SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 3
Baixar para ler offline
Entrevista Paulo de Carvalho, sociólogo e professor

«O Ocidente

aproveita as nossas falhas»
Sociólogo e professor, o angolano Paulo de Carvalho defende
a contestação, mas não a tentativa de derrubar pela força
governos legítimos. Para ele, os governos que não aceitam
críticas não querem, de facto, corrigir-se.
CARLOS SEVERINO
Á21 Os protestos juvenis transformaram-se, desde os acontecimentos na Tunísia e noutros países do
Norte de África e Médio Oriente,
num fenómeno tendencialmente
global. Como avalia a sua repercussão em Angola?
PAULO DE CARVALHO O mundo
está a tomar novo rumo, muito rapidamente. As novas tecnologias estão a revolucionar o mundo, em todos os sentidos – repito, em todos os sentidos. Era
de esperar que isso ocorresse, mais tarde
ou mais cedo – só não se esperava que
ocorresse com tal dimensão, ao ponto
de derrubar governos de forma tão rápida. Lamentavelmente, os poderes (e o
nosso não é exceção) nem sempre estão
preparados para grandes mudanças, em
tão pouco tempo. E esse tem sido o
principal mal, que por enquanto atinge
em maior grau o Hemisfério Sul, mas
que começou também já a ocorrer na
Europa e vai alastrar-se por outros cantos, podemos estar certos.
Não há inibições de natureza cultural, porque a vontade de mudança é
cada vez maior no mundo. Portanto,
Angola não poderia estar a leste de tudo
isso. Angola faz parte «deste mundo»,
sendo mesmo um dos países de África

6

OUTUBRO 2013 –

ÁFRICA21

com grande tradição de adaptação aos
costumes e modas vindos de fora.
Na sua opinião, as autoridades reagiram corretamente às tentativas de manifestação realizadas por certos jovens
angolanos?
As manifestações são apenas boa parte
da ponta visível do iceberg. Desde 1993
que muitos de nós temos chamado à
atenção para os erros que se vêm cometendo. Na maior parte das vezes somos
mal interpretados, quem governa prefere ouvir elogios a críticas, o que significa
estarem criadas as condições para a reivindicação. Quem governa tem de saber ouvir críticas, para corrigir a sua
atuação. Só não ouve e não aceita críticas quem não pretende corrigir-se. E o
resultado disso é, invariavelmente, o
crescimento da contestação.
Algumas vozes, em Angola e também
em outras partes do mundo, acham
que os protestos juvenis dos últimos
dois anos fazem parte de uma estratégia do Ocidente para desestabilizar
certas regiões do globo. Está de
acordo?
Claro que sim. Não podíamos, aliás,
esperar outra coisa. Quem comanda o

mundo tem de ter habilidade para
aproveitar tudo o que ocorre em seu
benefício, em benefício da sua estratégia de comando. E podemos crer que os
Estados que mexem os cordelinhos
desse comando sabem adaptar-se rapidamente às mudanças que ocorrem, tirando daí benefício. Também há manifestações na Europa, mas aí o comando
vai manejando com mais calma, pois
não interessa potenciar as já várias intenções de revolta no continente europeu. Não podemos esperar que connosco ocorra atitude idêntica.
Quanto a nós, os dependentes do
Hemisfério Sul, ou alinhamos na estratégia de quem comanda o mundo e
agimos com honestidade, ou arriscamo-nos a «perder o barco». Penso que
estamos, neste momento, muito mais
vulneráveis do que estávamos há três ou
quatro anos.
Esses protestos têm também causas
internas?
Claro que têm causas internas. O que
me parece é que a efervescência é interna e isso é depois aproveitado lá por
fora, para potenciar o desejo de revolta.
Mas a essência são mesmo causas internas, promessas que não foram feitas na
devida altura, promessas que não estão
a ser cumpridas e programas que não
são executados como deveriam. Mas eu
admito manifestações e até admito
contestação, só não sou a favor do derrube de governos legítimos, pois o poder não pode cair na rua, o exercício do
poder não pode depender da intensidade
JOÃO GOMES/JORNAL DE ANGOLA

dos seus males, porque de facto poderíamos estar a viver melhor. Temos de
reconhecer ter havido boas apostas depois do final da guerra, mas as pessoas
querem muito mais – e já! Começamos
a sofrer os efeitos disso. E atenção, que
por este andar será ainda pior daqui a
cinco ou dez anos.

da revolta. Sou a favor da reivindicação
e, mesmo por isso, tenho de ser contra
qualquer tipo de marcha para derrubar
este ou aquele governo. Se escolhemos a
democracia, então temos de encontrar
formas de chegar ao poder pela via
constitucional. Nenhum governo (seja
ele qual for) aceitará de ânimo leve o
seu derrube da forma como alguns
pretendem e proclamam.

A concentração
da riqueza, corrução
e falta de cumprimento
das promessas feitas
são algumas razões
para o aumento da
contestação em Angola

No caso de Angola, quais são essas
causas internas?
As causas internas são várias. Uma delas
tem a ver com prestação de contas.
Durante muito tempo, as pessoas foram dando conta da concentração da
riqueza num grupo muito pequeno de
cidadãos, numa clara guinada à direita
que pouco trouxe de vantajoso para o
partido político que governa o país.
Aquilo que se começou a fazer recentemente deveria ter começado há muito

mais tempo. Refiro-me ao boom no
acesso à instrução (e ao ensino superior), ao investimento nas instituições
estatais de saúde e à aposta (que ainda
não é nítida) na agricultura e na indústria, que são os setores que vão fomentar emprego para todos os angolanos.
A guerra foi o primeiro grande entrave
a esse projeto (que é o projeto do programa maior do MPLA), mas houve
outros entraves. E a juventude não quer
mais ouvir falar da guerra como causa

Alguns intelectuais angolanos que residem no estrangeiro acham que estão
reunidas as condições para uma revolta de larga escala no país. Está de
acordo?
Condições para revolta claro que há,
mesmo desde os tempos da guerra.
Analistas e cientistas sociais temos chamado à atenção para isso, algumas vezes
até apontando soluções para diminuir
esse mal que se alastra. E sempre que um
governante nomeia um familiar próximo, sempre que se sabe de mais um arranha-céus a favor deste ou daquele que
já tem vários e nenhum deles foi herdado, sempre que falta água nas torneiras e
que há cortes de energia elétrica depois
de milhões e milhões gastos nesses setores, sempre que abre uma cratera numa
estrada reparada há poucos meses e
sempre que ocorre uma denúncia de
corrupção sem que as competentes autoridades levem o assunto a peito, aumenta o sentimento de revolta.
Agora, se me pergunta se eu concordo com uma bandeira de revolta que
conduza à chacina de governantes, é
claro que a minha resposta tem de ser
negativa. Não podemos dizer aqui que
somos a favor da paz, mas acolá apregoarmos a revolta e a chacina. Não podemos criticar os erros dos governantes
e vir depois para a rua clamar por morte
aos governantes, para errarmos tanto
ou mais que eles.
Como avalia a iniciativa do Presidente
angolano de promover um diálogo
com a juventude à escala nacional?
Sou daqueles que consideram que todas as iniciativas de diálogo são bemÁFRICA21– OUTUBRO 2013 7
-vindas. É necessário dialogar com a
juventude e é mesmo indispensável
incluir nesse diálogo os muitos jovens
que não estão filiados em quaisquer
organizações. A iniciativa é bastante
boa, sendo agora necessário alargar
esse diálogo a outras franjas da sociedade, que são normalmente marginalizadas, mas que têm grande ascendente sobre a juventude e sobre outras
camadas sociais. O Presidente e os
ministros têm também de ir às universidades, dialogar com as pessoas (com
os mais jovens e com os menos jovens). Esta é uma saída, que se deve
aliar a outras soluções que referi antes.
Muitas vezes, não é preciso esperar
pela obra feita, basta demonstrar devidamente que ela está em curso. E depois é preciso mostrar que estamos todos «no mesmo barco», isto é, que as
dificuldades são para todos.
Não se tratou de uma iniciativa partidária, para esvaziar os protestos juvenis
em Angola?
Não me parece que tenha sido isso.
Todo o diálogo é favorável. Quando se
dialoga, aprende-se. Reafirmo, pois, a

necessidade de o diálogo prosseguir,
seja com jovens não enquadrados em
organizações da sociedade civil, seja
com outras franjas da sociedade. Os
governantes têm de governar para alguém, o que exige que tenham conhecimento das reais necessidades e das
expectativas dos governados.
O emprego foi apontado pelos participantes do diálogo entre as autoridades
e a juventude como o principal problema dos jovens angolanos. O que deve
fazer o governo para resolver esse
problema?
A economia angolana é extremamente débil, não se deve portanto estranhar que o emprego seja apontado
como principal problema da juventude. Para resolver este problema, tem
de deixar de se apostar preferencialmente no setor dos serviços, passando
a apostar-se na agricultura e na indústria. Angola tem de deixar de depender do petróleo, pois essa opção promove o subdesenvolvimento e não
permite a proliferação de postos de
trabalho e o fomento do emprego estável. Mas por outro lado, é preciso
deixar de criar empregos de forma
fictícia, ao nível da função pública e
empresas públicas – pois isso, de facto, vem promovendo o subemprego,
que corrói ao invés de contribuir para
o desenvolvimento das famílias e do
país. A força de trabalho excedentária

PAULO DE CARVALHO
Nasceu na cidade de Luanda em 1960. É sociólogo, com
Doutoramento em Sociologia pelo ISCTE (Lisboa). É professor titular na Universidade Agostinho Neto, tendo dirigido a
Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UAN (20052006). Foi reitor da Universidade Katyavala Bwila (20092011) e diretor do Centro de Imprensa Aníbal de Melo
(1991-1992). É editor da Revista Angolana de Sociologia
(desde 2008). É autor de oito livros de Sociologia. Entre os
prémios e menções que tem recebido, destacam-se o Prémio Nacional de Cultura e Artes na modalidade de investigação em Ciências Sociais e Humanas (Luanda, 2002) e o
Prémio Kianda de Jornalismo Económico (Luanda, 1998).

8

OUTUBRO 2013 –

ÁFRICA21

tem mesmo de ser encaminhada preferencialmente para os setores da
agricultura e da indústria.
Quais são, para si, os outros problemas principais dos jovens angolanos?
Um dos principais problemas da juventude tem a ver com a elevada dose de
corrupção no ensino, desde o nível
básico ao superior. Aliás, isso vai-se
refletir depois no emprego dos jovens
e, também, na economia do país. Não
se pode construir um país inculcando
nas crianças e jovens que o que está
certo é o desejo de amealhar sem olhar
a meios. E é isso que se tem feito todos
estes anos, com o beneplácito de quem
dirige as várias instituições de ensino.
É tempo de dizer basta, é tempo de
apostar em qualidade.
Depois deste, há outros problemas
que afligem a juventude angolana,
como o problema da habitação e a
questão relacionada com o indispensável investimento nos dois mais importantes setores da economia: a agricultura
e a indústria. Há ainda problemas como
o crédito à atividade profissional, a
aposta na qualidade do serviço público
de saúde e a assistência social. Há muito
por fazer, mas a base deverá ser a luta
contra a improvisação, deverá ser a definição de metas e de regras, que depois
devem ser realmente cumpridas. E os
órgãos de fiscalização devem funcionar,
sem esquemas e sem compadrios.
FERNANDA OSÓRIO

O Governo deve
continuar a dialogar com
a juventude mas também
com o resto da sociedade

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Entrevista paulo de carvalho áfrica 21 - out 2013

Tese Reconquistar a UNE 49-CONUNE
Tese Reconquistar a UNE 49-CONUNETese Reconquistar a UNE 49-CONUNE
Tese Reconquistar a UNE 49-CONUNE
Guilherme Ribeiro
 
Fim do poder mundial ou da governabilidade global
Fim do poder mundial ou da governabilidade globalFim do poder mundial ou da governabilidade global
Fim do poder mundial ou da governabilidade global
Roberto Rabat Chame
 
Fim do poder mundial ou da governabilidade global
Fim do poder mundial ou da governabilidade globalFim do poder mundial ou da governabilidade global
Fim do poder mundial ou da governabilidade global
Fernando Alcoforado
 
Luiza erundina a crise internacional e as mulheres
Luiza erundina a crise internacional e as mulheresLuiza erundina a crise internacional e as mulheres
Luiza erundina a crise internacional e as mulheres
sergihelmer
 
Bss entrevista istoé
Bss entrevista istoéBss entrevista istoé
Bss entrevista istoé
jlexeni
 
Da ocupação das ruas à ocupação da vida nildo viana
Da ocupação das ruas à ocupação da vida   nildo vianaDa ocupação das ruas à ocupação da vida   nildo viana
Da ocupação das ruas à ocupação da vida nildo viana
Formancipa Extensão
 

Semelhante a Entrevista paulo de carvalho áfrica 21 - out 2013 (20)

O alterense 27 (1)
O alterense 27 (1)O alterense 27 (1)
O alterense 27 (1)
 
Entrevista com presidente nacional da CUT
Entrevista com presidente nacional da CUTEntrevista com presidente nacional da CUT
Entrevista com presidente nacional da CUT
 
O governo do "faz de conta que não vê"
O governo do "faz de conta que não vê"O governo do "faz de conta que não vê"
O governo do "faz de conta que não vê"
 
Tese Reconquistar a UNE 49-CONUNE
Tese Reconquistar a UNE 49-CONUNETese Reconquistar a UNE 49-CONUNE
Tese Reconquistar a UNE 49-CONUNE
 
Por que estudar as revoluções
Por que estudar as revoluçõesPor que estudar as revoluções
Por que estudar as revoluções
 
Conclusão: como salvar o mundo em um parágrafo
Conclusão: como salvar o mundo em um parágrafoConclusão: como salvar o mundo em um parágrafo
Conclusão: como salvar o mundo em um parágrafo
 
Fim do poder mundial ou da governabilidade global
Fim do poder mundial ou da governabilidade globalFim do poder mundial ou da governabilidade global
Fim do poder mundial ou da governabilidade global
 
Fim do poder mundial ou da governabilidade global
Fim do poder mundial ou da governabilidade globalFim do poder mundial ou da governabilidade global
Fim do poder mundial ou da governabilidade global
 
Folha 332
Folha 332Folha 332
Folha 332
 
Manifesto Incompleto do ING
Manifesto Incompleto do INGManifesto Incompleto do ING
Manifesto Incompleto do ING
 
Luiza erundina a crise internacional e as mulheres
Luiza erundina a crise internacional e as mulheresLuiza erundina a crise internacional e as mulheres
Luiza erundina a crise internacional e as mulheres
 
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃO
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃOUM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃO
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃO
 
Bss entrevista istoé
Bss entrevista istoéBss entrevista istoé
Bss entrevista istoé
 
Entrevista_CH306
Entrevista_CH306Entrevista_CH306
Entrevista_CH306
 
A fala de dilma
A fala de dilmaA fala de dilma
A fala de dilma
 
Jornal O Dia - Cada um ajuda como pode
Jornal O Dia - Cada um ajuda como podeJornal O Dia - Cada um ajuda como pode
Jornal O Dia - Cada um ajuda como pode
 
Da ocupação das ruas à ocupação da vida nildo viana
Da ocupação das ruas à ocupação da vida   nildo vianaDa ocupação das ruas à ocupação da vida   nildo viana
Da ocupação das ruas à ocupação da vida nildo viana
 
Brasil em Debate - volume 1: O Governo Lula e o Combate à Corrupção
Brasil em Debate - volume 1: O Governo Lula e o Combate à CorrupçãoBrasil em Debate - volume 1: O Governo Lula e o Combate à Corrupção
Brasil em Debate - volume 1: O Governo Lula e o Combate à Corrupção
 
Ot corrente o trabalho - acerca do-gov (1) o t
Ot   corrente o trabalho - acerca do-gov (1)  o tOt   corrente o trabalho - acerca do-gov (1)  o t
Ot corrente o trabalho - acerca do-gov (1) o t
 
Cap ufrj-vestibular 2012
Cap   ufrj-vestibular 2012Cap   ufrj-vestibular 2012
Cap ufrj-vestibular 2012
 

Mais de José Matias Alves

Cartaz 12 seminario-primavera-web
Cartaz 12 seminario-primavera-webCartaz 12 seminario-primavera-web
Cartaz 12 seminario-primavera-web
José Matias Alves
 
Cartaz 12 seminario-primavera-web
Cartaz 12 seminario-primavera-webCartaz 12 seminario-primavera-web
Cartaz 12 seminario-primavera-web
José Matias Alves
 
Folheto programa seminario6_v2
Folheto programa seminario6_v2Folheto programa seminario6_v2
Folheto programa seminario6_v2
José Matias Alves
 

Mais de José Matias Alves (20)

A catedral
A catedralA catedral
A catedral
 
Programa ii edugest_2018_ret
Programa ii edugest_2018_retPrograma ii edugest_2018_ret
Programa ii edugest_2018_ret
 
Autonomia e Flexibilização_Programa 5 julho
Autonomia e Flexibilização_Programa 5 julhoAutonomia e Flexibilização_Programa 5 julho
Autonomia e Flexibilização_Programa 5 julho
 
Cartaz a3 5 seminários de investigação
Cartaz a3 5 seminários de investigaçãoCartaz a3 5 seminários de investigação
Cartaz a3 5 seminários de investigação
 
Poster20150926 cabral's public lecture
Poster20150926 cabral's public lecturePoster20150926 cabral's public lecture
Poster20150926 cabral's public lecture
 
Cartaz projeto tertúlias educacionais v2
Cartaz projeto tertúlias educacionais v2Cartaz projeto tertúlias educacionais v2
Cartaz projeto tertúlias educacionais v2
 
A pagina 205 capa af
A pagina 205 capa afA pagina 205 capa af
A pagina 205 capa af
 
Programa
ProgramaPrograma
Programa
 
Publico ucp20150522 (1)
Publico ucp20150522 (1)Publico ucp20150522 (1)
Publico ucp20150522 (1)
 
Programa asoe 20_05
Programa asoe 20_05Programa asoe 20_05
Programa asoe 20_05
 
Cartaz 12 seminario-primavera-web
Cartaz 12 seminario-primavera-webCartaz 12 seminario-primavera-web
Cartaz 12 seminario-primavera-web
 
Cartaz 12 seminario-primavera-web
Cartaz 12 seminario-primavera-webCartaz 12 seminario-primavera-web
Cartaz 12 seminario-primavera-web
 
Folheto programa seminario6_v2
Folheto programa seminario6_v2Folheto programa seminario6_v2
Folheto programa seminario6_v2
 
Catalogo face 2015
Catalogo face 2015Catalogo face 2015
Catalogo face 2015
 
Cartaz 2015(1)arriscar
Cartaz 2015(1)arriscarCartaz 2015(1)arriscar
Cartaz 2015(1)arriscar
 
Programa i seminario aoe nampula março 15
Programa i seminario aoe nampula março 15Programa i seminario aoe nampula março 15
Programa i seminario aoe nampula março 15
 
Programa asoe 25_02
Programa asoe 25_02Programa asoe 25_02
Programa asoe 25_02
 
Cartaz seminarios asoe
Cartaz seminarios asoeCartaz seminarios asoe
Cartaz seminarios asoe
 
Prémio spce regulamento 2014
Prémio spce regulamento 2014Prémio spce regulamento 2014
Prémio spce regulamento 2014
 
Programa
ProgramaPrograma
Programa
 

Entrevista paulo de carvalho áfrica 21 - out 2013

  • 1. Entrevista Paulo de Carvalho, sociólogo e professor «O Ocidente aproveita as nossas falhas» Sociólogo e professor, o angolano Paulo de Carvalho defende a contestação, mas não a tentativa de derrubar pela força governos legítimos. Para ele, os governos que não aceitam críticas não querem, de facto, corrigir-se. CARLOS SEVERINO Á21 Os protestos juvenis transformaram-se, desde os acontecimentos na Tunísia e noutros países do Norte de África e Médio Oriente, num fenómeno tendencialmente global. Como avalia a sua repercussão em Angola? PAULO DE CARVALHO O mundo está a tomar novo rumo, muito rapidamente. As novas tecnologias estão a revolucionar o mundo, em todos os sentidos – repito, em todos os sentidos. Era de esperar que isso ocorresse, mais tarde ou mais cedo – só não se esperava que ocorresse com tal dimensão, ao ponto de derrubar governos de forma tão rápida. Lamentavelmente, os poderes (e o nosso não é exceção) nem sempre estão preparados para grandes mudanças, em tão pouco tempo. E esse tem sido o principal mal, que por enquanto atinge em maior grau o Hemisfério Sul, mas que começou também já a ocorrer na Europa e vai alastrar-se por outros cantos, podemos estar certos. Não há inibições de natureza cultural, porque a vontade de mudança é cada vez maior no mundo. Portanto, Angola não poderia estar a leste de tudo isso. Angola faz parte «deste mundo», sendo mesmo um dos países de África 6 OUTUBRO 2013 – ÁFRICA21 com grande tradição de adaptação aos costumes e modas vindos de fora. Na sua opinião, as autoridades reagiram corretamente às tentativas de manifestação realizadas por certos jovens angolanos? As manifestações são apenas boa parte da ponta visível do iceberg. Desde 1993 que muitos de nós temos chamado à atenção para os erros que se vêm cometendo. Na maior parte das vezes somos mal interpretados, quem governa prefere ouvir elogios a críticas, o que significa estarem criadas as condições para a reivindicação. Quem governa tem de saber ouvir críticas, para corrigir a sua atuação. Só não ouve e não aceita críticas quem não pretende corrigir-se. E o resultado disso é, invariavelmente, o crescimento da contestação. Algumas vozes, em Angola e também em outras partes do mundo, acham que os protestos juvenis dos últimos dois anos fazem parte de uma estratégia do Ocidente para desestabilizar certas regiões do globo. Está de acordo? Claro que sim. Não podíamos, aliás, esperar outra coisa. Quem comanda o mundo tem de ter habilidade para aproveitar tudo o que ocorre em seu benefício, em benefício da sua estratégia de comando. E podemos crer que os Estados que mexem os cordelinhos desse comando sabem adaptar-se rapidamente às mudanças que ocorrem, tirando daí benefício. Também há manifestações na Europa, mas aí o comando vai manejando com mais calma, pois não interessa potenciar as já várias intenções de revolta no continente europeu. Não podemos esperar que connosco ocorra atitude idêntica. Quanto a nós, os dependentes do Hemisfério Sul, ou alinhamos na estratégia de quem comanda o mundo e agimos com honestidade, ou arriscamo-nos a «perder o barco». Penso que estamos, neste momento, muito mais vulneráveis do que estávamos há três ou quatro anos. Esses protestos têm também causas internas? Claro que têm causas internas. O que me parece é que a efervescência é interna e isso é depois aproveitado lá por fora, para potenciar o desejo de revolta. Mas a essência são mesmo causas internas, promessas que não foram feitas na devida altura, promessas que não estão a ser cumpridas e programas que não são executados como deveriam. Mas eu admito manifestações e até admito contestação, só não sou a favor do derrube de governos legítimos, pois o poder não pode cair na rua, o exercício do poder não pode depender da intensidade
  • 2. JOÃO GOMES/JORNAL DE ANGOLA dos seus males, porque de facto poderíamos estar a viver melhor. Temos de reconhecer ter havido boas apostas depois do final da guerra, mas as pessoas querem muito mais – e já! Começamos a sofrer os efeitos disso. E atenção, que por este andar será ainda pior daqui a cinco ou dez anos. da revolta. Sou a favor da reivindicação e, mesmo por isso, tenho de ser contra qualquer tipo de marcha para derrubar este ou aquele governo. Se escolhemos a democracia, então temos de encontrar formas de chegar ao poder pela via constitucional. Nenhum governo (seja ele qual for) aceitará de ânimo leve o seu derrube da forma como alguns pretendem e proclamam. A concentração da riqueza, corrução e falta de cumprimento das promessas feitas são algumas razões para o aumento da contestação em Angola No caso de Angola, quais são essas causas internas? As causas internas são várias. Uma delas tem a ver com prestação de contas. Durante muito tempo, as pessoas foram dando conta da concentração da riqueza num grupo muito pequeno de cidadãos, numa clara guinada à direita que pouco trouxe de vantajoso para o partido político que governa o país. Aquilo que se começou a fazer recentemente deveria ter começado há muito mais tempo. Refiro-me ao boom no acesso à instrução (e ao ensino superior), ao investimento nas instituições estatais de saúde e à aposta (que ainda não é nítida) na agricultura e na indústria, que são os setores que vão fomentar emprego para todos os angolanos. A guerra foi o primeiro grande entrave a esse projeto (que é o projeto do programa maior do MPLA), mas houve outros entraves. E a juventude não quer mais ouvir falar da guerra como causa Alguns intelectuais angolanos que residem no estrangeiro acham que estão reunidas as condições para uma revolta de larga escala no país. Está de acordo? Condições para revolta claro que há, mesmo desde os tempos da guerra. Analistas e cientistas sociais temos chamado à atenção para isso, algumas vezes até apontando soluções para diminuir esse mal que se alastra. E sempre que um governante nomeia um familiar próximo, sempre que se sabe de mais um arranha-céus a favor deste ou daquele que já tem vários e nenhum deles foi herdado, sempre que falta água nas torneiras e que há cortes de energia elétrica depois de milhões e milhões gastos nesses setores, sempre que abre uma cratera numa estrada reparada há poucos meses e sempre que ocorre uma denúncia de corrupção sem que as competentes autoridades levem o assunto a peito, aumenta o sentimento de revolta. Agora, se me pergunta se eu concordo com uma bandeira de revolta que conduza à chacina de governantes, é claro que a minha resposta tem de ser negativa. Não podemos dizer aqui que somos a favor da paz, mas acolá apregoarmos a revolta e a chacina. Não podemos criticar os erros dos governantes e vir depois para a rua clamar por morte aos governantes, para errarmos tanto ou mais que eles. Como avalia a iniciativa do Presidente angolano de promover um diálogo com a juventude à escala nacional? Sou daqueles que consideram que todas as iniciativas de diálogo são bemÁFRICA21– OUTUBRO 2013 7
  • 3. -vindas. É necessário dialogar com a juventude e é mesmo indispensável incluir nesse diálogo os muitos jovens que não estão filiados em quaisquer organizações. A iniciativa é bastante boa, sendo agora necessário alargar esse diálogo a outras franjas da sociedade, que são normalmente marginalizadas, mas que têm grande ascendente sobre a juventude e sobre outras camadas sociais. O Presidente e os ministros têm também de ir às universidades, dialogar com as pessoas (com os mais jovens e com os menos jovens). Esta é uma saída, que se deve aliar a outras soluções que referi antes. Muitas vezes, não é preciso esperar pela obra feita, basta demonstrar devidamente que ela está em curso. E depois é preciso mostrar que estamos todos «no mesmo barco», isto é, que as dificuldades são para todos. Não se tratou de uma iniciativa partidária, para esvaziar os protestos juvenis em Angola? Não me parece que tenha sido isso. Todo o diálogo é favorável. Quando se dialoga, aprende-se. Reafirmo, pois, a necessidade de o diálogo prosseguir, seja com jovens não enquadrados em organizações da sociedade civil, seja com outras franjas da sociedade. Os governantes têm de governar para alguém, o que exige que tenham conhecimento das reais necessidades e das expectativas dos governados. O emprego foi apontado pelos participantes do diálogo entre as autoridades e a juventude como o principal problema dos jovens angolanos. O que deve fazer o governo para resolver esse problema? A economia angolana é extremamente débil, não se deve portanto estranhar que o emprego seja apontado como principal problema da juventude. Para resolver este problema, tem de deixar de se apostar preferencialmente no setor dos serviços, passando a apostar-se na agricultura e na indústria. Angola tem de deixar de depender do petróleo, pois essa opção promove o subdesenvolvimento e não permite a proliferação de postos de trabalho e o fomento do emprego estável. Mas por outro lado, é preciso deixar de criar empregos de forma fictícia, ao nível da função pública e empresas públicas – pois isso, de facto, vem promovendo o subemprego, que corrói ao invés de contribuir para o desenvolvimento das famílias e do país. A força de trabalho excedentária PAULO DE CARVALHO Nasceu na cidade de Luanda em 1960. É sociólogo, com Doutoramento em Sociologia pelo ISCTE (Lisboa). É professor titular na Universidade Agostinho Neto, tendo dirigido a Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UAN (20052006). Foi reitor da Universidade Katyavala Bwila (20092011) e diretor do Centro de Imprensa Aníbal de Melo (1991-1992). É editor da Revista Angolana de Sociologia (desde 2008). É autor de oito livros de Sociologia. Entre os prémios e menções que tem recebido, destacam-se o Prémio Nacional de Cultura e Artes na modalidade de investigação em Ciências Sociais e Humanas (Luanda, 2002) e o Prémio Kianda de Jornalismo Económico (Luanda, 1998). 8 OUTUBRO 2013 – ÁFRICA21 tem mesmo de ser encaminhada preferencialmente para os setores da agricultura e da indústria. Quais são, para si, os outros problemas principais dos jovens angolanos? Um dos principais problemas da juventude tem a ver com a elevada dose de corrupção no ensino, desde o nível básico ao superior. Aliás, isso vai-se refletir depois no emprego dos jovens e, também, na economia do país. Não se pode construir um país inculcando nas crianças e jovens que o que está certo é o desejo de amealhar sem olhar a meios. E é isso que se tem feito todos estes anos, com o beneplácito de quem dirige as várias instituições de ensino. É tempo de dizer basta, é tempo de apostar em qualidade. Depois deste, há outros problemas que afligem a juventude angolana, como o problema da habitação e a questão relacionada com o indispensável investimento nos dois mais importantes setores da economia: a agricultura e a indústria. Há ainda problemas como o crédito à atividade profissional, a aposta na qualidade do serviço público de saúde e a assistência social. Há muito por fazer, mas a base deverá ser a luta contra a improvisação, deverá ser a definição de metas e de regras, que depois devem ser realmente cumpridas. E os órgãos de fiscalização devem funcionar, sem esquemas e sem compadrios. FERNANDA OSÓRIO O Governo deve continuar a dialogar com a juventude mas também com o resto da sociedade