taberna Alfa que criou esse clube. Cada sócio entra com alguns centavos por
semana e leva o ganso no Natal -explicou o homem, retirando-se depois de agradecer muito.
-Então o Sr. Baker é inocente -disse Holmes, fechando a porta atrás do visitante. -Está com
fome, Watson? Que tal um jantarzinho na Taberna Alfa? Claro que concordei.
A taberna era um local pequeno, mas agradável. Holmes dirigiu-se ao proprietário com a
maneira jovial que usa quando quer cativar as pessoas:
-Traga-nos cerveja, meu bom homem. Espero que sua bebida seja tão boa quanto a
qualidade dos seus gansos! -Meus gansos? -o homem se espantou. -Sim, acabei de conversar com o
Sr. Henry Baker, que é membro do Clube do Ganso.
-Ah!, agora entendi. Mas aqueles não são nossos. Foram encomendados de um vendedor na
feira de Covent Gardens.
Um homem chamado Breckinridge.
Bebemos a cerveja e saímos.
-Vamos passear pela feira, Watson? Estou com bons pressentimentos. Acho que até o fim da
noite resolveremos o mistério do ganso que come diamantes.
Não foi difícil localizar a banca com o nome Breckinridge na fachada. O proprietário era um
homem grosseiro, de nariz fino e barba pontuda. Meu amigo examinou a bancada do açougue antes
de perguntar:
-Pelo que vejo, o senhor vendeu todos seus gansos. -Se quer gansos, pode comprá-los
naquela banca adiante -respondeu o homem, com maus modos.
-Mas queria comprá-los do senhor, que me foi tão bem recomendado pelo dono da Taberna
Alfa. Pode dizer-nos de quem comprou aquelas aves?
Diante da pergunta inocente, o barbudo teve um inusitado ataque de raiva.
-Arre, que não digo! Já estou farto daquelas duas dúzias de gansos do Alfa! É toda hora que
me aparece alguém querendo saber onde comprei os gansos, para quem vendi os gansos!... Ora,
faça-me o favor, estou farto disso! Ponha-se daqui para fora que nada direi.
-Está bem, está certo, vou embora! -disse Holmes, espertamente me piscando o olho. -Eu
estava justamente apostando com meu amigo que aquelas aves foram criadas no campo. Aposto
uma libra, com o senhor, que estou certo.
-Aposta?! -exclamou o homem. -Uma libra, sobre os gansos? -O que disse: aposto uma libra
que aqueles gansos vieram do campo.
-Aposta fechada! -e o enfezado Sr. Breckinridge bateu palmas, gritando para os fundos da barraca: -Bill, traga-me os livros.
Surgiu um rapazinho magro, carregando dois livros de registros. Satisfeito, o comerciante procurou nas páginas a informação que
queríamos:
-Está vendo, senhor? Nessa lista anoto de quem eu compro a mercadoria. Nessa outra, para quem vendo. Faça o favor de ler esse
nome escrito em vermelho.
Estendeu o volume diante dos olhos de meu amigo,que leu: -Senhora Oakshott, residente à estrada Brixton II7. Em 22 de
dezembro, 24 gansos comprados a 7 xelins?cada um. -Foi desse lugar que vieram os gansos. Como pode ver, senhor, foram aves criadas
aqui mesmo na cidade -e o homem gargalhou, feliz por ganhar a aposta. Holmes fingiu uma expressão de contrariedade e lhe deu a moeda
de uma libra.
Mal nos vimos na rua, meu amigo sorriu, pegando-me no braço:
-Watson, um homem com aquela barba nunca se deixa convencer do que não quer. Poderia oferecer 100 libras pela informação, que
ele nada diria. Mas a ideia de tapear um cavalheiro numa aposta era forte demais... Acho que teremos de visitar a criadora dos gansos, a
senhora Oakshott...
Holmes não terminou a frase, porque nossa atenção foi atraída por um tumulto, na banca do Sr. Breckinridge. O barbudo tinha uma
vassoura nas mãos e espantava um homenzinho de cara fina como um rato, que se encolhia diante da possível surra. O comerciante gritava:
-Fora daqui, você e seus gansos! O diabo os leve a todos, não me venha com essa conversa de saber para quem os vendi.
-Mas um deles era meu... -choramingou o homem de cara de rato.
-Vá tirar satisfações com a Sra. Oakshott, então -disse o furioso comerciante, espantando o homenzinho, que correu pela rua. -Ah,
quem sabe esse fulano nos poupa a viagem até a granja. Vamos, Watson, não o perca de vista!
Depressa o seguimos. Ele logo parou e quando Holmes tocou seu ombro o homem encolheu-se.
-Quem é o senhor?O que quer?-estava pálido e tremia. -Desculpe-me -disse Holmes suavemente. -Mas não pude deixar de ouvir a
sua conversa com o comerciante e talvez possa ajudá-lo a respeito do ganso... -Ajudar-me? Oh, ninguém pode me ajudar, senhor! gritou o
mísero, em desespero. -Eu posso -a voz de meu amigo veio firme e autoritária. -Sou Sherlock Holmes e é meu dever saber o que os outros
não sabem.
-Era de alguém como o senhor que eu precisava! -o rosto do homem iluminou-se ao reconhecer a fama de meu amigo detetive. -Os
céus o mandaram.
-Diga-me seu nome, senhor. E não tente me enganar.
-James Ryder.
-Como pensei. O copeiro-mor do Hotel Cosmopolitan. Acompanhe-nos, Sr. Ryder. Vamos conversar num lugar mais confortável.
Holmes fez sinal para um coche de aluguel e logo estávamos instalados na sala quente da rua Baker.
Sherlock ofereceu um chá para o homenzinho, que o bebeu avidamente,'usando a xícara para aquecer as mãos. Esperamos que ele
se recuperasse.Depois Holmes começou:
-Se está interessado no ganso, Sr. Ryder, fique sabendo que a ave veio parar aqui. -Aqui? Mas como...
-Isso não interessa. O que interessa é que era uma ave magnífica, tão extraordinária, que depois de morta pôs um ovo. Um ovo
brilhante!
Holmes abriu uma gaveta e tirou o diamante de lá. Os olhos de Ryder fixaram-se na pedra. Ele ficou tão pálido, que temi que
desmaiasse.
-O jogo acabou, Ryder. Acalme-se. Vamos, Watson, coloque umas gotas de conhaque no chá desse homem. Ah, o senhor é mesmo
um covarde!
Fiz o que Holmes pediu. O copeiro-mor jogou-se numa cadeira e bebeu uns goles de chá. Aos poucos, as cores de seu rosto
voltaram ao normal.
-Sei de quase tudo, Sr. Ryder. Mas o pouco que me falta saber o senhor dirá... Como descobriu que essa pedra era da Condessa de
Mocar?
-Foi Catarina Cusack quem me falou dela -balbuciou o copeiro.
-Ah! A dama de companhia da condessa... Você e ela resolveram roubar a joia. Sabiam que o encanador tinha passagem pela polícia
e seria fácil culpá-lo. Bem, Ryder, parece que você tem potencial suficiente para ser um ladrão sem remorsos... a polícia ficará encantada
em prendê-lo.
O homem de cara de rato jogou-se ao chão, em prantos, as mãos trêmulas unidas em sinal de desespero.
-Perdão, Sr. Holmes! Perdão! Nunca fui desonesto em toda minha vida... a prisão irá matar meus pais de desgosto. Por favor, Sr.
Holmes, não me entregue à polícia!
Era uma cena chocante. Holmes porém não se deixou comover. Com voz severa, ordenou:
-Sente-se na cadeira, homem! Agora que caiu na ratoeira você se arrepende e pede perdão, mas não pensou nem um pouquinho no
pobre Horner, que está preso injustamente por um crime que nem sequer sonhou.
-Oh,Sr. Holmes, não queria isso! -lamentou-se o homem. -Posso explicar, posso contar tudo...
-Faça isso e não diga nenhuma mentira.
Ryder ainda tremia, mas juntou forças para detalhar sua história.
-Catarina Cusack e eu organizamos o plano. Forjamos um defeito na lareira e eu dei um jeito para que o hotel escalasse Horner para
f.1zer o conserto. Sabia que ele era fichado. Depois que ele foi embora, forcei o porta-joias e imediatamente dei o alarme. As suspeitas
caíram sobre Horner.
Depois que Horner foi preso, sabia que não poderia ficar com a pedra, porque dariam uma revista no hotel e nos meus aposentos.
Fingi que cumpria uma ordem e saí do hotel levando o diamante. Oh!, senhores, que desespero me bateu! Imaginava que qualquer vulto
era um policial e que todas as pessoas na rua me acusavam e sabiam do meu terrível gesto... nem sei como reuni forças para seguir até a
casa da minha irmã. Ela é casada com um criador de aves e mora no subúrbio, então achei que era um local seguro...
-Como imaginou o truque de esconder a pedra no ganso? -falou Holmes, com voz severa. -Não esconda nada, Ryder, senão irá
terminar sua história na polícia!
-Eu conto, senhor, eu conto... tive um amigo que cumpriu pena e ele me disse, certa vez, que os ladrões precisam logo se desfazer
do roubo, para evitar o flagrante da polícia... quando eu e Catarina bolamos o plano, Sr. Holmes, fui à casa dele. Sabia que ele me ajudaria
a me desfazer da pedra. Mas naquela hora de agonia, em que via um policial em cada esquina, temi que nunca conseguisse levar a joia
apenas escondida num bolso... estava encostado ao muro do galinheiro, rodeado de gansos, e me veio a ideia...
Minha irmã me prometeu um ganso de presente de Natal. Entrei no galinheiro e peguei uma das aves, uma grande, com listas no
rabo. Forcei o bicho a abrir o bico e enfiei a pedra no papo do ganso. Ele bateu asas e lutou um bocado, senhor, fazendo uma tremenda
algazarra... foi quando minha irmã ouviu o barulho e correu até o quintal. O susto de vê-Ia foi tal, que acabei soltando a ave.
-O que está fazendo com esse ganso,Jim?-ela perguntou.
Respondi que tinha vindo buscar a ave que ela me prometera de presente de Natal.
-Ah!, mas já separamos esse cinzento para você -ela respondeu.
-Obrigado, Maggie -eu falei -, mas prefiro aquele que eu estava segurando.
-Que besteira, Jim! -disse Maggie -O cinzento pesa três quilos a mais.
-Quero o branco com listas na cauda -falei.
Claro que Maggie ficou irritada com minha insistência, mas matou o ganso escolhido e eu o levei, tranquilamente, para a casa do
meu comparsa. Contei o que tinha feito e ele deu muita risada. Tratamos de abrir o papo do ganso e oh, desgraça! Não havia sinal da pedra.
Na confusão e no meu terror, havia escolhido a ave errada, senhores!
Voltei à casa de minha irmã, mas o destino conspirava contra mim. Maggie já havia entregado as aves, para o vendedor do
mercado, aquele famigerado Sr. Breckinridge, que se recusou absurdamente a me dizer para quem havia vendido os gansos.
Maggie pensa que estou ficando louco e começo a acreditar nisso também, senhores! Sou agora um ladrão marcado, sem jamais ter
tocado na riqueza pela qual perdi o caráter... Deus me ajude!
Ryder começou a chorar loucamente, as mãos tapando o rosto.
Um longo silêncio. O único ruído era o bater dos dedos de Sherlock Holmes sobre a mesa. Repentinamente, meu amigo se levantou
e abriu a porta: -Saia!-disse.
-Oh, senhor, Deus o abençoe!
-Não diga mais nada, saia!
Nem era necessário dizer coisa alguma. Ryder correu alucinado para fora e só ouvimos o bater ruidoso da porta da rua.
Eu olhava espantado para meu amigo. Afinal, Holmes esclareceu, pegando devagar o cachimbo:
-Não sou empregado da polícia, Watson, para consertar seus erros. Horner não estará em perigo, porque devolverei o diamante e
mandarei um bilhete explicando que ele de nada participou. Não há provas contra o encanador -Holmes suspirou. -Talvez esteja sendo
cúmplice, deixando Ryder fugir, mas estou salvando sua alma.
Continuei calado. Holmes prosseguiu:
-Ele não cometerá mais nenhum furto. Está apavorado.Se eu o mandar para a cadeia, é capaz de o infeliz ter um curso completo de,
ladroagem. E depois, Watson... -meu amigo sorriu. -Esta não é a época de fraternidade e perdão?
Tratei de dar os merecidos parabéns a Holmes, pelo caso tão brilhantemente resolvido.
o conto Thr 81urCarbunclrfoi publicado na revista Thr StranaMagaz;IJ(,em janeiro de 1892, e no livro Thr Aav"'tllrtS oJShrrlockIlollllrs, no mesmo ano.

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  • 1. O diamante azul DOIS DIAS depois do Natal, fui visitar meu amigo Sherlock Holmes. Encontrei-o sentado no sofá, de roupão, cachimbo apoiado no cinzeiro e, ao alcance da mão, um punhado de jornais. A seu lado estava um chapéu de feltro, bastante velho e gasto, com alguns rasgões. No assento da cadeira, vi uma lente de aumento e uma pinça, indicando que o chapéu havia sido suspenso e examinado. -Espero não estar atrapalhando... -Caro Watson, gosto de um amigo como você por perto, para discutir as investigações -apontou o chapéu. -O que-acha dele? -Parece um objeto sem interesse -eu brinquei -, mas aposto que você me provará que é a pista fabulosa para desvendar um crime extraordinário. -Não,nada de crimes...-disse Sherlock, rindo. -Apenas um daqueles engraçados acontecimentos que surgem quando há 4 milhões de seres humanos morando numa cidade cosmopolita como Londres...Você se lembra do comissário Petersen, que tantas vezes nos visitou quando você morava aqui? -Claro! -respondi. -Este troféu pertence a ele. -O chapéu é dele? -espantei-me. -Não, não. Ele o encontrou. Não se sabe quem é o dono. Deixe-me contar como veio parar aqui. Acendi um charuto e me servi de uma xícara de café forte, pronto para ouvir as explicações de Sherlock. -Este chapéu me veio às mãos no dia de Natal, junto com um belo ganso gordo, que a estas horas, sem dúvida, já foi comido pela família de Petersen... Holmes deu um sorriso e continuou: -Às 4 horas da manhã do dia de Natal, mais ou menos, Petersen estava encerrando sua ronda e passava pela Tottenham Court Road2, voltando para casa. À sua frente caminhava um homem, cambaleando sob as fracas luzes de gás, carregando um ganso às costas. Quando chegou à esquina, um bando de vagabundos o atacou,para roubar o ganso. Um deles derrubou o chapéu do homem e este, num gesto de defesa, usou uma bengala, mas acabou quebrando a vitrine de uma loja. Petersen apitou e foi defendê-lo, mas como ele havia quebrado a vitrine, assustou-se com o policial e também correu, assim como os assaltantes. Conclusão: o policial se viu na rua, a essas horas da madrugada, com um ganso e um velho chapéu nas mãos. Como o ganso era gordo e caro, e Petersen é um policial honesto, pensou em devolvê-lo ao dono. -E quem seria ele?-perguntei. -Petersen não sabe. Por isso trouxe o caso até mim. Havia um cartão amarrado na perna do ganso, "Para a senhora Henry Baker", e no chapéu estão as iniciais H.E. Ora, como há milhares de Bakers na nossa cidade e provavelmente outro tanto de Henrys, nosso amigo Petersen não conseguiria descobrir o homem a tempo de lhe devolver o ganso para o almoço de Natal. -E o que você sugeriu, Holmes? -Que comesse o ganso antes que estragasse. E me deixasse resolver o mistério. O que acha? -Acho que você supôs que o dono do ganso colocaria um anúncio no jornal. Não é por isso que reuniu tantos jornais a seu redor? -Excelente, meu caro Watson! Vejo que os casos que resolvemos ainda lhe são úteis. Mas
  • 2. não encontrei anúncio algum. -E como espera resolver isso, então? -espantei-me. -Com o chapéu. -Com esse chapéu velho e amassado? -Precisamente. É verdade que o tempo me ensinou a nunca menosprezar os dons dedutivos de meu amigo, mas confesso que me rendi diante de tão dura tarefa. O que um velho chapéu poderia revelar de seu dono, a não ser as iniciais H.B. e o seu estado de miséria? Sherlock riu diante da minha óbvia expressão de desalento. - Pense,Watson. O que podemos colher desse velho chapéu amarrotado? Vamos, amigo! Você conhece meus métodos. Pegue a lente e examine o chapéu. Como é o homem que o usava? Meio contrariado, peguei a lente e tentei acompanhar o brilhantismo dedutivo de meu amigo. Era um chapéu preto, comum, redondo e muito gasto. O forro era de seda vermelha, desbotado. Não havia nome de fabricante, apenas as iniciais H.B. Na aba havia um furo, do elástico que o segurava, mas do elástico, nem sinal. Estava coberto de pó, com alguns buracos e pequenas manchas. Nos lugares desbotados aplicaram uma tinta preta. - Não vejo nada - respondi, devolvendo o chapéu. - Watson, não me decepcione! Pode-se ver tudo nesse chapéu. - Então me diga, você, o que vê nele. Holmes segurou-o com um respeito dado a objetos preciosos e falou daquele jeito pausado, com que sempre conduz suas investigações: - Creio que o homem é mais intelectual do que operário. Acha-se atualmente em péssimas condições de vida e isso vem acontecendo de uns três anos para cá, pois antes vivia bem. Também já foi um homem prevenido, mas isso mudou, o que me leva a crer na perda de seus bens. Talvez tenha sido levado a isso pela bebida, por isso sua mulher deixou de cuidar dele e talvez não o ame mais. - Meu caro Holmes! -Ele é um homem de vida sedentária -continuou Sherlock,nem me dando ouvidos -, tem cabelos grisalhos, que cortou faz pouco tempo, e usa gel nos cabelos. Estes são os fatos que se podem deduzir do chapéu. E é bem provável que não tenha gás em sua casa... -Holmes, você está brincando comigo... - Jamais faria isso, meu caro Watson. Será possível que depois de eu ter assinalado todos esses fatos, você não consegue descobrir mais nada? - Devo confessar que não consigo seguir seu raciocínio... Por exemplo:como você percebeu que o homem era intelectual? Holmes respondeu colocando o chapéu na própria cabeça. Ele lhe desceu até o nariz. - Não dizem que um homem de cabeça grande é mais inteligente? - Ah!-exclamei.-E quanto ao fato de ele ser rico e ter empobrecido? - Repare na aba. Esse modelo esteve na moda há três anos e é chapéu da melhor qualidade. Tem um bom forro e uma fita de seda. Se esse homem pôde comprar um chapéu desses há três anos, é porque tinha dinheiro para fazê-lo. E se não comprou outro, certamente é porque não teve mais recursos para isso. Holmes sempre me vencia. Suspirei fundo e continuei com minhas perguntas: -Como explica o fato de não ser mais previdente? Sherlock deu risada. -Veja a previdência -disse, colocando o dedo sobre o furo para o elástico. -Ninguém compra um chapéu desse tipo com um elástico costurado na borda. Isso só é colocado se o freguês pedir, numa prevenção contra o vento. O elástico arrebentou e ele não o costurou mais, o que é sinal de descaso. Mas ainda tem orgulho suficiente para disfarçar as marcas da pobreza com tinta. Havia uma certa lógica em tudo que Holmes me apresentava. Ele continuou: -Bem, quanto ao fato de o homem ser de meia-idade, usar gel e ter cabelo grisalho cortado há pouco, isso pode ser visto pelo exame do forro. Há vestígios de fios, óleo e cabelos curtos,
  • 3. grisalhos. -E a esposa dele?Você disse que ela não o ama mais. -Este chapéu não é escovado há muitas semanas. Meu caro Watson, quando sua mulher deixá-lo sair de casa com um chapéu nesse estado, terei certeza de que ela nem olha mais para sua cara! -Holmes, o homem pode ser um solteirão! Ou ser muito ocupado, sem tempo de cuidar de si!-exclamei,furioso com o orgulho com que meu amigo expunha suas opiniões. -Nada disso. Ele ia levando para casa um ganso caro e gordo como presente para sua mulher. Não se esqueça do cartão na perna da ave.Não se faz isso com alguém a quem não se pretenda agradar. -Ah, Holmes! -exclamei, nervoso. -Você tem resposta para tudo. E por que diz que não há gás na casa dele? -Veja:há alguns pingos de vela aqui na aba. Esse homem está acostumado a subir a escada com o chapéu numa mão e a vela na outra. Ao que eu saiba, gotas de cera não pingam de lampiões a gás. Agora acredita no que falei? Acabei rindo. Segurei no braço de meu amigo e considerei aquilo como um divertido conto de Natal. -Ah, caro Holmes, tudo isso é muito curioso, mas já que me garante que não houve crime e que o único assassinado foi um ganso, quer me explicar por que está gastando tanto tempo e energia para decifrar o enigma desse chapéu perdido? Sherlock Holmes ia responder, quando a porta foi aberta com violência e o comissário Petersen entrou no recinto, nervoso demais, sem sequer nos cumprimentar. -O ganso, senhor Holmes, o ganso... -Hein? O ganso? O que aconteceu com ele?Ressuscitou e voou pela janela? -brincou Sherlock, gozando da expressão apalermada do policial. -Olhe aqui, senhor Holmes, o que minha mulher encontrou no papo da ave-e nos estendeu uma grande pedra azul. -Petersen, acredite, você tem aqui algo de grande valor! Por acaso sabe o que é isso? -Um diamante, senhor Holmes! Uma pedra preciosa. Ela corta o vidro como se fosse banha. -Não, caro Petersen. Não é uma pedra preciosa. É a pedra preciosa. -Não me diga, Holmes! -explodi, furioso. -Não me diga que é a pedra da Condessa de Morcar! -Creio que sim. Depois de seu roubo, foi o que mais se leu no The Times. Uma pedra única, e a recompensa de mil libras oferecida pelo seu retorno não corresponde à vigésima parte de seu valor -concluiu Holmes. -Mil libras! Deus do céu!-gritou o comissário, nervoso demais para segurar a pedra por mais tempo e derrubando-a no tapete da sala. - Essa é a recompensa oferecida - disse Holmes, mantendo a tranquilidade e recolhendo a joia. - Mas, por valor sentimental, sua dona seria capaz de oferecer metade da fortuna para recuperá-Ia. - Ao que me lembro, a pedra desapareceu no Hotel Cosmopolitan - falei. Holmes completou a informação: - Isso mesmo! No dia 22 de dezembro, há exatamente cinco dias. John Horner, um encanador, foi acusado de tirar a pedra de um porta-joias no quarto da condessa, e as provas contra ele são tão fortes, que o homem irá a julgamento nas próximas semanas. Veja, tenho aqui um recorte de jornal para comprovar o que digo. E Holmes nos estendeu um artigo: Roubo de jóias no Hotel Cosmopolitan John Horner, 26 anos, encanador, foi
  • 4. acusado de, no dia 22 corrente, ter roubado do porta-joias da Condessa de Morcar uma valiosa gema conhecida como diamante azul. James Ryder, copeiro- mor do hotel, afirma ter levado o Sr. Horner ao quarto da condessa a pedido da sua dama de companhia, Catarina Cusack, para que ele soldasse uma grade da lareira. O camareiro permaneceu no local algum tempo, mas, sendo chamado, deixou o soldador sozinho. Ao voltar, viu que Horner já havia saído, mas constatou que o cofre se achava aberto, o que o espantou. Ryder deu o alarme e Horner foi preso, mas a pedra não foi encontrada. O encanador protestou inocência, mas como já apresenta antecedentes criminais, tudo indica a sua culpa provável. Horner deverá ir a julgamento. Apesar disso, o mais terrível é que até o momento não há o menor sinal do diamante, peça muito querida de Sua Alteza, que prometeu régia recompensa a quem indicar o paradeiro da joia. -Hum, bobagens da polícia! -disse Holmes, jogando o jornal para o lado. -Nossa prioridade é estabelecer a sequência de fatos desde que o porta-joias foi aberto até o fim, que é o ganso perdido em Tottenham Court Road e comido pela família de nosso amigo Petersen. O que ocorreu entre cada acontecimento? -ele perguntou e ele mesmo respondeu, abrindo a mão e exibindo a joia. -Aqui está a pedra. A pedra veio do ganso. E como o ganso chegou a nossas mãos? Através de Petersen e do homem idoso com um chapéu surrado. Por isso, caro amigo Watson, colocarei nos jornais um anúncio. Holmes redigiu rapidamente uma nota e a leu:
  • 5. Ganso encontrado na Tottenham Court Road junto com um chapéu de feltro. O Sr. Henry Baker pode reaver seus pertences, dirigindo-se, hoje, às 18h30, à Rua Baker, 221B. -O que acha, Watson? -perguntou-me Holmes. -Se o homem não olhar os jornais, algum conhecido de Henry Baker pode avisá-lo...Ah!Petersen,faça-me um favor.Coloque esse anúncio em todos os jornais populares. E, na volta, compre-me um ganso parecido com aquele que sua família comeu. O policial recebeu o dinheiro de Hohnes e apontou a pedra. -O que vai fazer com ela, senhor? -Deixe-a comigo -respondeu Holmes. -Vou descobrir como essa joia foi parar no papo de um ganso. Depois que Petersen saiu, decidi partir também. Qualquer resultado só viria ao final da tarde. Prometi voltar à noitinha, para conferir se o mistério do ganso e do roubo do diamante azul teria solução. Quando voltei, encontrei um homem na sala de Holmes. -Watson, quero lhe apresentar o Sr. Henry Baker. Ele acabou de chegar e esperávamos por você. Cumprimentei-o e reparei que meu amigo havia acertado em muitas características de Henry Baker: era alto, de faces vermelhas, com a roupa abotoada de cima a baixo, mas com mangas puídas na camisa. Usava um boné escocês. Suas mãos tremiam um pouco, o que me lembrou o comentário de Holmes a respeito da bebida. Falava baixo e escolhia as palavras com correção, mostrando ser um homem letrado. -Então o senhor perdeu o seu ganso e o chapéu -disse Holmes. -É o que acreditava, senhor. Pensei que os ladrões a essa altura já tivessem devorado a ave. -É o que nós fizemos, infelizmente. -Ah! Os senhores comeram o ganso!...-disse o homem, decepcionado. -O ganso acabaria apodrecendo e isso seria um desperdício... mas tenho aqui outra ave, de igual peso e, espero, igual sabor. -Holmes indicou um pacote de onde sobressaíam as patas do ganso, com o chapéu gasto ao lado. Reparei que os olhos do homem se iluminaram. Ele não se importava em trocar uma ave pela outra: o que queria mesmo era levar comida para casa. Holmes olhou para o homem e perguntou: -Espero que não se importe em me dizer onde o senhor comprou o ganso, Sr. Baker. Era de ótima qualidade. -No Clube do Ganso. Falamos quase ao mesmo tempo: -Clube do Ganso??? -Foi o dono da Taberna Alfa que criou esse clube. Cada sócio entra com alguns centavos por semana e leva o ganso no Natal -explicou o homem, retirando-se depois de agradecer muito. -Então o Sr. Baker é inocente -disse Holmes, fechando a porta atrás do visitante. -Está com fome, Watson? Que tal um jantarzinho na Taberna Alfa? Claro que concordei. A taberna era um local pequeno, mas agradável. Holmes dirigiu-se ao proprietário com a maneira jovial que usa quando quer cativar as pessoas:
  • 6. -Traga-nos cerveja, meu bom homem. Espero que sua bebida seja tão boa quanto a qualidade dos seus gansos! -Meus gansos? -o homem se espantou. -Sim, acabei de conversar com o Sr. Henry Baker, que é membro do Clube do Ganso. -Ah!, agora entendi. Mas aqueles não são nossos. Foram encomendados de um vendedor na feira de Covent Gardens. Um homem chamado Breckinridge. Bebemos a cerveja e saímos. -Vamos passear pela feira, Watson? Estou com bons pressentimentos. Acho que até o fim da noite resolveremos o mistério do ganso que come diamantes. Não foi difícil localizar a banca com o nome Breckinridge na fachada. O proprietário era um homem grosseiro, de nariz fino e barba pontuda. Meu amigo examinou a bancada do açougue antes de perguntar: -Pelo que vejo, o senhor vendeu todos seus gansos. -Se quer gansos, pode comprá-los naquela banca adiante -respondeu o homem, com maus modos. -Mas queria comprá-los do senhor, que me foi tão bem recomendado pelo dono da Taberna Alfa. Pode dizer-nos de quem comprou aquelas aves? Diante da pergunta inocente, o barbudo teve um inusitado ataque de raiva. -Arre, que não digo! Já estou farto daquelas duas dúzias de gansos do Alfa! É toda hora que me aparece alguém querendo saber onde comprei os gansos, para quem vendi os gansos!... Ora, faça-me o favor, estou farto disso! Ponha-se daqui para fora que nada direi. -Está bem, está certo, vou embora! -disse Holmes, espertamente me piscando o olho. -Eu estava justamente apostando com meu amigo que aquelas aves foram criadas no campo. Aposto uma libra, com o senhor, que estou certo. -Aposta?! -exclamou o homem. -Uma libra, sobre os gansos? -O que disse: aposto uma libra que aqueles gansos vieram do campo.
  • 7. -Aposta fechada! -e o enfezado Sr. Breckinridge bateu palmas, gritando para os fundos da barraca: -Bill, traga-me os livros. Surgiu um rapazinho magro, carregando dois livros de registros. Satisfeito, o comerciante procurou nas páginas a informação que queríamos: -Está vendo, senhor? Nessa lista anoto de quem eu compro a mercadoria. Nessa outra, para quem vendo. Faça o favor de ler esse nome escrito em vermelho. Estendeu o volume diante dos olhos de meu amigo,que leu: -Senhora Oakshott, residente à estrada Brixton II7. Em 22 de dezembro, 24 gansos comprados a 7 xelins?cada um. -Foi desse lugar que vieram os gansos. Como pode ver, senhor, foram aves criadas aqui mesmo na cidade -e o homem gargalhou, feliz por ganhar a aposta. Holmes fingiu uma expressão de contrariedade e lhe deu a moeda de uma libra. Mal nos vimos na rua, meu amigo sorriu, pegando-me no braço: -Watson, um homem com aquela barba nunca se deixa convencer do que não quer. Poderia oferecer 100 libras pela informação, que ele nada diria. Mas a ideia de tapear um cavalheiro numa aposta era forte demais... Acho que teremos de visitar a criadora dos gansos, a senhora Oakshott... Holmes não terminou a frase, porque nossa atenção foi atraída por um tumulto, na banca do Sr. Breckinridge. O barbudo tinha uma vassoura nas mãos e espantava um homenzinho de cara fina como um rato, que se encolhia diante da possível surra. O comerciante gritava: -Fora daqui, você e seus gansos! O diabo os leve a todos, não me venha com essa conversa de saber para quem os vendi. -Mas um deles era meu... -choramingou o homem de cara de rato. -Vá tirar satisfações com a Sra. Oakshott, então -disse o furioso comerciante, espantando o homenzinho, que correu pela rua. -Ah, quem sabe esse fulano nos poupa a viagem até a granja. Vamos, Watson, não o perca de vista! Depressa o seguimos. Ele logo parou e quando Holmes tocou seu ombro o homem encolheu-se. -Quem é o senhor?O que quer?-estava pálido e tremia. -Desculpe-me -disse Holmes suavemente. -Mas não pude deixar de ouvir a sua conversa com o comerciante e talvez possa ajudá-lo a respeito do ganso... -Ajudar-me? Oh, ninguém pode me ajudar, senhor! gritou o mísero, em desespero. -Eu posso -a voz de meu amigo veio firme e autoritária. -Sou Sherlock Holmes e é meu dever saber o que os outros não sabem. -Era de alguém como o senhor que eu precisava! -o rosto do homem iluminou-se ao reconhecer a fama de meu amigo detetive. -Os céus o mandaram. -Diga-me seu nome, senhor. E não tente me enganar. -James Ryder. -Como pensei. O copeiro-mor do Hotel Cosmopolitan. Acompanhe-nos, Sr. Ryder. Vamos conversar num lugar mais confortável. Holmes fez sinal para um coche de aluguel e logo estávamos instalados na sala quente da rua Baker. Sherlock ofereceu um chá para o homenzinho, que o bebeu avidamente,'usando a xícara para aquecer as mãos. Esperamos que ele se recuperasse.Depois Holmes começou:
  • 8. -Se está interessado no ganso, Sr. Ryder, fique sabendo que a ave veio parar aqui. -Aqui? Mas como... -Isso não interessa. O que interessa é que era uma ave magnífica, tão extraordinária, que depois de morta pôs um ovo. Um ovo brilhante! Holmes abriu uma gaveta e tirou o diamante de lá. Os olhos de Ryder fixaram-se na pedra. Ele ficou tão pálido, que temi que desmaiasse. -O jogo acabou, Ryder. Acalme-se. Vamos, Watson, coloque umas gotas de conhaque no chá desse homem. Ah, o senhor é mesmo um covarde! Fiz o que Holmes pediu. O copeiro-mor jogou-se numa cadeira e bebeu uns goles de chá. Aos poucos, as cores de seu rosto voltaram ao normal. -Sei de quase tudo, Sr. Ryder. Mas o pouco que me falta saber o senhor dirá... Como descobriu que essa pedra era da Condessa de Mocar? -Foi Catarina Cusack quem me falou dela -balbuciou o copeiro. -Ah! A dama de companhia da condessa... Você e ela resolveram roubar a joia. Sabiam que o encanador tinha passagem pela polícia e seria fácil culpá-lo. Bem, Ryder, parece que você tem potencial suficiente para ser um ladrão sem remorsos... a polícia ficará encantada em prendê-lo. O homem de cara de rato jogou-se ao chão, em prantos, as mãos trêmulas unidas em sinal de desespero. -Perdão, Sr. Holmes! Perdão! Nunca fui desonesto em toda minha vida... a prisão irá matar meus pais de desgosto. Por favor, Sr. Holmes, não me entregue à polícia! Era uma cena chocante. Holmes porém não se deixou comover. Com voz severa, ordenou: -Sente-se na cadeira, homem! Agora que caiu na ratoeira você se arrepende e pede perdão, mas não pensou nem um pouquinho no pobre Horner, que está preso injustamente por um crime que nem sequer sonhou. -Oh,Sr. Holmes, não queria isso! -lamentou-se o homem. -Posso explicar, posso contar tudo... -Faça isso e não diga nenhuma mentira. Ryder ainda tremia, mas juntou forças para detalhar sua história. -Catarina Cusack e eu organizamos o plano. Forjamos um defeito na lareira e eu dei um jeito para que o hotel escalasse Horner para f.1zer o conserto. Sabia que ele era fichado. Depois que ele foi embora, forcei o porta-joias e imediatamente dei o alarme. As suspeitas caíram sobre Horner. Depois que Horner foi preso, sabia que não poderia ficar com a pedra, porque dariam uma revista no hotel e nos meus aposentos. Fingi que cumpria uma ordem e saí do hotel levando o diamante. Oh!, senhores, que desespero me bateu! Imaginava que qualquer vulto era um policial e que todas as pessoas na rua me acusavam e sabiam do meu terrível gesto... nem sei como reuni forças para seguir até a casa da minha irmã. Ela é casada com um criador de aves e mora no subúrbio, então achei que era um local seguro... -Como imaginou o truque de esconder a pedra no ganso? -falou Holmes, com voz severa. -Não esconda nada, Ryder, senão irá
  • 9. terminar sua história na polícia! -Eu conto, senhor, eu conto... tive um amigo que cumpriu pena e ele me disse, certa vez, que os ladrões precisam logo se desfazer do roubo, para evitar o flagrante da polícia... quando eu e Catarina bolamos o plano, Sr. Holmes, fui à casa dele. Sabia que ele me ajudaria a me desfazer da pedra. Mas naquela hora de agonia, em que via um policial em cada esquina, temi que nunca conseguisse levar a joia apenas escondida num bolso... estava encostado ao muro do galinheiro, rodeado de gansos, e me veio a ideia... Minha irmã me prometeu um ganso de presente de Natal. Entrei no galinheiro e peguei uma das aves, uma grande, com listas no rabo. Forcei o bicho a abrir o bico e enfiei a pedra no papo do ganso. Ele bateu asas e lutou um bocado, senhor, fazendo uma tremenda algazarra... foi quando minha irmã ouviu o barulho e correu até o quintal. O susto de vê-Ia foi tal, que acabei soltando a ave. -O que está fazendo com esse ganso,Jim?-ela perguntou. Respondi que tinha vindo buscar a ave que ela me prometera de presente de Natal. -Ah!, mas já separamos esse cinzento para você -ela respondeu. -Obrigado, Maggie -eu falei -, mas prefiro aquele que eu estava segurando. -Que besteira, Jim! -disse Maggie -O cinzento pesa três quilos a mais. -Quero o branco com listas na cauda -falei. Claro que Maggie ficou irritada com minha insistência, mas matou o ganso escolhido e eu o levei, tranquilamente, para a casa do meu comparsa. Contei o que tinha feito e ele deu muita risada. Tratamos de abrir o papo do ganso e oh, desgraça! Não havia sinal da pedra. Na confusão e no meu terror, havia escolhido a ave errada, senhores! Voltei à casa de minha irmã, mas o destino conspirava contra mim. Maggie já havia entregado as aves, para o vendedor do mercado, aquele famigerado Sr. Breckinridge, que se recusou absurdamente a me dizer para quem havia vendido os gansos. Maggie pensa que estou ficando louco e começo a acreditar nisso também, senhores! Sou agora um ladrão marcado, sem jamais ter tocado na riqueza pela qual perdi o caráter... Deus me ajude! Ryder começou a chorar loucamente, as mãos tapando o rosto. Um longo silêncio. O único ruído era o bater dos dedos de Sherlock Holmes sobre a mesa. Repentinamente, meu amigo se levantou e abriu a porta: -Saia!-disse. -Oh, senhor, Deus o abençoe! -Não diga mais nada, saia! Nem era necessário dizer coisa alguma. Ryder correu alucinado para fora e só ouvimos o bater ruidoso da porta da rua. Eu olhava espantado para meu amigo. Afinal, Holmes esclareceu, pegando devagar o cachimbo: -Não sou empregado da polícia, Watson, para consertar seus erros. Horner não estará em perigo, porque devolverei o diamante e mandarei um bilhete explicando que ele de nada participou. Não há provas contra o encanador -Holmes suspirou. -Talvez esteja sendo cúmplice, deixando Ryder fugir, mas estou salvando sua alma. Continuei calado. Holmes prosseguiu: -Ele não cometerá mais nenhum furto. Está apavorado.Se eu o mandar para a cadeia, é capaz de o infeliz ter um curso completo de, ladroagem. E depois, Watson... -meu amigo sorriu. -Esta não é a época de fraternidade e perdão? Tratei de dar os merecidos parabéns a Holmes, pelo caso tão brilhantemente resolvido.
  • 10. o conto Thr 81urCarbunclrfoi publicado na revista Thr StranaMagaz;IJ(,em janeiro de 1892, e no livro Thr Aav"'tllrtS oJShrrlockIlollllrs, no mesmo ano.