Manifesto denuncia impactos do agronegócio no Oeste Baiano
1. MANIFESTO DO OESTE BAIANO
Audiência Pública da Fiscalização Preventiva e Integrada em Defesa da Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco.
Ilmºs Srs. Representantes do poder público:
O povo do “Além São Francisco” por meio dos seus movimentos, organizações,
instituições populares e de classe, pastores e pastorais e outras, vem publicamente
mostrar sua indignação quanto aos processos de ocupações do nosso oeste baiano e
outros arranjos de interesse do capital transnacional e dos grupos que sempre foram
privilegiados, notadamente, as oligarquias do Estado da Bahia, nos vários segmentos do
poder instituído e apresentar como tem sido a disputa pela sobrevivência em seu
território, centenariamente ocupado, e apontar saídas para o estágio em que se encontra
hoje o povo e o cerrado.
No momento em que a humanidade inteira procura diminuir a tensão dos impactos
humanos sobre o planeta (efeito estufa, aquecimento global, derretimento das calotas
polares, contaminação geológica, hídrica e aérea) entendemos que não é possível e nem
lógico que o Brasil pague (em particular não queremos que, novamente, o povo pobre
pague) a conta pelo que foi feito e pelo que ainda há de vir.
O aquecimento global é hoje uma realidade!
E então? Devemos contribuir para aumentá-lo ou manter o planeta sustentável?
As decisões governamentais e as perspectivas dos governos federal e estadual
apontam para uma saída onde, decerto, estaremos contribuindo para complicar tal
situação.
“Nossos gerais já faleceram/deixando órfãos a reagir/ defenda ao rio que sua morte
está por vir”, alertava um poeta da região no início dos anos 80 para o perigo em que
estávamos nos embrenhando coletivamente.
Senão, vejamos:
1. O oeste baiano é objeto da ambição americana desde 1945, conforme atestam os
próprios órgãos oficiais, apontando tal caminho.
2. Os militares, no apagar das luzes dos seus sucessivos 25 anos de ditadura,
brindaram a burguesia agrária com os projetos “arroz da várzea” e de reflorestamento,
inicialmente financiado pelo projeto Nipobrasileiro (JICA) e posteriormente pelo
PRODECER – Programa de Desenvolvimento do Cerrado, projetos que afetaram a bacia
do São Francisco de Minas ao Piauí, devastando rios, veredas, córregos, fauna e flora da
mais rica savana do planeta – o Cerrado, ou gerais como é do conhecimento
nosso.(www.abjica.org.br, acesso em 14/05/2007);
3. É bem provável que o governo federal não sabia e não compreendia o que é o oeste
baiano, mas o atual governo da Bahia não pode se dizer desconhecedor de tal situação.
O deputado estadual e muito próximo do governador, o renomado jornalista Emiliano José
2. atesta isso, através de um estudo feito na região durante o ano de 1980 e publicado no
caderno nº 70 do CEAS (de circulação estadual e regional), evidenciando as tragédias
desse modelo de ocupação, notadamente, baseado na grilagem, no saqueio terrorista aos
posseiros, na pistolagem, no trabalho escravo, na pilhagem promovida pelo judiciário, na
truculência da polícia e na total desolação do povo. É muito lógico que houve lutas, e a
sociedade baiana sabe disso.
4. É do conhecimento do povo baiano e mais recentemente da Organização dos
Estados Americanos - OEA, o caso do advogado Eugênio Lyra, em Santa Maria da
Vitória, quando o mesmo defendia trabalhadores na região do rio Corrente. Todos sabem
o fim deste advogado; todos sabem que a justiça jamais tocou as mãos nos mandantes
do crime e que o assassino continua solto. (AATR, 1987 - Pág. 14).
5. Os cartórios de todas (quase que sem exceção) as comarcas do oeste são ainda
hoje, verdadeiras oficinas de fabricar escrituras públicas falsificadas, em especial sobre
áreas de posseiros antigos da região, e até mesmo sobre fazendas já legalizadas e com
georreferenciamento.
Durante o escândalo nacional que ficou conhecido como “Mensalão”, uma reportagem da
retardatária no assunto (a rede Globo de Televisão) para o Fantástico (programa exibido
na mesma emissora) expôs em quase 20 minutos tal situação. No fundo, o progresso das
“fazendas do oeste” se baseia, em muitíssimos casos, na lavagem do dinheiro público,
que deveria ser destinado a eliminar tantas desgraças sociais que afligem o humilde povo
brasileiro, dentre as quais: alimentação, saúde, educação, saneamento, habitação,
segurança pública, segurança e seguridade alimentar, etc.
6. A extensão territorial do oeste baiano cabe tranquilamente sete territórios da Bélgica,
ou cinco da Suíça, por exemplo.
Quando o movimento popular ocupou a unidade do IBAMA em Barreiras, no ano de 2005,
constatou-se que o órgão responsável pela fiscalização de todo esse território nem sede
própria tinha (era um cubículo nos fundos da CODEVASF), que somente havia dois
veículos em péssimo estado de conservação e poucos funcionários, inclusive alguns
deles respondendo por processos internos por corrupção. Pela estrutura operacional do
órgão e o tamanho do território sob sua tutela, a impressão que se tinha é a de que os
“chefinhos” aceitam os cargos muito mais pelos salários e status do que pelos serviços
que irão prestar e que os órgãos públicos funcionam muito mais para licenciar que para
fiscalizar como deveriam.
7. Na década de 50, o pesquisador americano Donald Pierson, em convênio firmado
com a Universidade de São Paulo e a extinta SUVALE (hoje CODEVASF) fez um estudo
do vale do grande rio. Efetivamente, eles concluíram que os chapadões do oeste baiano
funcionam como um verdadeiro “esponjão” de puro arenito, cuja profundidade em alguns
trechos superando 2,3 km e nunca sendo inferior a 50 m. Tal estrutura geomorfológica,
aliada a fotoclimatologia da região garantia a perenização dos cursos d´água das três
grandes bacias do Oeste baiano, notadamente, a do Carinhanha, a do Corrente e a do rio
Grande e Preto. Além dos cursos superficiais de água, totalizando mais de 49 rios
perenes, o mesmo estudo aventa para mais de 100 rios subterrâneos todos alimentadores
do Velho Chico. (PIERSON, 1972 - pág. 117).
8. E onde foram feitos os primeiros grandes desmatamentos do Oeste? Justamente
sobre esse deserto verde, ou “floresta de cabeças para baixo”, como costumam chamar
os cientistas.
3. “Do total de cerrado existente no Brasil até meados do século XX, restam apenas:
1% das matas; 0,2% de cerradão; 1% de campos; 3% de cerrado e 15% de veredas”. Isso
mostra que IBAMA, SRH, CRA, SFC, INCRA de um modo geral estão a serviço dos
interesses das empresas, em detrimento da grande maioria da população nativa que
normalmente é excluída do processo produtivo.
O desmatamento do Cerrado é alarmante, chegando a 1,5% ou três milhões de
hectares/ano. Isso equivale a 2,6 campos de futebol/minuto. Esforços de todos os setores
da sociedade e atitudes do poder público são necessários para reverter esse quadro.
(www.conservation.org.br, acesso em 14/05/2007);
E todos os anos, no Oeste baiano, são devastados entre 70 e 80 mil hectares.Por
outro lado pesquisas apontam que 80% das plantas do cerrado têm algum valor
farmacológico. Quanto isso vale?
9. Nos cerrados do oeste são despejados, em média, 8 litros de agrotóxicos por
hectares. Multiplicando isso por 1,5 milhão de hectares abertos, teremos o total de
venenos espalhados na água, no ar, no solo e no subsolo.(Caderno do CEAS, nº 222 -
pág. 12).
10. Em entrevista à TV Oeste, no programa Bahia Meio Dia, durante um evento do
“Agrobusiness” realizado em Luís Eduardo Magalhães-BA , no ano 2004, o
superintendente do Banco do Nordeste, Sr. Roberto Smith divulgou o seguinte dado: “Já
em relação ao oeste baiano, hoje a área de maior produção agrícola do estado e
onde se localiza o município de Luís Eduardo Magalhães, a região também já
superou a estimativa de financiamento prevista pelo banco para este ano, que era
de R$ 190 milhões. Já temos prospecções para negócios acima de R$ 500 milhões,
sendo 50% para investimento em bens de capital e 50% para custeio de safraquot;,
assegurou. No mesmo ano, na mesma cidade, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São
Francisco - CBHSF, colocava que para os próximos 10 anos o governo federal iria investir
seis milhões na revitalização do Velho Chico. Quer dizer: uma gota para a revitalização e
um oceano para a devastação.
11. Na década de 90, a concentração da riqueza aumentou no Oeste em 243%, a
pobreza diminuiu apenas 2,6%. Isso só, demonstra o tamanho da concentração do tão
propalado desenvolvimento do território. O jornal de circulação nacional chamado O
Estado de São Paulo, do dia 23/04/2007 trata deste assunto, mas no meio de tanta
pobreza um dado é alarmante: “O Produto Interno Bruto (PIB) da região triplicou e
hoje alcança R$ 4,5 bilhões”. Para onde vai tanta dinheiro?
12. O Agronegócio combina muito bem com trabalho escravo, é o que nos apontou o
Prof. José Heloísio, da Universidade Federal de Sergipe, em palestra proferida durante a
semana Eugênio Lyra, promovida pela AATR, em Barreiras, no ano de 2004.
13. Quantos rios, córregos, riachos, nascentes, lagos, lagoas já foram exterminados no
Oeste em nome do chamado “desenvolvimento” através do agronegócio? Quantas
espécies vegetais não arderam nas infernais carvoarias, para atender às Indústrias do
Sudeste do País? Para onde estão indo os hábitats da mais variada fauna brasileira que
ocupa o Cerrado? Quantas comunidades tradicionais, barranqueiras, geraiseiras,
brejeiras, indígenas, quilombolas, de fechos e fundo de pasto desapareceram e suas
culturas seculares sumiram na esteira de tal modelo segregacionista? Quantos braços
serão laçados, cercados pelos chumbos e feitos escravos no Oeste? Tudo isso para
4. enriquecer mais a Monsanto, a Dupont, a Pioneer, a Syngenta, a Groupe Limagrain e
tantas outras transnacionais da biotecnologia, agrotóxicos, maquinários etc.?
14. E o que não faltam são recursos para o hidro-agrornegócio: barramentos, estradas,
barragens, etc, por exemplo:
Linha férrea ligando Luís Eduardo Magalhães ao resto do Brasil (Jornal Oeste da
Bahia 25/07/2004 - pág. 5);
Financiamentos para os antigos reflorestamentos, chamados agora (moderna e
mercadologicamente) de florestas plantadas, conforme o convite do Banco do Nordeste
para 2º ciclo de palestras sobre eucalipto no cerrado de Cocos, 05 e 06/05/2007;
Financiamentos também para o agrocombustivel, inclusive com capital
internacional, contribuirá significativamente para a continuidade da exclusão e extinção
das comunidades tradicionais do Oeste baiano. É como se a população daqui não
servisse para ocupar seu território e fosse necessário “importar” o elemento sulista e/ou
estrangeiro.
Josué de Castro, alto comissário da FAO – órgão das Nações Unidas, fez em l945
uma afirmação que bem podia ser aplicada à risca hoje, sobre questões sociais no Brasil:
“A fome no Brasil (...) é conseqüência (...) do seu passado histórico. (...) Aventura
desdobrada, em ciclos sucessivos de economia destrutiva ou, pelo menos,
desequilibrante da saúde econômica da nação: o do pau-brasil, o da cana-de-açúcar, o da
“lavoura nômade”, o do café, o da caça ao índio, o da borracha, e finalmente, o de certo
tipo de industrialização artificial”. (CASTRO, J., 1946 - pág. 266). Se estivesse vivo, hoje
ele acrescentaria o ciclo graneleiro, diga-se: sojeiro, algodoeiro, cafeeiro, bovino..., sem
valor agregado, sem planejamento e causando a destruição de rios e alteração dos
biomas (Cerrado e Caatinga).
Os jornais locais apontam com euforia São Desidério como o segundo maior
município brasileiro em exportação de comoditys. O Brasil equilibra momentaneamente a
balança comercial, baseando-se nas suas supersafras de grãos. Porém não temos
dúvidas de que esse é mais um ciclo aventureiro que pode ter o mesmo fim do café ou da
borracha. E depois, quem pagará o prejuízo ambiental e social? Quem inventará outros
rios tão importantes e fundamentais para a sobrevivência dos seres vivos?
15. O mesmo doutor Josué de Castro diz textualmente:
“A dualidade da civilização brasileira, com sua estrutura econômica bem integrada
e próspera no setor da indústria e sua estrutura agrária arcaica, de tipo
semicolonial, com manifesta tendência à monocultura latifundiária, é a principal
responsável pela fome no quadro social brasileiro”. (CASTRO, J. A Geografia da
Fome. p. 266);
Os resultados da monocultura latifundiária estão à nossa porta: O rio que atravessa a
cidade de Correntina perde, a cada ano, desde 1993, 1m3 de água. (Relatório
SRH/GEREST, outubro-99, pág.16);
O rio dos Cachorros que nascia dentro da cidade de Luis Eduardo Magalhães está em
poeira;
16. No cerrado do Oeste baiano, se a lei ambiental tivesse sido aplicada até o momento,
é bem provável que muitos rios não estariam secos. Não devemos tratar os rios do Oeste
baiano como se fosse um rio em São Paulo, pois está fora dos propósitos de qualquer
conceito de preservação. O oeste baiano não tem a mesma formação geomorfológica e
5. fotoclimática de São Paulo. Portanto o olhar sobre o cerrado deve ser diferente, no
mínimo seguindo o que está previsto em Lei para o mesmo bioma localizado na Amazônia
Legal.
17. Com tudo isso, acreditamos no Oeste como um lugar viável. Temos 49 rios perenes
superficiais. Se não produzíssemos um grão de soja, já teríamos motivos de sobra para
deixá-los como patrimônio brasileiro, usado com racionalidade para o bem dos seres
vivos.
18. São paisagens do Grande Sertão Veredas que é todo o norte de Minas e o Oeste
baiano: matas de galerias, veredas de encher os olhos; corredeiras, rios, riachos, lagos
azuis; veados, cervos, antas, capivaras, jacarés, sucuris, serpentes as mais diversas;
tamanduás, marsupiais diversos, porcos silvestres, cutias, tatus, pacas, emas, jacus, aves
pescadeiras, dourados, pacus, piaus, piranhas, matrinxãs, surubins; uruçus,
mandassaias, borás, tambiquaras, manduris, jataís; mangabeiras, buritizais, araticuns,
pequizeiros, cajueiros, ingazeiras, bacuparis. Esse colossal conjunto harmônico tem que
ser visto sob outro ângulo que não o puramente mercadológico como foi visto até agora.
Exigimos que sejam contempladas as seguintes propostas:
Participação da comunidade científica;
Participação da sociedade civil, nossas organizações, entidades de classe e
comunidades tradicionais geraiseiras;
Ampliação e gestão responsável do parque nacional Grande Sertão Veredas;
Monitoramento da qualidade e volume dos recursos hídricos;
Criação de núcleos de monitoramento e fiscalização por município e programa de
educação ambiental para fiscais voluntários;
Expropriação das áreas onde for detectado trabalho escravo, transformando-as em
áreas de produção agroecologia, beneficiando os pequenos agricultores;
Demarcação e regularização das áreas de fecho e fundo de pasto, orientação de
manejo das mesmas e nos casos viáveis, transfomá-las em áreas de agro-extrativismo;
Refinada auditoria nos cartórios, comarcas, etc, para que o Estado da Bahia possa
ter uma real dimensão do problema fundiário do Oeste, inclusive para dar melhor fim às
terras públicas e devolutas, hoje nas mãos da grilagem, (Professor Ariovaldo Umbelino de
Oliveira no Correio da Cidadania, 02/05/2007). Devendo se colocar em prática a lei de
gestão de florestas públicas,
Verdadeira revitalização do São Francisco, considerando especialmente as sub-
bacias tributárias, encerrando os desmatamentos localizadas exatamente nos chapadões
do oeste baiano;
• Que volte a pesquisadora da Base Cerrado, Alessandra Cotrim que foi exonerada
no dia 24 de julho de 2007, por fins eminentemente políticos ignorando o trabalho
técnico cientifico da pesquisadora.
• Que as Unidades de Conservação-UC’s do Oeste baiano (a exemplo da APA Bacia
do Rio de Janeiro, APA Bacia do Rio Preto, APA São Desidério e Estação
Ecológica do Rio Preto), sejam efetivamente cuidadas, como prevê a Lei do SNUC,
uma vez que estão criadas apenas no papel, sem o devido cuidado pelo poder
público.
6. • Estruturação das Casas de Recursos Naturais, inclusive com contratação de
técnicos concursados para o exercício dos cargos públicos, sendo esta uma das
exigências do Banco Mundial.
19. Diante do exposto, exigimos das autoridades competentes (secretário, Ministério
Público, Programa de Revitalização Rio do São Francisco e outros poderes constituidos)
a MORATÓRIA URGENTE para o CERRADO e a CAATINGA antes que seja tarde
demais. Essa proposta foi aprovada na II Conferência Nacional do Meio Ambiente em
Brasília no ano de 2005,
Barreiras – Bahia, 31 de agosto de 2007.
Assinam este documento:
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Comissão Pastoral da Terra – CPT,
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Correntina, Paróquia de Correntina, Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe, Movimento dos
Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas da Bahia - CETA. Escola Família
Agrícola de Correntina – EFACOR, Agência 10envolvimento, CBHSF – Comitê da Bacia
Hidrográfica do São Francisco, AATR – Associação dos Advogados dos Trabalhadores
Rurais.
Bibliografias consultadas:
AATR. Bahia violência e impunidade no campo,1987.
Caderno do CEAS, nº 222.
Caderno do CEAS, nº 70.
CASTRO, J. A Geografia da Fome, 1946 – pág. 266.
Correio da Cidadania, 02-05-2007.
O Estado de São Paulo, 23-04-07.
Jornal Oeste da Bahia 25/07/2004.
PIERSON, Donald O homem no vale do São Francisco, 1972 - pág. 117.
Relatório SRH/GEREST, outubro-99, pág.16.
Sítios consultados:
www.conservation.org.br, www.abjica.org.br