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A TEMPESTADE

Alexandre Herculano


Sibila o vento: os torreões de nuvens
Pesam nos densos ares:
Ruge ao largo a procela, e encurva as ondas
Pela extensão dos mares:
A imensa vaga ao longe vem correndo
Em seu terror envolta;
E, dentre as sombras, rápidas centelhas
A tempestade solta.
Do sol no ocaso um raio derradeiro,
Que, apenas fulge, morre,
Escapa à nuvem, que, apressada e espessa,
Para apagá-lo corre.
Tal nos afaga em sonhos a esperança,
Ao despontar do dia,
Mas, no acordar, lá vem a consciência
Dizer que ela mentia!

As ondas negro-azuis se conglobaram;
Serras tornadas são,
Contra as quais outras serras, que se arqueiam,
Bater, partir-se vão.
Ó tempestade! Eu te saúdo, ó nume
Da natureza açoite!
Tu guias os bulcões, do mar princesa,
E é teu vestido a noite!
Quando pelos pinhais, entre o granizo,
Ao sussurrar das ramas,
Vibrando sustos, pavorosa ruges
E assolação derramas,
Quem porfiar contigo, então, ousara
De glória e poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro,
Turbar-se o claro rio?

Quem me dera ser tu, por balouçar-me
Das nuvens nos castelos,
E ver dos ferros meus, enfim, quebrados
Os rebatidos elos.
Eu rodeara, então o globo inteiro;
Eu sublevara as águas;
Eu dos vulcões com raios acendera
Amortecidas fráguas;
Do robusto carvalho e sobro antigo
Acurvaria as frontes;
Com furacões, os areais da Líbia
Converteria em montes;
Pelo fulgor da Lua, lá do norte
No pólo me assentara,
E vira prolongar-se o gelo eterno,
Que o tempo amontoara.
Ali, eu solitário, eu rei da morte,
Erguera meu clamor,
E dissera: «Sou livre, e tenho império;
Aqui, sou eu senhor!»

Quem se pudera erguer, como estas vagas,
Em turbilhões incertos,
E correr, e correr, troando ao longe,
Nos líquidos desertos!
Mas entre membros de lodoso barro
A mente presa está!...
Ergue-se em vão aos céus: precipitada,
Rápido, em baixo dá.

Ó morte, amiga morte! é sobre as vagas,
Entre escarcéus erguidos,
Que eu te invoco, pedindo-te feneçam
Meus dias aborridos:
Quebra duras prisões, que a natureza
Lançou a esta alma ardente;
Que ela possa voar, por entre os orbes,
Aos pés do Omnipotente.
Sobre a nau, que me estreita, a prenhe nuvem
Desça, e estourando a esmague,
E a grossa proa, dos tufões ludíbrio,
Solta, sem rumo vague!

Porém, não!... Dormir deixa os que me cercam
O sono do existir;
Deixa-os, vãos sonhadores de esperanças
Nas trevas do porvir.
Doce mãe do repouso, extremo abrigo
De um coração opresso,
Que ao ligeiro prazer, à dor cansada
Negas no seio acesso,
Não despertes, oh não! os que abominam
Teu amoroso aspeito;
Febricitantes, que se abraçam, loucos,
Com seu dorido leito!
Tu, que ao mísero ris com rir tão meigo,
Caluniada morte;
Tu, que entre os braços teus lhe dás asilo
Contra o furor da sorte;
Tu, que esperas às portas dos senhores,
Do servo ao limiar,
E eterna corres, peregrina, a terra
E as solidões do mar,
Deixa, deixa sonhar ventura os homens;
Já filhos teus nasceram:
Um dia acordarão desses delírios,
Que tão gratos lhes eram.
E eu que velo na vida, e já não sonho
Nem glória nem ventura;
Eu, que esgotei tão cedo, até às fezes,
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Eu, vagabundo e pobre, e aos pés calcado
De quanto há vil no mundo,
Santas inspirações morrer sentindo
Do coração no fundo,
Sem achar no desterro uma harmonia
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Porque seguir, curvado ante a desgraça,
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Torvo o oceano vai! Qual dobre, soa
Fragor da tempestade,
Salmo de mortos, que retumba ao longe,
Grito da eternidade!...

Pensamento infernal! Fugir covarde
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Lançar-me, envolto em maldições celestes,
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E atalaiar o sol de um dia extremo
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Herdarei o morrer! Como é suave
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Um consolo, entretanto, resta ainda
Ao pobre velador:
Deus lhe deixou, nas trevas da existência,
Doce amizade e amor.
Tudo o mais é sepulcro branqueado
Por embusteira mão;
Tudo o mais vãos prazeres que só trazem
Remorso ao coração.
Passarei minha noite a luz tão meiga,
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  • 1. Orelha A TEMPESTADE Alexandre Herculano Sibila o vento: os torreões de nuvens Pesam nos densos ares: Ruge ao largo a procela, e encurva as ondas Pela extensão dos mares: A imensa vaga ao longe vem correndo Em seu terror envolta; E, dentre as sombras, rápidas centelhas A tempestade solta. Do sol no ocaso um raio derradeiro, Que, apenas fulge, morre, Escapa à nuvem, que, apressada e espessa, Para apagá-lo corre. Tal nos afaga em sonhos a esperança, Ao despontar do dia, Mas, no acordar, lá vem a consciência Dizer que ela mentia! As ondas negro-azuis se conglobaram; Serras tornadas são, Contra as quais outras serras, que se arqueiam, Bater, partir-se vão. Ó tempestade! Eu te saúdo, ó nume Da natureza açoite! Tu guias os bulcões, do mar princesa, E é teu vestido a noite! Quando pelos pinhais, entre o granizo, Ao sussurrar das ramas, Vibrando sustos, pavorosa ruges E assolação derramas, Quem porfiar contigo, então, ousara De glória e poderio; Tu que fazes gemer pendido o cedro, Turbar-se o claro rio? Quem me dera ser tu, por balouçar-me Das nuvens nos castelos, E ver dos ferros meus, enfim, quebrados Os rebatidos elos. Eu rodeara, então o globo inteiro; Eu sublevara as águas; Eu dos vulcões com raios acendera Amortecidas fráguas; Do robusto carvalho e sobro antigo Acurvaria as frontes; Com furacões, os areais da Líbia Converteria em montes; Pelo fulgor da Lua, lá do norte No pólo me assentara, E vira prolongar-se o gelo eterno,
  • 2. Que o tempo amontoara. Ali, eu solitário, eu rei da morte, Erguera meu clamor, E dissera: «Sou livre, e tenho império; Aqui, sou eu senhor!» Quem se pudera erguer, como estas vagas, Em turbilhões incertos, E correr, e correr, troando ao longe, Nos líquidos desertos! Mas entre membros de lodoso barro A mente presa está!... Ergue-se em vão aos céus: precipitada, Rápido, em baixo dá. Ó morte, amiga morte! é sobre as vagas, Entre escarcéus erguidos, Que eu te invoco, pedindo-te feneçam Meus dias aborridos: Quebra duras prisões, que a natureza Lançou a esta alma ardente; Que ela possa voar, por entre os orbes, Aos pés do Omnipotente. Sobre a nau, que me estreita, a prenhe nuvem Desça, e estourando a esmague, E a grossa proa, dos tufões ludíbrio, Solta, sem rumo vague! Porém, não!... Dormir deixa os que me cercam O sono do existir; Deixa-os, vãos sonhadores de esperanças Nas trevas do porvir. Doce mãe do repouso, extremo abrigo De um coração opresso, Que ao ligeiro prazer, à dor cansada Negas no seio acesso, Não despertes, oh não! os que abominam Teu amoroso aspeito; Febricitantes, que se abraçam, loucos, Com seu dorido leito! Tu, que ao mísero ris com rir tão meigo, Caluniada morte; Tu, que entre os braços teus lhe dás asilo Contra o furor da sorte; Tu, que esperas às portas dos senhores, Do servo ao limiar, E eterna corres, peregrina, a terra E as solidões do mar, Deixa, deixa sonhar ventura os homens; Já filhos teus nasceram: Um dia acordarão desses delírios, Que tão gratos lhes eram. E eu que velo na vida, e já não sonho Nem glória nem ventura; Eu, que esgotei tão cedo, até às fezes, O cálix da amargura: Eu, vagabundo e pobre, e aos pés calcado De quanto há vil no mundo, Santas inspirações morrer sentindo Do coração no fundo, Sem achar no desterro uma harmonia
  • 3. De alma, que a minha entenda, Porque seguir, curvado ante a desgraça, Esta espinhosa senda? Torvo o oceano vai! Qual dobre, soa Fragor da tempestade, Salmo de mortos, que retumba ao longe, Grito da eternidade!... Pensamento infernal! Fugir covarde Ante o destino iroso? Lançar-me, envolto em maldições celestes, No abismo tormentoso? Nunca! Deus pôs-se aqui para apurar-me Nas lágrimas da terra; Guardarei minha estância atribulada, Com meu desejo em guerra. O fiel guardador terá seu prémio, O seu repouso, enfim, E atalaiar o sol de um dia extremo Virá outro após mim. Herdarei o morrer! Como é suave Bênção de pai querido. Será o despertar, ver meu cadáver, Ver o grilhão partido. Um consolo, entretanto, resta ainda Ao pobre velador: Deus lhe deixou, nas trevas da existência, Doce amizade e amor. Tudo o mais é sepulcro branqueado Por embusteira mão; Tudo o mais vãos prazeres que só trazem Remorso ao coração. Passarei minha noite a luz tão meiga, Até o amanhecer; Até que suba à pátria do repouso, Onde não há morrer.