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“...E há tempos nem os santos
têm ao certo a medida da maldade 
Há tempos são os jovens que adoecem 
Há tempos o encanto está ausente 
E há ferrugem nos sorrisos 
E só o acaso estende os braços 
A quem procura abrigo e proteção” 
Prólogo
“Há Tempos”, Legião Urbana
No final de 2014, a sonda espacial Rosetta, num
lançamento preciso, fez a sonda robótica Philae pousar
na superfície do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko.
Sem dúvida, um marco histórico:
o primeiro pouso controlado no núcleo
de um cometa do Sistema Solar.
“É como pousar um grão de areia
em uma bala em movimento”,
observou um cientista.
A imagem síntese das maravilhas
que a Humanidade é capaz de alcançar.
Enquanto isso, aqui embaixo na Terra,
mais especificamente na região do Curdistão, ao norte do
Iraque, milhares de yazidis vagueiam pelo deserto após
escaparem do cerco dos terroristas do Estado Islâmico.
De uma hora para outra, deixaram tudo o que
possuíam para trás, e vagueiam pelo deserto numa
desesperada tentativa de salvar as suas vidas.
Três dias de caminhada ininterrupta.
A imensidão e a solidão do deserto.
Temperaturas de 50ºC durante o dia,
frio severo à noite;
Sem uma mínima provisão de água
ou comida, nem um abrigo adequado.
“E só o acaso estende os braços 
A quem procura abrigo e proteção.”
Os que conseguirem alcançar
o campo de refugiados na fronteira
irão compartilhar relatos como estes:...
“Vi quatro crianças morrerem de sede.
Não havia nenhum lugar para enterrá-las
na montanha, então apenas colocamos
pedras em cima de seus corpos.”
“As crianças estavam com tanta sede
que seus pais começaram a cortar
as próprias mãos para dar
o sangue para elas beberem.”
A garota pequenina
praticamente dormindo
e andando ao mesmo tempo.
A mãe a carregar
em seu peito todas
as dores do mundo.
A imagem síntese de uma Humanidade
desalmada, doente.
A vida é por demais frágil e preciosa
para ser abandonada, castigada, vilipendiada.
“Quantas mortes ainda levará até
que compreendamos que pessoas demais têm morrido?”
Quanto tempo ainda levará até que comecemos
a viver como seres humanos que somos?
Se o desamparo possui um semblante,
talvez seja o destas crianças yazidis.
O nosso ontem,
& o nosso hoje.
Todas as lições
não aprendidas.
Quantas lágrimas
ainda haverão de
irrigar a face da terra,...
...até que entendamos que
pranto demais temos
provocado?
A solidão do exílio.
O desamparo.
Quanto tempo
é possível suportar,
caminhando sem água,
sob o sol escaldante
do deserto?
Recente relatório das Nações
Unidas lista série de abusos
cometidos por militantes
do Estado Islâmico contra
os yazidis, incluindo:...
“Venda de menores
como escravos sexuais,
execuções em massa,
crucificações,
e enterros dos yazidis
ainda vivos.”
Quanto sofrimento é capaz
de suportar um coração humano?
Se a desolação tem um rosto,
possivelmente se assemelhará
à face dos yazidis durante sua
dura perambulação pelos caminhos do mundo.
Na distribuição dos sentimentos do mundo,
a alguns é destinada uma quota absurda
de amargo sofrer.
“Seguimos caminhando,
não sabemos como...”
Mas, afinal, quem são os yazidis?
O que porventura fizeram para serem alvos de
tamanho ódio e vítimas de desalmado genocídio?
O Deus dos yazidis
é o mesmo em que
acreditam as religiões
monoteístas.
O mesmo Criador
que judeus, cristãos e
muçulmanos adoram.
A cosmologia dos
yazidis acompanha
a das religiões
monoteístas até
a criação de Adão.
Consta nesta
cosmologia em comum
que, após criar Adão,
Deus ordenou aos anjos que
se prostrassem ante Sua criação.
E todos os anjos
se prostraram...
Menos um, que, por se negar a prostrar
diante de Adão, foi condenado por sua desobediência,
vindo a ser lembrado por “anjo caído”.
Nesta hora da narrativa cosmológica, a mitologia que
sustenta a crença yazidi toma um rumo próprio.
Para os yazidis,
o anjo que recusou
a se prostrar diante
de Adão
agiu assim porque
não podia conceber a
ideia de dirigir o seu
amor e adoração a
outro ser que não
o Deus uno.
Este anjo,
chamado
Tawus Melek
(ou “Anjo-Pavão”)
na tradição yazidi,
ficou profundamente
consternado
ao ser repreendido e
excluído da presença
divina.
A narrativa yazidi
prossegue contando
que o “Anjo-Pavão”,
em arrependimento,
chorou durante
40.000 anos seguidos.
Suas lágrimas
encheram sete jarros,
que vertidos sobre o
fogo do inferno
extinguiram-lhe
as chamas.
O fogo do inferno
foi apagado com
lágrimas de amor,
de tristeza,
de arrependimento.
E diante de tão pura e
intensa manifestação
de arrependimento,
Tawus Melek
reconquistou
o seu lugar no seio
do amor divino.
O “Anjo-Pavão”
foi não só perdoado,
mas recebeu a nobre
incumbência de zelar
pela Terra e pelos
seres viventes que
nela habitam.
Os yazidis acreditam
que Deus, em Sua
essência, ocupa tão
elevada posição que
as preces humanas
não conseguem
Lhe alcançar.
Diante da
impossibilidade da
adoração direta,
os yazidis direcionam
suas preces
ao “Anjo-Pavão”,
– o intermediário
e custódio
designado para
zelar pela Terra.
Resumindo:
A religião yazidi,
tão repleta de beleza,
simbologia e poesia,
desvia da crença
majoritária,
e é considerada
por isso pelos
fundamentalistas
como sendo herege.
Que mal pode haver
em se acreditar no
“Anjo-Pavão”
ou qualquer outra
criatura celestial?
Neste nosso triste mundo,
tão fora do eixo,
o lirismo, a beleza e a poesia
yazidi despertam tão somente
perseguição e ódio.
Conseguirá o “Anjo-Pavão”,
com suas lágrimas de compaixão,
apagar as chamas de ódio e
crueldade que devoram o mundo?
Os militantes do grupo terrorista Estado
Islâmico apresentam aos yazidis duas opções:
A conversão forçada ao Islamismo;
Ou a perda de todo e qualquer direito,
passando a ser tratados
como um mero objeto,
podendo ser
escravizados,
violentados,
crucificados,
enterrados vivos.
Os yazidis preferem
abrir mão de suas vidas
a renegar a sua fé.
Para os que creem,
a sua crença
é sua fortaleza,
sua força,
o chão
onde pisam,
o pilar que
os sustenta,
o ar que
respiram.
A vida terrena
é um bem
provisório;
A fé genuína,
a provisão
eterna da alma.
Como poderia o amante
abdicar do seu amor
ao Bem-amado?
Pudéssemos enxergar
com os olhos da alma,
veríamos que somos todos
emanações do mesmo
Sopro de vida.
As variadas denominações
espirituais e religiosas
derivam de uma única Fonte,
são cânticos de
uma mesma Sinfonia.
Diferentes manifestações
de uma mesma
Beleza oculta.
Os sonhos e anseios
da menina yazidi
são também nossos.
Somos todos
yazidis.
Somos todos
budistas, cristãos,
muçulmanos, judeus,
adeptos do candomblé,
espíritas...
Somos todos
seres humanos.
Somos todos
um em essência.
Tema musical: “Ballad for violin and orchestra”, Ciprian Porumbescu
Formatação: um_peregrino@hotmail.com
Somos todos
um em essência.
Que possamos incluir nossos irmãos yazidis nas nossas preces.
Somos todos
um em essência.
Somos todos
um em essência.
Yazidi
Yazidi

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