1) A Rede Barter é um projeto pioneiro em Portugal que permite às empresas trocarem bens e serviços umas com as outras através de uma moeda virtual, em vez de dinheiro, para ajudá-las a fazer negócios durante a crise. 2) A Rede Barter foi criada por quatro empreendedores e já tem mais de 70 empresas membros que podem trocar entre si através de cartões e em breve sites online. 3) A prioridade da Rede Barter é crescer durante a crise para mostrar às empresas que podem continuar a

1. Público • Domingo 8 Janeiro 2012 • 25
Economia Inovação
Voltámos ao tempo das trocas sem dinheiro,
mas agora com cartão e pela Internet
A Rede Barter, projecto pioneiro em Portugal, quer tirar partido da crise para crescer
e mostrar às empresas que, mesmo sem dinheiro, se fazem bons negócios
ENRIC VIVES-RUBIO
Ana Rita Faria Carla Vilan e Nuno Ladeiras, dois dos fundadores da Rede Barter
Trocas mundiais
a Uma empresa precisa de um site EUA lideram no
novo. Outra quer reparar o ar con-
dicionado. Uma necessita de publi- comércio recíproco
cidade. Outra precisa de alugar ou
comprar um carro. E se todas pudes- O primeiro sistema organizado
sem fazer isso, sem ter de gastar di- de permutas entre empresas
nheiro? Simplesmente trocando bens nasceu na Suíça, no rescaldo do
e serviços umas com as outras? Em impacto da Grande Depressão
Portugal, há uma empresa responsá- dos anos 30, com o banco WIR.
vel por gerir este comércio recíproco Este aceitava só pequenas e
multilateral. Chama-se Rede Barter, médias empresas (PME), que
já tem cartões que permitem pagar transaccionavam numa outra
com créditos de permuta e, em breve, “moeda”, o WIR (equivalente
terá sites a aceitar transaccionar bens ao franco suíço), e recebiam
e serviços online, sem gastar um cên- empréstimos também nessa
timo. Um negócio que está à espera divisa.
de ganhar fôlego com a actual crise De acordo com as estimativas
e com as crescentes dificuldades de da Organização Mundial do
liquidez das empresas. Comércio, 15% do comércio
O projecto foi desenvolvido por internacional, que movimenta
quatro empreendedores e já conquis- mais de 5,5 milhões de milhões
tou mais de 70 empresas nacionais. E, de dólares, é conduzido sem
para provar que o comércio recípro- recurso ao dinheiro. Contudo,
co multilateral funciona, nada melhor segundo a Associação
do que aplicar o conceito à própria Internacional do Comércio
empresa: a Rede Barter também nas- Recíproco (IRTA), menos de 1%
ceu graças às trocas recíprocas. O ad- das empresas transaccionam
vogado Nuno Ladeiras (de 36 anos), a desta forma. As estimativas
gestora de marketing Carla Vilan (de la de conferências, um restaurante A vontade de crescer faz com que, da associação apontam para
34), o engenheiro Miguel Barreiros e “O comércio que necessita de publicidade e um neste momento, a empresa tenha de- que, em 2010, a indústria do
o economista Miguel Agrela (ambos retalhista que quer máquinas regis- cidido não cobrar comissões fixas comércio recíproco tenha
de 40) não tiveram de pagar pela li-
cença de software. Trocaram-na por
recíproco tadoras novas. sobre as transacções. “Vamos adap-
tando a cada empresa, pelo que a co-
movimentado 12 mil milhões
de dólares. O crescimento tem
prestação de serviços à empresa de
software. Conseguiram dois carros de
multilateral faz Crescer é a prioridade
Formado em Direito, Nuno Ladeiras
missão pode variar entre 1% e 7,5%”,
explica Nuno Ladeiras. O mesmo se
sido maior nos últimos anos,
graças ao desenvolvimento das
serviço, oferecendo-se, em troca, pa-
ra fazer um plano de permutas para
depender parte dos depressa percebeu que a advocacia
não era para ele. A vontade de ter um
passa com o custo de se tornar clien-
te da Rede Barter. A empresa definiu
tecnologias e, sobretudo, à crise
internacional.
aquela concessionária. “Nada melhor negócio próprio e a ligação às novas vários níveis de entrada na rede, que Segundo Ron Whitney, director
do que provar com o lançamento da
negócios não da tecnologias (fez uma pós-gradução vão de zero euros a 500 euros anu- executivo da IRTA, “os EUA,
própria empresa que o sistema e o em Direito para a Internet) levou-o ais. Os serviços variam consoante o a Austrália e a Nova Zelândia
modelo funcionam”, salienta Nuno capacidade de as a tentar encontrar resposta para um nível, mas a função da Rede Barter são as áreas onde se concentra
Ladeiras. problema. “Desiludi-me ao perceber é, regra geral, identificar os bens ou maior número de empresas de
Criada em 2010, a Rede Barter cria, empresas pagarem, que o dinheiro, que nasceu para fa- serviços que aquela empresa pode comércio recíproco, mas a Ásia
promove e gere a realização de tran- cilitar negócios, acabava muitas ve- transaccionar, as suas necessidades e a Europa têm vindo a crescer
sacções entre empresas através de mas da produção” zes por os barrar”, conta. Começou e encontrar correspondência dentro rapidamente”. Só nos EUA, há
permutas. Para isso, foi criada uma a pesquisar na Internet por sistemas da rede. cerca de 450 mil empresas
moeda virtual, em que um euro cor- tuir o sistema monetário. Não se po- alternativos ao sistema monetário. Neste momento, a empresa está a como a Rede Barter e cerca de
responde a um crédito. Ao contrá- dem pagar salários, impostos, água, Desembocou no comércio recíproco implementar o cartão da rede, que 65% das empresas actualmente
rio do comércio recíproco, em que luz ou gás com permutas. Mas há ou- multilateral. Viajou para os Estados funcionará a débito e a crédito e per- cotadas na bolsa de Nova Iorque
as trocas são apenas directas, aqui tras coisas que sim. E ao usar créditos Unidos, França e Suíça, para ver o mite aos clientes entrarem num es- efectuam permutas de forma
são multilaterais. Isto significa que para fazer isso, é mais dinheiro que que já tinha sido feito e reunir-se com tabelecimento aderente e pagarem regular numa tentativa de
uma empresa não tem de trocar di- fica na conta bancária e que pode ser empresas da área. No início de 2010, com o que têm para trocar. Paralela- rentabilizar os seus negócios.
rectamente o bem ou serviço que tem usado para mais facilmente pagar o com a ajuda dos três sócios, abria a mente, a Rede Barter está a testar os
por aquele de que necessita. Em vez que tem de ser pago em dinheiro”, Rede Barter, no Chiado, em Lisboa. primeiros sites de membros que vão
disso, cada empresa tem uma conta explica Nuno Ladeiras. A prioridade foi estabelecer par- aceitar pagamentos com créditos de
individual e disponibiliza aquilo que Uma das principais funcionalida- cerias com entidades congéneres, o permuta, prevendo que comecem a
quer “vender” em rede. Um restau- des do sistema de comércio recíproco que permitiu desenvolver uma rede funcionar em breve. “É uma inova-
rante pode precisar de serviços de multilateral é optimizar a capacidade mundial, que envolve 450 mil empre- ção mundial”, garante Nuno Ladei-
impressão (para menus, por exemplo) subaproveitada. Por exemplo, hotéis sas em mais de 80 países. As parce- ras. E, no caso desta empresa, a crise
no valor de 10 mil euros, mas é pouco com fracas taxas de ocupação, res- rias mais fortes são com Espanha ou pode dar um empurrão ao negócio.
provável que uma gráfica precise de taurantes com mesas vazias, retalhis- a Alemanha, mas os clientes da Rede “Hoje em dia, nada parece seguro e
10 mil euros em comida, que é o que tas que ficam com excesso de stocks, Barter também já podem, por exem- o comércio recíproco multilateral faz
o restaurante pode oferecer. Com a obrigando frequentemente a descer plo, usar os seus créditos para ir de depender parte dos negócios não da
Rede Barter, não há esse problema: o os preços. Na Rede Barter, esta ofer- férias para o Havai. Em Portugal, têm capacidade de as empresas pagarem,
restaurante fica a dever 10 mil euros ta “em excesso” poderia ser trocada pouco mais de 70 empresas, mas a mas da sua capacidade de produção.
à rede, não à gráfica. por bens ou serviços necessários: um expectativa é vir a crescer a um ritmo E isso nenhum banco nos pode reti-
“Este sistema não pretende substi- hotel que precisa de remodelar a sa- de 1000 novos membros por ano. rar”, conclui.