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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE GEOGRAFIA
POLYANA DE OLIVEIRA FARIA
UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA DA MODERNIZAÇÃO
SÓCIO-ESPACIAL BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA E
MÚSICA CAIPIRAS E DA MÚSICA SERTANEJA
Uberlândia
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE GEOGRAFIA
POLYANA DE OLIVEIRA FARIA
UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA DA MODERNIZAÇÃO
SÓCIO-ESPACIAL BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA E
MÚSICA CAIPIRAS E DA MÚSICA SERTANEJA
Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso
Geografia do Instituto de Geografia da Universidade
Federal de Uberlândia, sob orientação da Professora Msc.
Glaucia Carvalho Gomes, como parte dos requisitos para
obtenção do título em Bacharel em Geografia.
Uberlândia
2010
UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA DA MODERNIZAÇÃO SÓCIO-
ESPACIAL BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA E MÚSICA
CAIPIRAS E DA MÚSICA SERTANEJA
Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso
Geografia do Instituto de Geografia da Universidade
Federal de Uberlândia, sob orientação da Professora Msc.
Glaucia Carvalho Gomes, como parte dos requisitos a
obtenção do título em Bacharel em Geografia.
Dezembro de 2010
Banca Examinadora
_______________________________________________________
Msc. Glaucia Carvalho Gomes
Orientadora
________________________________________________________
Dr. Rosselvelt José Santos
________________________________________________________
Dr. Marcelo Cervo Chelotti
Data:17/12/2010
Nota:100
iii
AGRADECIMENTOS
Pretendo que este agradecimento seja visto como algo incompleto e infindável, pois por mais
que me esforçasse, não conseguiria incluir aqui todos aqueles que, de uma forma ou de outra,
auxiliaram-me nesta trajetória.
Primeiramente, quero agradecer a DEUS pela dádiva concedida. Nos momentos mais difíceis
desta jornada pude sentir sua presença e cuidado.
A minha orientadora Professora GLAUCIA CARVALHO GOMES que me recebeu desde o
primeiro momento em que a procurei de braços abertos. Que não só me orientou em todas as
etapas de produção deste trabalho, como também se tornou uma amiga querida, ouvinte e
conselheira. Todas as palavras que eu pudesse usar seriam insuficientes para agradecê-la por
ter trilhado este caminho comigo até o fim. Com certeza os méritos deste trabalho são dela
também.
Aos meus pais, em especial a minha mãe LUSMARINA DE OLIVEIRA FARIA pelos seus
ensinamentos, ela com certeza é grande incentivadora e entusiasta do caminho de escolhi
trilhar. Ao meu irmão JORGE R. OLIVEIRA FARIA pelo amor e amizade que sempre me
dedicou. Agradeço a meus tios, tias, primos e primas e, principalmente, a minha avó
GILDETE pelos sábios conselhos e momentos de conversa e a minha prima KATIÚSCIA
pela fé em mim depositada.
Ao meu querido TARCÍSIO pelo apoio incondicional, pela crença na minha capacidade e por
estar a todo o momento ao meu lado.
As amigas do coração e parceiras de caminhada que desejo que permaneçam ao meu lado por
toda vida: CAMILA, LAÍS, MARIANA, ALICE e SIRLEM, todas em diferentes etapas ou
até equivalentes trilharam comigo e contribuíram para o meu desenvolvimento intelectual e
pessoal. Em especial, a LAÌS, pela grande pessoa e amiga que é, que por diversas vezes
sofreu com meus humores inconstantes, mas jamais desistiu de mim compartilhando comigo
vitórias e derrotas.
Aos Professores ROSSELVELT JOSÉ SANTOS e MARCELO CERVO CHELOTTI pela
participação na banca e contribuições ao trabalho.
A toda comunidade científica e literária que serviu de embasamento teórico a minha pesquisa.
Aos compositores e artistas da cultura caipira, que com seus trabalhos, foram úteis para minha
formação.
Enfim sou grata a todos aqueles que de alguma forma contribuíram e torceram por mim.
É momento de festejar e compartilho com vocês essa conquista.
MUITO OBRIGADA!
iv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................1
Capítulo 1. A formação sócio-espacial brasileira tradicional, a constituição do modo de vida
caipira e o projeto urbano-industrial do Estado........................................................................14
Capítulo 2. O modo de vida e representação: a música e o lugar do caipira............................27
2.1. Berço de Couro e Meu Céu ...............................................................................................29
2.2. Quebra de Milho e Pingo D’água.....................................................................................38
Capítulo 3. A desestruturação do universo sócio-espacial do caipira e sua representação: a
transição que se revela na e pela música do caipira .................................................................44
Capítulo 4. “Tempos Ávidos”: A modernização do espaço brasileiro e da música: surge o
sertanejo....................................................................................................................................55
4.1. A música “por um fio” e a urbanização revelada..............................................................62
4.2. A obsolescência programada da música-mercadoria: o subgênero sertanejo universitário
..................................................................................................................................................66
Considerações Finais. Música Caipira no Século XXI: entendimento, reflexão e atuação......72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................................76
ANEXOS..................................................................................................................................80
v
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Mapa da localização da área de estudo. ......................................................................6
Figura 2. Ciclo de Trabalho do Caipira: realizado durante o dia .............................................35
vi
LISTA DE SIGLAS
SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.............................................25
SUDAM - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia.............................................25
ADA - Agência de desenvolvimento da Amaazônia .............................................................. 25
ADENE - Agência de desenvolvimento do Nordeste .............................................................25
CPC - Centro Popular de Cultura.............................................................................................58
UNE - União Nacional de Estudantes......................................................................................58
vii
RESUMO
Neste trabalho foi realizado uma análise geográfica onde buscou-se compreender, pela
Geografia Cultural e Marxista, o processo de modernização do espaço brasileiro, empreendido
pelo projeto urbano-industrial do Estado, e como este influenciou (e mesmo redefiniu) a
cultura e música caipira até que esta se tornasse residual, tendo seu espaço de reprodução
apropriado pela música sertaneja. Foi ainda demonstrado o (re)surgimento da música caipira
que entende, reflete e, sobretudo, age criticamente no espaço urbano-industrial-tecnológico. A
metodologia adotada para a realização da pesquisa consistiu-se na elaboração de um
arcabouço teórico capaz de fundamentá-la, tendo por base uma revisão bibliográfica de
estudos geográficos, sociológicos e antropológicos. Tal revisão bibliográfica e arcabouço
teórico embasaram as análises das composições musicais caipiras e sertanejas escolhidas,
objetos de estudo desta pesquisa, que possibilitaram à leitura da geografia do lugar ou das
regiões de reprodução de ambas as músicas, que foram aqui consideradas díspares, enquanto
duas matrizes radicalmente diferentes, a música caipira integra uma reprodução social ,cujo
fundamento é o dos mínimos vitais e a música sertaneja surge como um produto, uma
mercadoria que inseriu-se nos circuitos reprodutivos que não mais o da reprodução da vida
como fundamento, mas em um mercado cuja reprodução a ser garantida foi e é a reprodução
do capital.
PALAVRAS CHAVES: Cultura e música caipira, modernização, espaço brasileiro,
reprodução sócio-espacial.
ABSTRACT
This work represents a geographical analysis which sought to understand the Marxist and
Cultural Geography, the process of modernization of Brazilian space, project undertaken by
the urban industrial state, and how it influenced (and even redefined) the culture and country
music until it became residual, with its space suitable for playing country music. We have
shown the (re) emergence of country music that understands and reflects mainly acts critically
in the urban, industrial technological. The methodology for the research consisted in the
elaboration of a theoretical framework able to support it, based on a review of studies
geographical, sociological and anthropological. This literature review and theoretical
framework had based analysis of musical compositions and backwoods hillbillies chosen
objects of this research, which enabled the reading of the geography of the place or regions of
reproduction of both songs, which were considered here disparate as two matrices radically
different, folk music is part of a social reproduction, whose foundation is the bare minimum
needed and country music emerges as a product, a commodity that was inserted into the
channels that no longer breeding the reproduction of life as the foundation, but in a market
whose reproduction was to be guaranteed and is the reproduction of capital.
KEYWORDS: Hillbilly music and culture, modernization, Brazilian space, reproducing
social spatial.
1
INTRODUÇÃO
Muitos acreditaram (ou acreditam) que os homens se distinguem dos demais animais por
terem o tele-encéfalo altamente desenvolvido, o que os possibilita armazenar uma grande
quantidade de informações e, ainda, relacioná-las, processá-las e entendê-las e, ainda, por
possuírem polegar opositor que lhes permitem realizar o “movimento de pinça” com os
dedos, dando a condição de realizar tarefas minuciosas, manipulando-as com precisão. Nesta
linha de argumentação, seriam essas duas características que nos propiciariam transformar
nosso espaço, segundo a explicação sobre a evolução biológica dos seres humanos
apresentada no curta Ilha das Flores de Jorge Furtado.
Contudo, Hannah Arendt, em A Condição Humana, apresenta outra reflexão sobre o que
efetivamente confere a humanidade do homem, a partir do que denominou de atividades
humanas fundamentais: o labor, o trabalho e a ação1
, como atividades fundamentais inerentes
ao homem. Essas atividades correspondem às condições básicas da vida humana “mediante as
quais a vida foi dada ao homem na Terra.” (ARENDT, 2007, p. 15). O que é demonstrado por
Arendt, expressado em sua filosofia, é o processo em que o homem supera e distancia-se de
sua condição animal. O que não significa, no entanto, que o homem elimina a condição
animal, pois está é a condição da própria vida.
No documentário anteriormente citado, a explicação pautada no natural é usada ironicamente
para definição do que é o homem, cujo pano de fundo é a desigualdade sócio-espacial que
fundamenta a reprodução capitalista do espaço. Todavia, as ciências humanas e, dentre elas, a
Geografia, demonstram-nos que as possibilidades de transformações imbricadas pela
sociedade sobre si e sobre a natureza são possíveis não só pelas características biológicas que
detemos, mas, sobretudo, por sermos seres históricos e sociais, capazes de comparar, de
valorar, de intervir, de transformar, de produzir, de transmitir, e, fundamentalmente, seres
1
Fiorati (1999, p.54) traz suas análises sobre o pensamento de Hannah Arendt e expõe sobre as três atividades
fundamentais. “O labor como atividade inerente ao corpo humano no que tange à exigência de manter-se vivo. O
labor é a condição de vida comum a homens e a animais sujeitos à necessidade de prover a própria subsistência.
Daí a denominação de animal laborans para o homem enquanto ser que labora para prover a sua própria
subsistência, comumente utilizada na Antiguidade Clássica para nomear a categoria dos escravos. Já o trabalho é
a atividade correspondente à criação de coisas artificiais, diferentes do ambiente natural e que transcendem às
vidas individuais. Ao construtor do mundo foi dado o nome de homo faber. Em “A Condição Humana”, ainda, é
apresentada a definição de ação: “Atividade exercida entre homens, independentemente da produção de coisas
ou da manutenção da vida, devido ao fato de que os homens e o homem vivem na terra e habitam o mundo”.”
2
culturais capazes de criação e inventividade. É partir do exposto anteriormente, que se
entende como necessário refletir sobre o papel da Cultura no processo de reprodução sócio-
espacial.
Todavia, inicialmente, cabe o esclarecimento sobre o que aqui se entende por Cultura. A
Cultura refere-se aos comportamentos, valores, crenças, regras morais e legais, enfim, àquilo
que permeia e identifica uma sociedade, constituindo-se em seu saber acumulado pelas
gerações. Caracteriza-se como a identidade própria de um grupo humano em um determinado
espaço e tempo, baseada num conjunto de estruturas políticas, religiosas, econômicas etc., que
se manifestam social, intelectual e artisticamente.
No interior deste quadro geral, a música constitui-se em uma manifestação cultural por
traduzir, entre outras coisas, a estética em voga em formas sonoras capazes de expressar e
comunicar as sensações, os sentimentos e os pensamentos das pessoas e seus modos de vida
correspondentes a cada época. Ribeiro, J. (2006, p. 28) ao referir-se ao sanfoneiro e
compositor Roberto Stanganelli, de São Paulo, afirma que “um país só é livre e
verdadeiramente independente quando defende sua música.” Ribeiro traz ainda a citação
direta de Stanganelli, que afirma:
Um povo conquista o outro pela música, pelas artes. Pode, para isso, usar
exércitos, tanques e canhões, poder econômico e pressão política e
psicológica, mas isso tudo como ferramenta. Seu obejetivo último é
conquistar corações e mentes, e isso se dá quando o povo colonizado
despreza seus próprios valores culturais por ter assumido o padrão do
colonizador. (STANGANELLI, s.d. apud RIBEIRO, J. 2006, p.28)
No que tange à música brasileira, tal como é conhecida, a mesma foi disseminada no Brasil
pelas atividades religiosas e artísticas dos jesuítas no período da colonização que, somada,
principalmente, às influências de indígenas e africanos, aqui assumiu, dentre outras, uma
forma bastante particular, qual seja, a música caipira ou de raiz, objeto de reflexão neste
estudo2
. A música Como nasceu o cururu3
de Capitão Furtado e Laureano demonstra a
atividade catequista dos jesuítas.
2
Músicas Caipiras (de transição) e músicas sertanejas (da década de 1990 e do sub-gênero “universitário)
também serão inseridas como forma de dar suporte a pesquisa, no sentido que possibilite as relações e análises
de ambas as músicas, caipira e sertaneja.
3
Música Como nasceu o Cururu de Capitão Furtado e Laureano. (FERRETE, 1985, p. 16).
3
Catequistas se moviam
pra provar o seu amor
aos nativos que temiam
o estranho invasor...
Mas, ouvindo o som mavioso
de uma viola a soluçar,
o selvagem cauteloso
espreitava, a escutar.
Espreitava, a escutar
o aluno de Jesus,
que em campo aberto, a cantar,
plantou uma grande cruz...
Cruz que o índio, a distância,
entendia curuzu
que ao branco parecia
a palavra cururu.
A palavra cururu,
que entrou na tradição,
veio, então, de curuzu,
numa catequização...
A história nos ensina
o ideal da religião
Cururu virou doutrina,
na cantiga do cristão
Assim, a música caipira é o que se pode chamar de tradução em versos de uma cultura que é
maior, a do povo caipira. Ribeiro, J. (2006, p. 20) traz a definição de quem é o caipira,
adotada pelo paulista Cornélio Pires4
, jornalista, escritor e folclorista, pioneiro, pela
compilação e divulgação que fez da cultura caipira:
...há caipiras de várias línguas e cores: o caipira preto (ex-escravo que aderiu
ao modo de viver da terra); o caipira branco (mestiço originário do
estrangeiro branco); o caboclo (descendente de índios catequizados), o
mulato (descendente de preto com branco e com caboclo). (PIRES, s.d. apud
RIBEIRO, 2006, p. 20)
4
“Cornélio Pires levou para o disco a música caipira cantada por autênticos violeiros do interior paulista.” Ele
“... foi o maior divulgador da cultura caipira nas primeiras décadas do século. Escreveu livros, fez palestras e
representou roceiros em monólogos criados por ele. Montou caravanas de violeiros, cantadores e humoristas, e
percorreu muitos cantos do país, especialmente o interior paulista, apresentando-se em palcos nobres ou em
picadeiros dos circos pobrezinhos dos vilarejos.” (NEPOMUCENO, 1999, pp. 100-101). O século citado é o XX.
4
Definição que é complementada por Ribeiro, J. (2006, p. 20) que afirma que “há até o caipira
imigrante5
, primeiramente o italiano, que chegou para trabalhar na lavoura e logo se
“acaipirou”. Sem esquecer alemães, espanhóis, russos, japoneses.”
Em alguma medida, a fala de Cornélio Pires é corroborada por Darcy Ribeiro em O povo
brasileiro, quando ele afirma que os caipiras são a “população das áreas de ocupação dos
mamelucos paulistas, constituída, primeiro, através das atividades de preia de índios para a
venda, depois, da mineração de ouro e diamantes e, mais tarde, com as grandes fazendas de
café e a industrialização.” (RIBEIRO, D. 2006, p. 246). Seja para José Hamilton Ribeiro,
Cornélio Pires ou Darcy Ribeiro, o que se observa é a intrínseca relação entre o sujeito e o
lugar que, fundamentada no trabalho e no modo de vida, define e consolida sua cultura. Neste
trabalho será adotada a concepção de caipira de Darcy Ribeiro que em alguma medida
coincide com a definição de Cornélio Pires.
Uma das reflexões possíveis acerca da cultura caipira e suas composições musicais pode ser
realizada a partir da Geografia que nelas se explicitam e, nesse sentido, sobre os elementos
problematizados, que também são fundamentais para a realização desta pesquisa tais como: a)
qual(is) a(s) relação(ões) existente(s) entre o espaço e o caipira, tendo em vista a
geograficidade revelada nas músicas caipiras compostas? b) quais foram as transformações
ocorridas neste espaço ao longo do tempo? E, como essas aparecem na música caipira? e c)
como estes espaços são vistos hoje em decorrência do processo de modernização, a partir da
redefinição do núcleo de acumulação de riquezas engendrado com a década de 1930? É este
processo que será considerado nesta pesquisa.
E porque a Geografia pode ser usada nessa reflexão? A Geografia, desde que foi
institucionalizada como disciplina científica no final do século XIX, preocupou-se em
entender o que inicialmente denominou de as relações do homem com meio (o entorno
natural) ou, posteriormente, relação sociedade-natureza. Essa ciência foi construída sob
variadas concepções teórico-metodológicas que priorizou ora o homem, ora a natureza ou
buscando refletir sobre a complexa interação entre ambos6
. Ainda que na atualidade a
5
Os imigrantes europeus se reproduziram no Brasil sob os auspícios do colonato. O colono é o trabalhador rural
que arrenda parte da terra sob condição de destinar parte de sua produção como pagamento ao seu proprietário.
6
A Geografia tornou-se uma disciplina institucionalizada nas universidades européias em 1870
aproximadamente. Até 1950, período caracterizado como o da geografia tradicional, os geógrafos deterministas,
possibilistas, culturais ou regionais ligados ao positivismo e ao historicismo, apresentaram em seus debates os
5
Geografia enfrente, entre suas dualidades, a condição de ser idiográfica ou nomotética7
, o que
se deve considerar aqui é que a mesma se expressa como um importante campo científico
capaz de contribuir para uma análise relevante acerca da reprodução social do espaço e seu
processo de modernização correspondente.
A partir desse exposto e da consideração de que o campo de atuação da Geografia se
fundamenta no conceito de espaço geográfico8
, no presente trabalho busca-se entender e
analisar geograficamente as transformações que ocorreram (e ocorrem) no espaço brasileiro e
como estas afetaram o lugar do caipira. O espaço predominante do caipira no Brasil
corresponde ao Sudeste, Sul e Centro-Oeste, sendo dessas regiões alguns estados – São Paulo,
Minas Gerais, Paraná, Goiás e Mato Grosso, conforme mapa 1. Embora o estado do Paraná
também tenha constituído o lugar do caipira, sendo, portanto, um núcleo de desenvolvimento
da cultura caipira, como já afirmado, no mesmo a expansão dos antigos paulistas ou
bandeirantes, como abordaremos no primeiro capítulo, em interação com outras influências
(espanholas, por exemplo) “deu lugar ali a uma área cultural tão complexa e singular”
(RIBEIRO, D., 2006, p. 369) que não pode ser considerada sem suas especificidades que não
serão abordadas aqui. Na região sulista como um todo surgiram modos de vida diferenciados
e incluí-los como análogos as outras áreas formadas pelos paulistas, seria homogeneizar sua
cultura o que não é o intuito.
conceitos de paisagem e região e, “em torno deles estabelecendo-se a discussão sobre o objeto da geografia e sua
identidade no âmbito das demais ciências.” (CORRÊA, 2006, p. 17)
7
Segundo Lencioni (2003) as ciências modernas podem ser divididas e entendidas a partir de duas visões: 1)
idiográfica, ciências que procuram compreender os aspectos da vida social e cultural por meio da incorporação
da dimensão histórica, elaborando assim, análises particulares ao invés de construir explicações generalizadoras
e 2) nomotética, ciências que buscam as relações causais e de leis gerais centrando-se na investigação dos
aspectos da natureza. Ou seja, nessa primeira os fenômenos variam de lugar pra lugar e as suas inter-relações
também variam. Os elementos possuem relações internas e externas com espaço. Já na segunda o estudo é
generalizado, apesar das parcialidades. Através de comparações, obtêm-se um conhecimento genérico e
particular. A Geografia por ser uma ciência exata e humana enfrenta essa dualidade, mas que em contrapartida a
da capacidade de trabalhar simultaneamente com o geral e o particular.
8
O conceito de espaço na Geografia não e unânime na Geografia para consultar sobre a significação e evolução
deste conceito ver SANTOS, M. (2008a) e CORRÊA, R. L. (2006). Aqui considero o espaço geográfico como
lugar das realizações humanas, aquele que foi e é modificado pelo homem ao longo da história humana, ao
mesmo tempo em que também modifica esse homem. Que contém um passado histórico transformado pela
organização social, técnica e econômica daqueles que habitaram ou habitam os diferentes lugares. O espaço é
assim, produto das relações humanas, mas ao mesmo tempo é também reprodutor destas relações, em um
processo dialético, contínuo e permanente.
6
Figura 1. Mapa da localização da área de estudo.
7
Essa análise foi realizada considerando, entre outros elementos, algumas composições de
músicas caipiras, reputando o caipira, seu modo de vida e o contexto de cada produção. Neste
sentido, buscou-se compreender esse sujeito e seu espaço expressados através de sua cultura
manifestada em sua música. Entre as manifestações predominantes destaca-se a importância
da religiosidade, da cultura e natureza do espaço e do modo vida do caipira para tal produção
musical. Conforme bem expôs José de Souza Martins “a música caipira nunca aparece só,
enquanto música. (...) Ela tem sempre acompanhamento de algum ritual, de religião, de
trabalho ou de lazer.” (MARTINS, 1974, p. 25)
A religiosidade, não só para música, mas para a cultura do caipira, está intimamente
relacionada com esse ser, pois ela marca a relação com o tempo, com a atividade produtiva e
com o espaço (e as transformações e relações que nele se estabelecem). Neste sentido, a
música e a religiosidade do caipira são, sobretudo, indicativas da mediação existente entre
este e a natureza por meio de sua atividade produtiva, cujo sentido localiza-se na reprodução
da vida e não na acumulação, haja vista que o mundo caipira foi e é, nos termos de Antônio
Candido, o mundo dos mínimos vitais.9
Essa música de raiz é emblemática dos sentimentos e identidade simbólica e é, ainda,
indicativa da relação muito particular que o caipira estabeleceu com a natureza e como essa
relação foi balizada pela busca da reprodução da vida fora dos circuitos mercantis, o que
engendrou um espaço específico e, ao mesmo tempo, diverso e bastante rico. Esta foi
difundida a partir da década de 1920 com Cornélio Pires e demais duplas caipiras que iam
surgindo.
Uma das peças essenciais do grupo Os Caipiras de Cornélio – responsável
pela agitação que culminou com os primeiros discos gravados e toda a
movimentação em torno do caipira como fator cultural – foi a dupla Caçula e
Mariano. Esses dois irmãos, vindos de Piracicaba, têm espaço garantido na
história dos patriarcas: foram os primeiros caipiras a aparecer em disco –
este, idealizado e viabilizado por Cornélio... Música escolhida: Jorginho do
Sertão, do próprio Cornélio. (RIBEIRO, J., 2006, pp. 61-62, grifo do autor)
9
“... o mundo caipira é um mundo de mínimos vitais. As relações com a natureza e os caprichos desta seriam
determinantes nas oscilações das condições de existência, fazendo com que as pessoas vivam e se relacionam no
nível desses mínimos. Por isso, a eles corresponderiam os mínimos sociais, formas mínimas de sociabilidade ...”
( CANDIDO, 1987 apud MARTINS, 1974, p. 26)
8
Neste sentido, a música caipira pode ser entendida como uma forma de expressão da literatura
lírico-narrativa da espontaneidade dos cantores que atravessa as veredas do tempo no galope
das gerações, pois quem fala é o caboclo nativo e seus descendentes, desconfiados, intuitivos,
místicos, sonhadores e, mais do que isso, sabidos. Homens e mulheres que, como que por
instinto (mas que é expressão de um saber acumulado por gerações) lêem os sinais da
natureza e os interpretam, porque não a dominam, mas dela se apropriam e nela encontram o
equilíbrio na relação estabelecida, processo em que construíram a geografia que lhes deu
suporte e que, ao ser reproduzida, permitiu-lhes (re) produzir sua existência. Artistas que são,
“cantam querências e saberes poetizados que passaram e passam pelo mais severo e ranzinza
dos críticos sociais e da arte: o tempo.” (SANT’ANNA, 2003 apud Ribeiro, J., 2006, p. 7). É
nessa condição que essa arte atravessa a prática caipira, já que ao interpretarem e cantarem
suas querências, o fazem porque isso é resultado do que eles vivem. Daí a verdade da música
caipira.
A partir do exposto, a reflexão proposta fundamenta-se na compreensão do processo de
modernização do espaço brasileiro e como este influenciou (e mesmo redefiniu) a música
caipira até que esta se tornasse residual num primeiro momento, tendo seu espaço substituído,
e posteriormente dividido com música sertaneja.
Cabe ressalvar que, embora a música sertaneja seja, por muitos, considerada como uma
“evolução” da música caipira, a concepção adotada neste trabalho é que se trata de duas
matrizes radicalmente diferentes. A música caipira, como o universo do qual se origina, é
resultante da reprodução da vida que, eventualmente, gera um excedente. Portanto, integra
uma reprodução social ,cujo fundamento é o dos mínimos vitais. Já a música sertaneja surge
como um produto, como uma mercadoria e, como tal, insere-se em outros circuitos
reprodutivos que não mais o da reprodução da vida como fundamento, mas em um mercado
cuja reprodução a ser garantida é a reprodução do capital.
Assim sendo, a música sertaneja surge com um fim objetivado ou como mediação da
reprodução ampliada do valor, enquanto que a música caipira é a expressão de um modo de
vida que se constituiu e reproduziu à margem dos princípios da acumulação monetária, como
bem destacam Martins (1974) e Candido (1987). Assim, ainda que na aparência possam vir a
ter alguma semelhança, o fundamento de cada uma, música caipira e sertaneja, não permitem
essa compreensão. Martins (1974) bem coloca essa discussão em seu texto A Viola Quebrada:
9
... a música sertaneja diferencia-se da música caipira a começar porque o
referencial da sua elaboração não é a realidade do mesmo tipo daquela,
constituída da relação direta e integral entre as pessoas que compõem o
universo desta última. Em segundo lugar, porque a música caipira é meio,
enquanto que a música sertaneja é fim em si mesmo, destinada ao consumo
ou inserida no mercado de consumo. Neste caso, a música não media as
relações sociais na sua qualidade de música, mas na sua qualidade de
mercadoria. (...) Em outros termos, a música sertaneja é diversa da música
caipira porque circula revestida da forma de valor de troca, sendo esta sua
dimensão fundamental. (MARTINS, 1974, p. 33, grifo do autor)
Destarte, a música sertaneja é o dissídio da caipira, pois a primeira é uma música de melodia
simples e melancólica, que, em grande medida traduz em suas letras o “romantismo” (ou algo
do cotidiano), isto é, os conflitos internos, apartados daqueles conflitos ligados às
contradições e precariedades da reprodução social do espaço em que a maioria dos ouvintes
da música sertaneja estavam envolvidos. Por sua vez, a música caipira canta o homem do
campo, de origem simples, seus costumes, religiosidade e relação com a natureza, sua
geografia, ou seja, retrata o sujeito inserido no seu lugar e na complexa relação que os
envolve.
E por que o “romantismo” é necessário à música sertaneja? Ele é necessário porque, no que
se refere ao conteúdo, é preciso falar de um mundo que não seja o do caipira ou outra
realidade sócio-espacial e, quanto à forma, é necessário músicas simples que sejam
rapidamente internalizadas para que possam ser consumidas... E descartadas, permitindo o
reinício do ciclo.
Neste contexto, cabe notar que o processo observado entre os dois estilos - música caipira e
sertaneja- também se deu no sentido dessa última progredir em detrimento da primeira até que
esta se tornasse residual, já que teve rompido o seu fundamento: o lugar do caboclo/caipira,
que se explicita na escassez ou quase desaparecimento das referências feitas aos modos de
vida, aos hábitos, às paisagens, ao território etc., pois na música sertaneja o que é retratado
são os conflitos subjetivos ou de um cotidiano repetitivo, considerando que estes
correspondem às expectativas e necessidades de uma “indústria cultural” massificante. É
10
nesse sentido que se pode entender a afirmação de Waldenyr Caldas10
(1979, p. xx) em
Acorde na Aurora quando afirma que “ a música sertaneja transformou-se numa peça a mais
da máquina industrial do disco”. Mas, a música caipira (re)surge e, no século XXI há um
movimento de valorização e difusão da mesma.
Dentro desta perspectiva, a proposta aqui é mobilizar o cabedal teórico da Geografia para, a
partir desse campo científico, situar uma reflexão que busque fundamentos que permitam
refletir e compreender os alicerces e contradições que sustentaram o modo de vida caipira,
bem como sua desestruturação, grafados em algumas das composições deste gênero. Neste
sentido, como embasamento, busca-se referência na Geografia Cultural que
... está associada à experiência que os homens têm da Terra, da natureza e
do ambiente, estuda a maneira pela qual eles os modelam para responder às
suas necessidades, seus gostos e suas aspirações e procura compreender a
maneira como eles aprendem a se definir, a construir sua identidade e a se
realizar. (CLAVAL, 1997, p. 89)
Assim, o arcabouço teórico da Geografia Cultural torna-se fundamental para que se possa
refletir acerca da relação do sujeito com o seu lugar e, ainda, pela sua subjetividade expressa
na música, na sua cultura, compreender não apenas a construção do lugar do caipira, mas
também sua desconstrução, através do entendimento dos processos e contradições em que
foram envolvidos. Nesse sentido, a partir daquilo que aparece como banal, compreender
elementos que, embora pareçam desimportantes para quem analisa a partir de uma posição
exterior, são estruturais para a reprodução do modo de vida e do lugar.
Contudo, além da abordagem característica da geografia cultural, nesse estudo também se
considera as reflexões da abordagem da geografia marxista, na medida em que esta se
fundamentou no processo de modernização e nas relações da divisão do trabalho a ele
correspondente. Por sua vez, a modernização do espaço (e das relações de produção) no Brasil
é condição essencial para se compreender o modo como o caipira e seu mundo foram
mobilizados nesse processo. Isso porque, se a expressão do processo de modernização que
alcançou o caipira e seu lugar foi explicitado em sua música e por ela pode ser compreendido,
os fundamentos dessa modernização foram definidos alhures e integram o processo mais geral
10
Apesar deste autor considerar que as música sertaneja “nasceu da caipira”, o que não concordo, corroboro com
suas análises quando o mesmo trata da transformação ou próprio desenvolvimento brasileiro ocorridas no século
XX, que em detrimento das culturas tradicionais se assim posso dizer impuseram as modificações econômicas,
sociais e políticas.
11
e mais amplo de divisão do trabalho, processo sobre o qual a geografia marxista produziu
importante acúmulo.
Porém, é necessário ressaltar que a perspectiva da consideração das abordagens cultural e
marxista da Geografia, para esse estudo, não desconsidera os aspectos conflitantes das
mesmas. Ao contrário, entende suas diferenças como fundamentais, como bem expressa
Corrêa, quando afirma que a primeira abordagem:
...está assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na
experiência, no simbolismo e na contingência, privilegiando o singular e não
o particular ou o universal e, ao invés da explicação, tem na compreensão a
base de inteligibilidade do mundo real. (CORRÊA, 2006, p. 30)
O que permite que se possa compreender o modo como esse processo alcançou e modificou o
caipira, transformando-o, redefinindo-o.
Já a abordagem marxista, que traz suas reflexões no bojo da reprodução do espaço
fundamentada na crítica à “lógica” do capital – crise, desigualdades econômicas e espaciais,
luta de classes, possibilita compreender os fundamentos e contradições mais gerais que, ao se
materializarem, desestruturaram o universo do caipira. Isto porque, como bem expressou
Roberto Lobato, na geografia marxista, o espaço enquanto conceito-chave “... é concebido
como lócus (grifo do autor) da reprodução das relações sociais de produção, isto é,
reprodução da sociedade.” (Ibidem, p. 26).
Sendo assim, vê-se que os limites da geografia cultural e da geografia marxista estão
engendrados ora no âmbito do entendimento do indivíduo apartado das suas relações mais
gerais, sofrendo influência (e ao mesmo tempo influenciando) do todo no qual esta inserida;
ora priorizando as relações sociais mais gerais, quase sempre no âmbito das relações entre
classes sociais, distanciando do indivíduo, desconsiderando o que classifica como banal e
desimportante, o que acarreta a não consideração da influência do nível do vivido sobre as
relações sociais mais gerais.
Assim, entende-se que a primeira é importante por tratar o objeto na perspectiva fenomênica e
a partir de pequenos elementos ou fatores que podem ser essenciais para compreensão do
sujeito e seu lugar na complexidade que os envolve, ou seja, a partir da forma como este se
12
expressa e da subjetividade dos sujeitos. Já a geografia marxista é importante porque seu
arcabouço teórico-conceitual propicia o suporte necessário ao entendimento das
transformações sociais, econômicas e espaciais fundamentais mais gerais que envolveram a
sociedade brasileira ao longo do século passado e, consequentemente, o universo do caipira e
sua música, bem como a música sertaneja como expressões da reprodução social do espaço
que são, afinal, uma forma dentre as expressões culturais possíveis dos processos e relações
vividos.
Neste sentido, a análise geográfica coloca-se como capaz de contribuir, na medida em que por
ela se é possível considerar o espaço tanto como resultante das transformações e relações,
quanto como produto e reprodutor das mesmas e, da análise desse espaço e do entendimento
da sociedade caipira.
A metodologia adotada para a realização desta pesquisa consistiu na elaboração de um
arcabouço teórico capaz de fundamentá-la, tendo por base uma revisão bibliográfica de
estudos geográficos, mas também de outros campos científicos, tais como estudos
sociológicos e antropológicos. Além da revisão bibliográfica, também foram escolhidas
composições musicais representativas não apenas do gênero estudado, mas que também
possibilitassem a leitura da geografia do lugar de onde vieram.
O procedimento metodológico adotado para a escolha das músicas foi a seleção de algumas
composições de cada gênero, divididas em blocos para a análise e reflexão, sendo eles: a)
músicas caipiras tradicionais, ou clássicos desta; b) músicas caipiras que exprimem o
período de transição de uma sociedade rural para uma sociedade urbanizada, onde as
composições trazem, pela lamentação, a representação do rural perdido; c) músicas sertanejas
que já não mais adotam uma roupagem ou representação caipira, na medida em que o
processo de urbanização já estava consolidado. As composições que explicitam este momento
da reprodução social do espaço são, fundamentalmente, aquelas oriundas das décadas de
1975-1990, período em que, “liberto” das “amarras” das representações caipiras, o sertanejo
alcança o mesmo estatuto de outros gêneros tidos como populares e d) no interior do gênero
sertanejo, é necessário considerar para que o que este aponta ou qual reprodução sócio-
espacial que se explicita no sub-gênero denominado de “sertanejo universitário”.
Indubitavelmente, trata-se do mesmo gênero musical, não havendo mudanças substanciais na
forma e conteúdo deste gênero. No entanto, o que vem sendo chamado de sertanejo
13
universitário se não comporta mudanças substanciais, explicita a exacerbação da música como
mercadoria que, como qualquer outra, necessita ter o seu ciclo de rotação acelerado para
viabilizar a reprodução ampliada do valor. E, finalmente algumas considerações a partir da
reflexão sobre novas músicas caipiras, neocaipiras ou contemporâneas.
Dos blocos musicais indicados, todos são compostos por músicas cuja composição são
condizentes com o período de análise, exceto as músicas do primeiro bloco em que a
periodização analisada não corresponde necessariamente a ocasião de sua composição. Sendo
assim, elas foram compostas antes do período transitório da música caipira para a sertaneja e
posteriormente a eles. É devido a essa possibilidade que algumas das músicas caipiras
selecionadas podem ter incorporadas em si elementos que são de uma sociedade urbana.
Todavia, ainda que sua composição seja contemporânea, aquilo que a qualifica permanece, ou
seja, resulta ou se insere em outro circuito que não o mercantil. Foi devido a essa
especificidade que neste trabalho não se adotou a metodologia de se analisar as músicas por
décadas de composição, percurso mais linear. Especificidade que se somou à dificuldade de se
obter acesso às composições de músicas caipiras que começaram a se gravadas a partir da
década de 1920.
A escolha das músicas se deu no sentido de priorizar composições que possibilitassem na
análise a identificação dos elementos que fundamentam e permitam reconhecer o universo do
caipira do qual sua música deriva; músicas que demonstram, ainda que pela lamentação em
alguns casos, a desestruturação do universo do caipira e; músicas que explicitam quais são os
preceitos e a reprodução sócio-espacial do qual emerge a música sertaneja, principalmente a
partir da década de 1970.
Será possível perceber que as músicas escolhidas para os dois primeiros blocos a e b possuem
uma estrutura bem mais complexa, não só por serem mais difícil memorizar, mas também
porque objetivam, retratam uma realidade que se materializa redefinindo modos de vida. São
músicas em que o que prepondera é o seu valor de uso. Já as músicas dos demais blocos, as
sertanejas, não têm essa preocupação, elas trazem melodias e letras redutoras, mas
principalmente descartáveis, que rapidamente são/serão substituídas pela música subsequente
que fará sucesso, neste contexto, como já apresentado, nessas composições, prevalece o valor
de troca.
14
Capítulo 1. A formação sócio-espacial brasileira tradicional, a constituição do modo de
vida caipira e o projeto urbano-industrial do Estado
Iniciar-se-á este capítulo com uma breve introdução e retomada histórica sobre o processo de
produção e reprodução do espaço brasileiro, considerando, sobretudo, a formação e a
importância do “Brasil Caipira” na constituição do país. Para essa elaboração, foram
consideradas, entre outras, as reflexões desenvolvidas por Darcy Ribeiro em op. cit.
Nessa obra, o autor apresenta uma divisão regional em cinco “Brasis”, “divisão”
fundamentada nos modos de vida identificados pelo autor que, de acordo com o seu
argumento central, constituíram-se na e pela relação estabelecida entre sujeito-natureza, no
processo de ocupação do território brasileiro a partir do século XVI e ao longo dos séculos
seguintes, culminando no que é o país hoje. Assim, Ribeiro indica uma matriz de
entendimento da cultura tradicional brasileira que desde o início foi precoce, vigorosa e
flexível.11
Para ele, as várias culturas tradicionais brasileiras são representadas
... pela cultura crioula, que se desenvolveu nas comunidades da faixa de
terras frescas e férteis do Nordeste, tendo como instituição coordenadora
fundamental o engenho açucareiro. Pela cultura caipira, da população das
áreas de ocupação dos mamelucos paulistas, constituída, primeiro, através
das atividades de preia de índios para a venda, depois, da mineração de ouro
e diamantes e, mais tarde, com as grandes fazendas de café e a
industrialização. Pela cultura sertaneja, que se funde e difunde através dos
currais de gado, desde o Nordeste árido até os cerrados do Centro-Oeste.
Pela cultura cabocla das populações da Amazônia, engajadas na coleta de
drogas da mata, principalmente nos seringais. Pela cultura gaúcha do
pastoreio nas campinas do Sul e suas duas variantes, a matuta-açoriana
(muito parecida com a caipira) e a gringo-caipira das áreas colonizadas por
imigrantes, predominantemente alemães e italianos. (RIBEIRO, 2006, pp.
246-247)
11
A precocidade da matriz cultural tradicional brasileira é representada pelas protocélulas, ou primeiras
comunidades aldeãs constituídas por índios desgarrados de suas tribos, portugueses e seus mestiços, que eram
influenciados tanto pela cultura indígena, quanto regidos pelos princípios organizacionais da cultura européia. O
vigor e flexibilidade também referentes à matriz representa justamente a capacidade destes protobrasileiros de se
tornarem ou transformarem nas principais variâncias da cultura brasileira tradicional, através de um longo
processo (quatro séculos seguidos desde o descobrimento) de adaptação e diferenciação, pelo ajustamento as
condições de cada região e seus respectivos tipos de produção. (RIBEIRO, 2006).
15
Dentre os Brasis apresentados, o Brasil Caipira é o que tem maior relevância para os
objetivos dessa pesquisa o que, no entanto, não autoriza a desconsideração dos demais, na
medida em que, como explicita Darcy Ribeiro, os Brasis estão intrinsecamente relacionados.
Nas primeiras décadas após a chegada dos portugueses ao Brasil, durante o período de
reconhecimento, a ação colonizadora vinculou-se à exploração do pau-brasil, sendo esta
basicamente, extrativista e essencialmente localizada a leste do território brasileiro. Ao longo
das décadas seguintes à chegada ao Brasil, Portugal viu-se ameaçado por outras metrópoles
européias, tais como ingleses, holandeses e franceses, o que os obrigou a estabelecerem o
processo de colonização e fixação no território brasileiro, conforme refletiu Moraes, (2000).
Apesar do comércio de madeira ter sido importante nos primeiros anos da colonização, pode-
se afirmar que o primeiro grande empreendimento mercantil brasileiro foi o açucareiro,
devido à grande aceitação e preço alcançado por esse produto na Europa. A cana-de-açúcar,
cultivada no Nordeste costeiro do Brasil (Brasil Sertanejo nos termos de Darcy Ribeiro), foi
plantada em larga escala, o que possibilitou vultuosos ganhos para Portugal, tornando a
colônia brasileira fundamental para a metrópole portuguesa. Essa faixa de terras frescas e
férteis do massapé:
conformou [...] um tipo particular de população com uma subcultura própria,
a sertaneja, marcada por sua especialização ao pastoreio, por sua dispersão
espacial e por traços característicos identificáveis no modo de vida, na
organização da família, na estruturação do poder, na vestimenta típica, nos
folguedos estacionais, na dieta, na culinária, na visão de mundo e numa
religiosidade propensa ao messianismo. (RIBEIRO, 2006, p. 307)
Enquanto o Nordeste era (des)envolvido de suas relações, a pobreza se instaurava nos núcleos
que não detinham os engenhos de açúcar e escravos negros, como os paulistas, por exemplo.
Ribeiro, D. (2006) afirma que estes paulistas, mestiços de índio com europeu, detinham um
modo de vida grosseiro, baseado na vida tribal com uma economia voltada para o próprio
sustento, ou seja, uma economia de subsistência, falando uma língua em geral originada do
Tupi. Essas condições restritas impuseram como necessidade de sobrevivência a constante
anexação de novas tribos indígenas e, principalmente, suas áreas de cultivo. Por sua vez, os
índios recém incorporados tendiam a se a adaptar (os que não se adaptavam eram dizimados),
construindo o processo de troca que viria a constituir o fundamento do Brasil caipira.
16
É preciso dizer que o sentido de “Sertanejo” atribuído ao “Brasil” por Ribeiro, D. (2006) não
é o mesmo que o atribuído ao gênero musical. Embora ambos derivem da questão geográfica,
em oposição ao litoral, em referência à ocupação a oeste do território, o sentido atribuído por
Ribeiro fundamenta-se em um modo de vida muito particular e na estreita relação existente
entre o sujeito, o lugar e as condições naturais que, dialeticamente, condicionava e permitia a
reprodução da vida. Já o sertanejo do gênero musical, embora apareça como uma
representação do sertão, do interior do Brasil e do modo de vida a ele associado, é
essencialmente, expressão de um modo de vida urbano que, no entanto, precisa
ocasionalmente se alimentar da aparência daquilo em que consistiu o rural.
Por mais de um século, os paulistas mamelucos ou bandeirantes incorporaram às suas tribos
milhares de indígenas, primeiro pra servi-los nas vilas e sítios, posteriormente para
comercializá-los nos engenhos, juntamente com os negros fugidos (que se escondiam nos
quilombos), os quais caçavam, buscando-os nos mais longínquos rincões. Essa condição
levou-os a se caracterizarem também como mateiros e sertanistas, especializando-se assim,
também como homens de guerra.
Segundo Morais, (2000), inicialmente, foi no processo de caça aos índios e negros fugidos
que os paulistas adentraram para interior do Brasil, movimento que também se associou à
esperança de encontrar metais e pedras preciosas, assim como já acontecia nas colônias
espanholas. Os metais preciosos foram encontrados pelos bandeirantes primeiro nos sertões
de Taubaté, com garimpos paupérrimos, depois em Minas Gerais e Mato Grosso e
posteriormente em Goiás, cuja extração e exportação em larga escala caracterizaram um novo
ciclo econômico do Brasil: o do ouro, que foi seguido pela descoberta de diamantes.
Assim, pode-se afirmar que os bandeirantes12
foram responsáveis pela mudança na
configuração do território brasileiro, haja vista que com suas descobertas ocorreu um processo
de interiorização e povoamento do interior brasileiro. É significante frisar que o êxito das
bandeiras se deveu, principalmente, ao declínio do empreendimento açucareiro dos Brasis
Crioulo e Sertanejo, que por volta de meados do século XVII, já era eminente, graças à
produção em larga escala dos engenhos holandeses nas Antilhas. Esse fato engendrou a
12
É o próprio bandeirante reconhecido “raiz da música caipira, pois doou-lhe suas características de resistência e
permanência.” (SANTOS, E., 2005, p. 28)
17
desaceleração e, consequente, crise da economia açucareira, ainda que o Estado tenha
financiado e sustentado por longos anos a produção maciça de cana por meio de
“empréstimos, moratórias e privilégios de mercado” como bem ressaltou Ribeiro.
A mineração no Brasil constituiu-se, aproximadamente, a partir dos anos de 1700. Esse novo
ciclo econômico brasileiro deslocou o eixo colonial histórico do nordeste para o centro-sul
brasileiro. Devido a isso, a atividade minerária do século XVIII promoveu determinado
desenvolvimento urbano e o surgimento de estratos sociais intermediários em Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso, sobretudo. O ouro, cuja exploração era monopólio da Coroa
Portuguesa, teve uma exploração acentuadamente vertiginosa e forçosamente incentivada,
intensificando-se no século XIX.
Nessa época a exploração do ouro possuía alta rentabilidade. Neste sentido, todos da região
aurífera, como por exemplo, Vila Rica, Sabará, Mariana etc., dedicavam-se quase que
exclusivamente a esta exploração, chegando a determinados momentos em que havia escassez
na produção de alimentos. Devido a isso, surgiram nas imediações das regiões de exploração,
áreas de cultivo de alimentos baseado na agricultura familiar. Essa produção destinava-se a
abastecer a população minerária. O agricultor camponês “responsável” por essa produção era
o caipira, que comercializava seu excedente, se inserindo no ciclo do ouro de maneira
marginal. Essas áreas agricultáveis deram procedência a povoados que posteriormente se
tornaram cidades que conhecemos hoje, como Belo Horizonte, por exemplo, que tem sua
origem no antigo curral Del Rey, um curral, onde se criava animais e plantava alimentos que
ajudavam a abastecer Sabará e Vila Rica, atual Ouro Preto, como demonstraram os estudos de
Barreto (1995).
Da maneira como fora empreendida, a exploração esgotou em menos de dois séculos os
aluviões encontrados, o que fez insigne a decadência do ciclo aurífero, que a partir do
endividamento das populações, proporcionou a progressiva desagregação da economia e da
sociedade organizada no entorno da exploração do ouro.
Segundo Ribeiro, D.,
esgotado o impulso criador dos bandeirantes que se fizeram mineiros, toda a
economia da vasta população do Centro-Sul entra em estagnação. Mergulha
18
numa cultura de pobreza, reencarnando formas de vida arcaica dos velhos
paulistas que se mantinham em latência, prontas a ressurgir com uma crise
do sistema produtivo. A população se dispersa e se sedentariza, esforçando-
se por atingir níveis mínimos de satisfação de suas necessidades. O
equilíbrio é alcançado numa variante da cultura brasileira rústica, que se
cristaliza como área cultural caipira. É um novo modo de vida que se
difunde paulatinamente a partir das antigas áreas de mineração e dos núcleos
ancilares de produção artesanal e de mantimentos que supriam de
manufaturas, de animais de serviços e outros bens. Acaba por esparramar-se,
falando afinal a língua portuguesa, por toda área florestal e campos naturais
do Centro-Sul do país, desde São Paulo, Espírito Santo e estado do Rio de
Janeiro, na costa, até Minas Gerais e Mato Grosso, estendendo-se ainda
sobre áreas vizinhas do Paraná... Em essência, exaurido o surto minerador e
rompida a trama mercantil que ele dinamizava, a paulistânia se “feudaliza”,
abandonada ao desleixo da existência caipira. (RIBEIRO, D., 2006, pp. 345-
346)
Essa região dos estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, onde ocorreu a mineração
tornou-se então uma “segunda região” de desenvolvimento da cultura caipira, já que com os
bandeirantes paulistas ocorreu o que se pode chamar de uma primeira região ou protocultura
caipira, a partir do encontro do europeu com o indígena que possibilitou uma relação peculiar
e própria desse modo de vida.13
A população resultante do processo aurífero então decadente encontrava-se endividada e,
muitas vezes, sem condições de manter o próprio sustento. Os que ainda detinham algum
título ou posses migraram para outras regiões em busca de melhores condições de vida. Já a
grande maioria se manteve nas regiões da minas, dispersos pelas extensas áreas de terra e em
distantes núcleos familiares. Todavia, essa distância não ocasionou uma segregação, pois
munidos dos costumes dos paulistas, os caipiras passaram a estruturar-se em bairros rurais.
Numa perspectiva geográfica, Rodrigues (1973, p. 3) retrata os bairros rurais como:
[...] uma unidade espacial, de limites imprecisos, caracterizado pelo
sentimento de localidade, sendo uma área de referência do espaço mais
amplo representado pelo município. Como unidade espacial pode abrigar
mais que um grupo de vizinhança, os quais se integram no seio do grupo de
localidade que lhes corresponde.
13
Ainda que São Paulo tenha sido a primeira região do caipira, tanto este estado quanto Minas Gerais, Goiás e
Mato Grosso se consolidaram enquanto lócus do caipira.
19
Os bairros rurais encontravam-se isolados, funcionando quase que como uma autarquia, e as
relações com este local se davam pelo sentimento de pertencimento. Os principais alicerces
deste tipo de unidade territorial são a religiosidade e as relações de parentesco entre os
membros do bairro, onde os laços familiares são os responsáveis pela organização, articulação
e constituição do bairro.
A religiosidade intrínseca do local era responsável pela unidade social das pessoas que nele
habitavam, as festas e danças realizadas - (Folia de Reis Festa dos Santos Reis, Dança de São
Gonçalo etc.) 14
- geralmente em homenagem a algum santo padroeiro - possibilitavam o
envolvimento geral da comunidade, que quando não acontecia em função de um evento
religioso, dava-se pelo mutirão.
Conforme Candido (1987), o mutirão consiste em uma espécie de ajuda recíproca, entre os
membros do bairro rural, para as atividades que demandavam serviço de um número maior de
pessoas, como roçados, plantações, construções etc. O benefício cedido devia ser retribuído
sempre que necessário e, ainda, quem recebia o favor deveria oferecer uma festa farta de
comida como forma de retribuição e celebração ao fim do trabalho concluído. Esse autor, em
Os parceiros do Rio Bonito, refere-se a um velho caipira do bairro rural, que diz ser uma
obrigação com Deus a ajuda aos demais membros da comunidade, o que faz com que todos
realizem sem recusas o pedido de auxílio. Essa passagem de Antônio Cândido revela a
importância e a influência da religiosidade sobre o bairro rural e o modo de vida do caipira.
Foi no bairro rural pautado pela economia dos mínimos que o caipira se desenvolveu e
reproduziu sua existência, ao mesmo tempo em que reproduziu seu espaço, reprodução que
perdurou enquanto essa relação entre o lugar e o modo de vida foi possível, onde se alicerçou
“na produção familiar essencialmente de subsistência e nas relações de compadrio” que
caracterizaram, dentre outras coisas, as diversas “manifestações culturais com as modas de
14
Martins (1974, pp. 30-31) faz referência às festas e danças dos caipiras como ritos religiosos que se utilizavam
e utilizam da música para se cumprir. Os lavradores e não somente cantadores da Folia de Reis “deslocam-se de
um bairro rural ao outro e, em cada bairro, uma casa se transforma em pouso da bandeira”. Na casa os foliões
passam a noite, se alimentam, fazem as rezas, prendas são recolhidas. A Folia Reis realiza-se em caráter de
peregrinação, já que os bairros rurais são esparsos. “A Festa dos Santos Reis completa um período de
peregrinação da Folia de Reis” está tem basicamente as características da primeira sua diferença é a realização
do baile na roça, “atividade profana” antecedido pela reza, sempre em primeiro lugar. “A Dança de São Gonçalo
é na casa do próprio caipira que possui diante do altar desse santo, geralmente localizado na sala. O dono da casa
faz com intuito de cumprir promessa e quem é convidado e dança também tem mesmo objetivo.
20
viola, as danças, os causos... que são singulares na culinária, na vida religiosa e nas crendices”
(MARIANO, 2000, s.p.)
Cessado o ciclo do ouro e com advento da nova economia, a cafeeira, as comunidades caipiras
negaram-se a adequarem-se às exigências da vida urbana e, principalmente, do modo de
produção mercantil, já que nos bairros rurais, em suas terras, eles tinham a condição de se
organizarem segundo suas necessidades e aspirações, o que não coincidia com a aplicada fora
dos bairros. A vida rural caipira permitiu que, assim ordenada, equilibrasse satisfatoriamente
os períodos da faina alternada ao lazer, o que induziu a uma caracterização falseadora do
mesmo, como vadio, ocioso, imprevidente e desambicioso. Isso porque o engajamento
necessário aos sistemas de trabalho mercantilistas não eram bem quistos pelo caipira, pois o
mundo moderno era e é o do trabalho que garanta a acumulação e o lucro e o “mundo” do
caipira era o trabalho (mas que garantisse suas necessidades básicas). Assim, o ócio era parte
integrante e fundamental deste mundo, pois no lazer, além do descanso e dos compromissos
com a fé, o caipira, refletia sobre e organizava as atividades do trabalho.
Segundo Darcy Ribeiro (2006), nesse período, a livre ocupação das terras pelas comunidades
caipiras só era possível pelo momento de recessão econômica, que perdurou de 1790 a 1840,
pois a terra não possuía ainda status de mercadoria. Passado este momento, com o país
iniciando as atividades agroexportadoras, do ciclo do café, as comunidades caipiras
começaram a ser aglutinadas, já que a terra, no bojo das transformações iniciadas em 1850 e,
que culminaram com a abolição da escravidão em 1888, assumiriam status de mercadoria,
realizando assim valor econômico.15
As comunidades caipiras resistiram a esse novo modo de produção, resistência que, para elas,
significava a preservação de seu modo de vida, na medida em que o caipira está
intrinsecamente ligado à sua relação com a terra e modo de produção. Enquanto no Brasil
perdurou a segunda economia mercantil16
, o caipira resistiu ao que se pode chamar de
fundição total aos padrões de vida fora dos mínimos vitais.
15
“Com a independência e com o fim da escravidão, trataram os governantes do país de abrir a possibilidade de,
através da “posse”, legalizar grandes extensões de terras. Com a lei de terras de 1850, entretanto, o acesso à terra
só passou a ser possível através da compra/venda com o pagamento em dinheiro, o que limitava, ou mesmo
impedia, o acesso à terra dos escravos que foram sendo libertos.” [e aos caipiras]. (OLIVEIRA, 1988, p.11)
16
O Brasil possui três períodos mercantis. O primeiro deles, foi o do ciclo da cana de açúcar, o segundo foi o do
ciclo cafeeiro, iniciado após o ciclo do ouro, que foi agrário e, o terceiro foi o industrial iniciado na década de
1930 com o projeto desenvolvimentista do Estado Brasileiro.
21
Todavia, com o declínio do ciclo cafeeiro, processo intensificado pela crise de 1929, e com o
novo projeto do Estado brasileiro, então comandado por Getúlio Vargas, fundamentado na e
pela industrialização/urbanização, as comunidades caipiras foram rompidas pela própria
ruptura de seu lugar. Não apenas o lugar do caipira, mas também ele próprio, foi inserido na e
pela reprodução social urbano-industrial, o que levou, décadas mais tarde, se não ao
desaparecimento total do caipira, à condição residual, inserindo-os (ele e sua cultura)
marginalmente na sociedade que se reproduzia sob o viés modernizador.
É importante frisar que o período do projeto desenvolvimentista do Estado, acima citado,
corroborou intencionalmente com a marginalização e estereotipação do caipira, que
amplamente representado pelo personagem Jeca Tatu, dos escritos de Monteiro Lobato17
e os
filmes do Mazzaropi, onde o caipira foi ridicularizado e desqualificado, como forma de
construir na população brasileira de extração rural, mas que se urbanizava, a representação
negativa do caipira, a ponto das pessoas negarem tal identidade, procurando livrar-se do
estigma “caipira”, condição essencial para a aceitação do modo de vida urbano. Processo de
aculturação que, afinal, foi fundamental para a modernização da sociedade brasileira,
principalmente a partir da mudança do eixo de sua acumulação em 1930 que se desloca de
uma base mercantil-agrária para a base urbano-industrial no processo veloz que necessitou
apenas de algumas décadas para se estabelecer.
O estabelecimento do binômio – industrialização e urbanização – caracterizou uma nova fase
brasileira e o país teve sua modernização implementada pelo Estado que criou uma rede de
estruturação das regiões periféricas em função da chamada região Centro Sul, tendo em São
Paulo, o centro privilegiado de acumulação de capital, onde se formou um núcleo de
reprodução capitalista de notoriedade desde a cafeicultura, que não era antes, quando dos
núcleos açucareiros nordestinos. Francisco de Oliveira (1981, p. 37) reflete sobre esse
17
Ver Ribeiro, D. (2006), quando o mesmo diz: “as páginas de Monteiro Lobato que revelaram às camadas
cultas do país a figura do Jeca Tatu, apesar de sua riqueza de observações, divulgavam uma imagem verdadeira
do caipira dentro de uma interpretação falsa. Nos primeiros retratos, Lobato o vê como um piolho da terra,
espécie de praga incendiária que atiçava fogo à mata, destruindo enormes riquezas florestais para plantar seus
pobres roçados. A caricatura só ressalta a preguiça, a verminose e o desalento que o faziam responder com um
“não paga pena” a qualquer proposta de trabalho. Descreve-o em sua postura característica, acocorado
desajeitadamente sobre os calcanhares, a puxar fumaça do pito, atirando cusparadas para os lados. Quem assim
descrevia o caipira era o intelectual-fazendeiro da Buquira, que amargava sua própria experiência fracassada de
encaixar os caipiras em seus planos mirabolantes. O que Lobato não viu, então, foi o traumatismo cultural em
que vivia o caipira, marginalizado pelo despojo de suas terras, resistente ao engajamento no colonato e ao
abandono compulsório de seu modo de vida tradicional.” (RIBEIRO, D. 2006, p. 352)
22
processo em Elegia para uma re(li)gião onde afirma: “a ‘região’ do café passa a ser a ‘região’
da indústria: São Paulo é o seu centro, o Rio de Janeiro seu subcentro, Minas Gerais e o
Paraná seus limites e a expansão da fronteira dessa “região” começa a capturar os espaços
vazios do Centro-Oeste.”
Um aspecto sobre a industrialização de São Paulo não pode deixar de ser considerado, já que
“de um modo geral, pode-se dizer que a dispersão espacial da indústria obedeceu a uma lógica
econômica que também era uma lógica do espaço”, conforme destacou Seabra, ( 2003, p.
142). Em qual sentido a autora faz essa afirmação? No sentido de dizer que o avanço e
desenvolvimento da indústria em São Paulo se deu em muito devido à localização das
mesmas e ainda devido ao “aumento do número de estabelecimentos em áreas de expansão do
centro da cidade.” (Ibidem, p. 142)
Convém aqui explicitar que por mais célere que tenha sido o processo urbano-industrial de
São Paulo “ele não atingiu da mesma forma, nem com a mesma intensidade, a cidade e o seu
entorno”, pois a lógica industrializante “se difundia a partir do centro” e não abrangia o
entorno de São Paulo onde se encontravam os caipiras do além-Tietê, que se alocavam nas
“áreas paupérrimas que contrastavam com o extraordinário movimento de modernização,
centrado nas exigências, primeiro da economia do café, e, depois, do estabelecimento das
indústrias em São Paulo” (SEABRA, 2003, pp. 129, 146 e 166). Cabe refletir: aos olhos de
quem? E como? Essas terras eram consideradas demasiadamente pobres, já que os caipiras
perpetravam um modo de vida, que ainda que fosse residual, caracterizava suas condições
ideais de vida:
Nos sítios, a agricultura de subsistência com cana, milho, mandioca,
abobora, alguma criação e muitas arvores frutíferas. A pesca nos rios,
riachos, nas lagoas, como também a caça de pequeno porte era praticada até
a Cantareira. (SEABRA, 2003, p. 163)
Considerando o exposto vemos que o caipira se reproduzia fora dos padrões do mercado, não
considerando o sobre-trabalho. É, neste sentido, que se pode dizer que essa população não
tinha as condições básicas, garantidas, pelo Estado, como, por exemplo, saneamento básico,
pois ainda não era necessário “preocupar-se” com um povo que sequer estava inserido dentro
ou imbuído do grande objetivo, a acumulação do capital.
23
O desenvolvimento urbano-industrial do centro-sul ocorreu, sobretudo, balizado e sustentado
pelos avanços sobre a região Nordeste, pela busca de fornecimento de mão-de-obra e na busca
de ligar a mesma as demais. Antes de imbricarmos neste fato cabe dizer que desde meados do
século XIX até meados do século XX configuraram-se no Brasil dois Nordestes: o “Nordeste
açucareiro semiburguês” excluído dos “circuitos de produção e da apropriação do valor
gerado pela mercadoria café” que “tinha sua expansão cortada pela simbiose dialética da
constituição novo Nordeste algodoeiro- pecuário”, que estava nas “mãos da classe
latifundiária que comandava o processo produtivo algodoeiro-pecuário, reiterado pela sua
subordinação aos interesses do capital comercial e financeiro inglês e norte-americano”
(OLIVEIRA, F. 1981, p. 35). No Nordeste algodoeiro-pecuário tem-se o desenvolvimento do
que se pode chamar de “proto-industrialização” do Brasil com o estabelecimento das
indústrias têxteis, que perderiam sua força de atuação e seriam destruídas com a efetiva
industrialização implementada pelo Estado pós-anos 1930, pois “são fábricas que não
conseguem competir em preço e qualidade.” (Ibidem, p. 76)
Esse quadro descrito acima serve para demonstrar, dentre outras coisas, como a região
Centro-Sul conseguira mão-de-obra necessária para seu desenvolvimento pleno, ocasionado
também, pela destruição dos dois Nordestes brasileiros18
, haja vista, que suas “circularidades
específicas de reprodução” foram “ultrapassadas e dissolvidas pela nova forma de reprodução
do capital da “região” em expansão.” (Ibidem, p. 76)
A conversão da “região” do café em “região” da indústria começa a
redefinir a própria divisão regional do trabalho em todo o conjunto nacional.
Seu papel nessa divisão regional do trabalho no respeita à “região” Nordeste
passa a ser de um lado, sistematicamente, a reserva do exército industrial de
reserva: as migrações Nordeste - São Paulo chegam a construir um
formidável contingente que vai suprir os postos de trabalho criados pela
industrialização, e contribuir para manter baixos os níveis de salário real de
toda a massa trabalhadora; por outro lado, os diferenciais da taxa de lucros
começa a drenar o capital que ainda se formava no Nordeste; e ainda sob
outro aspecto, (...), favorecendo sistematicamente uma taxa de câmbio
18
“Os estudos do desenvolvimento industrial da “região”... Centro-Sul... toma espacialmente a forma de
destruição das economias regionais ou da “regiões”. Esse movimento dialético destrói para concentrar, e capta
o excedente das outras “regiões” para centralizar o capital... A diferença desse processo, quando comparado aos
efeitos que a expansão capitalista do Centro-Sul exerceu sobre outras “regiões”, é ilustrativa: o efeito inicial
destruidor sobre os “Nordestes” somente ocorre porque nestes existiam “economias regionais”, com
circularidades específicas do processo de reprodução. Não se nota o mesmo efeito em relação a uma região como
o Centro-Oeste: aqui, a redivisão regional do trabalho comandada pela expansão capitalista do Centro-Sul tomou
claramente as formas de “criação” e não de “destruição”...”(OLIVEIRA, F., 1981, p. 77, grifos do autor). Essa
“criação” referida por Oliveira nos remete a marcha para o oeste criada no início do governo de Getúlio Vargas
para incentivar o progresso e a ocupação das várias terras desocupadas no Centro-Oeste brasileiro.
24
subestimada, ao mesmo tempo que elevava nacionalmente as taxas
alfandegárias para a proteção da indústria de transformação, deu lugar a um
mecanismo de triangulação das trocas de mercadorias Nordeste-Exterior-
Centro-Sul-Nordeste que deprimia a taxa de realização do valor das
mercadorias produzidas no Nordeste, inviabilizando ainda mais a reprodução
do capital na região nordestina. (OLIVEIRA, F., 1981, p. 37, grifo do autor)
A migração nordestina empreendida maciçamente, nas décadas de 1930-40 garantia a mão-
de-obra19
que não poderia ser conseguida, por exemplo, nas pequenas áreas rurais paulistas,
lócus do caipira, que se reproduzia, mesmo que de maneira precária, as margens do excedente
e do lucro. Foi neste contexto que o trabalhador nordestino constituiu-se como o proletariado
de grande importância para as indústrias ou ao “setor terciário” centro-sulista20
. Um
proletariado que trabalhava pelo salário mínimo, que o caipira, ainda não carecia, pois tinha a
terra que lhe garantia sua (re)produção.
É importante ressaltar que o primeiro salário mínimo fixado foi interpretado rigorosamente
pelos seus criadores como “salário da subsistência” que considerava “as necessidades
alimentares (...) para um padrão de um trabalhador que devia enfrentar um certo tipo de
produção”. Salário esse garantido pelas recém criadas leis trabalhistas, “que faziam parte de
um conjunto de medidas destinadas a instaurar um novo modo de acumulação”, que
reproduzia a “imposição de ganhos diferentes entre os grupos sociais, e a direção em que
eles” atuariam “no sentido de fazer a empresa capitalista industrial a unidade mais rentável do
conjunto da economia.” (OLIVEIRA, F., 2003, p. 37-40)
A ação do Estado foi sustentada, sobretudo, sobre uma base fisiográfica de divisão regional
cujo objetivo central era conhecer e reconhecer as regiões e produzir nelas a base infra-
estrutural que permitira sua dominação e apropriação. Assim, a definição da região centro-sul
19
Cabe dizer como bem tratou Odete Seabra em sua tese Urbanização e Fragmentação que a migração européia
(principalmente de italianos, vindos para trabalho nas lavouras de café dos grandes coronéis no final do século
XIX e início do século XX, tendo estes do século passado convivido diretamente com os caipiras do além-Tietê
com denominou-os Seabra) serviu também como mão-de-obra assalariada dos setores urbanos juntos dos
nordestinos.
20
Francisco de Oliveira (2003) reflete em sua obra Crítica a razão dualista que “no processo de sua expansão,
sem contar com magnitudes prévias de acumulação capitalísticas, o crescimento industrial forçosamente teria
que centrar sobre a empresa industrial toda a virtualidade da acumulação propriamente capitalista; sem embargo,
ela não poderia dar-se sem o apoio de serviços propriamente urbanos, diferenciados e desligados da unidade
fabril propriamente dita, as chamadas “economias externas” (...) Em poucas palavras, que existe não é o
“inchaço” do Terciário. O tamanho deste, numa economia com a brasileira, do ponto de vista de sua participação
no emprego total, é uma questão estreitamente ligada à acumulação urbano-industrial. A aceleração do
crescimento cujo epicentro passa a ser a indústria, exige, das cidades brasileiras – sedes por excelência do novo
ciclo de expansão –, infra-estrutura e requerimentos em serviços para as quais elas não estavam previamente
dotadas. (pp. 55-56).
25
brasileira como o centro de acumulação da reprodução capitalista significou: a abertura do
país ao capital estrangeiro; implantação da indústria automobilística, nacional-
desenvolvimentismo e a criação da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste) 21
, conforme demonstrou Oliveira (1981; 2003).
Em 1970 a região Centro-Sul, principalmente São Paulo, já não conseguia absorver o alto
índice migrantes vindos do Nordeste, expropriados pelo processo de concentração fundiária.
Neste mesmo período, no Semi-Árido, nasciam os movimentos de luta contra essa
concentração fundiária – as Ligas Camponesas22
, originárias da ação do Partido Comunista do
Brasil nos anos de 1930, elas se caracterizam por terem sido, até o golpe militar, um amplo
instrumento de organização e luta dos trabalhadores pela reforma agrária.
Foi no bojo da busca do distensionamento da questão agrária no Nordeste que foi colocado o
processo de ocupação das terras localizadas ao norte do país, ou seja, prevendo a eminente
reforma agrária que poderia acontecer pautada pelos movimentos dos camponeses, o Estado,
juntamente com os grandes proprietários de terra e industriais, criou o projeto de ocupação da
Amazônia pelos nordestinos, ou seja, a ocupação do que o Estado denominou de “as terras
sem homem da Amazônia pelos homens sem terra do Nordeste”, processo que engendrou a
ocupação modernizadora da Amazônia na segunda metade do século XX.
Assim, sustentado pela exploração do trabalho, em um momento em que o capital possuía
baixa composição orgânica, como afirmou Oliveira, (2003), foram construídos os grandes
empreendimentos brasileiros, inclusive a capital Brasília, fundada com objetivos de
integração territorial, caracterizando-se como o marco da reorganização do território
21
A SUDENE foi criada em 1959 pelo presidente Juscelino Kubitscheck, inspirados por ela, o governado militar
(1964-85) criou, em 1966, a SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). O argumento para
a criação da SUDENE era o baixo desenvolvimento da região Nordeste nos anos de 1950. Sua função seria
planejar, articular e coordenar todo o esforço do governo no desenvolvimento econômico e social do
Nordeste.Os recursos da SUDENE nunca poderiam ser inferiores a 2% da receita tributária da União,
estabelecidos na Constituição como fundo de auxílio ao Nordeste no combates às secas. As irregularidades
encontradas nos projetos da Sudene e da Sudam motivaram a extinção das mesmas em maio de 2001. No lugar
da SUDENE e SUDAM, o presidente Fernando Henrique Cardoso criou as agências de desenvolvimento da
Amazônia (ADA) e do Nordeste (ADENE). Segundo sitio do Ministério de Integração Nacional hoje a
“SUDENE, é uma autarquia especial, administrativa e financeiramente autônoma, integrante do Sistema de
Planejamento e de Orçamento Federal, criada pela Lei Complementar nº 125, de 03/01/2007.” Sua missão “é de
"promover o desenvolvimento includente e sustentável de sua área de atuação e a integração competitiva da base
produtiva regional na economia nacional e internacional”.”
22
As Ligas Camponesas foi o movimento mais importante pela reforma agrária no Brasil até o golpe militar de
1964. Para sua significação e evolução ver MONTENEGRO (2008).
26
brasileiro, como coroamento do processo de integração nacional fundamentado em São Paulo
e na integração das regiões Centro-oeste e Norte pela rede comunicação e circulação.
Brasília simbolizou na ideologia nacional-desenvolvimentista o “futuro do
Brasil”, o arremate e a obra monumental da nação a ser construída pela
industrialização coordenada pelo Estado planificador (...). Brasília seria a
“Capital da esperança” ou de futuro tido com desejável e quase inevitável
aquele as nação consolidada pela expansão da indústria, com a racionalidade
técnica e administrativa tendo penetrado em todos os poros da sociedade e
do Estado, eliminando os “grupos de pressão”, os “interesses particulares e
mesquinhos”, o “populismo”, as “forças antinacionais”, e promovendo o
planejamento, os planos concebidos com base no “rigor do conhecimento
científico” e elaborados por técnicos e intelectuais competentes.
(VESENTINI, 1986, p. 136)
Entretanto, o que se podia observar e que repercute até os dias atuais é que a regionalização
integradora, voltada para o centro, era e é dotada de contradições tendo por base o
desequilíbrio regional, haja vista que redirecionamento de riquezas das outras regiões para se
acumularem em São Paulo só foi possível pela desigualdade regional existente. Portanto, o
espaço foi (re)estruturado econômico e politicamente já que, para atender a reprodução do
capital, fora necessário um novo projeto econômico e político. Nesse sentido, é possível
perceber o quão diferentes foram às relações que sustentaram a formação e desenvolvimento
do Brasil Caipira, do Sertanejo e do Crioulo do processo modernizador da reprodução social
do espaço brasileiro levado a cabo pelo Estado a partir de 1930.
O desaparecimento do caipira e de seu modo de vida, processo que o tornou residual na
sociedade brasileira, corresponde justamente ao período iniciado em meados da década de
1950 e corresponde à intensificação do processo de modernização vivenciado pela sociedade
brasileira, quando o país e sua população foram compelidos a e industrializar-se e,
consequentemnete, se urbanizar. Nessa nova estrutura sócio-espacial, o caipira e sua cultura
já não podiam mais prevalecer, o que fez com que se tornassem residual, como bem observou
SEABRA (2003).
27
Capítulo 2. O modo de vida e representação: a música e o lugar do caipira
Todo esse processo de formação, desestruturação e eliminação do espaço do caipira foi por
ele expressado na sua cultura, que pode ser entendido pela análise da música que lhe é
característica. É no sentido de compreender a reprodução social desse espaço ou da geografia
expressa nas músicas a seguir prosseguiremos nessa discussão. Aqui serão buscados padrões
que caracterizem alguns aspectos da cultura caipira, padrões estes estabelecidos pelo uso do
tempo regido pela religiosidade, pela diversidade da sua produção e pela sua relação de
inserção, onde a natureza, o homem e o trabalho se complementam. Sendo assim, deve ficar
claro que não se trata de descrever e interpretar todos os aspectos da vida social e cultural do
caipira, mas somente alguns que possibilitem, sobretudo, uma análise geográfica. Pois,
conforme afirmado por Santos, R. (2008, p. 60) ao se reportar aos estudos de Max Sorre
“reconhece-se a importância, para os estudos geográficos, de considerar as condições
reinantes e as relações que os habitantes mantêm entre si, inclusive os sentimentos, a
imaginação, a religiosidade.”
As composições musicais foram escolhidas por se tratarem de composições clássicas caipiras,
sendo elas, Berço de Couro, Meu Céu, Pingo D’água e Quebra de Milho (em anexo). Estas
foram selecionadas com o objetivo de demonstrar o universo caipira e suas relações
correspondentes, bem como suas particularidades e riqueza.
Segundo Nepomuceno, (1999, p.18), a música caipira tem um contorno melódico mais
próximo da linguagem falada, música que “traduziu o Brasil rural, bucólico, romântico, rude
e místico”, adjetivos que poderiam ser utilizados também pra descrever a própria definição
do gênero caipira. Ela é “interpretada por um duo, geralmente de tenores, com voz nasal e uso
acentuado de um falsete típico, com alta impedância e tensão vocais mesmo nos agudos que
alcança às vezes a extensão de soprano.” (ULHÔA, 1999, p. 48). Seus representantes
...cantadores interpretavam modas-de-viola e toadas, canções estróficas que
após uma introdução da viola denominada "repique" falavam do universo
sertanejo numa temática essencialmente épica, muitas vezes satírico-
moralista e menos frequentemente amorosa. (ULHÔA, 1999, p. 49)
23
23
A paginação do texto aqui indicada segue a mesma da versão impressa. O termo sertanejo usado por Ulhôa é
o que neste trabalho é tratado como caipira.
28
Nas primeiras gravações feitas desta música, os cantadores utilizavam somente a viola e
violão24
. Esse período pode ser caracterizado como a primeira fase da produção das músicas
caipiras, que começou em meados da década de 1920 e foi até 1945 aproximadamente.
Segundo Ulhôa (1999, p. 49) são representantes dessa fase “Cornélio Pires e sua “Turma”;
Alvarenga e Ranchinho; Torres e Florêncio...; Vieira e Vieirinha...”, dentre outros. Algumas
décadas depois, “a instrumentação, ritmos e contorno melódico gradualmente incorporaram
elementos estilísticos de gêneros disseminados pela indústria musical...” na música caipira.
(Ibidem, p. 48).
É necessário destacar que a música caipira se não é caipira apenas porque se atém ao
tradicional, também o é por isso. Ela é essencialmente caipira porque é fundamentada em uma
reprodução sócio-espacial determinada por uma economia dos mínimos vitais, onde seus
reprodutores, os caipiras, tinham que lidar com o que estava ao alcance de suas mãos e
habilidades forjadas por sua cultura. Daí a centralidade e quase exclusividade da viola que,
por sua vez, não é qualquer instrumento, é o equipamento representativo do caipira que não
apenas aprende a arte de tocá-la, mas alguns, inclusive, a arte de fazê-la, ambas passadas de
pai para filho.
A indústria musical aproveitou-se (e até mesmo influenciou) da inserção de instrumentos e
elementos estilísticos estrangeiros, por exemplo, os latino-americanos, sobretudo, no pós-
Segunda Guerra Mundial, a música caipira para, gradativamente, desestruturar o gênero. Foi
pautada pela inserção de outros ritmos e instrumentos que a “indústria cultural” que se inseriu
no projeto urbano-industrial, desestruturou a música caipira. No entanto é importante ressaltar
que não se pode atribuir somente aspectos negativos à fixação dos ritmos e instrumentos de
outros países na música de raiz. Ao contrário, a contribuição também veio sem descaracterizar
nesse momento, pelo menos não a priori, isto é, ao ponto de romper a essência caipira deste
gênero musical, como bem refletiu Ulhôa:
Após a guerra introduzem-se instrumentos (harpa, acordeom), estilos (duetos
com intervalos variados, estilo mariachi) e gêneros (inicialmente a guarânia
e a polca paraguaia e mais tarde o corrido e a canção ranchera mexicanos).
Surgem novos ritmos como o rasqueado (andamento moderado entre a polca
24
“Os duetos em vozes paralelas eram acompanhados pela viola caipira, instrumento de cordas duplas e vários
sistemas de afinação (como cebolinha, cebolão, rio abaixo) e mais tarde também pelo violão. (ULHÔA, 1999,
p.49)
29
paraguaia e a guarânia), a moda campeira e o pagode (mistura de catira e
recortado). A temática vai ficando gradualmente mais amorosa,
conservando, no entanto um caráter autobiográfico. Artistas desta fase ... são
Cascatinha e Inhana, José Fortuna (adaptador da guarânia), Luizinho,
Limeira e Zezinha (lançadores da música campeira), Nhô Pai (criador do
rasqueado), Irmãs Galvão, Irmãs Castro, Sulino e Marrueiro, Palmeira e Biá,
Tião Carreiro (criador do pagode) e Pardinho... (ULHÔA, 1999, p. 50).
Nesse sentido, pode-se afirmar que essa inserção, por um lado, também contribuiu para o
fortalecimento da música caipira, porque renovou, por meio da troca com outras culturas, o
processo criativo que também caracteriza a música caipira.
Todavia, esse processo também abriu o caminho pelo qual esta seria apropriada pela
“indústria cultural”, conforme será visto na análise da música sertaneja, pois como bem
afirmou Caldas (1987, p. 70), não foi a inserção das influências paraguaias e mexicanas que
degradaram a qualidade da música caipira e a declinaram, mas sim a absorção que a chamada
indústria cultural fez desta.
2.1. Berço de Couro e Meu Céu
Considerando o exposto anteriormente, pretende-se demonstrar a partir da análise das músicas
escolhidas a relação do caipira, sua música, seu modo de vida e seu lugar.
O fragmento a seguir foi destacado da música Berço de Couro composta por Zé Mulato e de
Meu Céu composta por Zé Mulato e Xavantinho. A primeira é iniciada pelos os seguintes
versos:
Sou um privilegiado nasci em berço de couro
Em nada, nada eu invejo quem nasce em berço de ouro
Essa minha liberdade é o meu maior tesouro
Trecho da música: Berço de Couro
É peceptível nesse trecho o orgulho que o caipira tem de ser tal como ele é, ao mesmo tempo
em que expressa sua identidade a partir das relações sócio-espaciais e de trabalho nas quais
ele está inserido. O couro, produto do seu trabalho, constitui-se em elemento central ou
30
“berço” para suas atividades seja para a confecção do laço, da algibeira ou para proteger-se
do frio. Assim, considera-se um privilegiado, mesmo que não compartilhe dos bens e
materialidades que acredita ter as pessoas que nasceram e/ou vivem na cidade, cuja produção
advém de uma atividade industrial e não artesanal, como no caso do caipira. Mais que isso,
sua riqueza não se mede pelo que se acumula, mas pela possilidade de dispor do necessário à
reprodução de sua existência. Além disso, como caipira reconhece que seu lugar e a sua
“liberdade”, liberdade pra viver, para trabalhar, para se relacionar, é explicitada como grande
tesouro. Liberdade essa garantida pela diversidade da produção do caipira como veremos
adiante.
Nesse sentido, vê-se como os dois modos de vida são antogônicos: um, o do caipira, que lhe
permite o uso amplo e livre do tempo, fora das amarras impostas pelo anseio de consumir,
mas que lhe caracteriza uma vida rústica, próxima ou muito restrita à aquilo que o espaço em
que está inserido pode oferecer e que ele pode transformar pelo trabalho artesanal, pela sua
cultura, simbólica ou metaforicamente representado pela expressão “berço de couro”. Já o
modo de produção que é o da acumulação ampliada da riqueza permite ao sujeito ter acesso a
uma materialidade que seduz, contudo, sua vida (o que também envolve seu tempo e seu
espaço) é direcionada para acumular e reproduzir sua existência como alguém que “nasceu em
berço de ouro” e que precisa ser mantido ao longo de sua reprodução social.
A relação com seu espaço vivido pode ser observada também na importância que a natureza
tem na vida do caipira. Ele a contempla enquanto “a grande mãe” ou aquela que lhe oferece as
condições que, transformadas pelo trabalho e mediadas por sua cultura, lhe permitirão
reproduzir sua vida, processo em que esta, a natureza, é apropriada e transformada em espaço,
onde, para o caipira, reside a verdadeira riqueza.
Outro aspecto importante a se ressaltar diz respeito à relação do caipira com o espaço em que
está inserido. Os excertos das músicas deixam implícito o respeito do caipira ao equilíbrio da
natureza, ao seu tempo, as suas leis. Esse respeito se dá porque sua vida é regida pelo natural
e a sua existência depende desse equilíbrio, por exemplo, quando ele diz “noite alta vou
dormir para acordar bem cedinho, pois não perco a alvorada no cantar dos passarinhos”. Para
o caipira a busca incessante por status, dinheiro e poder não são a demonstração de fortuna de
uma pessoa, que por estar preocupada demais em ter, perde a chance, ou melhor, não tem a
chance de usufruir daquilo que entende como a verdadeira riqueza, possibilitada pela relação
31
com o tempo e com o espaço por ele apropriado. Nos fragmentos a seguir fica expressa essa
relação:
Quem nasce em berço de ouro
raramente pode ver
O sol brotar radiante
logo após o amanhecer
E o canto da passarada
não lhe traz nenhum prazer
Por ter a mente embotada
pela sede de poder
Não vê que na natureza
está a maior riqueza
Sem ostentar realeza
a gente é rei sem saber
Trecho da música: Berço de Couro
Noite alta vou dormir
para acordar bem cedinho
Pois não perco a alvorada
no cantar dos passarinhos
Pra me desejar bom dia
coroar o meu sossego
Eu recebo a visita
do cuitelinho azulego
Trecho da música: Meu Céu
Segundo Candido, (1987, p. 23), “ a existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de
um equilíbrio relativo entre as suas necessidades e os recursos do meio físico...” A descrição
dos elementos naturais percertíveis nos trechos anteriores das músicas remete-nos a existência
de uma cultura caipira mediada por esse equílibrio das necessidades com os recursos, na
música considerado como tudo que a natureza tem a oferecer, o “sol radiante” ou “canto da
passarada”. Nota-se uma quase dependência desse caipira a “visita do cuitelinho azulego” e
aos pássaros cantando na alvorada para que se realize eficiente o seu ciclo de trabalho durante
o dia. Assim, revela-se para nós um universo que não se completa apenas com um trabalho
produtivo da riqueza material, mas que exige aquilo que o amplia, que o diversifica, até o
ponto em que a visita do pássaro que vem cantar na porta do caipira lhe aparece como um
ganho, porque integra seu universo e ajuda a moldar sua cultura. De fato, trata-se de uma
outra dimensão que nao é determinada pela mediação do valor. O pássaro e seu canto, tão
valorizado pelo caipira é para seu deleite, como a demonstrar-lhe que, afinal, ele pertence à
aquele lugar.
Também destacado da música Berço de Couro, o fragmento a seguir é importante para se
perceber elementos que intregam e expressam a reprodução sócio-espacial do caipira:
Já tenho até meu castelo, um rancho no fim da linha
Feito só de barro e palha onde eu sento de tardinha
No baldrame do palácio pra assuntar as andorinhas
32
A saracura três pote, as araras e as rolinhas
Nesse chão abençoado sou um rei considerado
Meu trono é um cupim chato no alto de um outeiro
Embaixo de um pau-d’óleo que dá sombra o ano inteiro.
Trecho da música: Berço de Couro
O castelo referido exprime a idéia significativa da casa do caipira, chamada de rancho por ele
mesmo, mas que a considera como o lugar de morada, como o seu castelo. Mais uma vez
temos as condições naturais viabilizando sua vida quando estas são apropriadas , como o
barro e palha, na condição de materiais de confeção de seu pouso. Candido (1987, p. 37) traz
em seus estudos as características da casa do caipira do início século XIX ao referir-se a Spix
e Martius: “ as casas baixas, construídas de ripas, amarradas com tranças de cipó e
barreadas...” Ao referir-se as essas construções, o intuito de Candido é demonstrar e
concordar com esses autores com o caráter nômade das sociedades caipiras que perdurou até
meados do referido século, caráter esse assimilado pela “combinação dos traços culturais
indígenas e portugueses obedecendo ao ritmo nômade do bandeirante...” É, neste contexto,
que Candido afirma que as casas dos caipiras tinham essas características por serem locais de
pouco tempo de morada.
Entretanto, esse “espírito” nômade é ceifado pelos hábitos sedentários empreendidos pela
agricultura, tal como ocorrido na região cafeeira, quando os caipiras, aldeados em bairros,
passam a fixar-se em regiões ribeirinhas25
ou próximos as matas sempre buscando a terra mais
fértil. Daí é que se dá à posse da terra, que pode ser caracterizada como um bem-raiz, que os
caipiras foram conquistando com o “desbravamento sertão”. Terras que, repassadas de pai pra
filho, constituíam-se em herança, onde estes garantiam sua reprodução, até se perder por
completo, pela venda de algumas parcelas para atender as necessidades da família, processo
que se intensificou em meados do século XX, como bem demonstrou Seabra (2003) ao
estudar os caipiras do bairro do Limão em São Paulo. Todavia, ainda que, os caipiras tenham
perdido o nomadismo isso não significa que eles tenham deixado de imprimir na paisagem
também por meio das suas casas seus aspectos mais intrínsecos, como bem refletiu Seabra
(2003, p. 215)
25
Seabra (2003) fala da importância dos rios para comunicação dos núcleos caipiras dos moradores de Nossa
Senhora do Ó e Santo Amaro, os mais antigos núcleos de São Paulo. Fazendo referência a Petrone a autora cita:
“o rio Tietê permitia ...que pudessem comunicar-se umas série de núcleos, fazendas, povoados e aldeamentos
[...] Dois outros importantes eixos fluviais eram representados pelos rios Pinheiros e Tamanduateí...” (p.130).
33
...morar não é algo fortuito, porque se define em meio a determinações
sociais mais ou menos precisas, a disposição das moradias no espaço, a
forma material das edificações e os materiais utilizados fornecem elementos
para compreender muitos dos conteúdos da vida no bairro.
A figura do caipira “sentado de tardinha” na sua varanda, de cócoras, posição característica,
picando o fumo pra fazer um pito, demonstra bem a relação desse sujeito com o lugar do
qual é parte: ainda que sujeitado pela necessidade do tempo do natural (o do plantio, da
colheita, da chuva que chega ou da atividade que tem ser realizada rapidamente e no horário
determinado pelo natural, como por exemplo, cuidar dos animais), resta-lhe tempo para
contemplação, para o descanso entre as atividades que realiza e depois de realizá-las. Ainda
sobre a posição acocorada, Santos, R. (2008, p. 79) afirma que estar nessa postura por horas,
também siginificava “fazer uma espécie de dobras” nas melhores roupas de algodão que
produziam26
o que era “esteticamente muito valorizadas entre eles”. O que nos revela a
valorização da apropriação intensa do que lhes circunda, inclusive de sua própria vestimenta
que não deveria estar “impecável”, mas demonstrar essa apropriação.
Não é intenção que ao ser tratar aqui do sedentarismo do caipira ou sobre os tempos que
reserva a tardinha e entre as atividades de trabalho, considerá-lo como preguiçoso. Ao
contrário, o objetivo é demonstrar que o ciclo de trabalho de um caipira difere na organização
do tempo daquela posterior ao projeto industrializante. Tal como trabalho urbano-industrial, o
caipira também cumpria uma jornada extensa de trabalho. Contudo, a organização de seu
tempo era regida pelo desenvolvimento das atividades que tinham o seu tempo determinado
pelas condições naturais. Porém, era um ciclo de nove ou mais horas de trabalho, realizado
pelo caipira durante o dia, conforme figura 1, onde ele precisa, faça chuva ou sol, cuidar da
roça (carpir, arar, plantar, colher etc.) e dos animais (ordenhar, alimentar, pastorear etc.).
Certamente, não são atividades pra preguiçoso fazer. Trabalho que, árduo, iniciado ainda na
madrugada (figura 1) envolve toda a família, em que a mulheres cumprem o importante papel
de auxílio ao marido, além de zelar pelos afazeres domésticos (o que inclui o cuidado com os
animais domésticos, horta e pomar) e dos filhos, que são muitos. Ainda sobre o tempo
destinado ao trabalho e sobre tempo destinado ao descanso, é possível dizer que o segundo
26
Além de sua dieta alimentar os caipiras produziam, pelo algodão que plantavam e transformavam em linha e
pano, “parte de seu vestuário, sobretudo as roupas de trabalho e de cama.” (SANTOS, R., 2008, p. 79). Eles
ainda traçavam “excelentes chapéus de junco ‘que duravam dois anos’” e, fabricavam também seus utensílios:
“gamela de raiz de figueira, vasilha e prato de porungaetê, cuia de beber, pote de barro, colher de pau, etc.” que
mais tarde caíram em desuso, pois eles começaram a adquirir os utensílios do comércio. (CANDIDO, 1987, p.
39)
34
tempo retratado, o do descanso, coincide com o momento de sol a pino (neste período o sol é
muito intenso) e com a caída da noite (os grupamentos caipiras não detinham energia elétrica)
é fundamental para este sujeito organize mentalmente a realização das suas atividades na roça,
verifique quais os trabalhos precisam ser realizados, o que precisa ser concertado etc.
35
Figura 2. Ciclo de Trabalho do Caipira: realizado durante o dia
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  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA POLYANA DE OLIVEIRA FARIA UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA DA MODERNIZAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA E MÚSICA CAIPIRAS E DA MÚSICA SERTANEJA Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso Geografia do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação da Professora Msc. Glaucia Carvalho Gomes, como parte dos requisitos para obtenção do título em Bacharel em Geografia. Uberlândia 2010
  • 3. UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA DA MODERNIZAÇÃO SÓCIO- ESPACIAL BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA E MÚSICA CAIPIRAS E DA MÚSICA SERTANEJA Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso Geografia do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação da Professora Msc. Glaucia Carvalho Gomes, como parte dos requisitos a obtenção do título em Bacharel em Geografia. Dezembro de 2010 Banca Examinadora _______________________________________________________ Msc. Glaucia Carvalho Gomes Orientadora ________________________________________________________ Dr. Rosselvelt José Santos ________________________________________________________ Dr. Marcelo Cervo Chelotti Data:17/12/2010 Nota:100
  • 4. iii AGRADECIMENTOS Pretendo que este agradecimento seja visto como algo incompleto e infindável, pois por mais que me esforçasse, não conseguiria incluir aqui todos aqueles que, de uma forma ou de outra, auxiliaram-me nesta trajetória. Primeiramente, quero agradecer a DEUS pela dádiva concedida. Nos momentos mais difíceis desta jornada pude sentir sua presença e cuidado. A minha orientadora Professora GLAUCIA CARVALHO GOMES que me recebeu desde o primeiro momento em que a procurei de braços abertos. Que não só me orientou em todas as etapas de produção deste trabalho, como também se tornou uma amiga querida, ouvinte e conselheira. Todas as palavras que eu pudesse usar seriam insuficientes para agradecê-la por ter trilhado este caminho comigo até o fim. Com certeza os méritos deste trabalho são dela também. Aos meus pais, em especial a minha mãe LUSMARINA DE OLIVEIRA FARIA pelos seus ensinamentos, ela com certeza é grande incentivadora e entusiasta do caminho de escolhi trilhar. Ao meu irmão JORGE R. OLIVEIRA FARIA pelo amor e amizade que sempre me dedicou. Agradeço a meus tios, tias, primos e primas e, principalmente, a minha avó GILDETE pelos sábios conselhos e momentos de conversa e a minha prima KATIÚSCIA pela fé em mim depositada. Ao meu querido TARCÍSIO pelo apoio incondicional, pela crença na minha capacidade e por estar a todo o momento ao meu lado. As amigas do coração e parceiras de caminhada que desejo que permaneçam ao meu lado por toda vida: CAMILA, LAÍS, MARIANA, ALICE e SIRLEM, todas em diferentes etapas ou até equivalentes trilharam comigo e contribuíram para o meu desenvolvimento intelectual e pessoal. Em especial, a LAÌS, pela grande pessoa e amiga que é, que por diversas vezes sofreu com meus humores inconstantes, mas jamais desistiu de mim compartilhando comigo vitórias e derrotas. Aos Professores ROSSELVELT JOSÉ SANTOS e MARCELO CERVO CHELOTTI pela participação na banca e contribuições ao trabalho. A toda comunidade científica e literária que serviu de embasamento teórico a minha pesquisa. Aos compositores e artistas da cultura caipira, que com seus trabalhos, foram úteis para minha formação. Enfim sou grata a todos aqueles que de alguma forma contribuíram e torceram por mim. É momento de festejar e compartilho com vocês essa conquista. MUITO OBRIGADA!
  • 5. iv SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................................1 Capítulo 1. A formação sócio-espacial brasileira tradicional, a constituição do modo de vida caipira e o projeto urbano-industrial do Estado........................................................................14 Capítulo 2. O modo de vida e representação: a música e o lugar do caipira............................27 2.1. Berço de Couro e Meu Céu ...............................................................................................29 2.2. Quebra de Milho e Pingo D’água.....................................................................................38 Capítulo 3. A desestruturação do universo sócio-espacial do caipira e sua representação: a transição que se revela na e pela música do caipira .................................................................44 Capítulo 4. “Tempos Ávidos”: A modernização do espaço brasileiro e da música: surge o sertanejo....................................................................................................................................55 4.1. A música “por um fio” e a urbanização revelada..............................................................62 4.2. A obsolescência programada da música-mercadoria: o subgênero sertanejo universitário ..................................................................................................................................................66 Considerações Finais. Música Caipira no Século XXI: entendimento, reflexão e atuação......72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................................76 ANEXOS..................................................................................................................................80
  • 6. v LISTA DE FIGURAS Figura 1. Mapa da localização da área de estudo. ......................................................................6 Figura 2. Ciclo de Trabalho do Caipira: realizado durante o dia .............................................35
  • 7. vi LISTA DE SIGLAS SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.............................................25 SUDAM - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia.............................................25 ADA - Agência de desenvolvimento da Amaazônia .............................................................. 25 ADENE - Agência de desenvolvimento do Nordeste .............................................................25 CPC - Centro Popular de Cultura.............................................................................................58 UNE - União Nacional de Estudantes......................................................................................58
  • 8. vii RESUMO Neste trabalho foi realizado uma análise geográfica onde buscou-se compreender, pela Geografia Cultural e Marxista, o processo de modernização do espaço brasileiro, empreendido pelo projeto urbano-industrial do Estado, e como este influenciou (e mesmo redefiniu) a cultura e música caipira até que esta se tornasse residual, tendo seu espaço de reprodução apropriado pela música sertaneja. Foi ainda demonstrado o (re)surgimento da música caipira que entende, reflete e, sobretudo, age criticamente no espaço urbano-industrial-tecnológico. A metodologia adotada para a realização da pesquisa consistiu-se na elaboração de um arcabouço teórico capaz de fundamentá-la, tendo por base uma revisão bibliográfica de estudos geográficos, sociológicos e antropológicos. Tal revisão bibliográfica e arcabouço teórico embasaram as análises das composições musicais caipiras e sertanejas escolhidas, objetos de estudo desta pesquisa, que possibilitaram à leitura da geografia do lugar ou das regiões de reprodução de ambas as músicas, que foram aqui consideradas díspares, enquanto duas matrizes radicalmente diferentes, a música caipira integra uma reprodução social ,cujo fundamento é o dos mínimos vitais e a música sertaneja surge como um produto, uma mercadoria que inseriu-se nos circuitos reprodutivos que não mais o da reprodução da vida como fundamento, mas em um mercado cuja reprodução a ser garantida foi e é a reprodução do capital. PALAVRAS CHAVES: Cultura e música caipira, modernização, espaço brasileiro, reprodução sócio-espacial. ABSTRACT This work represents a geographical analysis which sought to understand the Marxist and Cultural Geography, the process of modernization of Brazilian space, project undertaken by the urban industrial state, and how it influenced (and even redefined) the culture and country music until it became residual, with its space suitable for playing country music. We have shown the (re) emergence of country music that understands and reflects mainly acts critically in the urban, industrial technological. The methodology for the research consisted in the elaboration of a theoretical framework able to support it, based on a review of studies geographical, sociological and anthropological. This literature review and theoretical framework had based analysis of musical compositions and backwoods hillbillies chosen objects of this research, which enabled the reading of the geography of the place or regions of reproduction of both songs, which were considered here disparate as two matrices radically different, folk music is part of a social reproduction, whose foundation is the bare minimum needed and country music emerges as a product, a commodity that was inserted into the channels that no longer breeding the reproduction of life as the foundation, but in a market whose reproduction was to be guaranteed and is the reproduction of capital. KEYWORDS: Hillbilly music and culture, modernization, Brazilian space, reproducing social spatial.
  • 9. 1 INTRODUÇÃO Muitos acreditaram (ou acreditam) que os homens se distinguem dos demais animais por terem o tele-encéfalo altamente desenvolvido, o que os possibilita armazenar uma grande quantidade de informações e, ainda, relacioná-las, processá-las e entendê-las e, ainda, por possuírem polegar opositor que lhes permitem realizar o “movimento de pinça” com os dedos, dando a condição de realizar tarefas minuciosas, manipulando-as com precisão. Nesta linha de argumentação, seriam essas duas características que nos propiciariam transformar nosso espaço, segundo a explicação sobre a evolução biológica dos seres humanos apresentada no curta Ilha das Flores de Jorge Furtado. Contudo, Hannah Arendt, em A Condição Humana, apresenta outra reflexão sobre o que efetivamente confere a humanidade do homem, a partir do que denominou de atividades humanas fundamentais: o labor, o trabalho e a ação1 , como atividades fundamentais inerentes ao homem. Essas atividades correspondem às condições básicas da vida humana “mediante as quais a vida foi dada ao homem na Terra.” (ARENDT, 2007, p. 15). O que é demonstrado por Arendt, expressado em sua filosofia, é o processo em que o homem supera e distancia-se de sua condição animal. O que não significa, no entanto, que o homem elimina a condição animal, pois está é a condição da própria vida. No documentário anteriormente citado, a explicação pautada no natural é usada ironicamente para definição do que é o homem, cujo pano de fundo é a desigualdade sócio-espacial que fundamenta a reprodução capitalista do espaço. Todavia, as ciências humanas e, dentre elas, a Geografia, demonstram-nos que as possibilidades de transformações imbricadas pela sociedade sobre si e sobre a natureza são possíveis não só pelas características biológicas que detemos, mas, sobretudo, por sermos seres históricos e sociais, capazes de comparar, de valorar, de intervir, de transformar, de produzir, de transmitir, e, fundamentalmente, seres 1 Fiorati (1999, p.54) traz suas análises sobre o pensamento de Hannah Arendt e expõe sobre as três atividades fundamentais. “O labor como atividade inerente ao corpo humano no que tange à exigência de manter-se vivo. O labor é a condição de vida comum a homens e a animais sujeitos à necessidade de prover a própria subsistência. Daí a denominação de animal laborans para o homem enquanto ser que labora para prover a sua própria subsistência, comumente utilizada na Antiguidade Clássica para nomear a categoria dos escravos. Já o trabalho é a atividade correspondente à criação de coisas artificiais, diferentes do ambiente natural e que transcendem às vidas individuais. Ao construtor do mundo foi dado o nome de homo faber. Em “A Condição Humana”, ainda, é apresentada a definição de ação: “Atividade exercida entre homens, independentemente da produção de coisas ou da manutenção da vida, devido ao fato de que os homens e o homem vivem na terra e habitam o mundo”.”
  • 10. 2 culturais capazes de criação e inventividade. É partir do exposto anteriormente, que se entende como necessário refletir sobre o papel da Cultura no processo de reprodução sócio- espacial. Todavia, inicialmente, cabe o esclarecimento sobre o que aqui se entende por Cultura. A Cultura refere-se aos comportamentos, valores, crenças, regras morais e legais, enfim, àquilo que permeia e identifica uma sociedade, constituindo-se em seu saber acumulado pelas gerações. Caracteriza-se como a identidade própria de um grupo humano em um determinado espaço e tempo, baseada num conjunto de estruturas políticas, religiosas, econômicas etc., que se manifestam social, intelectual e artisticamente. No interior deste quadro geral, a música constitui-se em uma manifestação cultural por traduzir, entre outras coisas, a estética em voga em formas sonoras capazes de expressar e comunicar as sensações, os sentimentos e os pensamentos das pessoas e seus modos de vida correspondentes a cada época. Ribeiro, J. (2006, p. 28) ao referir-se ao sanfoneiro e compositor Roberto Stanganelli, de São Paulo, afirma que “um país só é livre e verdadeiramente independente quando defende sua música.” Ribeiro traz ainda a citação direta de Stanganelli, que afirma: Um povo conquista o outro pela música, pelas artes. Pode, para isso, usar exércitos, tanques e canhões, poder econômico e pressão política e psicológica, mas isso tudo como ferramenta. Seu obejetivo último é conquistar corações e mentes, e isso se dá quando o povo colonizado despreza seus próprios valores culturais por ter assumido o padrão do colonizador. (STANGANELLI, s.d. apud RIBEIRO, J. 2006, p.28) No que tange à música brasileira, tal como é conhecida, a mesma foi disseminada no Brasil pelas atividades religiosas e artísticas dos jesuítas no período da colonização que, somada, principalmente, às influências de indígenas e africanos, aqui assumiu, dentre outras, uma forma bastante particular, qual seja, a música caipira ou de raiz, objeto de reflexão neste estudo2 . A música Como nasceu o cururu3 de Capitão Furtado e Laureano demonstra a atividade catequista dos jesuítas. 2 Músicas Caipiras (de transição) e músicas sertanejas (da década de 1990 e do sub-gênero “universitário) também serão inseridas como forma de dar suporte a pesquisa, no sentido que possibilite as relações e análises de ambas as músicas, caipira e sertaneja. 3 Música Como nasceu o Cururu de Capitão Furtado e Laureano. (FERRETE, 1985, p. 16).
  • 11. 3 Catequistas se moviam pra provar o seu amor aos nativos que temiam o estranho invasor... Mas, ouvindo o som mavioso de uma viola a soluçar, o selvagem cauteloso espreitava, a escutar. Espreitava, a escutar o aluno de Jesus, que em campo aberto, a cantar, plantou uma grande cruz... Cruz que o índio, a distância, entendia curuzu que ao branco parecia a palavra cururu. A palavra cururu, que entrou na tradição, veio, então, de curuzu, numa catequização... A história nos ensina o ideal da religião Cururu virou doutrina, na cantiga do cristão Assim, a música caipira é o que se pode chamar de tradução em versos de uma cultura que é maior, a do povo caipira. Ribeiro, J. (2006, p. 20) traz a definição de quem é o caipira, adotada pelo paulista Cornélio Pires4 , jornalista, escritor e folclorista, pioneiro, pela compilação e divulgação que fez da cultura caipira: ...há caipiras de várias línguas e cores: o caipira preto (ex-escravo que aderiu ao modo de viver da terra); o caipira branco (mestiço originário do estrangeiro branco); o caboclo (descendente de índios catequizados), o mulato (descendente de preto com branco e com caboclo). (PIRES, s.d. apud RIBEIRO, 2006, p. 20) 4 “Cornélio Pires levou para o disco a música caipira cantada por autênticos violeiros do interior paulista.” Ele “... foi o maior divulgador da cultura caipira nas primeiras décadas do século. Escreveu livros, fez palestras e representou roceiros em monólogos criados por ele. Montou caravanas de violeiros, cantadores e humoristas, e percorreu muitos cantos do país, especialmente o interior paulista, apresentando-se em palcos nobres ou em picadeiros dos circos pobrezinhos dos vilarejos.” (NEPOMUCENO, 1999, pp. 100-101). O século citado é o XX.
  • 12. 4 Definição que é complementada por Ribeiro, J. (2006, p. 20) que afirma que “há até o caipira imigrante5 , primeiramente o italiano, que chegou para trabalhar na lavoura e logo se “acaipirou”. Sem esquecer alemães, espanhóis, russos, japoneses.” Em alguma medida, a fala de Cornélio Pires é corroborada por Darcy Ribeiro em O povo brasileiro, quando ele afirma que os caipiras são a “população das áreas de ocupação dos mamelucos paulistas, constituída, primeiro, através das atividades de preia de índios para a venda, depois, da mineração de ouro e diamantes e, mais tarde, com as grandes fazendas de café e a industrialização.” (RIBEIRO, D. 2006, p. 246). Seja para José Hamilton Ribeiro, Cornélio Pires ou Darcy Ribeiro, o que se observa é a intrínseca relação entre o sujeito e o lugar que, fundamentada no trabalho e no modo de vida, define e consolida sua cultura. Neste trabalho será adotada a concepção de caipira de Darcy Ribeiro que em alguma medida coincide com a definição de Cornélio Pires. Uma das reflexões possíveis acerca da cultura caipira e suas composições musicais pode ser realizada a partir da Geografia que nelas se explicitam e, nesse sentido, sobre os elementos problematizados, que também são fundamentais para a realização desta pesquisa tais como: a) qual(is) a(s) relação(ões) existente(s) entre o espaço e o caipira, tendo em vista a geograficidade revelada nas músicas caipiras compostas? b) quais foram as transformações ocorridas neste espaço ao longo do tempo? E, como essas aparecem na música caipira? e c) como estes espaços são vistos hoje em decorrência do processo de modernização, a partir da redefinição do núcleo de acumulação de riquezas engendrado com a década de 1930? É este processo que será considerado nesta pesquisa. E porque a Geografia pode ser usada nessa reflexão? A Geografia, desde que foi institucionalizada como disciplina científica no final do século XIX, preocupou-se em entender o que inicialmente denominou de as relações do homem com meio (o entorno natural) ou, posteriormente, relação sociedade-natureza. Essa ciência foi construída sob variadas concepções teórico-metodológicas que priorizou ora o homem, ora a natureza ou buscando refletir sobre a complexa interação entre ambos6 . Ainda que na atualidade a 5 Os imigrantes europeus se reproduziram no Brasil sob os auspícios do colonato. O colono é o trabalhador rural que arrenda parte da terra sob condição de destinar parte de sua produção como pagamento ao seu proprietário. 6 A Geografia tornou-se uma disciplina institucionalizada nas universidades européias em 1870 aproximadamente. Até 1950, período caracterizado como o da geografia tradicional, os geógrafos deterministas, possibilistas, culturais ou regionais ligados ao positivismo e ao historicismo, apresentaram em seus debates os
  • 13. 5 Geografia enfrente, entre suas dualidades, a condição de ser idiográfica ou nomotética7 , o que se deve considerar aqui é que a mesma se expressa como um importante campo científico capaz de contribuir para uma análise relevante acerca da reprodução social do espaço e seu processo de modernização correspondente. A partir desse exposto e da consideração de que o campo de atuação da Geografia se fundamenta no conceito de espaço geográfico8 , no presente trabalho busca-se entender e analisar geograficamente as transformações que ocorreram (e ocorrem) no espaço brasileiro e como estas afetaram o lugar do caipira. O espaço predominante do caipira no Brasil corresponde ao Sudeste, Sul e Centro-Oeste, sendo dessas regiões alguns estados – São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás e Mato Grosso, conforme mapa 1. Embora o estado do Paraná também tenha constituído o lugar do caipira, sendo, portanto, um núcleo de desenvolvimento da cultura caipira, como já afirmado, no mesmo a expansão dos antigos paulistas ou bandeirantes, como abordaremos no primeiro capítulo, em interação com outras influências (espanholas, por exemplo) “deu lugar ali a uma área cultural tão complexa e singular” (RIBEIRO, D., 2006, p. 369) que não pode ser considerada sem suas especificidades que não serão abordadas aqui. Na região sulista como um todo surgiram modos de vida diferenciados e incluí-los como análogos as outras áreas formadas pelos paulistas, seria homogeneizar sua cultura o que não é o intuito. conceitos de paisagem e região e, “em torno deles estabelecendo-se a discussão sobre o objeto da geografia e sua identidade no âmbito das demais ciências.” (CORRÊA, 2006, p. 17) 7 Segundo Lencioni (2003) as ciências modernas podem ser divididas e entendidas a partir de duas visões: 1) idiográfica, ciências que procuram compreender os aspectos da vida social e cultural por meio da incorporação da dimensão histórica, elaborando assim, análises particulares ao invés de construir explicações generalizadoras e 2) nomotética, ciências que buscam as relações causais e de leis gerais centrando-se na investigação dos aspectos da natureza. Ou seja, nessa primeira os fenômenos variam de lugar pra lugar e as suas inter-relações também variam. Os elementos possuem relações internas e externas com espaço. Já na segunda o estudo é generalizado, apesar das parcialidades. Através de comparações, obtêm-se um conhecimento genérico e particular. A Geografia por ser uma ciência exata e humana enfrenta essa dualidade, mas que em contrapartida a da capacidade de trabalhar simultaneamente com o geral e o particular. 8 O conceito de espaço na Geografia não e unânime na Geografia para consultar sobre a significação e evolução deste conceito ver SANTOS, M. (2008a) e CORRÊA, R. L. (2006). Aqui considero o espaço geográfico como lugar das realizações humanas, aquele que foi e é modificado pelo homem ao longo da história humana, ao mesmo tempo em que também modifica esse homem. Que contém um passado histórico transformado pela organização social, técnica e econômica daqueles que habitaram ou habitam os diferentes lugares. O espaço é assim, produto das relações humanas, mas ao mesmo tempo é também reprodutor destas relações, em um processo dialético, contínuo e permanente.
  • 14. 6 Figura 1. Mapa da localização da área de estudo.
  • 15. 7 Essa análise foi realizada considerando, entre outros elementos, algumas composições de músicas caipiras, reputando o caipira, seu modo de vida e o contexto de cada produção. Neste sentido, buscou-se compreender esse sujeito e seu espaço expressados através de sua cultura manifestada em sua música. Entre as manifestações predominantes destaca-se a importância da religiosidade, da cultura e natureza do espaço e do modo vida do caipira para tal produção musical. Conforme bem expôs José de Souza Martins “a música caipira nunca aparece só, enquanto música. (...) Ela tem sempre acompanhamento de algum ritual, de religião, de trabalho ou de lazer.” (MARTINS, 1974, p. 25) A religiosidade, não só para música, mas para a cultura do caipira, está intimamente relacionada com esse ser, pois ela marca a relação com o tempo, com a atividade produtiva e com o espaço (e as transformações e relações que nele se estabelecem). Neste sentido, a música e a religiosidade do caipira são, sobretudo, indicativas da mediação existente entre este e a natureza por meio de sua atividade produtiva, cujo sentido localiza-se na reprodução da vida e não na acumulação, haja vista que o mundo caipira foi e é, nos termos de Antônio Candido, o mundo dos mínimos vitais.9 Essa música de raiz é emblemática dos sentimentos e identidade simbólica e é, ainda, indicativa da relação muito particular que o caipira estabeleceu com a natureza e como essa relação foi balizada pela busca da reprodução da vida fora dos circuitos mercantis, o que engendrou um espaço específico e, ao mesmo tempo, diverso e bastante rico. Esta foi difundida a partir da década de 1920 com Cornélio Pires e demais duplas caipiras que iam surgindo. Uma das peças essenciais do grupo Os Caipiras de Cornélio – responsável pela agitação que culminou com os primeiros discos gravados e toda a movimentação em torno do caipira como fator cultural – foi a dupla Caçula e Mariano. Esses dois irmãos, vindos de Piracicaba, têm espaço garantido na história dos patriarcas: foram os primeiros caipiras a aparecer em disco – este, idealizado e viabilizado por Cornélio... Música escolhida: Jorginho do Sertão, do próprio Cornélio. (RIBEIRO, J., 2006, pp. 61-62, grifo do autor) 9 “... o mundo caipira é um mundo de mínimos vitais. As relações com a natureza e os caprichos desta seriam determinantes nas oscilações das condições de existência, fazendo com que as pessoas vivam e se relacionam no nível desses mínimos. Por isso, a eles corresponderiam os mínimos sociais, formas mínimas de sociabilidade ...” ( CANDIDO, 1987 apud MARTINS, 1974, p. 26)
  • 16. 8 Neste sentido, a música caipira pode ser entendida como uma forma de expressão da literatura lírico-narrativa da espontaneidade dos cantores que atravessa as veredas do tempo no galope das gerações, pois quem fala é o caboclo nativo e seus descendentes, desconfiados, intuitivos, místicos, sonhadores e, mais do que isso, sabidos. Homens e mulheres que, como que por instinto (mas que é expressão de um saber acumulado por gerações) lêem os sinais da natureza e os interpretam, porque não a dominam, mas dela se apropriam e nela encontram o equilíbrio na relação estabelecida, processo em que construíram a geografia que lhes deu suporte e que, ao ser reproduzida, permitiu-lhes (re) produzir sua existência. Artistas que são, “cantam querências e saberes poetizados que passaram e passam pelo mais severo e ranzinza dos críticos sociais e da arte: o tempo.” (SANT’ANNA, 2003 apud Ribeiro, J., 2006, p. 7). É nessa condição que essa arte atravessa a prática caipira, já que ao interpretarem e cantarem suas querências, o fazem porque isso é resultado do que eles vivem. Daí a verdade da música caipira. A partir do exposto, a reflexão proposta fundamenta-se na compreensão do processo de modernização do espaço brasileiro e como este influenciou (e mesmo redefiniu) a música caipira até que esta se tornasse residual num primeiro momento, tendo seu espaço substituído, e posteriormente dividido com música sertaneja. Cabe ressalvar que, embora a música sertaneja seja, por muitos, considerada como uma “evolução” da música caipira, a concepção adotada neste trabalho é que se trata de duas matrizes radicalmente diferentes. A música caipira, como o universo do qual se origina, é resultante da reprodução da vida que, eventualmente, gera um excedente. Portanto, integra uma reprodução social ,cujo fundamento é o dos mínimos vitais. Já a música sertaneja surge como um produto, como uma mercadoria e, como tal, insere-se em outros circuitos reprodutivos que não mais o da reprodução da vida como fundamento, mas em um mercado cuja reprodução a ser garantida é a reprodução do capital. Assim sendo, a música sertaneja surge com um fim objetivado ou como mediação da reprodução ampliada do valor, enquanto que a música caipira é a expressão de um modo de vida que se constituiu e reproduziu à margem dos princípios da acumulação monetária, como bem destacam Martins (1974) e Candido (1987). Assim, ainda que na aparência possam vir a ter alguma semelhança, o fundamento de cada uma, música caipira e sertaneja, não permitem essa compreensão. Martins (1974) bem coloca essa discussão em seu texto A Viola Quebrada:
  • 17. 9 ... a música sertaneja diferencia-se da música caipira a começar porque o referencial da sua elaboração não é a realidade do mesmo tipo daquela, constituída da relação direta e integral entre as pessoas que compõem o universo desta última. Em segundo lugar, porque a música caipira é meio, enquanto que a música sertaneja é fim em si mesmo, destinada ao consumo ou inserida no mercado de consumo. Neste caso, a música não media as relações sociais na sua qualidade de música, mas na sua qualidade de mercadoria. (...) Em outros termos, a música sertaneja é diversa da música caipira porque circula revestida da forma de valor de troca, sendo esta sua dimensão fundamental. (MARTINS, 1974, p. 33, grifo do autor) Destarte, a música sertaneja é o dissídio da caipira, pois a primeira é uma música de melodia simples e melancólica, que, em grande medida traduz em suas letras o “romantismo” (ou algo do cotidiano), isto é, os conflitos internos, apartados daqueles conflitos ligados às contradições e precariedades da reprodução social do espaço em que a maioria dos ouvintes da música sertaneja estavam envolvidos. Por sua vez, a música caipira canta o homem do campo, de origem simples, seus costumes, religiosidade e relação com a natureza, sua geografia, ou seja, retrata o sujeito inserido no seu lugar e na complexa relação que os envolve. E por que o “romantismo” é necessário à música sertaneja? Ele é necessário porque, no que se refere ao conteúdo, é preciso falar de um mundo que não seja o do caipira ou outra realidade sócio-espacial e, quanto à forma, é necessário músicas simples que sejam rapidamente internalizadas para que possam ser consumidas... E descartadas, permitindo o reinício do ciclo. Neste contexto, cabe notar que o processo observado entre os dois estilos - música caipira e sertaneja- também se deu no sentido dessa última progredir em detrimento da primeira até que esta se tornasse residual, já que teve rompido o seu fundamento: o lugar do caboclo/caipira, que se explicita na escassez ou quase desaparecimento das referências feitas aos modos de vida, aos hábitos, às paisagens, ao território etc., pois na música sertaneja o que é retratado são os conflitos subjetivos ou de um cotidiano repetitivo, considerando que estes correspondem às expectativas e necessidades de uma “indústria cultural” massificante. É
  • 18. 10 nesse sentido que se pode entender a afirmação de Waldenyr Caldas10 (1979, p. xx) em Acorde na Aurora quando afirma que “ a música sertaneja transformou-se numa peça a mais da máquina industrial do disco”. Mas, a música caipira (re)surge e, no século XXI há um movimento de valorização e difusão da mesma. Dentro desta perspectiva, a proposta aqui é mobilizar o cabedal teórico da Geografia para, a partir desse campo científico, situar uma reflexão que busque fundamentos que permitam refletir e compreender os alicerces e contradições que sustentaram o modo de vida caipira, bem como sua desestruturação, grafados em algumas das composições deste gênero. Neste sentido, como embasamento, busca-se referência na Geografia Cultural que ... está associada à experiência que os homens têm da Terra, da natureza e do ambiente, estuda a maneira pela qual eles os modelam para responder às suas necessidades, seus gostos e suas aspirações e procura compreender a maneira como eles aprendem a se definir, a construir sua identidade e a se realizar. (CLAVAL, 1997, p. 89) Assim, o arcabouço teórico da Geografia Cultural torna-se fundamental para que se possa refletir acerca da relação do sujeito com o seu lugar e, ainda, pela sua subjetividade expressa na música, na sua cultura, compreender não apenas a construção do lugar do caipira, mas também sua desconstrução, através do entendimento dos processos e contradições em que foram envolvidos. Nesse sentido, a partir daquilo que aparece como banal, compreender elementos que, embora pareçam desimportantes para quem analisa a partir de uma posição exterior, são estruturais para a reprodução do modo de vida e do lugar. Contudo, além da abordagem característica da geografia cultural, nesse estudo também se considera as reflexões da abordagem da geografia marxista, na medida em que esta se fundamentou no processo de modernização e nas relações da divisão do trabalho a ele correspondente. Por sua vez, a modernização do espaço (e das relações de produção) no Brasil é condição essencial para se compreender o modo como o caipira e seu mundo foram mobilizados nesse processo. Isso porque, se a expressão do processo de modernização que alcançou o caipira e seu lugar foi explicitado em sua música e por ela pode ser compreendido, os fundamentos dessa modernização foram definidos alhures e integram o processo mais geral 10 Apesar deste autor considerar que as música sertaneja “nasceu da caipira”, o que não concordo, corroboro com suas análises quando o mesmo trata da transformação ou próprio desenvolvimento brasileiro ocorridas no século XX, que em detrimento das culturas tradicionais se assim posso dizer impuseram as modificações econômicas, sociais e políticas.
  • 19. 11 e mais amplo de divisão do trabalho, processo sobre o qual a geografia marxista produziu importante acúmulo. Porém, é necessário ressaltar que a perspectiva da consideração das abordagens cultural e marxista da Geografia, para esse estudo, não desconsidera os aspectos conflitantes das mesmas. Ao contrário, entende suas diferenças como fundamentais, como bem expressa Corrêa, quando afirma que a primeira abordagem: ...está assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, no simbolismo e na contingência, privilegiando o singular e não o particular ou o universal e, ao invés da explicação, tem na compreensão a base de inteligibilidade do mundo real. (CORRÊA, 2006, p. 30) O que permite que se possa compreender o modo como esse processo alcançou e modificou o caipira, transformando-o, redefinindo-o. Já a abordagem marxista, que traz suas reflexões no bojo da reprodução do espaço fundamentada na crítica à “lógica” do capital – crise, desigualdades econômicas e espaciais, luta de classes, possibilita compreender os fundamentos e contradições mais gerais que, ao se materializarem, desestruturaram o universo do caipira. Isto porque, como bem expressou Roberto Lobato, na geografia marxista, o espaço enquanto conceito-chave “... é concebido como lócus (grifo do autor) da reprodução das relações sociais de produção, isto é, reprodução da sociedade.” (Ibidem, p. 26). Sendo assim, vê-se que os limites da geografia cultural e da geografia marxista estão engendrados ora no âmbito do entendimento do indivíduo apartado das suas relações mais gerais, sofrendo influência (e ao mesmo tempo influenciando) do todo no qual esta inserida; ora priorizando as relações sociais mais gerais, quase sempre no âmbito das relações entre classes sociais, distanciando do indivíduo, desconsiderando o que classifica como banal e desimportante, o que acarreta a não consideração da influência do nível do vivido sobre as relações sociais mais gerais. Assim, entende-se que a primeira é importante por tratar o objeto na perspectiva fenomênica e a partir de pequenos elementos ou fatores que podem ser essenciais para compreensão do sujeito e seu lugar na complexidade que os envolve, ou seja, a partir da forma como este se
  • 20. 12 expressa e da subjetividade dos sujeitos. Já a geografia marxista é importante porque seu arcabouço teórico-conceitual propicia o suporte necessário ao entendimento das transformações sociais, econômicas e espaciais fundamentais mais gerais que envolveram a sociedade brasileira ao longo do século passado e, consequentemente, o universo do caipira e sua música, bem como a música sertaneja como expressões da reprodução social do espaço que são, afinal, uma forma dentre as expressões culturais possíveis dos processos e relações vividos. Neste sentido, a análise geográfica coloca-se como capaz de contribuir, na medida em que por ela se é possível considerar o espaço tanto como resultante das transformações e relações, quanto como produto e reprodutor das mesmas e, da análise desse espaço e do entendimento da sociedade caipira. A metodologia adotada para a realização desta pesquisa consistiu na elaboração de um arcabouço teórico capaz de fundamentá-la, tendo por base uma revisão bibliográfica de estudos geográficos, mas também de outros campos científicos, tais como estudos sociológicos e antropológicos. Além da revisão bibliográfica, também foram escolhidas composições musicais representativas não apenas do gênero estudado, mas que também possibilitassem a leitura da geografia do lugar de onde vieram. O procedimento metodológico adotado para a escolha das músicas foi a seleção de algumas composições de cada gênero, divididas em blocos para a análise e reflexão, sendo eles: a) músicas caipiras tradicionais, ou clássicos desta; b) músicas caipiras que exprimem o período de transição de uma sociedade rural para uma sociedade urbanizada, onde as composições trazem, pela lamentação, a representação do rural perdido; c) músicas sertanejas que já não mais adotam uma roupagem ou representação caipira, na medida em que o processo de urbanização já estava consolidado. As composições que explicitam este momento da reprodução social do espaço são, fundamentalmente, aquelas oriundas das décadas de 1975-1990, período em que, “liberto” das “amarras” das representações caipiras, o sertanejo alcança o mesmo estatuto de outros gêneros tidos como populares e d) no interior do gênero sertanejo, é necessário considerar para que o que este aponta ou qual reprodução sócio- espacial que se explicita no sub-gênero denominado de “sertanejo universitário”. Indubitavelmente, trata-se do mesmo gênero musical, não havendo mudanças substanciais na forma e conteúdo deste gênero. No entanto, o que vem sendo chamado de sertanejo
  • 21. 13 universitário se não comporta mudanças substanciais, explicita a exacerbação da música como mercadoria que, como qualquer outra, necessita ter o seu ciclo de rotação acelerado para viabilizar a reprodução ampliada do valor. E, finalmente algumas considerações a partir da reflexão sobre novas músicas caipiras, neocaipiras ou contemporâneas. Dos blocos musicais indicados, todos são compostos por músicas cuja composição são condizentes com o período de análise, exceto as músicas do primeiro bloco em que a periodização analisada não corresponde necessariamente a ocasião de sua composição. Sendo assim, elas foram compostas antes do período transitório da música caipira para a sertaneja e posteriormente a eles. É devido a essa possibilidade que algumas das músicas caipiras selecionadas podem ter incorporadas em si elementos que são de uma sociedade urbana. Todavia, ainda que sua composição seja contemporânea, aquilo que a qualifica permanece, ou seja, resulta ou se insere em outro circuito que não o mercantil. Foi devido a essa especificidade que neste trabalho não se adotou a metodologia de se analisar as músicas por décadas de composição, percurso mais linear. Especificidade que se somou à dificuldade de se obter acesso às composições de músicas caipiras que começaram a se gravadas a partir da década de 1920. A escolha das músicas se deu no sentido de priorizar composições que possibilitassem na análise a identificação dos elementos que fundamentam e permitam reconhecer o universo do caipira do qual sua música deriva; músicas que demonstram, ainda que pela lamentação em alguns casos, a desestruturação do universo do caipira e; músicas que explicitam quais são os preceitos e a reprodução sócio-espacial do qual emerge a música sertaneja, principalmente a partir da década de 1970. Será possível perceber que as músicas escolhidas para os dois primeiros blocos a e b possuem uma estrutura bem mais complexa, não só por serem mais difícil memorizar, mas também porque objetivam, retratam uma realidade que se materializa redefinindo modos de vida. São músicas em que o que prepondera é o seu valor de uso. Já as músicas dos demais blocos, as sertanejas, não têm essa preocupação, elas trazem melodias e letras redutoras, mas principalmente descartáveis, que rapidamente são/serão substituídas pela música subsequente que fará sucesso, neste contexto, como já apresentado, nessas composições, prevalece o valor de troca.
  • 22. 14 Capítulo 1. A formação sócio-espacial brasileira tradicional, a constituição do modo de vida caipira e o projeto urbano-industrial do Estado Iniciar-se-á este capítulo com uma breve introdução e retomada histórica sobre o processo de produção e reprodução do espaço brasileiro, considerando, sobretudo, a formação e a importância do “Brasil Caipira” na constituição do país. Para essa elaboração, foram consideradas, entre outras, as reflexões desenvolvidas por Darcy Ribeiro em op. cit. Nessa obra, o autor apresenta uma divisão regional em cinco “Brasis”, “divisão” fundamentada nos modos de vida identificados pelo autor que, de acordo com o seu argumento central, constituíram-se na e pela relação estabelecida entre sujeito-natureza, no processo de ocupação do território brasileiro a partir do século XVI e ao longo dos séculos seguintes, culminando no que é o país hoje. Assim, Ribeiro indica uma matriz de entendimento da cultura tradicional brasileira que desde o início foi precoce, vigorosa e flexível.11 Para ele, as várias culturas tradicionais brasileiras são representadas ... pela cultura crioula, que se desenvolveu nas comunidades da faixa de terras frescas e férteis do Nordeste, tendo como instituição coordenadora fundamental o engenho açucareiro. Pela cultura caipira, da população das áreas de ocupação dos mamelucos paulistas, constituída, primeiro, através das atividades de preia de índios para a venda, depois, da mineração de ouro e diamantes e, mais tarde, com as grandes fazendas de café e a industrialização. Pela cultura sertaneja, que se funde e difunde através dos currais de gado, desde o Nordeste árido até os cerrados do Centro-Oeste. Pela cultura cabocla das populações da Amazônia, engajadas na coleta de drogas da mata, principalmente nos seringais. Pela cultura gaúcha do pastoreio nas campinas do Sul e suas duas variantes, a matuta-açoriana (muito parecida com a caipira) e a gringo-caipira das áreas colonizadas por imigrantes, predominantemente alemães e italianos. (RIBEIRO, 2006, pp. 246-247) 11 A precocidade da matriz cultural tradicional brasileira é representada pelas protocélulas, ou primeiras comunidades aldeãs constituídas por índios desgarrados de suas tribos, portugueses e seus mestiços, que eram influenciados tanto pela cultura indígena, quanto regidos pelos princípios organizacionais da cultura européia. O vigor e flexibilidade também referentes à matriz representa justamente a capacidade destes protobrasileiros de se tornarem ou transformarem nas principais variâncias da cultura brasileira tradicional, através de um longo processo (quatro séculos seguidos desde o descobrimento) de adaptação e diferenciação, pelo ajustamento as condições de cada região e seus respectivos tipos de produção. (RIBEIRO, 2006).
  • 23. 15 Dentre os Brasis apresentados, o Brasil Caipira é o que tem maior relevância para os objetivos dessa pesquisa o que, no entanto, não autoriza a desconsideração dos demais, na medida em que, como explicita Darcy Ribeiro, os Brasis estão intrinsecamente relacionados. Nas primeiras décadas após a chegada dos portugueses ao Brasil, durante o período de reconhecimento, a ação colonizadora vinculou-se à exploração do pau-brasil, sendo esta basicamente, extrativista e essencialmente localizada a leste do território brasileiro. Ao longo das décadas seguintes à chegada ao Brasil, Portugal viu-se ameaçado por outras metrópoles européias, tais como ingleses, holandeses e franceses, o que os obrigou a estabelecerem o processo de colonização e fixação no território brasileiro, conforme refletiu Moraes, (2000). Apesar do comércio de madeira ter sido importante nos primeiros anos da colonização, pode- se afirmar que o primeiro grande empreendimento mercantil brasileiro foi o açucareiro, devido à grande aceitação e preço alcançado por esse produto na Europa. A cana-de-açúcar, cultivada no Nordeste costeiro do Brasil (Brasil Sertanejo nos termos de Darcy Ribeiro), foi plantada em larga escala, o que possibilitou vultuosos ganhos para Portugal, tornando a colônia brasileira fundamental para a metrópole portuguesa. Essa faixa de terras frescas e férteis do massapé: conformou [...] um tipo particular de população com uma subcultura própria, a sertaneja, marcada por sua especialização ao pastoreio, por sua dispersão espacial e por traços característicos identificáveis no modo de vida, na organização da família, na estruturação do poder, na vestimenta típica, nos folguedos estacionais, na dieta, na culinária, na visão de mundo e numa religiosidade propensa ao messianismo. (RIBEIRO, 2006, p. 307) Enquanto o Nordeste era (des)envolvido de suas relações, a pobreza se instaurava nos núcleos que não detinham os engenhos de açúcar e escravos negros, como os paulistas, por exemplo. Ribeiro, D. (2006) afirma que estes paulistas, mestiços de índio com europeu, detinham um modo de vida grosseiro, baseado na vida tribal com uma economia voltada para o próprio sustento, ou seja, uma economia de subsistência, falando uma língua em geral originada do Tupi. Essas condições restritas impuseram como necessidade de sobrevivência a constante anexação de novas tribos indígenas e, principalmente, suas áreas de cultivo. Por sua vez, os índios recém incorporados tendiam a se a adaptar (os que não se adaptavam eram dizimados), construindo o processo de troca que viria a constituir o fundamento do Brasil caipira.
  • 24. 16 É preciso dizer que o sentido de “Sertanejo” atribuído ao “Brasil” por Ribeiro, D. (2006) não é o mesmo que o atribuído ao gênero musical. Embora ambos derivem da questão geográfica, em oposição ao litoral, em referência à ocupação a oeste do território, o sentido atribuído por Ribeiro fundamenta-se em um modo de vida muito particular e na estreita relação existente entre o sujeito, o lugar e as condições naturais que, dialeticamente, condicionava e permitia a reprodução da vida. Já o sertanejo do gênero musical, embora apareça como uma representação do sertão, do interior do Brasil e do modo de vida a ele associado, é essencialmente, expressão de um modo de vida urbano que, no entanto, precisa ocasionalmente se alimentar da aparência daquilo em que consistiu o rural. Por mais de um século, os paulistas mamelucos ou bandeirantes incorporaram às suas tribos milhares de indígenas, primeiro pra servi-los nas vilas e sítios, posteriormente para comercializá-los nos engenhos, juntamente com os negros fugidos (que se escondiam nos quilombos), os quais caçavam, buscando-os nos mais longínquos rincões. Essa condição levou-os a se caracterizarem também como mateiros e sertanistas, especializando-se assim, também como homens de guerra. Segundo Morais, (2000), inicialmente, foi no processo de caça aos índios e negros fugidos que os paulistas adentraram para interior do Brasil, movimento que também se associou à esperança de encontrar metais e pedras preciosas, assim como já acontecia nas colônias espanholas. Os metais preciosos foram encontrados pelos bandeirantes primeiro nos sertões de Taubaté, com garimpos paupérrimos, depois em Minas Gerais e Mato Grosso e posteriormente em Goiás, cuja extração e exportação em larga escala caracterizaram um novo ciclo econômico do Brasil: o do ouro, que foi seguido pela descoberta de diamantes. Assim, pode-se afirmar que os bandeirantes12 foram responsáveis pela mudança na configuração do território brasileiro, haja vista que com suas descobertas ocorreu um processo de interiorização e povoamento do interior brasileiro. É significante frisar que o êxito das bandeiras se deveu, principalmente, ao declínio do empreendimento açucareiro dos Brasis Crioulo e Sertanejo, que por volta de meados do século XVII, já era eminente, graças à produção em larga escala dos engenhos holandeses nas Antilhas. Esse fato engendrou a 12 É o próprio bandeirante reconhecido “raiz da música caipira, pois doou-lhe suas características de resistência e permanência.” (SANTOS, E., 2005, p. 28)
  • 25. 17 desaceleração e, consequente, crise da economia açucareira, ainda que o Estado tenha financiado e sustentado por longos anos a produção maciça de cana por meio de “empréstimos, moratórias e privilégios de mercado” como bem ressaltou Ribeiro. A mineração no Brasil constituiu-se, aproximadamente, a partir dos anos de 1700. Esse novo ciclo econômico brasileiro deslocou o eixo colonial histórico do nordeste para o centro-sul brasileiro. Devido a isso, a atividade minerária do século XVIII promoveu determinado desenvolvimento urbano e o surgimento de estratos sociais intermediários em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, sobretudo. O ouro, cuja exploração era monopólio da Coroa Portuguesa, teve uma exploração acentuadamente vertiginosa e forçosamente incentivada, intensificando-se no século XIX. Nessa época a exploração do ouro possuía alta rentabilidade. Neste sentido, todos da região aurífera, como por exemplo, Vila Rica, Sabará, Mariana etc., dedicavam-se quase que exclusivamente a esta exploração, chegando a determinados momentos em que havia escassez na produção de alimentos. Devido a isso, surgiram nas imediações das regiões de exploração, áreas de cultivo de alimentos baseado na agricultura familiar. Essa produção destinava-se a abastecer a população minerária. O agricultor camponês “responsável” por essa produção era o caipira, que comercializava seu excedente, se inserindo no ciclo do ouro de maneira marginal. Essas áreas agricultáveis deram procedência a povoados que posteriormente se tornaram cidades que conhecemos hoje, como Belo Horizonte, por exemplo, que tem sua origem no antigo curral Del Rey, um curral, onde se criava animais e plantava alimentos que ajudavam a abastecer Sabará e Vila Rica, atual Ouro Preto, como demonstraram os estudos de Barreto (1995). Da maneira como fora empreendida, a exploração esgotou em menos de dois séculos os aluviões encontrados, o que fez insigne a decadência do ciclo aurífero, que a partir do endividamento das populações, proporcionou a progressiva desagregação da economia e da sociedade organizada no entorno da exploração do ouro. Segundo Ribeiro, D., esgotado o impulso criador dos bandeirantes que se fizeram mineiros, toda a economia da vasta população do Centro-Sul entra em estagnação. Mergulha
  • 26. 18 numa cultura de pobreza, reencarnando formas de vida arcaica dos velhos paulistas que se mantinham em latência, prontas a ressurgir com uma crise do sistema produtivo. A população se dispersa e se sedentariza, esforçando- se por atingir níveis mínimos de satisfação de suas necessidades. O equilíbrio é alcançado numa variante da cultura brasileira rústica, que se cristaliza como área cultural caipira. É um novo modo de vida que se difunde paulatinamente a partir das antigas áreas de mineração e dos núcleos ancilares de produção artesanal e de mantimentos que supriam de manufaturas, de animais de serviços e outros bens. Acaba por esparramar-se, falando afinal a língua portuguesa, por toda área florestal e campos naturais do Centro-Sul do país, desde São Paulo, Espírito Santo e estado do Rio de Janeiro, na costa, até Minas Gerais e Mato Grosso, estendendo-se ainda sobre áreas vizinhas do Paraná... Em essência, exaurido o surto minerador e rompida a trama mercantil que ele dinamizava, a paulistânia se “feudaliza”, abandonada ao desleixo da existência caipira. (RIBEIRO, D., 2006, pp. 345- 346) Essa região dos estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, onde ocorreu a mineração tornou-se então uma “segunda região” de desenvolvimento da cultura caipira, já que com os bandeirantes paulistas ocorreu o que se pode chamar de uma primeira região ou protocultura caipira, a partir do encontro do europeu com o indígena que possibilitou uma relação peculiar e própria desse modo de vida.13 A população resultante do processo aurífero então decadente encontrava-se endividada e, muitas vezes, sem condições de manter o próprio sustento. Os que ainda detinham algum título ou posses migraram para outras regiões em busca de melhores condições de vida. Já a grande maioria se manteve nas regiões da minas, dispersos pelas extensas áreas de terra e em distantes núcleos familiares. Todavia, essa distância não ocasionou uma segregação, pois munidos dos costumes dos paulistas, os caipiras passaram a estruturar-se em bairros rurais. Numa perspectiva geográfica, Rodrigues (1973, p. 3) retrata os bairros rurais como: [...] uma unidade espacial, de limites imprecisos, caracterizado pelo sentimento de localidade, sendo uma área de referência do espaço mais amplo representado pelo município. Como unidade espacial pode abrigar mais que um grupo de vizinhança, os quais se integram no seio do grupo de localidade que lhes corresponde. 13 Ainda que São Paulo tenha sido a primeira região do caipira, tanto este estado quanto Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso se consolidaram enquanto lócus do caipira.
  • 27. 19 Os bairros rurais encontravam-se isolados, funcionando quase que como uma autarquia, e as relações com este local se davam pelo sentimento de pertencimento. Os principais alicerces deste tipo de unidade territorial são a religiosidade e as relações de parentesco entre os membros do bairro, onde os laços familiares são os responsáveis pela organização, articulação e constituição do bairro. A religiosidade intrínseca do local era responsável pela unidade social das pessoas que nele habitavam, as festas e danças realizadas - (Folia de Reis Festa dos Santos Reis, Dança de São Gonçalo etc.) 14 - geralmente em homenagem a algum santo padroeiro - possibilitavam o envolvimento geral da comunidade, que quando não acontecia em função de um evento religioso, dava-se pelo mutirão. Conforme Candido (1987), o mutirão consiste em uma espécie de ajuda recíproca, entre os membros do bairro rural, para as atividades que demandavam serviço de um número maior de pessoas, como roçados, plantações, construções etc. O benefício cedido devia ser retribuído sempre que necessário e, ainda, quem recebia o favor deveria oferecer uma festa farta de comida como forma de retribuição e celebração ao fim do trabalho concluído. Esse autor, em Os parceiros do Rio Bonito, refere-se a um velho caipira do bairro rural, que diz ser uma obrigação com Deus a ajuda aos demais membros da comunidade, o que faz com que todos realizem sem recusas o pedido de auxílio. Essa passagem de Antônio Cândido revela a importância e a influência da religiosidade sobre o bairro rural e o modo de vida do caipira. Foi no bairro rural pautado pela economia dos mínimos que o caipira se desenvolveu e reproduziu sua existência, ao mesmo tempo em que reproduziu seu espaço, reprodução que perdurou enquanto essa relação entre o lugar e o modo de vida foi possível, onde se alicerçou “na produção familiar essencialmente de subsistência e nas relações de compadrio” que caracterizaram, dentre outras coisas, as diversas “manifestações culturais com as modas de 14 Martins (1974, pp. 30-31) faz referência às festas e danças dos caipiras como ritos religiosos que se utilizavam e utilizam da música para se cumprir. Os lavradores e não somente cantadores da Folia de Reis “deslocam-se de um bairro rural ao outro e, em cada bairro, uma casa se transforma em pouso da bandeira”. Na casa os foliões passam a noite, se alimentam, fazem as rezas, prendas são recolhidas. A Folia Reis realiza-se em caráter de peregrinação, já que os bairros rurais são esparsos. “A Festa dos Santos Reis completa um período de peregrinação da Folia de Reis” está tem basicamente as características da primeira sua diferença é a realização do baile na roça, “atividade profana” antecedido pela reza, sempre em primeiro lugar. “A Dança de São Gonçalo é na casa do próprio caipira que possui diante do altar desse santo, geralmente localizado na sala. O dono da casa faz com intuito de cumprir promessa e quem é convidado e dança também tem mesmo objetivo.
  • 28. 20 viola, as danças, os causos... que são singulares na culinária, na vida religiosa e nas crendices” (MARIANO, 2000, s.p.) Cessado o ciclo do ouro e com advento da nova economia, a cafeeira, as comunidades caipiras negaram-se a adequarem-se às exigências da vida urbana e, principalmente, do modo de produção mercantil, já que nos bairros rurais, em suas terras, eles tinham a condição de se organizarem segundo suas necessidades e aspirações, o que não coincidia com a aplicada fora dos bairros. A vida rural caipira permitiu que, assim ordenada, equilibrasse satisfatoriamente os períodos da faina alternada ao lazer, o que induziu a uma caracterização falseadora do mesmo, como vadio, ocioso, imprevidente e desambicioso. Isso porque o engajamento necessário aos sistemas de trabalho mercantilistas não eram bem quistos pelo caipira, pois o mundo moderno era e é o do trabalho que garanta a acumulação e o lucro e o “mundo” do caipira era o trabalho (mas que garantisse suas necessidades básicas). Assim, o ócio era parte integrante e fundamental deste mundo, pois no lazer, além do descanso e dos compromissos com a fé, o caipira, refletia sobre e organizava as atividades do trabalho. Segundo Darcy Ribeiro (2006), nesse período, a livre ocupação das terras pelas comunidades caipiras só era possível pelo momento de recessão econômica, que perdurou de 1790 a 1840, pois a terra não possuía ainda status de mercadoria. Passado este momento, com o país iniciando as atividades agroexportadoras, do ciclo do café, as comunidades caipiras começaram a ser aglutinadas, já que a terra, no bojo das transformações iniciadas em 1850 e, que culminaram com a abolição da escravidão em 1888, assumiriam status de mercadoria, realizando assim valor econômico.15 As comunidades caipiras resistiram a esse novo modo de produção, resistência que, para elas, significava a preservação de seu modo de vida, na medida em que o caipira está intrinsecamente ligado à sua relação com a terra e modo de produção. Enquanto no Brasil perdurou a segunda economia mercantil16 , o caipira resistiu ao que se pode chamar de fundição total aos padrões de vida fora dos mínimos vitais. 15 “Com a independência e com o fim da escravidão, trataram os governantes do país de abrir a possibilidade de, através da “posse”, legalizar grandes extensões de terras. Com a lei de terras de 1850, entretanto, o acesso à terra só passou a ser possível através da compra/venda com o pagamento em dinheiro, o que limitava, ou mesmo impedia, o acesso à terra dos escravos que foram sendo libertos.” [e aos caipiras]. (OLIVEIRA, 1988, p.11) 16 O Brasil possui três períodos mercantis. O primeiro deles, foi o do ciclo da cana de açúcar, o segundo foi o do ciclo cafeeiro, iniciado após o ciclo do ouro, que foi agrário e, o terceiro foi o industrial iniciado na década de 1930 com o projeto desenvolvimentista do Estado Brasileiro.
  • 29. 21 Todavia, com o declínio do ciclo cafeeiro, processo intensificado pela crise de 1929, e com o novo projeto do Estado brasileiro, então comandado por Getúlio Vargas, fundamentado na e pela industrialização/urbanização, as comunidades caipiras foram rompidas pela própria ruptura de seu lugar. Não apenas o lugar do caipira, mas também ele próprio, foi inserido na e pela reprodução social urbano-industrial, o que levou, décadas mais tarde, se não ao desaparecimento total do caipira, à condição residual, inserindo-os (ele e sua cultura) marginalmente na sociedade que se reproduzia sob o viés modernizador. É importante frisar que o período do projeto desenvolvimentista do Estado, acima citado, corroborou intencionalmente com a marginalização e estereotipação do caipira, que amplamente representado pelo personagem Jeca Tatu, dos escritos de Monteiro Lobato17 e os filmes do Mazzaropi, onde o caipira foi ridicularizado e desqualificado, como forma de construir na população brasileira de extração rural, mas que se urbanizava, a representação negativa do caipira, a ponto das pessoas negarem tal identidade, procurando livrar-se do estigma “caipira”, condição essencial para a aceitação do modo de vida urbano. Processo de aculturação que, afinal, foi fundamental para a modernização da sociedade brasileira, principalmente a partir da mudança do eixo de sua acumulação em 1930 que se desloca de uma base mercantil-agrária para a base urbano-industrial no processo veloz que necessitou apenas de algumas décadas para se estabelecer. O estabelecimento do binômio – industrialização e urbanização – caracterizou uma nova fase brasileira e o país teve sua modernização implementada pelo Estado que criou uma rede de estruturação das regiões periféricas em função da chamada região Centro Sul, tendo em São Paulo, o centro privilegiado de acumulação de capital, onde se formou um núcleo de reprodução capitalista de notoriedade desde a cafeicultura, que não era antes, quando dos núcleos açucareiros nordestinos. Francisco de Oliveira (1981, p. 37) reflete sobre esse 17 Ver Ribeiro, D. (2006), quando o mesmo diz: “as páginas de Monteiro Lobato que revelaram às camadas cultas do país a figura do Jeca Tatu, apesar de sua riqueza de observações, divulgavam uma imagem verdadeira do caipira dentro de uma interpretação falsa. Nos primeiros retratos, Lobato o vê como um piolho da terra, espécie de praga incendiária que atiçava fogo à mata, destruindo enormes riquezas florestais para plantar seus pobres roçados. A caricatura só ressalta a preguiça, a verminose e o desalento que o faziam responder com um “não paga pena” a qualquer proposta de trabalho. Descreve-o em sua postura característica, acocorado desajeitadamente sobre os calcanhares, a puxar fumaça do pito, atirando cusparadas para os lados. Quem assim descrevia o caipira era o intelectual-fazendeiro da Buquira, que amargava sua própria experiência fracassada de encaixar os caipiras em seus planos mirabolantes. O que Lobato não viu, então, foi o traumatismo cultural em que vivia o caipira, marginalizado pelo despojo de suas terras, resistente ao engajamento no colonato e ao abandono compulsório de seu modo de vida tradicional.” (RIBEIRO, D. 2006, p. 352)
  • 30. 22 processo em Elegia para uma re(li)gião onde afirma: “a ‘região’ do café passa a ser a ‘região’ da indústria: São Paulo é o seu centro, o Rio de Janeiro seu subcentro, Minas Gerais e o Paraná seus limites e a expansão da fronteira dessa “região” começa a capturar os espaços vazios do Centro-Oeste.” Um aspecto sobre a industrialização de São Paulo não pode deixar de ser considerado, já que “de um modo geral, pode-se dizer que a dispersão espacial da indústria obedeceu a uma lógica econômica que também era uma lógica do espaço”, conforme destacou Seabra, ( 2003, p. 142). Em qual sentido a autora faz essa afirmação? No sentido de dizer que o avanço e desenvolvimento da indústria em São Paulo se deu em muito devido à localização das mesmas e ainda devido ao “aumento do número de estabelecimentos em áreas de expansão do centro da cidade.” (Ibidem, p. 142) Convém aqui explicitar que por mais célere que tenha sido o processo urbano-industrial de São Paulo “ele não atingiu da mesma forma, nem com a mesma intensidade, a cidade e o seu entorno”, pois a lógica industrializante “se difundia a partir do centro” e não abrangia o entorno de São Paulo onde se encontravam os caipiras do além-Tietê, que se alocavam nas “áreas paupérrimas que contrastavam com o extraordinário movimento de modernização, centrado nas exigências, primeiro da economia do café, e, depois, do estabelecimento das indústrias em São Paulo” (SEABRA, 2003, pp. 129, 146 e 166). Cabe refletir: aos olhos de quem? E como? Essas terras eram consideradas demasiadamente pobres, já que os caipiras perpetravam um modo de vida, que ainda que fosse residual, caracterizava suas condições ideais de vida: Nos sítios, a agricultura de subsistência com cana, milho, mandioca, abobora, alguma criação e muitas arvores frutíferas. A pesca nos rios, riachos, nas lagoas, como também a caça de pequeno porte era praticada até a Cantareira. (SEABRA, 2003, p. 163) Considerando o exposto vemos que o caipira se reproduzia fora dos padrões do mercado, não considerando o sobre-trabalho. É, neste sentido, que se pode dizer que essa população não tinha as condições básicas, garantidas, pelo Estado, como, por exemplo, saneamento básico, pois ainda não era necessário “preocupar-se” com um povo que sequer estava inserido dentro ou imbuído do grande objetivo, a acumulação do capital.
  • 31. 23 O desenvolvimento urbano-industrial do centro-sul ocorreu, sobretudo, balizado e sustentado pelos avanços sobre a região Nordeste, pela busca de fornecimento de mão-de-obra e na busca de ligar a mesma as demais. Antes de imbricarmos neste fato cabe dizer que desde meados do século XIX até meados do século XX configuraram-se no Brasil dois Nordestes: o “Nordeste açucareiro semiburguês” excluído dos “circuitos de produção e da apropriação do valor gerado pela mercadoria café” que “tinha sua expansão cortada pela simbiose dialética da constituição novo Nordeste algodoeiro- pecuário”, que estava nas “mãos da classe latifundiária que comandava o processo produtivo algodoeiro-pecuário, reiterado pela sua subordinação aos interesses do capital comercial e financeiro inglês e norte-americano” (OLIVEIRA, F. 1981, p. 35). No Nordeste algodoeiro-pecuário tem-se o desenvolvimento do que se pode chamar de “proto-industrialização” do Brasil com o estabelecimento das indústrias têxteis, que perderiam sua força de atuação e seriam destruídas com a efetiva industrialização implementada pelo Estado pós-anos 1930, pois “são fábricas que não conseguem competir em preço e qualidade.” (Ibidem, p. 76) Esse quadro descrito acima serve para demonstrar, dentre outras coisas, como a região Centro-Sul conseguira mão-de-obra necessária para seu desenvolvimento pleno, ocasionado também, pela destruição dos dois Nordestes brasileiros18 , haja vista, que suas “circularidades específicas de reprodução” foram “ultrapassadas e dissolvidas pela nova forma de reprodução do capital da “região” em expansão.” (Ibidem, p. 76) A conversão da “região” do café em “região” da indústria começa a redefinir a própria divisão regional do trabalho em todo o conjunto nacional. Seu papel nessa divisão regional do trabalho no respeita à “região” Nordeste passa a ser de um lado, sistematicamente, a reserva do exército industrial de reserva: as migrações Nordeste - São Paulo chegam a construir um formidável contingente que vai suprir os postos de trabalho criados pela industrialização, e contribuir para manter baixos os níveis de salário real de toda a massa trabalhadora; por outro lado, os diferenciais da taxa de lucros começa a drenar o capital que ainda se formava no Nordeste; e ainda sob outro aspecto, (...), favorecendo sistematicamente uma taxa de câmbio 18 “Os estudos do desenvolvimento industrial da “região”... Centro-Sul... toma espacialmente a forma de destruição das economias regionais ou da “regiões”. Esse movimento dialético destrói para concentrar, e capta o excedente das outras “regiões” para centralizar o capital... A diferença desse processo, quando comparado aos efeitos que a expansão capitalista do Centro-Sul exerceu sobre outras “regiões”, é ilustrativa: o efeito inicial destruidor sobre os “Nordestes” somente ocorre porque nestes existiam “economias regionais”, com circularidades específicas do processo de reprodução. Não se nota o mesmo efeito em relação a uma região como o Centro-Oeste: aqui, a redivisão regional do trabalho comandada pela expansão capitalista do Centro-Sul tomou claramente as formas de “criação” e não de “destruição”...”(OLIVEIRA, F., 1981, p. 77, grifos do autor). Essa “criação” referida por Oliveira nos remete a marcha para o oeste criada no início do governo de Getúlio Vargas para incentivar o progresso e a ocupação das várias terras desocupadas no Centro-Oeste brasileiro.
  • 32. 24 subestimada, ao mesmo tempo que elevava nacionalmente as taxas alfandegárias para a proteção da indústria de transformação, deu lugar a um mecanismo de triangulação das trocas de mercadorias Nordeste-Exterior- Centro-Sul-Nordeste que deprimia a taxa de realização do valor das mercadorias produzidas no Nordeste, inviabilizando ainda mais a reprodução do capital na região nordestina. (OLIVEIRA, F., 1981, p. 37, grifo do autor) A migração nordestina empreendida maciçamente, nas décadas de 1930-40 garantia a mão- de-obra19 que não poderia ser conseguida, por exemplo, nas pequenas áreas rurais paulistas, lócus do caipira, que se reproduzia, mesmo que de maneira precária, as margens do excedente e do lucro. Foi neste contexto que o trabalhador nordestino constituiu-se como o proletariado de grande importância para as indústrias ou ao “setor terciário” centro-sulista20 . Um proletariado que trabalhava pelo salário mínimo, que o caipira, ainda não carecia, pois tinha a terra que lhe garantia sua (re)produção. É importante ressaltar que o primeiro salário mínimo fixado foi interpretado rigorosamente pelos seus criadores como “salário da subsistência” que considerava “as necessidades alimentares (...) para um padrão de um trabalhador que devia enfrentar um certo tipo de produção”. Salário esse garantido pelas recém criadas leis trabalhistas, “que faziam parte de um conjunto de medidas destinadas a instaurar um novo modo de acumulação”, que reproduzia a “imposição de ganhos diferentes entre os grupos sociais, e a direção em que eles” atuariam “no sentido de fazer a empresa capitalista industrial a unidade mais rentável do conjunto da economia.” (OLIVEIRA, F., 2003, p. 37-40) A ação do Estado foi sustentada, sobretudo, sobre uma base fisiográfica de divisão regional cujo objetivo central era conhecer e reconhecer as regiões e produzir nelas a base infra- estrutural que permitira sua dominação e apropriação. Assim, a definição da região centro-sul 19 Cabe dizer como bem tratou Odete Seabra em sua tese Urbanização e Fragmentação que a migração européia (principalmente de italianos, vindos para trabalho nas lavouras de café dos grandes coronéis no final do século XIX e início do século XX, tendo estes do século passado convivido diretamente com os caipiras do além-Tietê com denominou-os Seabra) serviu também como mão-de-obra assalariada dos setores urbanos juntos dos nordestinos. 20 Francisco de Oliveira (2003) reflete em sua obra Crítica a razão dualista que “no processo de sua expansão, sem contar com magnitudes prévias de acumulação capitalísticas, o crescimento industrial forçosamente teria que centrar sobre a empresa industrial toda a virtualidade da acumulação propriamente capitalista; sem embargo, ela não poderia dar-se sem o apoio de serviços propriamente urbanos, diferenciados e desligados da unidade fabril propriamente dita, as chamadas “economias externas” (...) Em poucas palavras, que existe não é o “inchaço” do Terciário. O tamanho deste, numa economia com a brasileira, do ponto de vista de sua participação no emprego total, é uma questão estreitamente ligada à acumulação urbano-industrial. A aceleração do crescimento cujo epicentro passa a ser a indústria, exige, das cidades brasileiras – sedes por excelência do novo ciclo de expansão –, infra-estrutura e requerimentos em serviços para as quais elas não estavam previamente dotadas. (pp. 55-56).
  • 33. 25 brasileira como o centro de acumulação da reprodução capitalista significou: a abertura do país ao capital estrangeiro; implantação da indústria automobilística, nacional- desenvolvimentismo e a criação da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) 21 , conforme demonstrou Oliveira (1981; 2003). Em 1970 a região Centro-Sul, principalmente São Paulo, já não conseguia absorver o alto índice migrantes vindos do Nordeste, expropriados pelo processo de concentração fundiária. Neste mesmo período, no Semi-Árido, nasciam os movimentos de luta contra essa concentração fundiária – as Ligas Camponesas22 , originárias da ação do Partido Comunista do Brasil nos anos de 1930, elas se caracterizam por terem sido, até o golpe militar, um amplo instrumento de organização e luta dos trabalhadores pela reforma agrária. Foi no bojo da busca do distensionamento da questão agrária no Nordeste que foi colocado o processo de ocupação das terras localizadas ao norte do país, ou seja, prevendo a eminente reforma agrária que poderia acontecer pautada pelos movimentos dos camponeses, o Estado, juntamente com os grandes proprietários de terra e industriais, criou o projeto de ocupação da Amazônia pelos nordestinos, ou seja, a ocupação do que o Estado denominou de “as terras sem homem da Amazônia pelos homens sem terra do Nordeste”, processo que engendrou a ocupação modernizadora da Amazônia na segunda metade do século XX. Assim, sustentado pela exploração do trabalho, em um momento em que o capital possuía baixa composição orgânica, como afirmou Oliveira, (2003), foram construídos os grandes empreendimentos brasileiros, inclusive a capital Brasília, fundada com objetivos de integração territorial, caracterizando-se como o marco da reorganização do território 21 A SUDENE foi criada em 1959 pelo presidente Juscelino Kubitscheck, inspirados por ela, o governado militar (1964-85) criou, em 1966, a SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). O argumento para a criação da SUDENE era o baixo desenvolvimento da região Nordeste nos anos de 1950. Sua função seria planejar, articular e coordenar todo o esforço do governo no desenvolvimento econômico e social do Nordeste.Os recursos da SUDENE nunca poderiam ser inferiores a 2% da receita tributária da União, estabelecidos na Constituição como fundo de auxílio ao Nordeste no combates às secas. As irregularidades encontradas nos projetos da Sudene e da Sudam motivaram a extinção das mesmas em maio de 2001. No lugar da SUDENE e SUDAM, o presidente Fernando Henrique Cardoso criou as agências de desenvolvimento da Amazônia (ADA) e do Nordeste (ADENE). Segundo sitio do Ministério de Integração Nacional hoje a “SUDENE, é uma autarquia especial, administrativa e financeiramente autônoma, integrante do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, criada pela Lei Complementar nº 125, de 03/01/2007.” Sua missão “é de "promover o desenvolvimento includente e sustentável de sua área de atuação e a integração competitiva da base produtiva regional na economia nacional e internacional”.” 22 As Ligas Camponesas foi o movimento mais importante pela reforma agrária no Brasil até o golpe militar de 1964. Para sua significação e evolução ver MONTENEGRO (2008).
  • 34. 26 brasileiro, como coroamento do processo de integração nacional fundamentado em São Paulo e na integração das regiões Centro-oeste e Norte pela rede comunicação e circulação. Brasília simbolizou na ideologia nacional-desenvolvimentista o “futuro do Brasil”, o arremate e a obra monumental da nação a ser construída pela industrialização coordenada pelo Estado planificador (...). Brasília seria a “Capital da esperança” ou de futuro tido com desejável e quase inevitável aquele as nação consolidada pela expansão da indústria, com a racionalidade técnica e administrativa tendo penetrado em todos os poros da sociedade e do Estado, eliminando os “grupos de pressão”, os “interesses particulares e mesquinhos”, o “populismo”, as “forças antinacionais”, e promovendo o planejamento, os planos concebidos com base no “rigor do conhecimento científico” e elaborados por técnicos e intelectuais competentes. (VESENTINI, 1986, p. 136) Entretanto, o que se podia observar e que repercute até os dias atuais é que a regionalização integradora, voltada para o centro, era e é dotada de contradições tendo por base o desequilíbrio regional, haja vista que redirecionamento de riquezas das outras regiões para se acumularem em São Paulo só foi possível pela desigualdade regional existente. Portanto, o espaço foi (re)estruturado econômico e politicamente já que, para atender a reprodução do capital, fora necessário um novo projeto econômico e político. Nesse sentido, é possível perceber o quão diferentes foram às relações que sustentaram a formação e desenvolvimento do Brasil Caipira, do Sertanejo e do Crioulo do processo modernizador da reprodução social do espaço brasileiro levado a cabo pelo Estado a partir de 1930. O desaparecimento do caipira e de seu modo de vida, processo que o tornou residual na sociedade brasileira, corresponde justamente ao período iniciado em meados da década de 1950 e corresponde à intensificação do processo de modernização vivenciado pela sociedade brasileira, quando o país e sua população foram compelidos a e industrializar-se e, consequentemnete, se urbanizar. Nessa nova estrutura sócio-espacial, o caipira e sua cultura já não podiam mais prevalecer, o que fez com que se tornassem residual, como bem observou SEABRA (2003).
  • 35. 27 Capítulo 2. O modo de vida e representação: a música e o lugar do caipira Todo esse processo de formação, desestruturação e eliminação do espaço do caipira foi por ele expressado na sua cultura, que pode ser entendido pela análise da música que lhe é característica. É no sentido de compreender a reprodução social desse espaço ou da geografia expressa nas músicas a seguir prosseguiremos nessa discussão. Aqui serão buscados padrões que caracterizem alguns aspectos da cultura caipira, padrões estes estabelecidos pelo uso do tempo regido pela religiosidade, pela diversidade da sua produção e pela sua relação de inserção, onde a natureza, o homem e o trabalho se complementam. Sendo assim, deve ficar claro que não se trata de descrever e interpretar todos os aspectos da vida social e cultural do caipira, mas somente alguns que possibilitem, sobretudo, uma análise geográfica. Pois, conforme afirmado por Santos, R. (2008, p. 60) ao se reportar aos estudos de Max Sorre “reconhece-se a importância, para os estudos geográficos, de considerar as condições reinantes e as relações que os habitantes mantêm entre si, inclusive os sentimentos, a imaginação, a religiosidade.” As composições musicais foram escolhidas por se tratarem de composições clássicas caipiras, sendo elas, Berço de Couro, Meu Céu, Pingo D’água e Quebra de Milho (em anexo). Estas foram selecionadas com o objetivo de demonstrar o universo caipira e suas relações correspondentes, bem como suas particularidades e riqueza. Segundo Nepomuceno, (1999, p.18), a música caipira tem um contorno melódico mais próximo da linguagem falada, música que “traduziu o Brasil rural, bucólico, romântico, rude e místico”, adjetivos que poderiam ser utilizados também pra descrever a própria definição do gênero caipira. Ela é “interpretada por um duo, geralmente de tenores, com voz nasal e uso acentuado de um falsete típico, com alta impedância e tensão vocais mesmo nos agudos que alcança às vezes a extensão de soprano.” (ULHÔA, 1999, p. 48). Seus representantes ...cantadores interpretavam modas-de-viola e toadas, canções estróficas que após uma introdução da viola denominada "repique" falavam do universo sertanejo numa temática essencialmente épica, muitas vezes satírico- moralista e menos frequentemente amorosa. (ULHÔA, 1999, p. 49) 23 23 A paginação do texto aqui indicada segue a mesma da versão impressa. O termo sertanejo usado por Ulhôa é o que neste trabalho é tratado como caipira.
  • 36. 28 Nas primeiras gravações feitas desta música, os cantadores utilizavam somente a viola e violão24 . Esse período pode ser caracterizado como a primeira fase da produção das músicas caipiras, que começou em meados da década de 1920 e foi até 1945 aproximadamente. Segundo Ulhôa (1999, p. 49) são representantes dessa fase “Cornélio Pires e sua “Turma”; Alvarenga e Ranchinho; Torres e Florêncio...; Vieira e Vieirinha...”, dentre outros. Algumas décadas depois, “a instrumentação, ritmos e contorno melódico gradualmente incorporaram elementos estilísticos de gêneros disseminados pela indústria musical...” na música caipira. (Ibidem, p. 48). É necessário destacar que a música caipira se não é caipira apenas porque se atém ao tradicional, também o é por isso. Ela é essencialmente caipira porque é fundamentada em uma reprodução sócio-espacial determinada por uma economia dos mínimos vitais, onde seus reprodutores, os caipiras, tinham que lidar com o que estava ao alcance de suas mãos e habilidades forjadas por sua cultura. Daí a centralidade e quase exclusividade da viola que, por sua vez, não é qualquer instrumento, é o equipamento representativo do caipira que não apenas aprende a arte de tocá-la, mas alguns, inclusive, a arte de fazê-la, ambas passadas de pai para filho. A indústria musical aproveitou-se (e até mesmo influenciou) da inserção de instrumentos e elementos estilísticos estrangeiros, por exemplo, os latino-americanos, sobretudo, no pós- Segunda Guerra Mundial, a música caipira para, gradativamente, desestruturar o gênero. Foi pautada pela inserção de outros ritmos e instrumentos que a “indústria cultural” que se inseriu no projeto urbano-industrial, desestruturou a música caipira. No entanto é importante ressaltar que não se pode atribuir somente aspectos negativos à fixação dos ritmos e instrumentos de outros países na música de raiz. Ao contrário, a contribuição também veio sem descaracterizar nesse momento, pelo menos não a priori, isto é, ao ponto de romper a essência caipira deste gênero musical, como bem refletiu Ulhôa: Após a guerra introduzem-se instrumentos (harpa, acordeom), estilos (duetos com intervalos variados, estilo mariachi) e gêneros (inicialmente a guarânia e a polca paraguaia e mais tarde o corrido e a canção ranchera mexicanos). Surgem novos ritmos como o rasqueado (andamento moderado entre a polca 24 “Os duetos em vozes paralelas eram acompanhados pela viola caipira, instrumento de cordas duplas e vários sistemas de afinação (como cebolinha, cebolão, rio abaixo) e mais tarde também pelo violão. (ULHÔA, 1999, p.49)
  • 37. 29 paraguaia e a guarânia), a moda campeira e o pagode (mistura de catira e recortado). A temática vai ficando gradualmente mais amorosa, conservando, no entanto um caráter autobiográfico. Artistas desta fase ... são Cascatinha e Inhana, José Fortuna (adaptador da guarânia), Luizinho, Limeira e Zezinha (lançadores da música campeira), Nhô Pai (criador do rasqueado), Irmãs Galvão, Irmãs Castro, Sulino e Marrueiro, Palmeira e Biá, Tião Carreiro (criador do pagode) e Pardinho... (ULHÔA, 1999, p. 50). Nesse sentido, pode-se afirmar que essa inserção, por um lado, também contribuiu para o fortalecimento da música caipira, porque renovou, por meio da troca com outras culturas, o processo criativo que também caracteriza a música caipira. Todavia, esse processo também abriu o caminho pelo qual esta seria apropriada pela “indústria cultural”, conforme será visto na análise da música sertaneja, pois como bem afirmou Caldas (1987, p. 70), não foi a inserção das influências paraguaias e mexicanas que degradaram a qualidade da música caipira e a declinaram, mas sim a absorção que a chamada indústria cultural fez desta. 2.1. Berço de Couro e Meu Céu Considerando o exposto anteriormente, pretende-se demonstrar a partir da análise das músicas escolhidas a relação do caipira, sua música, seu modo de vida e seu lugar. O fragmento a seguir foi destacado da música Berço de Couro composta por Zé Mulato e de Meu Céu composta por Zé Mulato e Xavantinho. A primeira é iniciada pelos os seguintes versos: Sou um privilegiado nasci em berço de couro Em nada, nada eu invejo quem nasce em berço de ouro Essa minha liberdade é o meu maior tesouro Trecho da música: Berço de Couro É peceptível nesse trecho o orgulho que o caipira tem de ser tal como ele é, ao mesmo tempo em que expressa sua identidade a partir das relações sócio-espaciais e de trabalho nas quais ele está inserido. O couro, produto do seu trabalho, constitui-se em elemento central ou
  • 38. 30 “berço” para suas atividades seja para a confecção do laço, da algibeira ou para proteger-se do frio. Assim, considera-se um privilegiado, mesmo que não compartilhe dos bens e materialidades que acredita ter as pessoas que nasceram e/ou vivem na cidade, cuja produção advém de uma atividade industrial e não artesanal, como no caso do caipira. Mais que isso, sua riqueza não se mede pelo que se acumula, mas pela possilidade de dispor do necessário à reprodução de sua existência. Além disso, como caipira reconhece que seu lugar e a sua “liberdade”, liberdade pra viver, para trabalhar, para se relacionar, é explicitada como grande tesouro. Liberdade essa garantida pela diversidade da produção do caipira como veremos adiante. Nesse sentido, vê-se como os dois modos de vida são antogônicos: um, o do caipira, que lhe permite o uso amplo e livre do tempo, fora das amarras impostas pelo anseio de consumir, mas que lhe caracteriza uma vida rústica, próxima ou muito restrita à aquilo que o espaço em que está inserido pode oferecer e que ele pode transformar pelo trabalho artesanal, pela sua cultura, simbólica ou metaforicamente representado pela expressão “berço de couro”. Já o modo de produção que é o da acumulação ampliada da riqueza permite ao sujeito ter acesso a uma materialidade que seduz, contudo, sua vida (o que também envolve seu tempo e seu espaço) é direcionada para acumular e reproduzir sua existência como alguém que “nasceu em berço de ouro” e que precisa ser mantido ao longo de sua reprodução social. A relação com seu espaço vivido pode ser observada também na importância que a natureza tem na vida do caipira. Ele a contempla enquanto “a grande mãe” ou aquela que lhe oferece as condições que, transformadas pelo trabalho e mediadas por sua cultura, lhe permitirão reproduzir sua vida, processo em que esta, a natureza, é apropriada e transformada em espaço, onde, para o caipira, reside a verdadeira riqueza. Outro aspecto importante a se ressaltar diz respeito à relação do caipira com o espaço em que está inserido. Os excertos das músicas deixam implícito o respeito do caipira ao equilíbrio da natureza, ao seu tempo, as suas leis. Esse respeito se dá porque sua vida é regida pelo natural e a sua existência depende desse equilíbrio, por exemplo, quando ele diz “noite alta vou dormir para acordar bem cedinho, pois não perco a alvorada no cantar dos passarinhos”. Para o caipira a busca incessante por status, dinheiro e poder não são a demonstração de fortuna de uma pessoa, que por estar preocupada demais em ter, perde a chance, ou melhor, não tem a chance de usufruir daquilo que entende como a verdadeira riqueza, possibilitada pela relação
  • 39. 31 com o tempo e com o espaço por ele apropriado. Nos fragmentos a seguir fica expressa essa relação: Quem nasce em berço de ouro raramente pode ver O sol brotar radiante logo após o amanhecer E o canto da passarada não lhe traz nenhum prazer Por ter a mente embotada pela sede de poder Não vê que na natureza está a maior riqueza Sem ostentar realeza a gente é rei sem saber Trecho da música: Berço de Couro Noite alta vou dormir para acordar bem cedinho Pois não perco a alvorada no cantar dos passarinhos Pra me desejar bom dia coroar o meu sossego Eu recebo a visita do cuitelinho azulego Trecho da música: Meu Céu Segundo Candido, (1987, p. 23), “ a existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um equilíbrio relativo entre as suas necessidades e os recursos do meio físico...” A descrição dos elementos naturais percertíveis nos trechos anteriores das músicas remete-nos a existência de uma cultura caipira mediada por esse equílibrio das necessidades com os recursos, na música considerado como tudo que a natureza tem a oferecer, o “sol radiante” ou “canto da passarada”. Nota-se uma quase dependência desse caipira a “visita do cuitelinho azulego” e aos pássaros cantando na alvorada para que se realize eficiente o seu ciclo de trabalho durante o dia. Assim, revela-se para nós um universo que não se completa apenas com um trabalho produtivo da riqueza material, mas que exige aquilo que o amplia, que o diversifica, até o ponto em que a visita do pássaro que vem cantar na porta do caipira lhe aparece como um ganho, porque integra seu universo e ajuda a moldar sua cultura. De fato, trata-se de uma outra dimensão que nao é determinada pela mediação do valor. O pássaro e seu canto, tão valorizado pelo caipira é para seu deleite, como a demonstrar-lhe que, afinal, ele pertence à aquele lugar. Também destacado da música Berço de Couro, o fragmento a seguir é importante para se perceber elementos que intregam e expressam a reprodução sócio-espacial do caipira: Já tenho até meu castelo, um rancho no fim da linha Feito só de barro e palha onde eu sento de tardinha No baldrame do palácio pra assuntar as andorinhas
  • 40. 32 A saracura três pote, as araras e as rolinhas Nesse chão abençoado sou um rei considerado Meu trono é um cupim chato no alto de um outeiro Embaixo de um pau-d’óleo que dá sombra o ano inteiro. Trecho da música: Berço de Couro O castelo referido exprime a idéia significativa da casa do caipira, chamada de rancho por ele mesmo, mas que a considera como o lugar de morada, como o seu castelo. Mais uma vez temos as condições naturais viabilizando sua vida quando estas são apropriadas , como o barro e palha, na condição de materiais de confeção de seu pouso. Candido (1987, p. 37) traz em seus estudos as características da casa do caipira do início século XIX ao referir-se a Spix e Martius: “ as casas baixas, construídas de ripas, amarradas com tranças de cipó e barreadas...” Ao referir-se as essas construções, o intuito de Candido é demonstrar e concordar com esses autores com o caráter nômade das sociedades caipiras que perdurou até meados do referido século, caráter esse assimilado pela “combinação dos traços culturais indígenas e portugueses obedecendo ao ritmo nômade do bandeirante...” É, neste contexto, que Candido afirma que as casas dos caipiras tinham essas características por serem locais de pouco tempo de morada. Entretanto, esse “espírito” nômade é ceifado pelos hábitos sedentários empreendidos pela agricultura, tal como ocorrido na região cafeeira, quando os caipiras, aldeados em bairros, passam a fixar-se em regiões ribeirinhas25 ou próximos as matas sempre buscando a terra mais fértil. Daí é que se dá à posse da terra, que pode ser caracterizada como um bem-raiz, que os caipiras foram conquistando com o “desbravamento sertão”. Terras que, repassadas de pai pra filho, constituíam-se em herança, onde estes garantiam sua reprodução, até se perder por completo, pela venda de algumas parcelas para atender as necessidades da família, processo que se intensificou em meados do século XX, como bem demonstrou Seabra (2003) ao estudar os caipiras do bairro do Limão em São Paulo. Todavia, ainda que, os caipiras tenham perdido o nomadismo isso não significa que eles tenham deixado de imprimir na paisagem também por meio das suas casas seus aspectos mais intrínsecos, como bem refletiu Seabra (2003, p. 215) 25 Seabra (2003) fala da importância dos rios para comunicação dos núcleos caipiras dos moradores de Nossa Senhora do Ó e Santo Amaro, os mais antigos núcleos de São Paulo. Fazendo referência a Petrone a autora cita: “o rio Tietê permitia ...que pudessem comunicar-se umas série de núcleos, fazendas, povoados e aldeamentos [...] Dois outros importantes eixos fluviais eram representados pelos rios Pinheiros e Tamanduateí...” (p.130).
  • 41. 33 ...morar não é algo fortuito, porque se define em meio a determinações sociais mais ou menos precisas, a disposição das moradias no espaço, a forma material das edificações e os materiais utilizados fornecem elementos para compreender muitos dos conteúdos da vida no bairro. A figura do caipira “sentado de tardinha” na sua varanda, de cócoras, posição característica, picando o fumo pra fazer um pito, demonstra bem a relação desse sujeito com o lugar do qual é parte: ainda que sujeitado pela necessidade do tempo do natural (o do plantio, da colheita, da chuva que chega ou da atividade que tem ser realizada rapidamente e no horário determinado pelo natural, como por exemplo, cuidar dos animais), resta-lhe tempo para contemplação, para o descanso entre as atividades que realiza e depois de realizá-las. Ainda sobre a posição acocorada, Santos, R. (2008, p. 79) afirma que estar nessa postura por horas, também siginificava “fazer uma espécie de dobras” nas melhores roupas de algodão que produziam26 o que era “esteticamente muito valorizadas entre eles”. O que nos revela a valorização da apropriação intensa do que lhes circunda, inclusive de sua própria vestimenta que não deveria estar “impecável”, mas demonstrar essa apropriação. Não é intenção que ao ser tratar aqui do sedentarismo do caipira ou sobre os tempos que reserva a tardinha e entre as atividades de trabalho, considerá-lo como preguiçoso. Ao contrário, o objetivo é demonstrar que o ciclo de trabalho de um caipira difere na organização do tempo daquela posterior ao projeto industrializante. Tal como trabalho urbano-industrial, o caipira também cumpria uma jornada extensa de trabalho. Contudo, a organização de seu tempo era regida pelo desenvolvimento das atividades que tinham o seu tempo determinado pelas condições naturais. Porém, era um ciclo de nove ou mais horas de trabalho, realizado pelo caipira durante o dia, conforme figura 1, onde ele precisa, faça chuva ou sol, cuidar da roça (carpir, arar, plantar, colher etc.) e dos animais (ordenhar, alimentar, pastorear etc.). Certamente, não são atividades pra preguiçoso fazer. Trabalho que, árduo, iniciado ainda na madrugada (figura 1) envolve toda a família, em que a mulheres cumprem o importante papel de auxílio ao marido, além de zelar pelos afazeres domésticos (o que inclui o cuidado com os animais domésticos, horta e pomar) e dos filhos, que são muitos. Ainda sobre o tempo destinado ao trabalho e sobre tempo destinado ao descanso, é possível dizer que o segundo 26 Além de sua dieta alimentar os caipiras produziam, pelo algodão que plantavam e transformavam em linha e pano, “parte de seu vestuário, sobretudo as roupas de trabalho e de cama.” (SANTOS, R., 2008, p. 79). Eles ainda traçavam “excelentes chapéus de junco ‘que duravam dois anos’” e, fabricavam também seus utensílios: “gamela de raiz de figueira, vasilha e prato de porungaetê, cuia de beber, pote de barro, colher de pau, etc.” que mais tarde caíram em desuso, pois eles começaram a adquirir os utensílios do comércio. (CANDIDO, 1987, p. 39)
  • 42. 34 tempo retratado, o do descanso, coincide com o momento de sol a pino (neste período o sol é muito intenso) e com a caída da noite (os grupamentos caipiras não detinham energia elétrica) é fundamental para este sujeito organize mentalmente a realização das suas atividades na roça, verifique quais os trabalhos precisam ser realizados, o que precisa ser concertado etc.
  • 43. 35 Figura 2. Ciclo de Trabalho do Caipira: realizado durante o dia