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ANAIS DO 
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OGUATÁ:
© 2014 
Paulina Maria Caon 
Vilma Campos dos Santos Leite 
(organizadoras) 
Título: Oguatá: Anais I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro - 
Escola básica, intervenção e performance 
Revisão: Maria Cláudia S. Lopes 
Diagramação e Arte-Final: Wellington Donizetti 
Criação e Arte da Capa: Camila Amuy 
Desenhos: Marcelo Briotto 
Coordenação de Produção: Gabriela Neves Guimarães 
Esta publicação faz parte das ações do projeto Partilhas, ateliês e redes de 
cooperação - aprendizagem teatral na escola básica. Coordenação - Vilma 
Campos e Paulina Maria Caon. Bolsistas Capes/ Fapemig - Gabriela Neves 
Guimarães (Iniciação Científica), Maíra Rosa Peixoto (Apoio Técnico), 
Marcelo Briotto (Prof. escola básica) e Ricardo Augusto (Mestrado). 
Bolsistas Proext - eixo Teatro e Escola: Giovanna Parra, Luís.Manuel 
Araújo. 
FICHA CATALOGRÁFICA 
ELABORADA PELA EDITORA EDIBRÁS 
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É proibida a reprodução total ou parcial. 
Impresso no Brasil / Printed in Brasil 
Conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos autores.
3 
Chegança 
Senhores desta sala 
Licença eu vou chegando, eu vou 
A voz e a rabeca 
O coração cantando, eu vou 
Inauguro o texto com esta Loa de abertura de domínio público, 
no arranjo musical de Antônio Nóbrega, porque é com o coração em 
canto que começo a escrevinhar estas linhas. É também porque quero 
pedir licença a cada um dos leitores e leitoras. 
Na sequência, desejos a todas e a todos Oguatá - que em Guarani 
significa “Caminhada” - ou melhor, digo: Oguatá Porã! para que seu 
percurso, na leitura das páginas a seguir, seja uma “Bonita Caminhada”. 
Assim como foi, para mim, o I Seminário de Ensino Aprendizagem em 
Teatro e XIX Fórum de Educadores de Teatro. Os textos que aqui se 
apresentam compõem os “Anais” do evento. 
O que significaria “Anais”? O dicionário Michaelis on-line define 
como: “1. História de um povo contada ano por ano. 2. Publicação 
periódica, anual. 3. Publicação referente aos atos e estudos de congressos 
cienơficos, literários ou de arte. Obra que relata os acontecimentos de 
cada ano”, ou ainda “ História” e “Publicação periódica de ciências, artes 
ou letras.” 
Confesso a vocês que, antes de ir ao dicionário, usava e conhecia 
a expressão mais ligada aos registros dos eventos cienơficos em que 
parƟcipei. Foi assim que, inicialmente, junto com os outros membros da 
equipe de organizadores do evento, foi feita a chamada para os textos. 
Foi durante as reuniões da equipe do Projeto ParƟlhas, ateliês 
e redes de cooperação - aprendizagens teatrais na escola básica 
(doravante mencionado apenas como ParƟlhas) – projeto no qual a 
ação deste Seminário está localizada, é que surgiu a ideia de publicar 
os registros do evento. Avaliamos que o formato “Resumo Expandido” 
estava bem para o nosso propósito de divulgar os relatos de experiência 
ou de pesquisa. Afinal, o tempo possível para o envio dos textos, para 
impressão, era exíguo: em nosso calendário o prazo era de apenas trinta 
dias após a realização do evento. Pensamos em aproveitar “o calor da
hora” dos parƟcipantes, ainda que alguns textos não chegassem ao 
formato “ArƟgo” - os inscritos ou convidados do Seminário têm ainda a 
possibilidade de uma segunda empreitada, essa sim com maior tempo 
para o envio de textos (terceiro número da Revista Rascunho editada 
pelo Grupo de pesquisa GEAC), caso desejem. 
4 
No decorrer da Programação, fomos ampliando o nosso olhar 
para o formato de recebimento dos textos. “Resumos Expandidos” 
(usual nos “Eventos acadêmicos”) são muito bem vindos, e também 
são bem vindos os textos com outras silhuetas, em consonância com 
o senƟdo mais largo da palavra “Anais” - enquanto registro, relato ou 
narraƟva de acontecimentos. O ơtulo “Anais” nos é conveniente, e nos 
mobiliza a dar conƟnuidade a esta iniciaƟva em empreitadas futuras, 
com novos Seminários. 
Como disse anteriormente, há um reconhecimento da equipe de 
que o prazo foi muito curto para o envio dos textos e compreendemos 
que muitas pessoas deixaram de enviá-los, mesmo dispostas ou 
interessadas em escrever. Assim, a produção a seguir não representa 
a totalidade do que aconteceu - do que foi experenciado ou discuƟdo 
durante a programação entre os dias 29 e 31 de agosto de 2014. 
Cada um dos textos nesta publicação é como uma espécie de 
“amostragem” a parƟr de um contexto. São produções muito especiais 
porque provenientes daqueles que se reinventaram, transformando o 
desafio do pouco tempo em potencialidade. A cada uma e a cada um, o 
meu muiơssimo obrigada! 
Para que o leitor possa se situar melhor nesta “amostragem”, 
organizei entre as Produções Textuais caixas de textos informaƟvas, 
contextualizando-as. São antecedidos por um Prólogo contendo a 
ficha técnica da organização geral do evento, a comissão cienơfica e 
organizadora, apoiadores, programação e a nota informaƟva divulgada 
logo após o evento. Durante toda a publicação, há ainda os desenhos 
de Marcelo BrioƩo, feitos durante a programação do Seminário, e que 
consƟtuem uma narraƟva junto às palavras. 
Espero que possam apreciar esta modesta, curta (mas para nós 
muito significaƟva) publicação. 
Vilma Campos
5 
Agradecemos aos parƟcipantes e convidados da programação. 
À comunidade do Bairro Patrimônio, nas pessoas do Sr. João 
Rodrigues (Bolinho), Maria Aparecida (Cida), Enersino João da 
Cruz (Nersinho), Eunice (Tabajaras), FáƟma (FaƟnha) e seus 
familiares. 
À direção e professoras do Centro Educacional Maria de Nazaré. 
A todos que contribuíram na organização do evento, 
especialmente ao curso de Teatro e seus estudantes, professores, 
secretários e coordenador. 
Ao InsƟtuto de Artes, a diretoria e servidores do almoxarifado e 
da secretaria. 
Ao Setor de Transportes e de Limpeza da UFU; 
À Secretaria e Gabinete da Reitoria, na pessoa do Prof. José 
Antonio Galo. 
A todos os funcionários da FAU (Fundação de Apoio Universitário), 
especialmente Ana Luiza Dornelas Mota Silva que acompanha o 
projeto. 
Às agências de fomento FAPEMIG e CAPES.
Sumário 
Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo (1º dia do 
seminário) ..................................................................................................... 15 
Luís Manuel de Araújo 
Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA .................. 17 
Laíza Coelho Gomes 
A escuta do espectador ou o publico em cena ............................................... 21 
André Luiz Santos e Marcia Peixoto 
Formação de espectador no espaço escolar formal – É necessário formar o 
espectador? ................................................................................................... 29 
Michele Soares 
Registro de discussão realizado no processo de Open Space, com o tema: 
Ensino teatral para crianças de 0 a 5 anos ..................................................... 31 
Mayron Engel Rosa Santos 
Registro Open Space – Grupo: Teatro, sexualidade e gênero na escola ........ 32 
André Rodovalho 
Dramaturgias do espaço e a criança performer: Diário de Bordo da Oficina de 
Marina Marcondes Machado ........................................................................ 33 
Ricardo Augusto Santos de Oliveira 
Desvelar o processo Singular do Devir – ExpectaƟva pelo 1º Seminário de 
Ensino Aprendizagem em Teatro como mestranda, ainda mais pela oficina da 
Carminda. ....................................................................................................... 36 
Isabel CrisƟna Alves Pimenta Braga 
Relato da Experiência com Intervenções Urbanas na cidade de Uberlândia . 38 
Carminda Mendes André
O que carrega uma sacola de tesouros? ......................................................... 47 
Maria De Maria 
A ideia de desmontar meus alunos! .............................................................. 57 
Ana Carolina CouƟnho Moreira 
A medicina da palavra e os relatos de vivência .............................................. 62 
KaƟa Lourenço Alves 
A Experiência de um Seminário ...................................................................... 66 
Gabriela Neves Guimarães 
ReƟrada .......................................................................................................... 70 
Vilma Campos
1. PRÓLOGO 
1.1. FICHA TÉCNICA 
Realização: Universidade Federal de Uberlândia - InsƟtuto de Artes - Curso 
de Graduação em Teatro, Mestrado em Artes e Mestrado Profissional, 
Grupo de Estudos e InvesƟgação sobre Processos de criação e formação 
em Artes Cênicas (GEAC). 
Organização geral do evento e produção: 
Projeto ParƟlhas, ateliês e redes de cooperação - aprendizagem 
teatral na escola básica. Coordenação - Vilma Campos e Paulina Maria 
Caon. Bolsistas Capes/ Fapemig - Gabriela Neves Guimarães (Iniciação 
Cienơfica), Maíra Rosa Peixoto (Apoio Técnico), Marcelo BrioƩo (Prof. 
escola básica) e Ricardo Augusto (Mestrado). Bolsistas Proext - eixo 
Teatro e Escola: Giovanna Parra, Luís Manuel Araújo. 
Lapet (Laboratório de PráƟcas Pedagógicas em Teatro). Bolsistas 
de graduação (PROGRAD) André Lemos e Roberta Sanchez. 
Comissão Cienơfica e organizadora Professores Dr. Fernando Manoel 
Aleixo, Dra. Mara Lucia Leal, Dr. Narciso Larangeira Telles da Silva, Ms. 
Paulina Maria Caon e Dra Vilma Campos dos Santos Leite. 
Realização em parceria com Programa Ateliês em Artes Cênicas: teatro-educação 
PROEXT-MEC (coord. Fernando Aleixo). Bolsistas: Camila 
9 
Amuy, Célio D'Ávila, Guilherme Rodrigues, KaƟa Lou e Mario Cortês. 
1.2. PROGRAMAÇÃO 
Toda a programação aconteceu nas dependências do Bloco 3M, 
Campus Santa Mônica, da Universidade Federal de Uberlândia, 
com exceção das duas oficinas no sábado à tarde, que aconteceram 
simultaneamente em dois pontos da cidade. O deslocamento 
dessas duas aƟvidades aconteceu por carona solidária e por outro 
transporte da Universidade.
Sexta feira: 29/agosto/2014 
16h às 17h - Reunião preparatória da Oficina Intervenção Urbana. 
Ministrantes: ColeƟvo Mapaxilográfico e Profa. Dra. Carminda Mendes 
André. 
17h às 19 h - Credenciamento. 
19h - Palestra - Performance, intervenção e escola - diálogos possíveis. 
Profa. Dra. Marina Marcondes. 
21h - Palestra - Derivas na cidade espetacularizada, o que educa? Profa. 
Dra. Carminda Mendes. 
Sábado: 30/agosto/2014 
9h às 12h - Relatos de experiência e Comunicações de Pesquisa. 
Metodologia Open Space. Coordenação dos trabalhos - Profa. Ms. Maria 
Ceccato. 
14h às 18 h - Oficinas 
Oficina 1- Intervenção Urbana. Ministrantes: ColeƟvo Mapaxilográfico 
e Profa. Dra. Carminda Mendes André. Carona solidária em direção ao 
Bairro Patrimônio. 
Oficina 2 - Dramaturgias do Espaço e a criança performer. Profa. Dra. 
Marina Marcondes. Ônibus UFU em direção Centro Educacional Maria 
de Nazaré. 
19 h - Espetáculo Ali Babá e Os Quarenta Ladrões. Local - Ponto de 
Cultura Trupe de Truões. Av. Ana Godoy de Souza 381, Santa Mônica – 
Uberlândia. 
Domingo - 31/agosto/2014 
9h - Mesa de Debate e comparƟlhamento: Dramaturgias do Espaço e a 
criança performer. Coordenação - Profa. Dra. Marina Marcondes - Bloco 
3M. 
10h - ComparƟlhamento - Mapeamento e Ensino de Teatro em 
Uberlândia. Exposição - Ricardo Augusto e Gabriela Neves Guimarães - 
Bloco 3M 
10h40 - Intervalo. 
10
11 h - Mesa de Debate e comparƟlhamento: Intervenção Urbana. 
Coordenação. Profa. Dra. Carminda Mendes André e Mapaxilográfico - 
Bloco 3M. 
14h às 16h - Apresentação de Desmontagens, seguida de roda de 
conversa. Mediação - Profa. Dra. Mara Leal - Bloco 3M. 
16h às 17 h - Palestra: Processos criaƟvos de aprendizagem na gestão 
pública: algumas experiências. Profa. Ms. Maria Ceccato - Bloco 3M. 
17h às 18 h - Avaliação do I Seminário de Ensino e Aprendizagem. 
Coordenação - Equipe Projeto ParƟlhas, ateliês, redes de cooperação - 
aprendizagens na Escola Básica - 3M. 
1.3. Nota InformaƟva 
11 
O texto disponível em hƩp://parƟlhasteatrais.blogspot.com.br 
Foi escrito por Luís Manuel de Araújo, bolsista do Programa Ateliês 
em Artes Cênicas, teatro-educação Proext-MEC, estudante do 
curso de graduação em Teatro, e graduado em Jornalismo. Luís tem 
registrado por textos as reuniões semanais da equipe ParƟlhas, 
bem como os boleƟns dos Fóruns Mensais de Educadores, 
comparƟlhados no blog do projeto. 
Imagem: Camila Amuy - ParƟlhas Teatrais
12 
Inesquecível, esta foi a sensação comum entre todos os 
professores e alunos que parƟciparam do I Seminário de Ensino 
Aprendizagem em Teatro, que aconteceu no úlƟmo fim de semana 
na Universidade Federal de Uberlândia. Foram três dias de intensos 
comparƟlhamentos de sensações, experiências e pontos de vista, uma 
oportunidade valiosa para crescimento pessoal. 
Contamos com a presença de professores e pesquisadores 
de várias regiões do Brasil, em especial, destacamos a presença dos 
docentes que ministraram palestras e oficinas durante o seminário. A 
oficina de intervenção urbana abriu o evento e ficou por conta do coleƟvo 
Mapaxilográfico e da Prof. Dra. Carminda Mendes André. Eles falaram 
sobre seus trabalhos e pesquisas no campo das ações performáƟcas em 
áreas urbanas. Logo depois, a Profa. Dra. Marina Marcondes ministrou 
uma palestra sobre “Performance, intervenção e escola”. Para encerrar a 
noite, Caminda retornou à frente dos trabalhos para a palestra “Derivas 
na cidade espetacularizada - o que educa?”, uma ação que sensibilizou 
o público, dando o exemplo de duas performances disƟntas, em período 
de natal, em São Paulo-SP. 
Imagem: Luis Manuel Araújo
Sábado, logo pela manhã, a Profa. Ms. Maria Ceccato 
orientou os trabalhos, proporcionando um momento marcante de 
comparƟlhamento de experiências e sensações. A metodologia “Open 
Space” dividiu os parƟcipantes em 6 grupos de discussão, com temas 
variados, onde cada parƟcipante poderia acompanhar o tema que mais 
lhe despertasse interesse, ou trocar de grupo, de acordo com suas 
sensações. À tarde, ocorreram as oficinas: “Intervenção Urbana” na casa 
do sambista João Rodrigues “Bolinho”, no bairro Patrimônio, na zona 
sul da cidade, momento em que aprendemos muito sobre a história da 
cidade de Uberlândia, e a vida nas regiões carentes da cidade. A outra 
oficina foi “Dramaturgias do espaço e a criança performer”, ministrada 
por Marina Marcondes, e aconteceu na Escola InfanƟl Maria de Nazaré. 
À noite, assisƟmos ao espetáculo “Ali babá e os Quarenta ladrões”, no 
ponto de cultura da Trupe de Truões, no bairro Santa Mônica. 
Domingo de manhã, houve uma mesa redonda e um 
comparƟlhamento de experiências das oficinas do dia anterior, discuƟu-se 
sobre as dificuldades e desafios encontrados para a realização do 
mapeamento de professores de Teatro na cidade, pesquisa encabeçada 
por bolsistas do ParƟlhas na Universidade. À tarde, no encerramento 
do evento, acompanhamos a apresentação das desmontagens de três 
professores de Teatro de Uberlândia, Maria De Maria, Getúlio Gois e 
André Luz, que nos ofereceram momentos de reflexão sobre questões 
importantes do teatro dentro e fora de sala de aula. 
Maria Ceccato ministrou, em seguida, a palestra “Processos 
criaƟvos de aprendizagem na gestão pública” e logo depois, propôs 
uma roda de conversa, em que foram feitas as considerações finais e 
todos puderam se manifestar sobre as sensações gerais do evento, e as 
perspecƟvas individuais para os próximos meses. 
13
Esta imagem foi realizada por John Karllus Paula, como uma de suas 
aƟvidades dentro do “Caderno objeto” - um procedimento de trabalho 
do componente curricular PoéƟcas e processos da criação em Artes 
ministrada pelo prof. Fernando Aleixo no Programa de Mestrado 
Profissional - UDESC/UFU, já que o Seminário também está inserido nas 
aƟvidades da pós-graduação. 
14
15 
SEXTA FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 2014. 
À tarde houve o primeiro contato dos inscritos, de uma das 
oficinas, com os ministrantes, e, à noite, duas palestras. 
Aproximadamente cinquenta pessoas presentes, e em círculo, 
na programação noturna. 
A seguir temos dois textos referentes ao início do Evento. O 
primeiro deles é: Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações 
em São Paulo. (1º 
dia do seminário) - 
embora se trate de 
um texto do mesmo 
estudante, autor da 
Nota informaƟva, 
eles se diferenciam, 
porque há um 
comparƟlhamento 
que está para além da noơcia oriunda da oficina e palestra 
com Carminda Mendes, Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios. 
Na sequência: Relato de uma história contada em uma caixa 
chamada ESCOLA, que traz à tona uma ação na escola básica, 
e que teve a palestra de Marina Marcondes como um dos 
elementos de inspiração para a professora autora do texto. 
Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo 
(1º dia do seminário) 
Por Luís Manuel de Araújo 
Começamos o I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro 
em uma noite agradável de sexta-feira. Aqueles três importantes dias 
de discussões sobre Teatro, começaram com algumas palestras de 
pesquisadoras de São Paulo, que vieram à Uberlândia, exclusivamente, 
para colaborar com nosso evento. Destaco, na abertura, um trabalho que 
me marcou especialmente. O ColeƟvo Mapa xilográfico, acompanhado
da professora Carminda Mendes André, proporcionou-me momentos 
valiosos de reflexão sobre o papel do homem na sociedade, e sobre o 
Teatro como ferramenta de conscienƟzação das pessoas em relação aos 
problemas e conflitos inerentes, em certa medida, à nossa condição. 
16 
A Palestra “Derivas na cidade espetacularizada - o que educa?” 
apresentou, além das reflexões dos professores, vídeos de “câmeras 
escondidas”, exibindo a realização de intervenções urbanas na cidade de 
São Paulo. Um vídeo, em especial, me marcou: A intervenção em que os 
alunos de Carminda bloquearam um cruzamento de duas importantes 
avenidas, com vasos de flores. Uma situação muito inusitada. Sem 
dúvidas, passível de interpretações muito diversas. A mim, me fez 
refleƟr sobre a falta de beleza em nossas cidades, cada vez mais cinzas e 
nervosas, com congesƟonamentos cada vez maiores, e qualidade de ar 
cada vez menor. 
Nesta intervenção, especificamente, lembro-me das reações 
de motoristas, um tanto incrédulos com a cena que viam de dentro 
de seus veículos. Seria uma “macumba urbana”? - pergunto-me se 
eles se quesƟonaram sobre esta possibilidade! Muitas poderiam ser 
as indagações feitas naquela ocasião. Entre um carro e outro, muitos 
buzinavam aflitos, outros gritavam de dentro dos seus carros. No entanto, 
por quase 15 minutos, ninguém teve a simples iniciaƟva de sair de seu 
carro e caminhar até a faixa de pedestre, para reƟrar daquele local as 
flores que interrompiam o trânsito (afora um motorista que removeu 
dois vasos, apenas para dar passagem para seu próprio veículo). Uma 
reação no mínimo esperada. 
A que ponto chegou o imediaƟsmo das pessoas, que preferem estar 
dentro de seus carros, com ar condicionado, obviamente, assisƟndo tudo 
o que se passa ao entorno, com o motor “bebendo” gasolina, a espera de 
que as coisas se revolvam? Esta é a realidade do nosso trânsito: pessoas 
esperando, com o veículo ligado, que o mundo se resolva sozinho para 
que elas possam passar. O Mundo é você também, e o Teatro te convida 
a deixar de ser o mero espectador automáƟco, e interagir com ele, lá, 
fora do carro. Propor soluções me pareceu a grande pesquisa do Mapa 
xilográfico, um exercício para vida, que exige que assumamos nossa 
responsabilidade neste processo.
17 
Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA 
Por Laiza Coelho Gomes 
De uma história que pude ouvir. 
No dia 29 de Agosto de 2014, na sala de Interpretação do Curso 
de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, uma mulher 
pequena, de voz rouca, e pescoço aparentemente rígido, começa a falar 
sobre a sua práƟca enquanto docente. Antes, fica descalça e desmisƟfica 
a persona Dra. Marina Marcondes, segura uma caixinha cheia de 
objetos, e, enquanto revelava os objetos da caixa, falava de si, da criança 
e do adulto performer, da educação e suas possibilidades, como quem 
contava uma história. 
“Era uma vez um homem que amou uma mulher. A mulher teve 
uma filha e a amamentou...” 
A menina cresceu, brincou, quando brincava era observada 
por sua mãe. Cresceu mais um pouco. Cursou psicologia, conheceu o 
teatro, tornou-se professora, resisƟu à “Academia”, rendeu-se depois, 
mas prometendo ficar descalça em suas palestras. Viajou à Uberlândia, 
começou uma leitura em um hotel qualquer, ainda não concluída a leitura, 
decidiu mesmo assim, citar um trecho que considerou importante. 
Também lançou um livro ao léu, o livro por sua vez, quis fugir pela janela, 
mas foi logo resgatado (alguns encontros não permitem a fuga de nada). 
Por fim, a criança performer e adulta contadora de histórias diz 
acreditar que se cada professor/pessoa Ɵver sua própria caixinha com 
objetos capazes de revelar coisas, a “boa” educação/ “boa” existência é 
possível. 
O estudo da importância de contar histórias. 
Ora, ouvir uma história é sempre bom para relembrar a 
importância de conta-las. Assim como Marcondes, Desgranges também 
defende a importância de contar histórias. Em seu livro A Pedagogia do 
Teatro: Provocação e dialogismo, o autor discorre sobre a importância 
da apreciação de obras de arte enquanto potências educadoras, 
defendendo que conhecer e compreender histórias podem gerar uma 
maior consciência de si, transformando o sujeito que ouve uma narraƟva, 
em um sujeito capaz de escrever a sua própria trama:
18 
Ouvir a contação das histórias consƟtui-se, nesse senƟdo, 
em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à 
medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à 
própria existência; à medida que interpretava as histórias 
narradas, revia criƟcamente aspectos de sua vida, tomando 
consciência da própria história, estando, assim, em condições 
de transformá-la. A experiência arơsƟca se coloca, desse 
modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando 
a revisão críƟca do passado, a modificação do presente e a 
projeção de um novo futuro. (Desgranges, 2006: 26) 
MoƟvada pela história que ouvi, e reconhecendo a força de 
encontro que histórias produzem, resolvi contar uma história para 
alguns alunos. 
Um objeto da minha caixa escola. 
Era uma vez EU... 
EU recentemente ganhei uma caixinha, cheia de tranqueiras, 
e que desejei por muito tempo, chamada: professora de arte da rede 
pública. Cada um dos objetos desta caixinha vem com um enigma que 
precisa ser desvendado diariamente. 
Um dos objetos, por exemplo, veio com um mistério de fazer 
uma interferência em uma aula de língua portuguesa para “falar de 
forma diferente” - o que é o gênero textual do conto. Desta vez, nem foi 
tão diİcil de desvendar a xarada; peguei uma caixinha de sapato, alguns 
objetos, umas roupas velhas, um apito, e fui para a sala de aula contar 
a narraƟva de Cem Anos de Perdão, de Clarice Lispector. Soprei o apito, 
preparamos o espaço, sobrepus algumas peças de roupas e revelei a 
turma os objetos de minha caixinha, e, enquanto mostrava-os, lia o 
conto.
Depois da minha história, propus à turma que construíssemos juntos 
um conto que fosse só nosso, nele cada aluno inventaria um pouco da 
história. Os alunos se alvoroçaram, ơmidos e ousados inventaram as 
“Desventuras de Penosa”. Penosa era uma menina que Ɵnha medo de 
crescer, mas queria crescer para poder namorar e morar sozinha. Depois 
de muitas desventuras, Penosa consegue um livro mágico que conƟnha 
um feiƟço. Este feiƟço ensinava a controlar o tempo; assim, Penosa 
podia ser adulta e criança quando bem quisesse. 
Ao fim de minha intervenção, a professora da disciplina de Língua 
Portuguesa, ia perguntando aos alunos caracterísƟcas de gênero textual 
do conto. Confesso, fiquei com medo. Não havíamos em momento algum, 
conversado de forma direta e concreta sobre tais caracterísƟcas, o que 
fizemos foi “brincar”, mas os meninos refleƟam sobre as interrogaƟvas 
e aos poucos respondiam às questões. As respostas não Ɵnham nomes 
técnicos, conceitos e similares, mas Ɵnham conhecimento e domínio do 
conhecimento. “Agora fica mais fácil explicar para eles as caracterísƟcas”, 
disse a professora. 
Fim. 
19
Sobre a Caixa Escola e histórias que construo. 
Mais curioso do que reƟrar objetos de uma caixa, é se perceber enquanto 
um objeto dentro de uma caixa. Eu sou uma pequena peça dentro de 
uma caixa chamada escola básica, e, esta caixa é feia, abafada, escura, 
mas é necessário transformá-la, criar outra realidade. Dentro de minha 
caixa fica cada vez mais claro a importância de pensar a minha presença 
na escola, não como um “professor de arte”, mas como um arƟsta 
que optou/escolheu por se inserir no ambiente escolar e entender 
este espaço como um gerador de potências para o ato da criação. É 
necessário criar, experimentar, e impulsionar criações e experiências na 
escola. Acredito que este é o lugar da arte na escola; de transformá-la e 
pensa-la como espaço para o encontro, paixão e afecção. 
Referencial Teórico 
• Palestra – Performance, intervenção e escola – diálogos possíveis. 
Profa. Dra. Marina Marcondes. Sala de Interpretação – LIE – Bloco 3M. 
29 de Agosto de 2014. 
• DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. 
São Paulo: Hucitec, 2011. 
20
21 
SÁBADO 30 DE AGOSTO - MANHÃ 
17 resumos foram inscritos para Comunicação de Pesquisa ou 
Relato de Experiência. Mesmo que tenhamos optado pela discussão 
em um formato diferenciado do que comumente acontece em 
comunicações orais, nos eventos acadêmicos, apresentou-se a 
possibilidade de envio do texto escrito para os Anais como Resumo 
Expandido. É a configuração do texto a seguir. 
BRAUDES, Márcia Peixoto; SANTOS, André Luiz. A escuta do espetáculo 
ou o público em cena. Anápolis: Secretaria Municipal de Cultura de 
Anápolis - Goiás. Escola de Teatro de Anápolis; Professora efeƟva. 
Universidade Estadual de Goiás; Professor efeƟvo. Doutorando do 
Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-GO. 
RESUMO 
O presente trabalho se refere às experiências dos debates pós-espetáculos 
apresentados na Mostra de Teatro de Anápolis-Goiás. A parƟr das falas 
evocadas pelo público, e dos relatos dos atores, propusemos um estudo 
acerca das questões de autoria, da indagação sobre o que é o teatro, e 
da própria afirmação do debate como um possível espaço de reflexão e 
criação. Abordamos tais questões considerando como referências os textos 
de Michel Foucault, “O que é um autor?” e “A vida dos homens infames”. 
PALAVRAS-CHAVE: autor: teatro: debate pós-espetáculo. 
1- Apresentação: 
Seria o teatro um espaço de subversão do texto literário? Um 
espaço no qual seria possível aos textos polissêmicos funcionar de outro 
modo, interrogando a realidade, a ficção e o próprio fazer teatral? Desta 
forma, pode-se colocar em questão as diferentes injunções do poder, 
que determinam o que é teatro, ficção e literatura? Essas indagações 
nos são possíveis a parƟr da experiência dos debates pós-espetáculo, 
apresentados na Mostra de Teatro de Anápolis-Goiás. 
O debate pós-espetáculo tem se consƟtuído como espaço
reflexivo sobre as peças, os processos de montagem, técnicas, o texto, 
o ator, a criação, mas também como momento do espectador, não mais 
passivo, a aguardar do espetáculo uma idenƟficação, o riso, o choro, 
a catarse. Haveria aí uma possibilidade, uma fecundidade inerente 
ao teatro, uma possibilidade de outras histórias - aquelas que nunca 
foram experienciadas, que foram esquecidas, ou que ainda pulsam 
adormecidas à espera infinita de sua realização. Se a experiência diz 
respeito ao que não foi vivido, ao impossível, ou à própria morte, o 
debate acrescenta uma experiência outra, próxima de encontros furƟvos, 
erráƟcos, encontros na rua, com amigos, amantes, companheiros, ou 
com o estranho, nos quais não sabemos de sua familiaridade, encontros 
de intensidades afeƟvas outras, como se fossem o úlƟmo ou o primeiro. 
22 
Entre a hesitação do ator em falar, e do espectador em perguntar, 
pode ser formado um espaço da não-clausura da palavra, um encontro 
com nosso “infame” - o que escapa aos sistemas de sujeição da palavra 
e seus mecanismos de controle. A parƟr de nossos estudos dos textos 
de M. Foucault “O que é um autor?” e “A vida dos homens infames” 
buscamos afirmar a experiência dos debates pós-espetáculos como 
uma experiência “outra” aberta à “transgressão”, ao “impossível”, ao 
“irrisório”. 
2- Os espetáculos e as perguntas: 
O relato é referente à Mostra de Teatro de Anápolis – Goiás, apresentada 
no ano de 2014. Os espetáculos são selecionados em edital público, 
realizado pela Secretaria de Cultura de Anápolis, e os critérios de 
seleção se referem à excelência arơsƟca do espetáculo, qualidade 
literária do texto, concepção da montagem, e a viabilidade de execução 
do espetáculo. As apresentações de cada espetáculo são sucedidas por 
debates “livres”, “abertos”, do público com os arƟstas. 
Quadro- Espetáculos e perguntas
Espetáculos Perguntas 
SANANAB (Palhaço Bisgoio) - Como foi feita a pesquisa para a 
montagem da peça? 
- Como construiu uma linguagem 
sem palavras? 
- Qual a influência do Palhaço 
Tomate no espetáculo? 
- Você estudou para ser palhaço? 
- Quando deixa de falar, o palhaço 
muda de nome? 
- Como adapta a “energia cênica” 
da rua ao palco italiano? 
As Criadas (Confraria Tambor) - Por que o pênis tem que 
aparecer? 
- Houve erro ou confusão 
ao mencionar os nomes dos 
personagens? 
- Qual a necessidade do uso do 
nu? Não havia roupas de lingeries 
na época? 
- Como é lidar com o excesso de 
riso quando se trata de questões 
tão profundas e carregadas de 
dor? 
- Há a intenção de abordar o tema 
do maniqueísmo definindo traços 
do bem e do mal nas personagens 
das criadas e da madame? 
- Mostrar o pênis é entrar na 
inƟmidade das pessoas? 
- Mostrar o pênis é sugerir a 
repressão masculina? 
- Vocês tem consciência da 
inquietude e do estranhamento 
que o espetáculo provoca no 
espectador? 
23
Espetáculos Perguntas 
O Circo dos Objetos (Mariza Basso 
Formas Animadas) 
24 
- Por que a opção deste Ɵpo de 
estéƟca? 
- Você teve outras experiências 
como “atriz” antes de fazer teatro 
de objetos? 
- O seu trabalho está engajado em 
uma políƟca de sustentabilidade? 
- Você já fez “A Falecida” de Nelson 
Rodrigues? 
- Quando eu era criança gostava 
de brincar de boneca, agora eu 
posso trabalhar fazendo isso? 
A História é uma Istória. (Grupo 
de teatro Bastet) 
- Por que vocês fazem teatro? 
- Vocês estudaram História para 
montar o espetáculo? 
- O texto é fiel à literatura? 
- Como é atuar com um texto em 
forma de narraƟva? 
- Como transformar a barbárie em 
comicidade sem banalizar? 
- O que tem da história de cada 
um de vocês na construção do 
espetáculo? 
- Como vocês veem a políƟca dos 
editais?
25 
Espetáculos Perguntas 
Iara, o encanto das águas (Cia 
Luminato) 
- É possível dizer que os recursos 
deste Ɵpo de teatro se aproximam 
do cinema? 
- Como e quando os bonecos 
tomam vida? 
- O que eu vi é “igual” ao que eu 
vejo no cinema, mas por que é 
“diferente”? 
- Onde vocês estudaram essa 
técnica? 
- Quando vocês aparecem na cena 
há a intenção de estabelecer um 
jogo entre realidade e sonho? 
- Vocês sabem a tradução das 
canções indígenas? 
Os debates mobilizam uma parte do público do espetáculo, e 
nossa hipótese é de que essas são pessoas “interessadas” em discuƟr 
o teatro. Esta hipótese é possível por conta de um número significaƟvo 
de pessoas que parƟcipam do debate, a quanƟdade e a qualidade das 
perguntas e, também, pelo fato do público se posicionar em relação 
ao espetáculo, apresentando juízos sobre que consideram “excessivo”, 
“frágil” ou “belo” e “bonito”. O público é formado por crianças, 
adolescentes, adultos, das mais diversas condições sociais: arƟstas, 
professores e estudantes universitários, estudantes e professores da 
Escola de Teatro, vendedor ambulante e outros. 
É ainda interessante, em relação ao discurso que transita nas 
perguntas, uma “tonalidade imperaƟva” na fala do público. Opera-se 
uma possível aproximação entre a autoridade de saber do arƟsta e 
o saber do público. O debate permite uma subversão na qual o ator 
poderia, enquanto autor, “estar ausente”, seguindo as “evocações” 
foucaulƟanas, nesse espaço “deixado vago pela desaparição do autor,
seguir atentamente a reparƟção das lacunas e das falhas e espreitar os 
locais, as funções livres que essa desaparição faz aparecer” (Foucault, 
p. 271, 2009). Dessa forma, é possível falar ou indagar sobre um pênis 
que sobra ou ver por trás da manipuladora de bonecos “A Falecida” de 
Nelson Rodrigues, ou, ainda, o anímico jogo cinematográfico do Teatro 
de Sombras. 
26 
Nesta “ausência do autor” é possível ao ator falar de si, revelar sua 
infame epopeia ao reconhecimento arơsƟco: o episódio de desamparo 
do ator frente à morte da mãe, que se entrelaça ao cenário de ruínas 
em caixas de papelão, como se o silêncio de sua dor compusesse 
um relicário da história; ou a generosidade dos atores, no teatro de 
sombras, que exibem a arquitetura de onde provém as sombras, mas 
que dialogam apontando para o interior do público como o lugar onde 
suas histórias tomam vida; ou do relato aberto sobre os laboratórios 
de se fazer mulher/criada/madame, em trânsito entre glamour e lixo, a 
exercícios marciais de bravos e viris soldados. 
Interessa neste encontro, neste trânsito, em que se esbarram atores 
e público: o que pode nos levar a uma concepção de teatro que sobreviva 
a sua própria indagação e que coloque em questão a própria realidade, 
a ficção, o autor e a própria arte? No entanto, nesse jogo em que se 
colocam atores e público (cada qual com suas histórias, suas misérias e 
suas dores, suas perguntas acerca do real e do ficơcio) há a criação de 
um espaço de fuga, desapercebido ao “olhar branco do poder”. 
3- Considerações finais: 
As discussões sobre os debates pós-espetáculos nos remetem 
aos espaços heterotópicos do teatro, aos quais, segundo Foucault 
(2013, p.24), justapõem em um lugar real, vários espaços, que seriam 
ou deveriam ser incompaơveis. Um lugar onde seja possível um “outro” 
encontro do público com os atores. Um encontro em que o público 
evoca o ator despido do personagem, não mais uma apropriação ou 
uma projeção de um autor, não mais preso a uma rede discursiva da 
representação. Por outro lado, conta com um público não mais ausente, 
com uma inquietude e liberdade, capaz de indagar sobre o real, o ficơcio 
e o próprio teatro.
A experiência dos debates pós-espetáculos remete a uma reflexão 
sobre o que consƟtui o teatro e suas possibilidades transgressoras, 
aquelas que permitem o aparecimento de diferentes vozes, fazendo-se 
ouvir. Por isso mesmo, aberto a novas possibilidades criaƟvas, não 
necessariamente presas ao complexo mecanismo de sujeição do autor, 
ou a outras instâncias e mecanismos do poder. Dessa forma, afirmando 
o princípio éƟco deflagrado por BeckeƩ: “Que importa quem fala?” 
FOUCAULT, M. (2003) A vida dos homens infames. In: ______. Estratégia, 
poder-saber. Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 
p.203-222. 
_____ . (2009) O que é um Autor? In. EstéƟca: literatura e pintura, música 
e cinema. Ditos e escritos III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 
264-298. 
_____ . (2013). O corpo utópico, as Heterotopias. São Paulo: n-1 Edições. 
LAROSSA, Jorge. (2004) A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se 
no pensamento, na escrita e na vida. In. Educação e Realidade. Porto 
Alegre: UFRGS. v. 29, n.l, jan/jun 2004, p.27-43. 
MACHADO, Roberto. (2000) Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de 
Janeiro: Zahar. 
27
28 
Foram 23 pessoas presentes no sábado de manhã. A seguir, três dos 
registros, oriundos da discussão dos parƟcipantes, a parƟr dos seis 
temas elencados com a metodologia do “Open Space”, mediada 
por Maria Tendlu CeccaƩo. Entre as regras estabelecidas para os 
subgrupos: os pés estão onde querem estar (ou seja, é possível 
mudar de subgrupo no decorrer do trabalho) ou - está presente 
quem deve estar, dito de outra forma, não importando o número 
de pessoas na roda.
Discussão do tema: “Formação de Espectador no espaço escolar 
formal - É necessário formar o espectador?”, a parƟr da técnica de 
Open Space no I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro e XIX 
Fórum de Diálogos de Educadores de Teatro, na Universidade Federal de 
Uberlândia - 29 à 31/agosto/2014. 
Por Michele Soares 
Debatedores: Adriana Moreira Silva, Gabriela Neves Guimarães, Gleuter 
Alves Guimarães e Michele Soares 
Começamos quesƟonando a própria ideia de ‘formação do 
espectador’, pelo senƟdo negaƟvo do termo, como se coubesse ao 
professor a formação do aluno-espectador, no tocante ao modo de 
pensar, ver, senƟr e ler a obra de arte. Por outro lado, considerando a 
terminologia apenas como uma nomenclatura a ser re-lida, discuƟmos 
então, o que seria para nós a formação do espectador no espaço escolar 
formal. 
A parƟr da pedagogia do espectador - tema no qual se insere 
um crescente número de produções e discussões, especialmente com 
as obras de Flávio Desgranges - compreendemos esta formação como 
um ato conơnuo. Especialmente, quando sabemos que a maioria dos 
alunos têm pouca ou nenhuma vivência teatral como espectadores. 
Como falar de teatro e até mesmo propor reflexões e práƟcas de uma 
área de conhecimento subjeƟva e distante da realidade dos alunos? 
Neste aspecto é importante considerar que os alunos, mesmo sem ver 
teatro, trazem outras referências estéƟcas e imagéƟcas, inclusive para 
além da teledramaturgia, já que estão conectados ao mundo virtual e 
nele apreciando videoclipes, filmes, HQs, desenhos, publicidades, entre 
outros. 
Considerando este contexto, qual a importância da vivência 
com o teatro para esse aluno? Entre tantas possíveis respostas, uma 
se destacou em nosso diálogo: que seja a de ampliar os olhares, as 
percepções e referências do sujeito, para que, inclusive, ele leia suas 
próprias referências com novos olhares. Assim, para o processo de 
construção da subjeƟvidade ( papel da arte), destacamos a relevância 
de experimentar propostas da arte contemporânea, como nas linhas 
29
do teatro pós-dramáƟco, que rompe com estruturas convencionais da 
teatralidade : a exploração de corporalidades e ações extra-coƟdianas; 
as ocupações alteradas dos espaços comuns; o uso de tecnologias; o 
abandono da dramaturgia linear e do personagem-psicológico-realista-dramá 
30 
Ɵco em privilégio do performer-atuador-depoente (que se 
consƟtui nos cruzamentos entre ficção e biografia); o teatro que permite 
tomadas de posicionamentos pessoais e políƟcos, e a expressão dos 
mesmos se lançando numa condição autoral; procedimentos híbridos, 
acionando diversas linguagens arơsƟcas (diferente da polivalência), 
entre outros, que favorecem a compreensão da arte, da cena, do arƟsta 
e da obra para além dos cânones arơsƟcos e do senso comum. 
Experimentar, e então, compor a diferença entre formação de 
espectador e formação de público, em ato conơnuo, tornando o espaço 
da escola contaminado por ações formaƟvas da linguagem / práƟca 
teatral. De modo a subverter o caráter anƟ-estéƟco das escolas, como 
chama a atenção a professora Carmela Côrrea Soares, para que esse 
espaço de formação seja também lugar de experimentação, criação, 
contestação, descobertas, vivências do intelecto, do afeto, do subjeƟvo. 
Desconstruindo as barreiras impostas, inclusive para os temas 
tabus perpetuados na Escola, entendemos que o teatro se torna o ‘respiro’ 
no espaço escolar, o momento de flexibilização do corpo, das ideias e das 
relações, de expansão do olhar para o seu mundo naquele território e para 
além dele. A parƟr do comparƟlhamento de casos vivenciados por nós - 
debatedores do grupo de discussão do open space, nas diferentes escolas 
em que atuamos, pontuamos ao final, que a formação de espectador está 
ligada a proposta de experiências com os alunos que componham novos 
olhares sobre ele e suas relações, bem como trará novas questões para o 
docente-arƟsta. Sem fechar ou estabelecer conclusões, encerramos com 
a clareza da amplitude do tema, e sua importância para as discussões a 
respeito do Teatro na Escola
REGISTRO DE DISCUSSÃO - realizado no processo de Open Space, com 
o tema: Ensino teatral para crianças de 0 a 5 anos 
Por Mayron Engel Rosa Santos 
Debatedores - André Rodovalho, John, Suzi, Neibe, Marcelo, Luis 
Manuel, Maria de Maria, Marcio e Eduardo. 
Tópicos elencados e discuƟdos 
• Especialista ou generalista; Qual a concepção de infância; 
Vínculos afeƟvos com apenas um professor (psicologia do Eu) ou 
mudança de paradigma, possibilitando os especialistas, na educação 
infanƟl. 
• Ateliê de arte como opção metodológica para o desenvolvimento 
do teatro. 
• Professor/ArƟsta: Que possibilita as discussões do seu fazer 
arơsƟco com os de seus alunos, permiƟndo ser afetado pelo processo. 
• Guerrilha do espaço; 
• Conquistas: Relato de experiências que deram certo 
31
Registro Open Space – Grupo Teatro, sexualidade e gênero na Escola. 
32 
Por André Rodovalho 
Transgênero – diferenças. Gênero diferente de Sexualidade. 
Na escola, tocar nos assuntos de gênero e sexualidade seria uma invasão 
com possíveis alunos gays e trans? 
Crianças Trans – Rejeição dos pais. 
Filmes: Minha vida em cor de rosa e Tom Boy. 
Brincadeiras na escola: 
Azul dos meninos 
Rosa das meninas 
Fila de meninos e fila de meninas. 
As crianças levam para a escola muitos preconceitos insƟtuídos pelos 
pais em casa. 
Influência dos pais. Influência religiosa nas aulas, nos passeios e 
fesƟvidades da escola. 
O professor homem – Professor de Artes. - John. 
Suspeita de pedofilia, “dar colo”. 
Marcio – “A criança se sente protegida pela bunda – 0 a 3 anos.” 
Libertação do corpo. 
- Teatro na escola – esƟmula a voz, corpo e relação. 
- A escola: Crianças sentadas, caladas e com os ouvidos abertos. 
- Estrutura Escolar e Teatro – salas, mesas, cadeiras – salas próprias. 
Avaliação em sala. 
Márcio: “O problema da escola está no corpo.” – citação de Guacira 
Lopes 
Professor Homem 
- Banheiros na escola 
- Roupas que se usa. 
- Relacionamentos com Mulheres ou Homens? 
- Sexualidade – “Professor, você é gay?” 
O Professor gay precisa se assumir? 
O professor é um referencial para os alunos. 
“Professor, você é gay?” – Por que a pergunta? 
- Luis Manuel – Já existe um progresso em relação a décadas passadas. 
Já não tem problema ser gay na escola? 
Mídia – Visibilidade gay na contemporaneidade.
As pessoas estão virando gays ou há mais abertura para ser quem são? 
Marcelo – Sexualidade – Lei Maria da Penha. 
Após a lei, as meninas se tornaram mais violentas na escola, batendo 
nos meninos. 
7º Ano – Sexualidade na matéria de Ciências. 
John – Adolescentes de 13 e 14 anos fazendo sexo. Precoce. 
Márcio – Será precoce? Descoberta? Curiosidade? 
Aula de Sexualidade 
SÁBADO 30 DE AGOSTO - TARDE 
A seguir registros das duas oficinas ocorridas simultaneamente. 
DRAMATURGIAS DO ESPAÇO E A CRIANÇA PERFORMER: DIÁRIO DE 
33 
BORDO DA OFICINA DE MARINA MARCONDES MACHADO 
Ricardo Augusto Santos de Oliveira – Mestrando em Teatro na Pós 
Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista do 
Projeto ParƟlhas / FAPEMIG ricktchen@gmail.com 
Cheguei mais cedo com Marina para apresentar a escola. Mostrei a área 
externa (cozinha, quiosque, parque, páƟo) e todas as salas que ơnhamos 
disponíveis. Nossa parada foi 
feita no páƟo, e criamos um 
espaço de palco e plateia. Um 
pequeno palco foi colocado 
com o material que ela 
uƟlizaria para as provocações 
da tarde. E os parƟcipantes 
ficaram sentados em cadeiras 
enfileiras. 
O espaço foi reorganizado 
o tempo todo durante a oficina. Primeiro, o anúncio de que jogaríamos 
com as cadeiras foi feito muitas vezes durante a fala. Acho que era 
para irmos nos acostumando e relaxando com a ideia. Ela falou sobre a 
história de sua vida e falou das crianças, ou algo assim. No meio disso, 
caminhamos com as cadeiras, fizemos filas, rodas, triângulos, estátuas.
34 
DRAMATURGIAS DO ESPAÇO. Estávamos em jogo, entendendo 
do que se tratava. A maneira como o espaço está organizado diz por si 
e a exploração dele pode ser uma das formas de brincarmos de teatro 
com as crianças. O espaço pode potencializar ou podar. 
As perguntas sobre escola também se relacionavam ao espaço 
da escola - “Fale sobre escolas assim”, “gostaria de ouvir você falar 
sobre escolas assado”. A resposta foi clara. Não existem escolas assim 
ou assado, existe A Escola. Cada uma se organiza da sua forma. 
CRIANÇA PERFORMER. “A criança pequena espera ou só vive 
o mundo?” – essa foi uma questão que norteou uma pesquisa de 
Marina. Observar crianças em situação de espera. Contou “causos”, 
para os professores de Uberlândia, instantes que observou e que foram 
registrados em Diários de Bordo. Como o “causo” da menina do ponto 
de ônibus que brincava com um cordão, transformando o objeto em 
muitas coisas, enquanto a mãe esperava o ônibus. A criança vivia o 
mundo enquanto a mãe esperava. 
Fenomenologia. A árvore de um caule e quatro galhos. 
Mundialidade no caule, e os galhos são feitos de LinguisƟcidade, 
Corporalidade, Temporalidade, Outridade. Como nos relacionamos com 
as crianças a parƟr disso? Como observarmos a criança se relacionar 
com o mundo a parƟr disso? É isso? 
Falamos ainda sobre três palavras chaves para a noção de infância 
de Merleau Ponty: Polimorfismo, onirismo e não-representacionalidade. 
A capacidade da criança para invenção, a capacidade da criança de 
poeƟzar o mundo, a capacidade da criança de ser ela mesma e viver. 
E qual o objeƟvo disso tudo? Deixar brincar, ser você mesmo, 
ser feliz. Fizemos uma improvisação, dentro de um ônibus – organizado 
com as cadeiras – enquanto ela narrava uma história: roubo, sonho, 
outro planeta, ônibus novamente, depois de acordar. Sermos, vivermos, 
brincarmos. Não era para fingirmos ser criança. Éramos nós, adultos, 
brincando. 
Perguntei ainda sobre o Diário de Bordo: “É sempre composto 
por textos ou também podemos ter recortes, fotografias, vídeos, e outros 
registros?” A predominância da palavra é importante neste Ɵpo de registro, 
pois permite observar, descrever, narrar e analisar. Essa foi a resposta.
Então eis aqui o meu diário de bordo deste encontro. Uma 
análise superficial. Um entendimento parcial. Um dos vários escritos a 
que dei o nome de diário de bordo, sobre os encontros com Marina no I 
Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro, do Projeto ParƟlhas. 
E só para terminar. Marina disse várias vezes que não quer ser 
guru de ninguém. E não é. Publicou em seu site agachamento.com, 
antes de vir a Uberlândia, um texto. Abaixo um trecho dele: 
Vou falar em Uberlândia: grande tema, a imaginação 
Percebo, desde um convite anterior, um gosto, por assim 
dizer, que os estudantes da UFU possuem pela noção de 
“criança performer”. Meu nome foi mencionado e escolhido 
novamente pela leitura que fazem do texto “A criança é 
performer”. 
No entanto, tenho o plano de chamar a atenção dos 
parƟcipantes para outros dois trabalhos, que considero 
complementares – e poderia até mesmo nomeá-los “uma 
trilogia”: “Fenomenologia e Infância / o direito da criança a 
ser o que ela é” e “A imaginação infanƟl como um trabalho-em- 
processo”. Os três textos revelam um pensamento 
centrado na fenomenologia, que não é uma teoria – é um 
método filosófico, e portanto um modo de pensar, uma 
aƟtude, um jeito de ser e estar: conversa com as noções de 
presença e escuta sensível ao outro. 
Pois bem, Professora Marina, funcionou. Vou ler os outros 
textos para outras conversas que teremos em Uberlândia. Até porque 
Marina fala sobre performance performando, entende? Ela mistura 
histórias inventadas com memória pessoal, seriedade e brincadeira, 
num hibridismo sem fim... e no meio de tudo isso ela vai contando, 
cutucando, alfinetando, provocando, contando sobre suas pesquisas. 
Literalmente, a tentaƟva é te Ɵrar do lugar, mexer. 
A sensação é de um redemoinho em estrada de terra. Um vento 
que não para de colocar areia nos olhos. Marina não vem clarear nada. 
Vem confundir, fazer refleƟr. As provocações foram deixadas. Algumas 
atrás da minha orelha. Obrigado! 
35
DESVELAR O PROCESSO SINGULAR DO DEVIR - ExpectaƟva pelo 1º 
Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro como mestranda, 
ainda mais pela oficina de Carminda. 
36 
Por Isabel CrisƟna Alves Pimenta Braga – e-mail 
isabel.c.pimenta@gmail.com 
Ao acaso veio cair em 
minhas mãos a leitura? 
A experiência? A poesia? 
Após comprar 
vários livros no início 
deste ano, solicitei um 
brinde. Ofereceram-me 
uma obra de produção 
de texto. Reclamei. 
Então trocaram pela 
obra Arte e cultura III. 
Folheei, reconheci o enfoque da obra, dado à música, e guardei. 
À procura por contextualização teórica, voltei, vasculhei, 
descobri o teatro, e encontrei Dra. Carminda Mendes André... Agora 
me via ali, ao lado dela, minha primeira referência teórica de teatro, na 
oficina intervenção urbana do Mapaxilográfico. Tendo agora o privilégio 
da dupla emoção: a autora e o contexto. Neste movimento, foi senƟda a 
apreciação pelo conhecimento, por conexões entre a leitura, experiência 
e poesia. 
Ao tentar compreender o senƟdo da intervenção, reunidos em 
meio a uma família de foliões do bairro Patrimônio, em Uberlândia, 
somos envolvidos por narrações, diante de arƟstas. A experiência é o 
que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. (BONDÍA, 2002). 
Encontrei sujeitos à deriva da sociedade, que não aparecem, mas ao 
nos aproximarmos reconhecemos pontos comuns. Sujeitos que se 
constroem na simplicidade de seu percurso e se revelam em riqueza 
própria.
Por meio das linguagens o sujeito se aproxima ou se distancia 
do mundo, formando assim várias imagens de realidade. E todas 
elas juntas consƟtuem a cultura e, portanto, nosso conhecimento 
sobre o real. (ANDRÉ, 2004. p.103). A forma como se apresentam, a 
trajetória da formação do grupo e como se consƟtuíram, bem como as 
histórias ali contadas com uma linguagem bem peculiar, produzem um 
conhecimento possível, a compreensão na comunicação estabelecida, 
mediada e percebida pela imagem da realidade, presente em forma de 
arte. 
A poéƟca narraƟva nos apresenta à diversidade, nos provoca e 
nos leva a inferir questões relacionadas às relações de poder. Para André, 
o estado de consciência, interfere na maneira de comunicar do poeta-sujeito. 
O encontro essencial da intervenção, entre nós espectadores 
e a comunicação de um ator, Bolim, transforma as relações humanas 
de comunicação pela presença, consequentemente, presença teatral. 
Revela o outro corpo no meu corpo, em devir aƟvo. 
O movimento do acaso nos conduz a um devir do coƟdiano. Para 
FuganƟ é impossível estar fora do devir, pois o devir não é um acidente 
na existência, e sim ele é a própria essência, sem a qual não haveria a 
existência, muito menos a auto – sustentabilidade. O devir se consƟtui 
da experiência vivida. Percebo a intervenção urbana como jogo, que 
nas origens ritualísƟcas do coleƟvo, é algo que comunica. O jogo na 
qualidade de atuação se disƟngue em sua representação de mundo. 
Nessa experiência, vejo um processo de produção de conhecimento que 
emerge de conexões, nas relações humanas - construir na parƟcipação, 
a poéƟca da comunicação. 
REFERÊNCIAS: 
BONDÍA, Larrosa Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. 
37 
Revista Brasileira da Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2002.19.
38 
Relato da 
Experiência com Intervenções urbanas na cidade de Uberlândia 
Por Carminda Mendes André 
A oficina de intervenção urbana, dentro 
do “ParƟlhas”, configurou-se para Carminda, 
Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios, mais uma 
oportunidade de apresentar suas pesquisas 
arơsƟcas e educaƟvas, a interessados em arte-educação. 
Nelas, seus propositores buscaram 
aproximar a universidade (representada pelos 
parƟcipantes da oficina) e comunidades 
visitadas. 
O trabalho é feito a parƟr do 
entendimento da intervenção urbana como 
um modo de arte capaz de funcionar como procedimento arte-educaƟvo. 
Essa ação foi realizada em cinco dias. 
O primeiro dia aconteceu em São Paulo, na casa de um dos 
integrantes, para que o grupo dos pesquisadores arƟstas pudesse levantar 
informações sobre a cidade de Uberlândia, sua história, problemas. 
O foco de atenção volta-se para assuntar grupos de resistência para, 
finalmente, escolher o bairro para a realização da intervenção urbana. 
Patrimônio mostrou-se um bairro interessante porque: parecia ser 
ali onde teria nascido a cidade, um bairro com uma comunidade de 
negros e com muitas manifestações culturais, mas também um bairro 
que sofreu um brutal processo de transformação com o crescimento da 
cidade, expulsando a maioria dos anƟgos moradores para zonas mais 
distantes, esfacelando a comunidade. Mas, ao que tudo indicava, havia 
ali alguns integrantes importantes do anƟgo Patrimônio, e era com eles 
que desejou-se conversar em Uberlândia. Com o apoio e incenƟvo de 
Vilma Campos - uma das coordenadoras do Projeto ParƟlhas - naquela 
ocasião fizemos a escolha do bairro, seguimos para o aeroporto. 
No segundo dia, já em Minas Gerais, junto com Gabriela Neves 
Guimarães (Gabi) - única moradora de Uberlândia entre nós - fizeram o 
procedimento da deriva.
Deste passeio afeƟvo encontramos a primeira paragem: o Buteco 
do Sr. António. Depois de alguma prosa sobre o bairro, e de o genƟl 
homem apresentar sua família por meio de fotos, soube-se da existência 
da Folia de Reis que acontecia por ali. Então, Sr Antonio indica que se 
vá até a casa do Sr. João Rodrigues (Bolinho) e Enersino João da Cruz 
(Nersinho) pois com eles seria possível obter mais informações sobre o 
Bairro. Assim foi feito. A segunda paragem foi a visita ao Sr Enersino e 
Dona Eunice, foliões e responsáveis pela Folia de Reis Pena Branca, a mais 
anƟga do bairro. Depois de alguma prosa e historias sobre a família, sua 
relação com a Folia e com o bairro, o casal nos indica a casa do Sr. João 
Rodrigues (Bolinho), por ser nascido no bairro e grande conhecedor de 
histórias do lugar. Já ai armamos um retorno com os estudantes, depois 
de dois dias, para que o casal pudesse contar sobre o bairro e a Folia. Na 
casa de Sr João Rodrigues (Bolinho), encontramos apenas Dona Maria 
Aparecida (Cida), que nos recebe como se há muito já nos conhecesse, 
nos convidando a entrar, a prosear e a tomar aquele cafezinho gostoso 
que só as mineiras sabem fazer. À noite, já avisado, Sr João Rodrigues 
(Bolinho) aceitou parƟcipar do encontro na casa do Sr Enersino. Pronto. 
As condições para a intervenção urbana já estavam armadas. 
No terceiro dia, acontece a única “aula” em que os pesquisadores 
paulistas apresentam algumas intervenções urbanas para iniciar um 
pequeno debate sobre arte urbana, e logo partem para mostrar modos 
de uso dessa arte atrelada a processos educacionais não formais, 
realizados pelo Mapa Xilográfico (coleƟvo arơsƟco no qual se integram 
Diogo Rios e Milene ValenƟr Ugliara). Apresentou-se a pesquisa sobre 
o bairro Patrimônio para os parƟcipantes da oficina (professores e 
estudantes da UFU e de outros Estado) e logo parƟu-se para pensar 
modos de realização do encontro na casa do Sr Enersino. 
No quarto dia, conforme o combinado, uma mesa foi improvisada 
no quintal do casal. Ali oferecemos comidas e bebidas para todos. 
Duas câmeras foram instaladas, um palco foi improvisado e a ação dos 
universitários foi deixar-se em estado de escuta conforme os visitados 
iam chegando e se animando a nos contar histórias de vida, do bairro, 
da Folia, do Carnaval. 
39
40 
No quinto dia comparƟlhamos sensações e perguntas sobre o 
ocorrido com todos do Projeto. 
Como surgiu esse modelo de ação arte-educaƟva? 
Em 2011, o ColeƟvo Mapa Xilográfico1 ministra oficina de 
intervenção em conjunto com a docente Carminda Mendes André em 
disciplina de Teatro e Educação no curso de Licenciatura em Arte – Teatro 
do InsƟtuto de Arte da UNESP, resultando na intervenção inƟtulada 
BANANA POR SAMBA. Dentre outros resultados, essa intervenção urbana 
realizada pelo bairro da Barra Funda, escava a história da comunidade 
de cultura negra que vivia nesse lugar que, por muitos pesquisadores, 
é considerado o berço do samba paulista. No entanto, pela força do 
capital imobiliário em conjunto com o poder público, um plano de 
“revitalização urbana” suscita várias ações de valorização imobiliária no 
bairro, expulsando e dispersando seus anƟgos moradores. 
Importante para o aprofundamento da pesquisa do grupo, 
foi trabalho realizado pelo Mapa Xilográfico que deu origem ao 
documentário (À) DERIVA. Metrópole São Paulo e a própria tese de 
mestrado de Milene ValenƟr Ugliara MapaXilográfico: errâncias na 
metrópole (2013). 
Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios integram o grupo de pesquisa 
PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS (Cnpq), coordenado por Carminda 
Mendes André, no InsƟtuto de Artes da UNESP. Em anos anteriores, as 
aƟvidades de estudo desse grupo (com outros integrantes) consisƟu 
em leituras de textos de autores que tratam da pedagogia libertária, 
principalmente os estudos do professor Dr. Silvio Gallo. Outro tema 
de estudo esteve às voltas do conceito de “experiência” aproximado à 
educação e foi nos rastros da pesquisa da professora Dra. Luiza Christov 
que o grupo aproximou-se das concepções de educação escolar de John 
Dewey, Michel de Montaigne e Jorge Larrosa Bondía. Também estuda-se 
o método de estudos de campo da antropóloga Jeanne Favret-Saada, 
Ranciere. O objeto de estudo, naquela ocasião, era a formulação do 
conceito de “experiência” e seus possíveis desdobramentos práƟcos em 
processos arte-educaƟvos. 
¹Ver em: hƩp://mapaxilografico.blogspot.com.br/p/blog-page.html Acesso em 
20/09/2014.
No campo do estudo das artes, o grupo aproximou-se das 
reflexões de arte contemporânea do professor Celso F. FavareƩo, 
principalmente no que tange às tensões entre arte e vida. O objeto 
desse estudo era a reflexão sobre éƟca e estéƟca. 
No campo do estudo da práƟca arơsƟca, o grupo aprofunda-se na 
modalidade da intervenção urbana, fora da história das formas, uma 
arte que não se caracteriza como categoria estéƟca, mas, sim, como 
procedimento arte-educaƟvo. 
Desmembramentos dos estudos. 
Depois da intervenção urbana BANANA POR SAMBA, outra 
práƟca importante para os três arte-educadores, aconteceu em 2013, 
na cidade de Palmas no Estado de TocanƟns, quando realizaram oficina 
de intervenção urbana na Universidade Federal de TocanƟns. Ali, 
trabalharam com uma comunidade ribeirinha deslocada e desarƟculada 
de seu território por causa da construção de uma barragem. Tal ação 
foi realizada juntamente com estudantes e professores do curso de 
Licenciatura em Filosofia e Teatro, da Universidade Federal do TocanƟns. 
No povoado chamado Canela aconteciam as Festas de Junho e Dezembro 
ligadas às datas religiosas cristãs. Com a mudança da comunidade, 
dispersos por bairros periféricos de Palmas, os foliões vivem dificuldades 
para manter a festa. A ação poéƟca ali foi comparƟlhar histórias e modos 
de resistência para o grupo manter suas tradições. 
Em Uberlândia ouviu-se histórias semelhantes ao ocorrido no 
bairro da Barra Funda. Em Minas, a comunidade anƟga do bairro do 
Patrimônio vem sendo expulsa e dispersada pelo mesmo processo 
do capital. A políƟca aliada à empreiteiras e incorporadoras agem da 
mesma maneira desrespeitosa e perversa. O que nos faz pensar que a 
democracia brasileira só será alcançada, de fato, quando uma reforma 
políƟca desmoralizar tais práƟcas de trocas, redirecionando a políƟca 
para as necessidades da sociedade em si, e não do capital. 
A oficina realizada em Uberlândia, no mês de agosto de 2014, 
dento do Projeto ParƟlhas, parƟcipa do desmembramento da pesquisa dos 
três arƟstas educadores, que nessa proposta buscaram a experiência da 
intervenção urbana como mediadora, entre a comunidade universitária 
e grupos culturais que sofrem brutais processos de apagamento. A 
41
ação arte-educaƟva funciona, nesse processo, como propositora de 
laços afeƟvos e arơsƟcos entre universidade e comunidades visitadas. 
O reconhecimento da arte e dos modos de vida desses sujeitos, como 
campo de aprendizagem, tem sido um dos desafios das intervenções 
urbanas elaboradas pelos propositores. 
42 
De todas as leituras feitas, teses defendidas, publicações 
organizadas no campo do discurso críƟco à educação universitária 
insƟtucional brasileira, certa necessidade se fez unânime: a de buscar 
outros atalhos para pensar a função da arte na formação do professor 
de teatro. Para isso, os três oficineiros vêm perguntado a todos os 
parƟcipantes: que escola queremos? Ou, a escola é necessária? Para 
responder, deparam-se com outras questões: Que Brasil queremos? 
Que sociedade queremos? Que vida queremos para nós e nossos 
descendentes? Nesse momento, o grupo de pesquisadores envereda-se 
na busca por caminhos não trilhados, refleƟr a parƟr de epistemologias 
não conhecidas. 
Foi no caminho da corrente pós-colonialista que os arte 
educadores encontram ressonância teórica à práƟca da intervenção 
urbana tal como aqui a executa. Insistem, no campo da formação 
do professor de artes, no fazer aproximado aos processos de criação 
encostados às artes contemporâneas, principalmente a performance e a 
intervenção urbana, quando aproximadas às abordagens antropológicas. 
O processo arte-educaƟvo desenvolvido é o uso da intervenção urbana 
como táƟca pedagógica, capaz de tornar visível modos de vida silenciados, 
e que engendram, por sua vez, outras funções para a arte. Para usar o 
conceito do professor português Boaventura de Sousa Santos, os arƟstas 
pesquisadores buscam epistemologias do sul, epistemologias que levem 
seus observadores a outros modos de pensar e fazer a relação entre 
arte, educação e vida. 
Dois conceitos: 
Intervenção Urbana por Carminda Mendes André 
Intervenção Urbana pode ser compreendia com expressão 
arơsƟca que dialoga com os modos de vida nas grandes cidades da 
contemporaneidade; mas pode ser compreendia também como ação 
políƟca na forma aƟvista. Pode ser compreendida como a expressão
de subjeƟvidades que resistem à insƟtucionalização da guerra como 
modo de vida. Pode ser expressão de quem se nega a combater para 
não perpetuar a relação guerreira insƟtuída e naturalizada. É uma ação 
pacifista. Nessa perspecƟva, as Intervenções Urbanas parecem mostrar 
uma civilização em que os indivíduos vivem uns contra os outros, que 
não há sujeito neutro, civilização em que uns são sempre adversários de 
outros. Para tais aƟvistas, esse parece ser o signo que rege a concorrência, 
a dialéƟca, a luta de classes. Tudo está em luta para manter a guerra. 
O mercado é a guerra. É essa uma percepção de mundo possível para 
arƟstas intervencionistas. 
No entanto, diferente da arte políƟca moderna, a arte 
intervencionista não trabalha para a “grande revolução”, mas uƟliza os 
instrumentos de poder como táƟca de ação. Ao usar a terminologia da 
guerra, entende-se a estratégia como a ação de quem domina o território 
em que se localiza a luta e a táƟca, como a ação de desapossados e de 
quem está em baixo, fraco, vigiado. Nesse senƟdo, a força do sujeitado 
está em sua astúcia mais do que em sua visão de totalidade. A táƟca 
é movimento dentro do campo de visão do inimigo e no espaço por 
ele controlado. Nessa perspecƟva, podemos dizer que a Intervenção 
Urbana é uma táƟca de guerrilha cultural. 
Como guerrilha, a arte intervencionista atua clandesƟnamente 
para provocar a desordem do que está insƟtuído, ordenado, naturalizado. 
Intervir não é somente aparecer em um lugar imprevisível, intervir 
é causar desordem; pretende-se realizar uma insurgência. Não se 
pretende tomar o poder e não se trata de conscienƟzar o transeunte ou 
o espectador ou a população de algo que eles não saibam. A Intervenção 
Urbana aproxima-se, nesse aspecto, do anarquismo pois se trata de uma 
ação independente. 
Em seus aspectos formais, a arte da Intervenção Urbana é 
consƟtuída por tudo e todos que estão nas ruas: Ɵpo de urbanismo, 
obras de arte públicas, ambulantes, moradores de rua. Temos dificuldade 
em querer catalogar essa arte dentro das classificações clássicas (artes 
visuais, teatro, música, dança). É arte que se consƟtui por elementos 
vindos de diferentes áreas do conhecimento. Não há, porém, pretensão 
de se produzir uma obra resultante da conjunção desses elementos. Sua 
43
estrutura é móvel, permeável e se movimenta conforme a aproximação 
e a contra-cena com o outro. Também os coleƟvos de arƟstas 
intervencionistas são consƟtuídos por atuantes de diferentes áreas do 
conhecimento: arƟstas, professores, estudantes, outros. 
44 
Por ser uma insurgência, a arte da Intervenção Urbana não pede 
autorização para sua presença – e, em sua genuína ação aƟvista, ela não 
é insƟtucionalizada – por isso, muitas vezes, é traduzida socialmente 
como vandalismo. A ação se faz em espaços vazios, espaços em que 
os olhos vigilantes não enxergam ainda. Nesse senƟdo, o arƟsta 
intervencionista é um caçador de fissuras nos esquemas de controle 
daqueles que dominam o lugar. Por isso, essa arte aparece em lugares 
não previstos para sua presença. 
A Intervenção Urbana não pretende esteƟzar o coƟdiano das 
cidades. Ao determinar as funções dos espaços públicos, o Estado tende 
a criminalizar outros usos. Esse fato é compreendido como um sequestro 
da autonomia da população para fazer uso de um espaço que se julga 
pertencer ao coleƟvo. A Intervenção Urbana potencializa a guerra entre 
Estado e população, não para tomar o poder, mas para problemaƟzar os 
regimes de verdades. 
No Brasil, esse Ɵpo de arte aparece na década de 1970 e os 
coleƟvos pioneiros citados entre os estudiosos são: 3nós3, Viajou sem 
passaporte e Manga Rosa. No entanto, é a parƟr dos anos de 1990 que 
os coleƟvos se mulƟplicam para exercitar essa expressão arơsƟca que 
reaparece, com força de protesto, nas ruas das grandes cidades. 
Deriva por Milene V. Ugliara 
Derivas são basicamente caminhadas fora de qualquer 
funcionalidade ou fim específico; deixar-se levar pelas solicitações do 
próprio lugar, permear o espaço. Através das derivas é possível cavar 
novas trilhas nos caminhos compactados da cidade; como diz Debord, 
está indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de efeitos de natureza 
psicogeográfica2 e à afirmação de um comportamento lúdico-construƟvo, 
² Psicogeografia, termo uƟlizado por Guy Debord, se refere ao estudo do meio 
geográfico, com ou sem planejamento, e como o mesmo interfere diretamente no 
comportamento afeƟvo dos indivíduos.
o que o torna absolutamente oposto às tradicionais noções de viagem e 
de passeio. (em JACQUES, 2003, pg 87). A deriva se apresenta como uma 
proposta de deslocamento, como um mecanismo para vivenciar uma 
“outra” temporalidade, um mergulho nos intersơcios do espaço urbano, 
diferentemente da viagem e do passeio que se aproximam somente de 
uma camada bastante superficial do lugar visitado. 
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45
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hƩp://escolanomade.org/pensadores-textos-e-videos/fuganƟ-luiz/ 
corpo-em-devir-palestra-transcrita. 
46
DE MARIA, Maria (QUIALHEIRO, Maria). O que carrega uma sacola 
de tesouros? Uberlândia: Trupe de Truões. Universidade Federal de 
Uberlândia; professora subsƟtuta. Atriz e gestora. 
RESUMO 
Escrevo para dizer o que não foi dito, com uma voz incessante, como 
quem busca palavras para não ter que se calar. Amaldiçoada pela 
herança de Xerazade, que mora em mim, “peço-lhe, por favor, que me 
deixe entrar para entreter-te mais uma úlƟma vez”, preciso atuar para 
que me seja permiƟdo viver, por mais esta noite. Abre-te sésamo! 2006 
inicia um novo ciclo, o de contar esta história. A minha história. Com 
um único objeto, a Trupe de Truões, grupo teatral uberlandense do 
qual faço parte, e que me ensina que é possível contar uma história de 
1001 maneiras. Um bando de “alunos” sai em disparada, rumo ao Sul, 
sem saber ao certo onde chegariam. Proponho, com esta comunicação, 
uma desmontagem do espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões, por meio 
da apresentação de fragmentos de cenas e o dissecar delas. Pretendo, 
ainda, realizar um diálogo sobre metodologias de pesquisas imbricadas 
na práƟca arơsƟca do arƟsta-docente. 2014 encerra este ciclo. Esta 
desmontagem surge da necessidade de revelar parte do processo de 
criação do grupo, concomitante ao meu processo arơsƟco e minha 
trajetória pessoal. 
PALAVRAS-CHAVE: desmontagem: processo criaƟvo: contação de 
histórias; Ali Babá e os 40 ladrões: arƟsta-docente. 
47 
DOMINGO 31 DE AGOSTO 
No domingo pela manhã houve o comparƟlhamento das 
experiências vivenciadas nas oficinas do sábado à tarde, e no 
domingo à tarde foram apresentadas três desmontagens e uma 
palestra que resultaram nos textos a seguir.
O que carrego em minha sacola de tesouro? 
48 
Foi uma noite inesquecível, durante três dias e três noites 
houve muita música, dança, queima de fogos e um banquete 
sem fim com as melhores iguarias do mundo, e durante 
muitos e muitos anos todos os habitantes daquele reino 
viveram em paz e prosperidade. Até que... (XERAZADE). 
Abre-te sésamo: O 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro 
Por que se fazer uma desmontagem cênica? O que gostaria de 
revelar? Para quem? Qual o objeƟvo de fazê-la? O que a desmontagem 
do espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões significaria para o meu grupo? 
Muitas questões pairavam e eu não sabia ao certo a razão de 
realizá-la. Por outro lado, era certo o desejo de fazê-la, de me colocar 
à prova, em risco, em uma proposta para que algo me acontecesse. Fui 
encorajada por amigos e parceiros da Arte para que a fizesse, o que me 
deixou ainda mais curiosa para a experiência. 
O 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, dentre 
as possibilidades de parƟcipação que ofereceu, abriu espaço para a 
realização de desmontagens. Vejo que há ainda pouca bibliografia 
acerca deste tema, todavia, na contracorrente desta escassez, o Curso 
de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia vem colaborando 
com as invesƟgações a respeito do assunto. Neste ano, publicou a 
revista Rascunhos, coordenada pela professora Dra. Mara Leal, junto 
a alunos da Pós-Graduação, cujo tema girou em torno da importância 
da desmontagem como procedimento arơsƟco-pedagógico. É, nesta 
perspecƟva, que o 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro 
também abraça as iniciaƟvas da Pós-Graduação em Artes, fortalecendo 
o campo para a realização e reflexão acerca de práƟcas arơsƟcas 
contemporâneas. 
Pelas referências dos ainda poucos autores que se dedicam a 
falar sobre o tema, percebo que há um ponto em comum na realização 
de desmontagens, e que talvez caracterize este modo de ‘dar-se a ver’ 
à cena, disposiƟvo ou provocação para a mesma: o fato de que não se 
sabe, ao certo, o que acontecerá em uma desmontagem. Ela se dá no
momento do ato em si e, posteriormente, espera-se tecer algum Ɵpo de 
reflexão sobre ela. Após tentar organizar uma desmontagem, percebo-a 
como um potente mecanismo pedagógico de atuação, pelas ações que 
o ato é capaz de revelar, talvez nem tanto para o outro, espectador, 
mas principalmente para quem a realiza, o ator. Santos (2014, p. 164), 
em arƟgo para a revista Rascunhos, e ancorado nos estudos de Ileana 
Diéguez (2009), conceitua Desmontagem Cênica: 
Este procedimento pode ocorrer de vários modos em 
contextos múlƟplos, com o objeƟvo de desvendar os 
processos de pesquisa e montagens de espetáculos, 
apresentando suas tessituras e percursos criaƟvos. Esta 
apresentação ocorre a parƟr da escolha que o arƟsta faz em 
mostrar ou ocultar os procedimentos criaƟvos surgidos no 
decorrer da criação de um espetáculo. 
Ao pensar sobre qual seria minha parƟcipação no 1º Seminário 
de Ensino-Aprendizagem em Teatro – se faria uma comunicação, se 
parƟciparia como ouvinte, ou ainda, se contribuiria para a discussão 
de um tema específico ligado ao meu lugar de arƟsta-docente (no 
open space) –, ocorreu-me, com certa força intuiƟva, realizar uma 
desmontagem do espetáculo infantojuvenil Ali Babá e os 40 Ladrões, 
concebido em processo colaboraƟvo pela Trupe de Truões, grupo do 
qual faço parte, cuja montagem comporia a grade de aƟvidades do 
presente evento. Parecia-me uma oportunidade perfeita, uma vez 
que os parƟcipantes poderiam assisƟr ao espetáculo e depois assisƟr 
à desmontagem, o que engendraria novas conversas, pontos de vistas, 
feedbacks e reflexões sobre o trabalho. 
Para nenhuma das perguntas que apresento, na introdução 
deste texto, Ɵnha resposta clara. Intuía, entretanto, que a realização 
desta desmontagem me moƟvaria a dar conƟnuidade ao meu processo 
de criação como atriz, e ampliaria os campos de conhecimento sobre 
o meu oİcio. Ileana Diéguez (2009, p. 10), uma das precursoras a 
dedicar-se sobre o tema “desmontagem”, aponta que este movimento 
de reinventar o teatro, principalmente na América LaƟna, tornou-se um 
potente mecanismo de reflexão sobre a cena. Nas palavras da autora: 
49
50 
Optar por comparƟr procesos de trabajo, y no lo sólo 
mostrar resultados, es emprender iƟnerarios arriesgados, 
en una dirección muy disƟnta al montaje o representación 
de un texto previo. Lo que se decide comparƟr o mostrar 
no es una técnica o regla de cómo hacer el trabajo de 
mesa para interpretar el texto o como reparƟr los papeles 
entre los actores y marcarles un trazo escénico. Quizás 
por ello estas experiencias contribuyen a extender el 
horizonte de estrategias poéƟcas, ponen a prueba los 
tradicionales cánones, abren puertas, oxigenan los marcos 
y, muy especialmente, proponen nuevos retos para quienes 
estudian y reflexionan em torno de la escena. 
Tendo compreendido a realização de uma desmontagem como 
um possível mecanismo pedagógico, senƟ-me pronta para desmontar 
Ali Babá e os 40 Ladrões. Antes, entretanto, foi preciso revirar memórias, 
fotografias, textos, anotações, sensações, figurinos anƟgos, tudo o que 
pudesse me auxiliar na busca deste novo desafio. 
Ali Babá e os 40 Ladrões: Montagem, (Re)montagem, (Des)montagem 
A história da montagem de Ali Babá e os 40 Ladrões abre e 
encerra um ciclo na trajetória da Trupe de Truões. Em 2006, dá origem 
à formação atual do grupo, e é marcada pela primeira conquista de um 
edital a nível nacional, o Prêmio Myriam Muniz de Teatro, em sua primeira 
edição. Eu, recém-graduada em Educação ArơsƟca com habilitação em 
Artes Cênicas pela Universidade Federal de Uberlândia, fui tomada pelo 
desejo efervescente de consolidar o grupo, de criar um repertório, de 
viajar pelo país. 
De lá pra cá, foram 5 versões deste texto, até chegar na que 
estreamos em junho de 2014. Neste ano, em que me encontro como 
docente do Curso de Teatro, na mesma Universidade onde me formei, a 
Trupe de Truões reestreia o espetáculo por meio de uma remontagem, 
fruto da mudança de olhar e entendimento do Teatro nesses 8 anos que 
nos atravessaram. 
Na remontagem de Ali Babá, ơnhamos a figura de Xerazade 
como mote, evidenciada pelo co-diretor desta versão, Getúlio Góis, 
também integrante da Trupe de Truões. Desde o início do processo,
Getúlio nos trouxe a importância da metáfora de Xerazade, na ação de 
contar histórias a cada dia para se manter viva. Ele dizia que era preciso 
“tomar para si o mito”, quesƟonava a nossa busca ali naquele momento. 
Qual era a nossa história? Por qual razão a contávamos? 
Desgranges (2004), em texto que reflete o lugar do teatro e da 
educação, traz à tona outra metáfora da fábula de Xerazade, interpretada 
por Sônia Kramer (1993), que analisa como a ação de narrar e ouvir 
histórias auxilia o rei Xeriar em sua compreensão críƟca. De acordo com 
Desgranges (2004, p. 9) 
Ouvir a contação das histórias consƟtuiu-se, neste senƟdo, 
em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à 
medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à 
própria existência; ao passo que interpretava as histórias 
narradas, revia criƟcamente aspectos de sua vida, tomando 
consciência da própria história, estando, assim, em condições 
de transformá-la. [...] A experiência arơsƟca se coloca, deste 
modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando: 
a revisão críƟca do passado; a modificação do presente; e a 
projeção de um novo futuro. 
Creio ser este modo de colocar a experiência arơsƟca - como 
ação reveladora da própria vida - o que mais me insƟga, uma vez que 
dialoga com as minhas razões para realizar a desmontagem de Ali Babá, 
sobre a qual contarei mais adiante. 
Em paralelo às questões e provocações que me atravessavam 
durante o processo, o grupo passava e ainda passa (acredito que seja 
uma constante em grupos teatrais de norte a sul do país) por crises 
éƟcas, estéƟcas, divergência de desejos arơsƟcos e principalmente 
sobrecarga İsica e psicológica, em decorrência de afazeres burocráƟcos 
e administraƟvos. Tais crises manifestaram-se em mim somaƟcamente, 
em dias próximos às apresentações de Ali Babá. Em princípio, essas 
reações me pareceram coincidência, depois, concluí que estavam 
inƟmamente ligadas a todo o processo de remontagem deste espetáculo, 
especificamente em relação ao que ele significava pra mim, e ao que 
representava realizá-lo naquele momento de minha vida. 
Em minha trajetória no grupo, tem se tornado cada vez mais 
presente e paradoxal a escolha por um caminho a seguir. De um lado, 
51
o desejo de ser atriz em um grupo de teatro situado no interior do 
estado, que, além de ser um lugar idealizado de autonomia criaƟva, 
requer dedicação coleƟva em tempo integral, a fim de entender 
e dar conta de uma sobrevivência diretamente ligada à cultura de 
mercado. De outro, a vida acadêmica, que me possibilita, com certo 
conforto, dar conƟnuidade às pesquisas de linguagens, invesƟgações e 
experimentações, no exercício da licenciatura, bem como parƟcipar de 
processos formadores que se dão em congressos, simpósios, colóquios, 
entre outros. Há diferenças e intersecções entre os caminhos e modos 
de saƟsfação díspares em cada um deles. Coabitar estes lugares, às 
vezes, me põe em xeque e gera conflitos. A busca pelo papel de arƟsta-docente 
52 
é um exercício permanente de “aperta e afrouxa”. 
(Des)montagem: O que carrego em minha sacola de tesouros? 
Em um primeiro momento, o objeƟvo era o de apresentar ao 
público uma demonstração técnica da metodologia de criação de Ali 
Babá, o que possivelmente revelaria o amadurecimento e a trajetória 
profissional da Trupe de Truões, no entanto, a desmontagem foi, além 
do caráter técnico, tocando em questões delicadas e significaƟvas pra 
mim, enquanto co-fundadora do grupo e atriz deste espetáculo por um 
período de 8 anos. 
A organização do material selecionado para a desmontagem 
passava pela recuperação não só de objetos, textos, imagens e gestos, 
mas de memórias e arquivos sinestésicos, o que, a parƟr de minhas 
lembranças e do exercício de descrevê-las, obrigou-me a reconfigurar a 
própria vida. 
Ademais, faltava-me um roteiro. Segui um ritual inspirado por 
Getúlio Góis (2014, p. 129) no texto “VESTÍGIOS CALLE: a caixa preta ou 
meu corpo é um hd”, escrito para a revista Rascunhos, cuja adaptação 
apresento a seguir.
Roteiro: (rascunho) 
1. Eu, à frente, fazer a coreografia inicial (primeira versão) e com o vídeo 
ao fundo (quarta versão). 
2. 12 bastões: jogo de pega varetas; marcação dos atores no chão (1ª 
cena, 1ª versão). 
3. Argila – o ritual; despejar a terra – Como o tempo opera na minha 
trajetória, na do grupo, na concepção da cena? 
4. Cenas com/sem bastão (evidenciar o desapego ao bastão). 
5. Objetos: figurino anƟgo e atual. 
Fotos: maquiagem anƟga e atual. 
6. Narração final: 2x; narrador-personagem x contador de histórias. 
O roteiro serviu-me de base para que me lançasse neste espaço-tempo 
chamado desmontagem. Quis evidenciar a diferença entre o Ali 
Babá anƟgo e o novo. A montagem atual trabalha com arƟİcios mais 
ritualísƟcos e, por isso mesmo, evoca nos atores a sensação de que 
estamos nos submetendo a algo em que acreditamos. A ação de maquiar 
o outro em cena, com argila, nos transporta para um lugar outro, bem 
diferente daquele de quando fazíamos uma maquiagem tradicional 
carregada. Quis trazer alguns destes elementos para a desmontagem, 
sem necessariamente repeƟ-los ou tornar o ato em demonstração 
técnica. Por exemplo: ao invés de passar a argila molhada no rosto, 
optei por despejar terra seca, como em uma ampulheta, para evidenciar 
o aspecto empoeirado do tempo e, com isso, percebi que criei novas 
metáforas. 
No momento da desmontagem, sozinha em cena, não sabia 
ao certo o que fazer ou qual era a ordem do meu roteiro pregado à 
parede, fui ora me perdendo, ora resgatando memórias, ora sendo 
atriz, ora me recordando de que era agora professora daquele Curso. 
53
Fui permiƟndo desmontar-me frente aos que ali estavam, mostrando 
minhas fragilidades, angúsƟas, alternando fraquezas e virtuosismos. 
Uma (des)montagem de Ali Babá e os 40 Ladrões: reflexões de uma 
arƟsta-docente 
54 
No 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, três 
apenas foram as desmontagens inscritas e apresentadas - talvez 
por ser um terreno novo, ainda arenoso, ou pelo próprio caráter de 
efemeridade e vulnerabilidade que este formato requer. Bastante 
diferentes uma das outras, creio que foram enriquecedoras para os 
que se dispuseram a fazê-las e também para os parƟcipantes (público) 
do evento, que puderam entender mais sobre essa práƟca arơsƟca 
contemporânea. André Luz, em sua desmontagem inƟtulada “Ela é uma 
princesa: uma discussão sobre gênero em performance”, criou uma 2ª 
performance em que se propôs a “desmontar” uma ação performaƟva 
anterior, ao meu ver de forma complementar à primeira3. Getúlio Góis 
apresentou a desmontagem “O desejo do neutro na escuta do espaço 
escolar”, uƟlizando a estrutura possível de uma desmontagem como 
um disposiƟvo para auxiliá-lo em seu processo de escrita, bem como 
os materiais selecionados e dispostos ao seu redor, como instrumentos 
para auxiliá-lo na organização do pensamento. 
O comparƟlhamento destas experiências, no 1º Seminário 
de Ensino-Aprendizagem em Teatro, fez-me descobrir esta forma 
de reelaborar os próprios discursos como um ato cênico ao avesso e 
que, diferentemente do teatro, que é feito pensando no público que o 
assiste, a desmontagem pode ter seu foco no arƟsta que a realiza. Ainda 
sim, necessita incondicionalmente da presença do público, pois só assim 
conseguirá um efeito tal, do estado de cena (o estar em cena), que lhe 
permiƟrá ser capaz de desmascarar-se perante o outro. 
Foi bom ter feito a desmontagem e considero que ainda estou 
fazendo-a. Esmiuçar as razões para tê-la feito e tentar discursar sobre os 
olhares lançados a ela, presentes neste texto, são processos de reflexão 
³André Luz, ex-aluno do Curso de Teatro da UFU, é ator da performance “Ela é uma 
princesa”.
da práxis de arƟsta-docente. Surgem novas questões, e a incerteza sobre 
se voltarei a fazê-la. É possível que faça outras... Foi importante como um 
mecanismo de regeneração, expurgação, conhecimento. Uma tentaƟva 
de busca pela compreensão de meu oficio. Tive a oportunidade de 
vislumbrar como operaram as ações do tempo nestes 8 anos. As minhas 
transformações enquanto atriz e mulher, o modo como tecnicamente o 
espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões amadureceu, e de que maneira o 
grupo e seus desejos mudaram, como isso influencia diretamente o meu 
modo de ser e estar nele. 
Referências bibliográficas 
BITTER, Sigrid. Percursos de uma desmontagem: Memórias 
autobiográficas num processo arơsƟco-pedagógico. Rascunhos. 
Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 101- 
114, jan./jun. 2014. 
DESGRANGES, Flávio. Quando teatro e educação ocupam o mesmo 
lugar. Caminho das Artes / A Arte Fazendo Escola, São Paulo, v. 1, p. 
16-35, 2004. 
DIÉGUEZ, Ileana. Desmontagem Cênica. Rascunhos. Caminhos da 
Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 5-12, jan./jun. 2014. 
(tradução de Gilberto dos Santos MarƟns e José Raphael Brito dos 
Santos). 
DIÉGUEZ, Ileana. Des/tejer, Desmontar, De/velar. (A modo de 
introducción). In: ______. (Org.). Des/Tejiendo Escenas. Desmontajes: 
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FARIAS, Tânia. Uma história ínƟma de criação. Rascunhos. Caminhos 
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2014. 
55
GÓIS, Getúlio. Vesơgios Calle! a caixa preta ou meu corpo é um HD. 
Rascunhos. Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 
1, p. 123-132, jan./jun. 2014. 
LAROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre experiência e o saber de experiência. 
Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 19, p. 20-28, jan/fev/mar/ 
abr. 2002. 
LEAL, Mara. Apresentação: Desmontagem como procedimento arơsƟco-pedagógico. 
56 
Rascunhos. Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, 
Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 2-4, jan./jun. 2014. 
LOPES, Maria Cláudia S. Anơgona em desmontagem: o processo como 
obra. Diário de Classe Teatral, Uberlândia, n. 4, p. 11, dez. 2011. 
LORRAN. Rafael. Tânia Farias In Process: sobre o rito da desmontagem 
de uma atriz sem órgãos. Diário de Classe Teatral, Uberlândia, n. 6, p. 
3, dez. 2011. 
RALLI, Teresa. Fragmentos de Memoria. In: DIÉGUEZ, Ileana. Des/ 
Tejiendo Escenas. Desmontajes: procesos de invesƟgación y creación. 
México: CITRU-INBA-CNA, 2009. p. 63-74. 
SANTOS, José Raphael Brito dos. Desmontagem Cênica: reflexão sobre 
o processo éƟco e estéƟco do arƟsta-docente. Rascunhos. Caminhos da 
Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 101-114, jan./jun. 
2014.
A IDÉIA DE DESMONTAR MEUS ALUNOS! 
Ana Carolina CouƟnho Moreira – Mestranda em Artes, pela Universidade 
Federal de Uberlândia – e-mail: k_rol_couƟnho@hotmail.com 
Uberlândia, 31 de agosto de 2014. 
Querido diário, 
Sei que estou afastada ulƟmamente, mas anda tudo tão corrido que 
sinto as horas me 
engolindo, sem 
que eu possa me 
defender com 
tantas mudanças. 
Esqueci de lhe 
contar: entrei no 
mestrado! Sei o que 
quero pesquisar 
mas ainda não sei 
como, de qualquer 
forma terei 2 anos 
– e tenho certeza que vão passar rapidinho, assim como minhas aulas na 
escola, rapidinhas, 50 minutos! - De qualquer forma é uma experiência 
inicial que está mexendo muito comigo. 
Sempre Ɵve uma resistência muito grande de realizar pesquisas 
na área de pedagogia teatral, você sabe bem né?! Primeiro a minha 
resistência com crianças, depois minha resistência com o espaço, ou a 
falta dele, com o sinal e com as regras da escola. Mas quero ultrapassar 
essas barreiras, como ultrapassei a de dar aulas para os pequenos, 
quando percebi que para ser professor devemos encontrar e respeitar 
nossas preferências, e a minha são os jovens. Com o mestrado, fui 
dispensada de algumas aulas, decidindo deixar os pequenos - minha 
única turma de primeiro ano (6 anos) - às vezes me sinto mal por isso, 
mas foi melhor assim, pois com certeza será uma frustração a menos 
para levar para o mestrado, já que dar aulas para eles não era algo que 
me moƟvasse, verdadeiramente. Gosto dos adolescentes, e esses serão 
57
o foco do meu trabalho no mestrado. Mas sobre isto falamos depois. 
58 
Voltar à faculdade rendeu muito. Logo de início me deparei 
novamente com lembranças, e assim pude reencontrar a pesquisa que 
amo... MEMÓRIA! Isto mesmo, memória... até parece que voltaria a 
pesquisar sem retornar ao meu tema predileto, né?! 
São tantas impressões desde que voltei para a Universidade. 
Primeiramente em relação ao espaço İsico das salas, que me remeƟam 
a momentos de anos atrás. Recordações que formaram e formam o ser 
que sou, quem me formei como pessoa e caráter, gostos e desejos... 
lembranças... lembranças de alegrias, tristezas poucas que serviram de 
aprendizagem e descoberta de um eu, um EU como estudante, um EU 
como atriz, um EU como professora, um EU no mundo. Um mundo vasto 
de possibilidades, ao mesmo tempo que um mundo cheio de bloqueios. 
É aquela famosa lei de uma escolha boa que traz consequências?! Sim, 
é!!!! 
E o quanto as coisas mudam?! SenƟ, no mesmo momento, uma 
saudade e um frio na barriga, senƟ que precisava voltar à cena, mas 
que também precisava melhorar como professora que agora sou. E as 
duas coisas se entroncavam como se fosse impossível o encaixe. Mas 
Ɵnha que focar, focar no ensino de teatro, focar na escola, nos meus 
estudantes e aulas. 
Foi em uma desmontagem que percebi que as coisas não estavam 
separadas, pelo contrário, parƟndo do pressuposto que a atriz sou eu, e 
a professora também, por que teimava tanto em separar pessoas dentro 
de mim? Por que queria usar as máscaras do meu armário sendo que 
seria mais fácil ser eu mesma, em todas as ocasiões? O direito de ser 
o que É!!! Como disse Marina Marcondes Machado, em uma palestra 
performance que presenciei na UFU. 
Pois é, está ficando confuso mas vamos lá, vou lhe explicar o que me 
levou a tantas memórias. Logo que as aulas do mestrado iniciaram, teve 
também um evento pelo qual estava aguardando, já havia alguns meses, 
o I Seminário de Ensino e Aprendizagem, e o XIX Fórum de educadores 
em teatro, que por sinal foi anteontem e que iniciou com a palestra que 
cito acima.
Foram palestras e encontros que deixaram uma sensação de 
que tudo que se escuta, de uma forma ou outra, faz conexão com a 
pesquisa que almejo fazer. Pesquisar memória não é fácil porque aƟva 
minha própria memória: estar naquele lugar, no bloco 3M da UFU, fez 
isso, me trouxe as memórias todas e foi tão estranho e legal ao mesmo 
tempo. Porque ser eu é carregar lembranças e memórias. E será essa a 
tentaƟva de pesquisa, mostrar a meus alunos que eles são consƟtuídos 
por memórias e, futuramente, essas memórias dos momentos vividos, 
serão o que terão. E muito do que gostam ou não, vão ser experiências 
que virarão memórias. 
Mas hoje à tarde, lá no evento, algo novo aconteceu comigo ao 
assisƟr três desmontagens. Já Ɵnha ouvido falar nesta nova maneira 
de expor uma trajetória, ou de aprofundar em um trabalho, mas nunca 
Ɵnha presenciado uma. Mesmo sem presenciar o pouco que soube me 
deixou extremamente animada, porque o que veio em minha mente foi: 
desmontar algo, interfere na memória! E comprovei, ao presenciar as 
três de hoje. Mas vamos por partes. 
A primeira foi a desmontagem de meu colega André Luiz Silva 
Rodovalho, e se chamou “Ela é uma princesa: uma discussão sobre 
gênero em performance” - uma críƟca a “Escola de Princesas”, bem 
humorada por sinal, como a maioria dos trabalhos de André. Ele 
apresentou a escola e os serviços que ela presta, vesƟdo de princesa, e 
eu acabei pensando em meus alunos e na escola onde trabalho, acredito 
que pelo fato de muitas das minhas alunas desconhecerem uma escola 
dessas na cidade em que moram. Me lembrei do dia que uma aluna 
disse ter me visto no shopping e completar que havia sido a primeira 
vez que esƟvera lá. É meio louco pensar que jovens não conheçam um 
lugar como um shopping, pelo menos para mim que frequento desde 
de pequena. Mas enfim, aprendo um pouco a cada dia com meus 
alunos. De qualquer forma acredito que até seja bom minhas alunas 
não saberem da existência desta escola, pois elas não poderiam (e nem 
deveriam na minha opinião) fazer parte dessa realidade, uma escola 
que ensina a mulher a ser “Princesa”, aqui em Uberlândia, deve ser bem 
cara. A desmontagem do André por mais que muito diverƟda, também 
foi muito adverƟda, tanto no senƟdo críƟco, quanto pela própria escola 
59
de Princesas, que o adverƟu pelas críƟcas feitas em redes sociais. 
60 
Vou para terceira desmontagem, depois falo da segunda, a 
desmontagem da Maria de Maria chamada “O que carrega uma sacola 
de tesouros?”. Maria descreveu o processo de montagem, remontagens 
e apresentações de um dos espetáculos da Trupe de Truões “Ali Babá 
e os 40 ladrões”. Foi muito interessante ver como seu corpo falava ao 
mesmo tempo que ela expunha verbalmente sua desmontagem, ou seja, 
o corpo também carrega memórias, e um processo de montagem e de 
criação também acaba envolvendo pessoalidades, tanto do próprio ator 
quanto dos colegas envolvidos no processo. Era como se Maria esƟvesse 
abrindo uma parte de sua vida para gente, e isso me encantou muito em 
sua desmontagem. 
Vejo traços das montagens que fiz invadir minha pessoalidade, 
até na forma em como lidar com alguns de meus alunos. Afinal, a 
convivência de montagem de um espetáculo se difere pouco da vivência 
com meus alunos, pois com o passar do tempo, em ambos os processos, 
você vai se mostrando mais e seus companheiros vão entendendo 
melhor questões como estado de humor, saúde e até temperamentos. 
A segunda desmontagem foi a que mais mexeu comigo, e com 
minha pesquisa, ou meu anseio de pesquisa, a do Getúlio Gois de Araújo, 
chamada “O desejo do neutro como espaço escolar”. Ele parƟu dele, da 
pessoalidade dele, da criança e jovem que foi, para chegar a seu local 
de trabalho e alunos. E por que mexeu comigo? Porque era puramente 
a memória que estava sendo posta à mostra, e é lindo ver a memória 
de alguém sendo usada como arte, entender o processo que o fez estar 
onde está hoje e ser um profissional que inspira muito e muita gente, 
inclusive eu. 
Se o que eu fui na época de escola reflete no que eu sou hoje, 
assim como mostrou Getúlio em sua desmontagem, as minhas aulas 
podem “marcar” a vida de meus alunos, e influenciá-los quando adultos 
formados, ou mesmo criar memórias neles que sejam importantes para 
a construção de suas pessoalidades. Aproximou-se tanto da minha ideia, 
para o mestrado, que me fez quesƟoná-la. 
Que Ɵpo de memórias a escola possibilita aos alunos? Memória 
pessoal, social, de construção de conhecimento, construção de
O Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro
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O Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro

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  • 2. © 2014 Paulina Maria Caon Vilma Campos dos Santos Leite (organizadoras) Título: Oguatá: Anais I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro - Escola básica, intervenção e performance Revisão: Maria Cláudia S. Lopes Diagramação e Arte-Final: Wellington Donizetti Criação e Arte da Capa: Camila Amuy Desenhos: Marcelo Briotto Coordenação de Produção: Gabriela Neves Guimarães Esta publicação faz parte das ações do projeto Partilhas, ateliês e redes de cooperação - aprendizagem teatral na escola básica. Coordenação - Vilma Campos e Paulina Maria Caon. Bolsistas Capes/ Fapemig - Gabriela Neves Guimarães (Iniciação Científica), Maíra Rosa Peixoto (Apoio Técnico), Marcelo Briotto (Prof. escola básica) e Ricardo Augusto (Mestrado). Bolsistas Proext - eixo Teatro e Escola: Giovanna Parra, Luís.Manuel Araújo. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA EDITORA EDIBRÁS R $213DXOLQD0DULD/(,7(9LOPDDPSRVGRV6DQWRV 2UJDQL]DGRUDV
  • 3. ,6HPLQiULRGH(QVLQR$SUHQGL]DJHPHP7HDWUR 8EHUOkQGLD(GLEUiV S ,661 7HDWUR(VFROD$SUHQGL]DJHP ,$213DXOLQD0DULD,,/(,7(9LOPDDPSRVGRV6DQWRV ,,,7tWXOR '' É proibida a reprodução total ou parcial. Impresso no Brasil / Printed in Brasil Conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos autores.
  • 4. 3 Chegança Senhores desta sala Licença eu vou chegando, eu vou A voz e a rabeca O coração cantando, eu vou Inauguro o texto com esta Loa de abertura de domínio público, no arranjo musical de Antônio Nóbrega, porque é com o coração em canto que começo a escrevinhar estas linhas. É também porque quero pedir licença a cada um dos leitores e leitoras. Na sequência, desejos a todas e a todos Oguatá - que em Guarani significa “Caminhada” - ou melhor, digo: Oguatá Porã! para que seu percurso, na leitura das páginas a seguir, seja uma “Bonita Caminhada”. Assim como foi, para mim, o I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro e XIX Fórum de Educadores de Teatro. Os textos que aqui se apresentam compõem os “Anais” do evento. O que significaria “Anais”? O dicionário Michaelis on-line define como: “1. História de um povo contada ano por ano. 2. Publicação periódica, anual. 3. Publicação referente aos atos e estudos de congressos cienơficos, literários ou de arte. Obra que relata os acontecimentos de cada ano”, ou ainda “ História” e “Publicação periódica de ciências, artes ou letras.” Confesso a vocês que, antes de ir ao dicionário, usava e conhecia a expressão mais ligada aos registros dos eventos cienơficos em que parƟcipei. Foi assim que, inicialmente, junto com os outros membros da equipe de organizadores do evento, foi feita a chamada para os textos. Foi durante as reuniões da equipe do Projeto ParƟlhas, ateliês e redes de cooperação - aprendizagens teatrais na escola básica (doravante mencionado apenas como ParƟlhas) – projeto no qual a ação deste Seminário está localizada, é que surgiu a ideia de publicar os registros do evento. Avaliamos que o formato “Resumo Expandido” estava bem para o nosso propósito de divulgar os relatos de experiência ou de pesquisa. Afinal, o tempo possível para o envio dos textos, para impressão, era exíguo: em nosso calendário o prazo era de apenas trinta dias após a realização do evento. Pensamos em aproveitar “o calor da
  • 5. hora” dos parƟcipantes, ainda que alguns textos não chegassem ao formato “ArƟgo” - os inscritos ou convidados do Seminário têm ainda a possibilidade de uma segunda empreitada, essa sim com maior tempo para o envio de textos (terceiro número da Revista Rascunho editada pelo Grupo de pesquisa GEAC), caso desejem. 4 No decorrer da Programação, fomos ampliando o nosso olhar para o formato de recebimento dos textos. “Resumos Expandidos” (usual nos “Eventos acadêmicos”) são muito bem vindos, e também são bem vindos os textos com outras silhuetas, em consonância com o senƟdo mais largo da palavra “Anais” - enquanto registro, relato ou narraƟva de acontecimentos. O ơtulo “Anais” nos é conveniente, e nos mobiliza a dar conƟnuidade a esta iniciaƟva em empreitadas futuras, com novos Seminários. Como disse anteriormente, há um reconhecimento da equipe de que o prazo foi muito curto para o envio dos textos e compreendemos que muitas pessoas deixaram de enviá-los, mesmo dispostas ou interessadas em escrever. Assim, a produção a seguir não representa a totalidade do que aconteceu - do que foi experenciado ou discuƟdo durante a programação entre os dias 29 e 31 de agosto de 2014. Cada um dos textos nesta publicação é como uma espécie de “amostragem” a parƟr de um contexto. São produções muito especiais porque provenientes daqueles que se reinventaram, transformando o desafio do pouco tempo em potencialidade. A cada uma e a cada um, o meu muiơssimo obrigada! Para que o leitor possa se situar melhor nesta “amostragem”, organizei entre as Produções Textuais caixas de textos informaƟvas, contextualizando-as. São antecedidos por um Prólogo contendo a ficha técnica da organização geral do evento, a comissão cienơfica e organizadora, apoiadores, programação e a nota informaƟva divulgada logo após o evento. Durante toda a publicação, há ainda os desenhos de Marcelo BrioƩo, feitos durante a programação do Seminário, e que consƟtuem uma narraƟva junto às palavras. Espero que possam apreciar esta modesta, curta (mas para nós muito significaƟva) publicação. Vilma Campos
  • 6. 5 Agradecemos aos parƟcipantes e convidados da programação. À comunidade do Bairro Patrimônio, nas pessoas do Sr. João Rodrigues (Bolinho), Maria Aparecida (Cida), Enersino João da Cruz (Nersinho), Eunice (Tabajaras), FáƟma (FaƟnha) e seus familiares. À direção e professoras do Centro Educacional Maria de Nazaré. A todos que contribuíram na organização do evento, especialmente ao curso de Teatro e seus estudantes, professores, secretários e coordenador. Ao InsƟtuto de Artes, a diretoria e servidores do almoxarifado e da secretaria. Ao Setor de Transportes e de Limpeza da UFU; À Secretaria e Gabinete da Reitoria, na pessoa do Prof. José Antonio Galo. A todos os funcionários da FAU (Fundação de Apoio Universitário), especialmente Ana Luiza Dornelas Mota Silva que acompanha o projeto. Às agências de fomento FAPEMIG e CAPES.
  • 7. Sumário Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo (1º dia do seminário) ..................................................................................................... 15 Luís Manuel de Araújo Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA .................. 17 Laíza Coelho Gomes A escuta do espectador ou o publico em cena ............................................... 21 André Luiz Santos e Marcia Peixoto Formação de espectador no espaço escolar formal – É necessário formar o espectador? ................................................................................................... 29 Michele Soares Registro de discussão realizado no processo de Open Space, com o tema: Ensino teatral para crianças de 0 a 5 anos ..................................................... 31 Mayron Engel Rosa Santos Registro Open Space – Grupo: Teatro, sexualidade e gênero na escola ........ 32 André Rodovalho Dramaturgias do espaço e a criança performer: Diário de Bordo da Oficina de Marina Marcondes Machado ........................................................................ 33 Ricardo Augusto Santos de Oliveira Desvelar o processo Singular do Devir – ExpectaƟva pelo 1º Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro como mestranda, ainda mais pela oficina da Carminda. ....................................................................................................... 36 Isabel CrisƟna Alves Pimenta Braga Relato da Experiência com Intervenções Urbanas na cidade de Uberlândia . 38 Carminda Mendes André
  • 8. O que carrega uma sacola de tesouros? ......................................................... 47 Maria De Maria A ideia de desmontar meus alunos! .............................................................. 57 Ana Carolina CouƟnho Moreira A medicina da palavra e os relatos de vivência .............................................. 62 KaƟa Lourenço Alves A Experiência de um Seminário ...................................................................... 66 Gabriela Neves Guimarães ReƟrada .......................................................................................................... 70 Vilma Campos
  • 9. 1. PRÓLOGO 1.1. FICHA TÉCNICA Realização: Universidade Federal de Uberlândia - InsƟtuto de Artes - Curso de Graduação em Teatro, Mestrado em Artes e Mestrado Profissional, Grupo de Estudos e InvesƟgação sobre Processos de criação e formação em Artes Cênicas (GEAC). Organização geral do evento e produção: Projeto ParƟlhas, ateliês e redes de cooperação - aprendizagem teatral na escola básica. Coordenação - Vilma Campos e Paulina Maria Caon. Bolsistas Capes/ Fapemig - Gabriela Neves Guimarães (Iniciação Cienơfica), Maíra Rosa Peixoto (Apoio Técnico), Marcelo BrioƩo (Prof. escola básica) e Ricardo Augusto (Mestrado). Bolsistas Proext - eixo Teatro e Escola: Giovanna Parra, Luís Manuel Araújo. Lapet (Laboratório de PráƟcas Pedagógicas em Teatro). Bolsistas de graduação (PROGRAD) André Lemos e Roberta Sanchez. Comissão Cienơfica e organizadora Professores Dr. Fernando Manoel Aleixo, Dra. Mara Lucia Leal, Dr. Narciso Larangeira Telles da Silva, Ms. Paulina Maria Caon e Dra Vilma Campos dos Santos Leite. Realização em parceria com Programa Ateliês em Artes Cênicas: teatro-educação PROEXT-MEC (coord. Fernando Aleixo). Bolsistas: Camila 9 Amuy, Célio D'Ávila, Guilherme Rodrigues, KaƟa Lou e Mario Cortês. 1.2. PROGRAMAÇÃO Toda a programação aconteceu nas dependências do Bloco 3M, Campus Santa Mônica, da Universidade Federal de Uberlândia, com exceção das duas oficinas no sábado à tarde, que aconteceram simultaneamente em dois pontos da cidade. O deslocamento dessas duas aƟvidades aconteceu por carona solidária e por outro transporte da Universidade.
  • 10. Sexta feira: 29/agosto/2014 16h às 17h - Reunião preparatória da Oficina Intervenção Urbana. Ministrantes: ColeƟvo Mapaxilográfico e Profa. Dra. Carminda Mendes André. 17h às 19 h - Credenciamento. 19h - Palestra - Performance, intervenção e escola - diálogos possíveis. Profa. Dra. Marina Marcondes. 21h - Palestra - Derivas na cidade espetacularizada, o que educa? Profa. Dra. Carminda Mendes. Sábado: 30/agosto/2014 9h às 12h - Relatos de experiência e Comunicações de Pesquisa. Metodologia Open Space. Coordenação dos trabalhos - Profa. Ms. Maria Ceccato. 14h às 18 h - Oficinas Oficina 1- Intervenção Urbana. Ministrantes: ColeƟvo Mapaxilográfico e Profa. Dra. Carminda Mendes André. Carona solidária em direção ao Bairro Patrimônio. Oficina 2 - Dramaturgias do Espaço e a criança performer. Profa. Dra. Marina Marcondes. Ônibus UFU em direção Centro Educacional Maria de Nazaré. 19 h - Espetáculo Ali Babá e Os Quarenta Ladrões. Local - Ponto de Cultura Trupe de Truões. Av. Ana Godoy de Souza 381, Santa Mônica – Uberlândia. Domingo - 31/agosto/2014 9h - Mesa de Debate e comparƟlhamento: Dramaturgias do Espaço e a criança performer. Coordenação - Profa. Dra. Marina Marcondes - Bloco 3M. 10h - ComparƟlhamento - Mapeamento e Ensino de Teatro em Uberlândia. Exposição - Ricardo Augusto e Gabriela Neves Guimarães - Bloco 3M 10h40 - Intervalo. 10
  • 11. 11 h - Mesa de Debate e comparƟlhamento: Intervenção Urbana. Coordenação. Profa. Dra. Carminda Mendes André e Mapaxilográfico - Bloco 3M. 14h às 16h - Apresentação de Desmontagens, seguida de roda de conversa. Mediação - Profa. Dra. Mara Leal - Bloco 3M. 16h às 17 h - Palestra: Processos criaƟvos de aprendizagem na gestão pública: algumas experiências. Profa. Ms. Maria Ceccato - Bloco 3M. 17h às 18 h - Avaliação do I Seminário de Ensino e Aprendizagem. Coordenação - Equipe Projeto ParƟlhas, ateliês, redes de cooperação - aprendizagens na Escola Básica - 3M. 1.3. Nota InformaƟva 11 O texto disponível em hƩp://parƟlhasteatrais.blogspot.com.br Foi escrito por Luís Manuel de Araújo, bolsista do Programa Ateliês em Artes Cênicas, teatro-educação Proext-MEC, estudante do curso de graduação em Teatro, e graduado em Jornalismo. Luís tem registrado por textos as reuniões semanais da equipe ParƟlhas, bem como os boleƟns dos Fóruns Mensais de Educadores, comparƟlhados no blog do projeto. Imagem: Camila Amuy - ParƟlhas Teatrais
  • 12. 12 Inesquecível, esta foi a sensação comum entre todos os professores e alunos que parƟciparam do I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro, que aconteceu no úlƟmo fim de semana na Universidade Federal de Uberlândia. Foram três dias de intensos comparƟlhamentos de sensações, experiências e pontos de vista, uma oportunidade valiosa para crescimento pessoal. Contamos com a presença de professores e pesquisadores de várias regiões do Brasil, em especial, destacamos a presença dos docentes que ministraram palestras e oficinas durante o seminário. A oficina de intervenção urbana abriu o evento e ficou por conta do coleƟvo Mapaxilográfico e da Prof. Dra. Carminda Mendes André. Eles falaram sobre seus trabalhos e pesquisas no campo das ações performáƟcas em áreas urbanas. Logo depois, a Profa. Dra. Marina Marcondes ministrou uma palestra sobre “Performance, intervenção e escola”. Para encerrar a noite, Caminda retornou à frente dos trabalhos para a palestra “Derivas na cidade espetacularizada - o que educa?”, uma ação que sensibilizou o público, dando o exemplo de duas performances disƟntas, em período de natal, em São Paulo-SP. Imagem: Luis Manuel Araújo
  • 13. Sábado, logo pela manhã, a Profa. Ms. Maria Ceccato orientou os trabalhos, proporcionando um momento marcante de comparƟlhamento de experiências e sensações. A metodologia “Open Space” dividiu os parƟcipantes em 6 grupos de discussão, com temas variados, onde cada parƟcipante poderia acompanhar o tema que mais lhe despertasse interesse, ou trocar de grupo, de acordo com suas sensações. À tarde, ocorreram as oficinas: “Intervenção Urbana” na casa do sambista João Rodrigues “Bolinho”, no bairro Patrimônio, na zona sul da cidade, momento em que aprendemos muito sobre a história da cidade de Uberlândia, e a vida nas regiões carentes da cidade. A outra oficina foi “Dramaturgias do espaço e a criança performer”, ministrada por Marina Marcondes, e aconteceu na Escola InfanƟl Maria de Nazaré. À noite, assisƟmos ao espetáculo “Ali babá e os Quarenta ladrões”, no ponto de cultura da Trupe de Truões, no bairro Santa Mônica. Domingo de manhã, houve uma mesa redonda e um comparƟlhamento de experiências das oficinas do dia anterior, discuƟu-se sobre as dificuldades e desafios encontrados para a realização do mapeamento de professores de Teatro na cidade, pesquisa encabeçada por bolsistas do ParƟlhas na Universidade. À tarde, no encerramento do evento, acompanhamos a apresentação das desmontagens de três professores de Teatro de Uberlândia, Maria De Maria, Getúlio Gois e André Luz, que nos ofereceram momentos de reflexão sobre questões importantes do teatro dentro e fora de sala de aula. Maria Ceccato ministrou, em seguida, a palestra “Processos criaƟvos de aprendizagem na gestão pública” e logo depois, propôs uma roda de conversa, em que foram feitas as considerações finais e todos puderam se manifestar sobre as sensações gerais do evento, e as perspecƟvas individuais para os próximos meses. 13
  • 14. Esta imagem foi realizada por John Karllus Paula, como uma de suas aƟvidades dentro do “Caderno objeto” - um procedimento de trabalho do componente curricular PoéƟcas e processos da criação em Artes ministrada pelo prof. Fernando Aleixo no Programa de Mestrado Profissional - UDESC/UFU, já que o Seminário também está inserido nas aƟvidades da pós-graduação. 14
  • 15. 15 SEXTA FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 2014. À tarde houve o primeiro contato dos inscritos, de uma das oficinas, com os ministrantes, e, à noite, duas palestras. Aproximadamente cinquenta pessoas presentes, e em círculo, na programação noturna. A seguir temos dois textos referentes ao início do Evento. O primeiro deles é: Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo. (1º dia do seminário) - embora se trate de um texto do mesmo estudante, autor da Nota informaƟva, eles se diferenciam, porque há um comparƟlhamento que está para além da noơcia oriunda da oficina e palestra com Carminda Mendes, Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios. Na sequência: Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA, que traz à tona uma ação na escola básica, e que teve a palestra de Marina Marcondes como um dos elementos de inspiração para a professora autora do texto. Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo (1º dia do seminário) Por Luís Manuel de Araújo Começamos o I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro em uma noite agradável de sexta-feira. Aqueles três importantes dias de discussões sobre Teatro, começaram com algumas palestras de pesquisadoras de São Paulo, que vieram à Uberlândia, exclusivamente, para colaborar com nosso evento. Destaco, na abertura, um trabalho que me marcou especialmente. O ColeƟvo Mapa xilográfico, acompanhado
  • 16. da professora Carminda Mendes André, proporcionou-me momentos valiosos de reflexão sobre o papel do homem na sociedade, e sobre o Teatro como ferramenta de conscienƟzação das pessoas em relação aos problemas e conflitos inerentes, em certa medida, à nossa condição. 16 A Palestra “Derivas na cidade espetacularizada - o que educa?” apresentou, além das reflexões dos professores, vídeos de “câmeras escondidas”, exibindo a realização de intervenções urbanas na cidade de São Paulo. Um vídeo, em especial, me marcou: A intervenção em que os alunos de Carminda bloquearam um cruzamento de duas importantes avenidas, com vasos de flores. Uma situação muito inusitada. Sem dúvidas, passível de interpretações muito diversas. A mim, me fez refleƟr sobre a falta de beleza em nossas cidades, cada vez mais cinzas e nervosas, com congesƟonamentos cada vez maiores, e qualidade de ar cada vez menor. Nesta intervenção, especificamente, lembro-me das reações de motoristas, um tanto incrédulos com a cena que viam de dentro de seus veículos. Seria uma “macumba urbana”? - pergunto-me se eles se quesƟonaram sobre esta possibilidade! Muitas poderiam ser as indagações feitas naquela ocasião. Entre um carro e outro, muitos buzinavam aflitos, outros gritavam de dentro dos seus carros. No entanto, por quase 15 minutos, ninguém teve a simples iniciaƟva de sair de seu carro e caminhar até a faixa de pedestre, para reƟrar daquele local as flores que interrompiam o trânsito (afora um motorista que removeu dois vasos, apenas para dar passagem para seu próprio veículo). Uma reação no mínimo esperada. A que ponto chegou o imediaƟsmo das pessoas, que preferem estar dentro de seus carros, com ar condicionado, obviamente, assisƟndo tudo o que se passa ao entorno, com o motor “bebendo” gasolina, a espera de que as coisas se revolvam? Esta é a realidade do nosso trânsito: pessoas esperando, com o veículo ligado, que o mundo se resolva sozinho para que elas possam passar. O Mundo é você também, e o Teatro te convida a deixar de ser o mero espectador automáƟco, e interagir com ele, lá, fora do carro. Propor soluções me pareceu a grande pesquisa do Mapa xilográfico, um exercício para vida, que exige que assumamos nossa responsabilidade neste processo.
  • 17. 17 Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA Por Laiza Coelho Gomes De uma história que pude ouvir. No dia 29 de Agosto de 2014, na sala de Interpretação do Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, uma mulher pequena, de voz rouca, e pescoço aparentemente rígido, começa a falar sobre a sua práƟca enquanto docente. Antes, fica descalça e desmisƟfica a persona Dra. Marina Marcondes, segura uma caixinha cheia de objetos, e, enquanto revelava os objetos da caixa, falava de si, da criança e do adulto performer, da educação e suas possibilidades, como quem contava uma história. “Era uma vez um homem que amou uma mulher. A mulher teve uma filha e a amamentou...” A menina cresceu, brincou, quando brincava era observada por sua mãe. Cresceu mais um pouco. Cursou psicologia, conheceu o teatro, tornou-se professora, resisƟu à “Academia”, rendeu-se depois, mas prometendo ficar descalça em suas palestras. Viajou à Uberlândia, começou uma leitura em um hotel qualquer, ainda não concluída a leitura, decidiu mesmo assim, citar um trecho que considerou importante. Também lançou um livro ao léu, o livro por sua vez, quis fugir pela janela, mas foi logo resgatado (alguns encontros não permitem a fuga de nada). Por fim, a criança performer e adulta contadora de histórias diz acreditar que se cada professor/pessoa Ɵver sua própria caixinha com objetos capazes de revelar coisas, a “boa” educação/ “boa” existência é possível. O estudo da importância de contar histórias. Ora, ouvir uma história é sempre bom para relembrar a importância de conta-las. Assim como Marcondes, Desgranges também defende a importância de contar histórias. Em seu livro A Pedagogia do Teatro: Provocação e dialogismo, o autor discorre sobre a importância da apreciação de obras de arte enquanto potências educadoras, defendendo que conhecer e compreender histórias podem gerar uma maior consciência de si, transformando o sujeito que ouve uma narraƟva, em um sujeito capaz de escrever a sua própria trama:
  • 18. 18 Ouvir a contação das histórias consƟtui-se, nesse senƟdo, em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à própria existência; à medida que interpretava as histórias narradas, revia criƟcamente aspectos de sua vida, tomando consciência da própria história, estando, assim, em condições de transformá-la. A experiência arơsƟca se coloca, desse modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando a revisão críƟca do passado, a modificação do presente e a projeção de um novo futuro. (Desgranges, 2006: 26) MoƟvada pela história que ouvi, e reconhecendo a força de encontro que histórias produzem, resolvi contar uma história para alguns alunos. Um objeto da minha caixa escola. Era uma vez EU... EU recentemente ganhei uma caixinha, cheia de tranqueiras, e que desejei por muito tempo, chamada: professora de arte da rede pública. Cada um dos objetos desta caixinha vem com um enigma que precisa ser desvendado diariamente. Um dos objetos, por exemplo, veio com um mistério de fazer uma interferência em uma aula de língua portuguesa para “falar de forma diferente” - o que é o gênero textual do conto. Desta vez, nem foi tão diİcil de desvendar a xarada; peguei uma caixinha de sapato, alguns objetos, umas roupas velhas, um apito, e fui para a sala de aula contar a narraƟva de Cem Anos de Perdão, de Clarice Lispector. Soprei o apito, preparamos o espaço, sobrepus algumas peças de roupas e revelei a turma os objetos de minha caixinha, e, enquanto mostrava-os, lia o conto.
  • 19. Depois da minha história, propus à turma que construíssemos juntos um conto que fosse só nosso, nele cada aluno inventaria um pouco da história. Os alunos se alvoroçaram, ơmidos e ousados inventaram as “Desventuras de Penosa”. Penosa era uma menina que Ɵnha medo de crescer, mas queria crescer para poder namorar e morar sozinha. Depois de muitas desventuras, Penosa consegue um livro mágico que conƟnha um feiƟço. Este feiƟço ensinava a controlar o tempo; assim, Penosa podia ser adulta e criança quando bem quisesse. Ao fim de minha intervenção, a professora da disciplina de Língua Portuguesa, ia perguntando aos alunos caracterísƟcas de gênero textual do conto. Confesso, fiquei com medo. Não havíamos em momento algum, conversado de forma direta e concreta sobre tais caracterísƟcas, o que fizemos foi “brincar”, mas os meninos refleƟam sobre as interrogaƟvas e aos poucos respondiam às questões. As respostas não Ɵnham nomes técnicos, conceitos e similares, mas Ɵnham conhecimento e domínio do conhecimento. “Agora fica mais fácil explicar para eles as caracterísƟcas”, disse a professora. Fim. 19
  • 20. Sobre a Caixa Escola e histórias que construo. Mais curioso do que reƟrar objetos de uma caixa, é se perceber enquanto um objeto dentro de uma caixa. Eu sou uma pequena peça dentro de uma caixa chamada escola básica, e, esta caixa é feia, abafada, escura, mas é necessário transformá-la, criar outra realidade. Dentro de minha caixa fica cada vez mais claro a importância de pensar a minha presença na escola, não como um “professor de arte”, mas como um arƟsta que optou/escolheu por se inserir no ambiente escolar e entender este espaço como um gerador de potências para o ato da criação. É necessário criar, experimentar, e impulsionar criações e experiências na escola. Acredito que este é o lugar da arte na escola; de transformá-la e pensa-la como espaço para o encontro, paixão e afecção. Referencial Teórico • Palestra – Performance, intervenção e escola – diálogos possíveis. Profa. Dra. Marina Marcondes. Sala de Interpretação – LIE – Bloco 3M. 29 de Agosto de 2014. • DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2011. 20
  • 21. 21 SÁBADO 30 DE AGOSTO - MANHÃ 17 resumos foram inscritos para Comunicação de Pesquisa ou Relato de Experiência. Mesmo que tenhamos optado pela discussão em um formato diferenciado do que comumente acontece em comunicações orais, nos eventos acadêmicos, apresentou-se a possibilidade de envio do texto escrito para os Anais como Resumo Expandido. É a configuração do texto a seguir. BRAUDES, Márcia Peixoto; SANTOS, André Luiz. A escuta do espetáculo ou o público em cena. Anápolis: Secretaria Municipal de Cultura de Anápolis - Goiás. Escola de Teatro de Anápolis; Professora efeƟva. Universidade Estadual de Goiás; Professor efeƟvo. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-GO. RESUMO O presente trabalho se refere às experiências dos debates pós-espetáculos apresentados na Mostra de Teatro de Anápolis-Goiás. A parƟr das falas evocadas pelo público, e dos relatos dos atores, propusemos um estudo acerca das questões de autoria, da indagação sobre o que é o teatro, e da própria afirmação do debate como um possível espaço de reflexão e criação. Abordamos tais questões considerando como referências os textos de Michel Foucault, “O que é um autor?” e “A vida dos homens infames”. PALAVRAS-CHAVE: autor: teatro: debate pós-espetáculo. 1- Apresentação: Seria o teatro um espaço de subversão do texto literário? Um espaço no qual seria possível aos textos polissêmicos funcionar de outro modo, interrogando a realidade, a ficção e o próprio fazer teatral? Desta forma, pode-se colocar em questão as diferentes injunções do poder, que determinam o que é teatro, ficção e literatura? Essas indagações nos são possíveis a parƟr da experiência dos debates pós-espetáculo, apresentados na Mostra de Teatro de Anápolis-Goiás. O debate pós-espetáculo tem se consƟtuído como espaço
  • 22. reflexivo sobre as peças, os processos de montagem, técnicas, o texto, o ator, a criação, mas também como momento do espectador, não mais passivo, a aguardar do espetáculo uma idenƟficação, o riso, o choro, a catarse. Haveria aí uma possibilidade, uma fecundidade inerente ao teatro, uma possibilidade de outras histórias - aquelas que nunca foram experienciadas, que foram esquecidas, ou que ainda pulsam adormecidas à espera infinita de sua realização. Se a experiência diz respeito ao que não foi vivido, ao impossível, ou à própria morte, o debate acrescenta uma experiência outra, próxima de encontros furƟvos, erráƟcos, encontros na rua, com amigos, amantes, companheiros, ou com o estranho, nos quais não sabemos de sua familiaridade, encontros de intensidades afeƟvas outras, como se fossem o úlƟmo ou o primeiro. 22 Entre a hesitação do ator em falar, e do espectador em perguntar, pode ser formado um espaço da não-clausura da palavra, um encontro com nosso “infame” - o que escapa aos sistemas de sujeição da palavra e seus mecanismos de controle. A parƟr de nossos estudos dos textos de M. Foucault “O que é um autor?” e “A vida dos homens infames” buscamos afirmar a experiência dos debates pós-espetáculos como uma experiência “outra” aberta à “transgressão”, ao “impossível”, ao “irrisório”. 2- Os espetáculos e as perguntas: O relato é referente à Mostra de Teatro de Anápolis – Goiás, apresentada no ano de 2014. Os espetáculos são selecionados em edital público, realizado pela Secretaria de Cultura de Anápolis, e os critérios de seleção se referem à excelência arơsƟca do espetáculo, qualidade literária do texto, concepção da montagem, e a viabilidade de execução do espetáculo. As apresentações de cada espetáculo são sucedidas por debates “livres”, “abertos”, do público com os arƟstas. Quadro- Espetáculos e perguntas
  • 23. Espetáculos Perguntas SANANAB (Palhaço Bisgoio) - Como foi feita a pesquisa para a montagem da peça? - Como construiu uma linguagem sem palavras? - Qual a influência do Palhaço Tomate no espetáculo? - Você estudou para ser palhaço? - Quando deixa de falar, o palhaço muda de nome? - Como adapta a “energia cênica” da rua ao palco italiano? As Criadas (Confraria Tambor) - Por que o pênis tem que aparecer? - Houve erro ou confusão ao mencionar os nomes dos personagens? - Qual a necessidade do uso do nu? Não havia roupas de lingeries na época? - Como é lidar com o excesso de riso quando se trata de questões tão profundas e carregadas de dor? - Há a intenção de abordar o tema do maniqueísmo definindo traços do bem e do mal nas personagens das criadas e da madame? - Mostrar o pênis é entrar na inƟmidade das pessoas? - Mostrar o pênis é sugerir a repressão masculina? - Vocês tem consciência da inquietude e do estranhamento que o espetáculo provoca no espectador? 23
  • 24. Espetáculos Perguntas O Circo dos Objetos (Mariza Basso Formas Animadas) 24 - Por que a opção deste Ɵpo de estéƟca? - Você teve outras experiências como “atriz” antes de fazer teatro de objetos? - O seu trabalho está engajado em uma políƟca de sustentabilidade? - Você já fez “A Falecida” de Nelson Rodrigues? - Quando eu era criança gostava de brincar de boneca, agora eu posso trabalhar fazendo isso? A História é uma Istória. (Grupo de teatro Bastet) - Por que vocês fazem teatro? - Vocês estudaram História para montar o espetáculo? - O texto é fiel à literatura? - Como é atuar com um texto em forma de narraƟva? - Como transformar a barbárie em comicidade sem banalizar? - O que tem da história de cada um de vocês na construção do espetáculo? - Como vocês veem a políƟca dos editais?
  • 25. 25 Espetáculos Perguntas Iara, o encanto das águas (Cia Luminato) - É possível dizer que os recursos deste Ɵpo de teatro se aproximam do cinema? - Como e quando os bonecos tomam vida? - O que eu vi é “igual” ao que eu vejo no cinema, mas por que é “diferente”? - Onde vocês estudaram essa técnica? - Quando vocês aparecem na cena há a intenção de estabelecer um jogo entre realidade e sonho? - Vocês sabem a tradução das canções indígenas? Os debates mobilizam uma parte do público do espetáculo, e nossa hipótese é de que essas são pessoas “interessadas” em discuƟr o teatro. Esta hipótese é possível por conta de um número significaƟvo de pessoas que parƟcipam do debate, a quanƟdade e a qualidade das perguntas e, também, pelo fato do público se posicionar em relação ao espetáculo, apresentando juízos sobre que consideram “excessivo”, “frágil” ou “belo” e “bonito”. O público é formado por crianças, adolescentes, adultos, das mais diversas condições sociais: arƟstas, professores e estudantes universitários, estudantes e professores da Escola de Teatro, vendedor ambulante e outros. É ainda interessante, em relação ao discurso que transita nas perguntas, uma “tonalidade imperaƟva” na fala do público. Opera-se uma possível aproximação entre a autoridade de saber do arƟsta e o saber do público. O debate permite uma subversão na qual o ator poderia, enquanto autor, “estar ausente”, seguindo as “evocações” foucaulƟanas, nesse espaço “deixado vago pela desaparição do autor,
  • 26. seguir atentamente a reparƟção das lacunas e das falhas e espreitar os locais, as funções livres que essa desaparição faz aparecer” (Foucault, p. 271, 2009). Dessa forma, é possível falar ou indagar sobre um pênis que sobra ou ver por trás da manipuladora de bonecos “A Falecida” de Nelson Rodrigues, ou, ainda, o anímico jogo cinematográfico do Teatro de Sombras. 26 Nesta “ausência do autor” é possível ao ator falar de si, revelar sua infame epopeia ao reconhecimento arơsƟco: o episódio de desamparo do ator frente à morte da mãe, que se entrelaça ao cenário de ruínas em caixas de papelão, como se o silêncio de sua dor compusesse um relicário da história; ou a generosidade dos atores, no teatro de sombras, que exibem a arquitetura de onde provém as sombras, mas que dialogam apontando para o interior do público como o lugar onde suas histórias tomam vida; ou do relato aberto sobre os laboratórios de se fazer mulher/criada/madame, em trânsito entre glamour e lixo, a exercícios marciais de bravos e viris soldados. Interessa neste encontro, neste trânsito, em que se esbarram atores e público: o que pode nos levar a uma concepção de teatro que sobreviva a sua própria indagação e que coloque em questão a própria realidade, a ficção, o autor e a própria arte? No entanto, nesse jogo em que se colocam atores e público (cada qual com suas histórias, suas misérias e suas dores, suas perguntas acerca do real e do ficơcio) há a criação de um espaço de fuga, desapercebido ao “olhar branco do poder”. 3- Considerações finais: As discussões sobre os debates pós-espetáculos nos remetem aos espaços heterotópicos do teatro, aos quais, segundo Foucault (2013, p.24), justapõem em um lugar real, vários espaços, que seriam ou deveriam ser incompaơveis. Um lugar onde seja possível um “outro” encontro do público com os atores. Um encontro em que o público evoca o ator despido do personagem, não mais uma apropriação ou uma projeção de um autor, não mais preso a uma rede discursiva da representação. Por outro lado, conta com um público não mais ausente, com uma inquietude e liberdade, capaz de indagar sobre o real, o ficơcio e o próprio teatro.
  • 27. A experiência dos debates pós-espetáculos remete a uma reflexão sobre o que consƟtui o teatro e suas possibilidades transgressoras, aquelas que permitem o aparecimento de diferentes vozes, fazendo-se ouvir. Por isso mesmo, aberto a novas possibilidades criaƟvas, não necessariamente presas ao complexo mecanismo de sujeição do autor, ou a outras instâncias e mecanismos do poder. Dessa forma, afirmando o princípio éƟco deflagrado por BeckeƩ: “Que importa quem fala?” FOUCAULT, M. (2003) A vida dos homens infames. In: ______. Estratégia, poder-saber. Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p.203-222. _____ . (2009) O que é um Autor? In. EstéƟca: literatura e pintura, música e cinema. Ditos e escritos III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 264-298. _____ . (2013). O corpo utópico, as Heterotopias. São Paulo: n-1 Edições. LAROSSA, Jorge. (2004) A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. In. Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS. v. 29, n.l, jan/jun 2004, p.27-43. MACHADO, Roberto. (2000) Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de Janeiro: Zahar. 27
  • 28. 28 Foram 23 pessoas presentes no sábado de manhã. A seguir, três dos registros, oriundos da discussão dos parƟcipantes, a parƟr dos seis temas elencados com a metodologia do “Open Space”, mediada por Maria Tendlu CeccaƩo. Entre as regras estabelecidas para os subgrupos: os pés estão onde querem estar (ou seja, é possível mudar de subgrupo no decorrer do trabalho) ou - está presente quem deve estar, dito de outra forma, não importando o número de pessoas na roda.
  • 29. Discussão do tema: “Formação de Espectador no espaço escolar formal - É necessário formar o espectador?”, a parƟr da técnica de Open Space no I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro e XIX Fórum de Diálogos de Educadores de Teatro, na Universidade Federal de Uberlândia - 29 à 31/agosto/2014. Por Michele Soares Debatedores: Adriana Moreira Silva, Gabriela Neves Guimarães, Gleuter Alves Guimarães e Michele Soares Começamos quesƟonando a própria ideia de ‘formação do espectador’, pelo senƟdo negaƟvo do termo, como se coubesse ao professor a formação do aluno-espectador, no tocante ao modo de pensar, ver, senƟr e ler a obra de arte. Por outro lado, considerando a terminologia apenas como uma nomenclatura a ser re-lida, discuƟmos então, o que seria para nós a formação do espectador no espaço escolar formal. A parƟr da pedagogia do espectador - tema no qual se insere um crescente número de produções e discussões, especialmente com as obras de Flávio Desgranges - compreendemos esta formação como um ato conơnuo. Especialmente, quando sabemos que a maioria dos alunos têm pouca ou nenhuma vivência teatral como espectadores. Como falar de teatro e até mesmo propor reflexões e práƟcas de uma área de conhecimento subjeƟva e distante da realidade dos alunos? Neste aspecto é importante considerar que os alunos, mesmo sem ver teatro, trazem outras referências estéƟcas e imagéƟcas, inclusive para além da teledramaturgia, já que estão conectados ao mundo virtual e nele apreciando videoclipes, filmes, HQs, desenhos, publicidades, entre outros. Considerando este contexto, qual a importância da vivência com o teatro para esse aluno? Entre tantas possíveis respostas, uma se destacou em nosso diálogo: que seja a de ampliar os olhares, as percepções e referências do sujeito, para que, inclusive, ele leia suas próprias referências com novos olhares. Assim, para o processo de construção da subjeƟvidade ( papel da arte), destacamos a relevância de experimentar propostas da arte contemporânea, como nas linhas 29
  • 30. do teatro pós-dramáƟco, que rompe com estruturas convencionais da teatralidade : a exploração de corporalidades e ações extra-coƟdianas; as ocupações alteradas dos espaços comuns; o uso de tecnologias; o abandono da dramaturgia linear e do personagem-psicológico-realista-dramá 30 Ɵco em privilégio do performer-atuador-depoente (que se consƟtui nos cruzamentos entre ficção e biografia); o teatro que permite tomadas de posicionamentos pessoais e políƟcos, e a expressão dos mesmos se lançando numa condição autoral; procedimentos híbridos, acionando diversas linguagens arơsƟcas (diferente da polivalência), entre outros, que favorecem a compreensão da arte, da cena, do arƟsta e da obra para além dos cânones arơsƟcos e do senso comum. Experimentar, e então, compor a diferença entre formação de espectador e formação de público, em ato conơnuo, tornando o espaço da escola contaminado por ações formaƟvas da linguagem / práƟca teatral. De modo a subverter o caráter anƟ-estéƟco das escolas, como chama a atenção a professora Carmela Côrrea Soares, para que esse espaço de formação seja também lugar de experimentação, criação, contestação, descobertas, vivências do intelecto, do afeto, do subjeƟvo. Desconstruindo as barreiras impostas, inclusive para os temas tabus perpetuados na Escola, entendemos que o teatro se torna o ‘respiro’ no espaço escolar, o momento de flexibilização do corpo, das ideias e das relações, de expansão do olhar para o seu mundo naquele território e para além dele. A parƟr do comparƟlhamento de casos vivenciados por nós - debatedores do grupo de discussão do open space, nas diferentes escolas em que atuamos, pontuamos ao final, que a formação de espectador está ligada a proposta de experiências com os alunos que componham novos olhares sobre ele e suas relações, bem como trará novas questões para o docente-arƟsta. Sem fechar ou estabelecer conclusões, encerramos com a clareza da amplitude do tema, e sua importância para as discussões a respeito do Teatro na Escola
  • 31. REGISTRO DE DISCUSSÃO - realizado no processo de Open Space, com o tema: Ensino teatral para crianças de 0 a 5 anos Por Mayron Engel Rosa Santos Debatedores - André Rodovalho, John, Suzi, Neibe, Marcelo, Luis Manuel, Maria de Maria, Marcio e Eduardo. Tópicos elencados e discuƟdos • Especialista ou generalista; Qual a concepção de infância; Vínculos afeƟvos com apenas um professor (psicologia do Eu) ou mudança de paradigma, possibilitando os especialistas, na educação infanƟl. • Ateliê de arte como opção metodológica para o desenvolvimento do teatro. • Professor/ArƟsta: Que possibilita as discussões do seu fazer arơsƟco com os de seus alunos, permiƟndo ser afetado pelo processo. • Guerrilha do espaço; • Conquistas: Relato de experiências que deram certo 31
  • 32. Registro Open Space – Grupo Teatro, sexualidade e gênero na Escola. 32 Por André Rodovalho Transgênero – diferenças. Gênero diferente de Sexualidade. Na escola, tocar nos assuntos de gênero e sexualidade seria uma invasão com possíveis alunos gays e trans? Crianças Trans – Rejeição dos pais. Filmes: Minha vida em cor de rosa e Tom Boy. Brincadeiras na escola: Azul dos meninos Rosa das meninas Fila de meninos e fila de meninas. As crianças levam para a escola muitos preconceitos insƟtuídos pelos pais em casa. Influência dos pais. Influência religiosa nas aulas, nos passeios e fesƟvidades da escola. O professor homem – Professor de Artes. - John. Suspeita de pedofilia, “dar colo”. Marcio – “A criança se sente protegida pela bunda – 0 a 3 anos.” Libertação do corpo. - Teatro na escola – esƟmula a voz, corpo e relação. - A escola: Crianças sentadas, caladas e com os ouvidos abertos. - Estrutura Escolar e Teatro – salas, mesas, cadeiras – salas próprias. Avaliação em sala. Márcio: “O problema da escola está no corpo.” – citação de Guacira Lopes Professor Homem - Banheiros na escola - Roupas que se usa. - Relacionamentos com Mulheres ou Homens? - Sexualidade – “Professor, você é gay?” O Professor gay precisa se assumir? O professor é um referencial para os alunos. “Professor, você é gay?” – Por que a pergunta? - Luis Manuel – Já existe um progresso em relação a décadas passadas. Já não tem problema ser gay na escola? Mídia – Visibilidade gay na contemporaneidade.
  • 33. As pessoas estão virando gays ou há mais abertura para ser quem são? Marcelo – Sexualidade – Lei Maria da Penha. Após a lei, as meninas se tornaram mais violentas na escola, batendo nos meninos. 7º Ano – Sexualidade na matéria de Ciências. John – Adolescentes de 13 e 14 anos fazendo sexo. Precoce. Márcio – Será precoce? Descoberta? Curiosidade? Aula de Sexualidade SÁBADO 30 DE AGOSTO - TARDE A seguir registros das duas oficinas ocorridas simultaneamente. DRAMATURGIAS DO ESPAÇO E A CRIANÇA PERFORMER: DIÁRIO DE 33 BORDO DA OFICINA DE MARINA MARCONDES MACHADO Ricardo Augusto Santos de Oliveira – Mestrando em Teatro na Pós Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista do Projeto ParƟlhas / FAPEMIG ricktchen@gmail.com Cheguei mais cedo com Marina para apresentar a escola. Mostrei a área externa (cozinha, quiosque, parque, páƟo) e todas as salas que ơnhamos disponíveis. Nossa parada foi feita no páƟo, e criamos um espaço de palco e plateia. Um pequeno palco foi colocado com o material que ela uƟlizaria para as provocações da tarde. E os parƟcipantes ficaram sentados em cadeiras enfileiras. O espaço foi reorganizado o tempo todo durante a oficina. Primeiro, o anúncio de que jogaríamos com as cadeiras foi feito muitas vezes durante a fala. Acho que era para irmos nos acostumando e relaxando com a ideia. Ela falou sobre a história de sua vida e falou das crianças, ou algo assim. No meio disso, caminhamos com as cadeiras, fizemos filas, rodas, triângulos, estátuas.
  • 34. 34 DRAMATURGIAS DO ESPAÇO. Estávamos em jogo, entendendo do que se tratava. A maneira como o espaço está organizado diz por si e a exploração dele pode ser uma das formas de brincarmos de teatro com as crianças. O espaço pode potencializar ou podar. As perguntas sobre escola também se relacionavam ao espaço da escola - “Fale sobre escolas assim”, “gostaria de ouvir você falar sobre escolas assado”. A resposta foi clara. Não existem escolas assim ou assado, existe A Escola. Cada uma se organiza da sua forma. CRIANÇA PERFORMER. “A criança pequena espera ou só vive o mundo?” – essa foi uma questão que norteou uma pesquisa de Marina. Observar crianças em situação de espera. Contou “causos”, para os professores de Uberlândia, instantes que observou e que foram registrados em Diários de Bordo. Como o “causo” da menina do ponto de ônibus que brincava com um cordão, transformando o objeto em muitas coisas, enquanto a mãe esperava o ônibus. A criança vivia o mundo enquanto a mãe esperava. Fenomenologia. A árvore de um caule e quatro galhos. Mundialidade no caule, e os galhos são feitos de LinguisƟcidade, Corporalidade, Temporalidade, Outridade. Como nos relacionamos com as crianças a parƟr disso? Como observarmos a criança se relacionar com o mundo a parƟr disso? É isso? Falamos ainda sobre três palavras chaves para a noção de infância de Merleau Ponty: Polimorfismo, onirismo e não-representacionalidade. A capacidade da criança para invenção, a capacidade da criança de poeƟzar o mundo, a capacidade da criança de ser ela mesma e viver. E qual o objeƟvo disso tudo? Deixar brincar, ser você mesmo, ser feliz. Fizemos uma improvisação, dentro de um ônibus – organizado com as cadeiras – enquanto ela narrava uma história: roubo, sonho, outro planeta, ônibus novamente, depois de acordar. Sermos, vivermos, brincarmos. Não era para fingirmos ser criança. Éramos nós, adultos, brincando. Perguntei ainda sobre o Diário de Bordo: “É sempre composto por textos ou também podemos ter recortes, fotografias, vídeos, e outros registros?” A predominância da palavra é importante neste Ɵpo de registro, pois permite observar, descrever, narrar e analisar. Essa foi a resposta.
  • 35. Então eis aqui o meu diário de bordo deste encontro. Uma análise superficial. Um entendimento parcial. Um dos vários escritos a que dei o nome de diário de bordo, sobre os encontros com Marina no I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro, do Projeto ParƟlhas. E só para terminar. Marina disse várias vezes que não quer ser guru de ninguém. E não é. Publicou em seu site agachamento.com, antes de vir a Uberlândia, um texto. Abaixo um trecho dele: Vou falar em Uberlândia: grande tema, a imaginação Percebo, desde um convite anterior, um gosto, por assim dizer, que os estudantes da UFU possuem pela noção de “criança performer”. Meu nome foi mencionado e escolhido novamente pela leitura que fazem do texto “A criança é performer”. No entanto, tenho o plano de chamar a atenção dos parƟcipantes para outros dois trabalhos, que considero complementares – e poderia até mesmo nomeá-los “uma trilogia”: “Fenomenologia e Infância / o direito da criança a ser o que ela é” e “A imaginação infanƟl como um trabalho-em- processo”. Os três textos revelam um pensamento centrado na fenomenologia, que não é uma teoria – é um método filosófico, e portanto um modo de pensar, uma aƟtude, um jeito de ser e estar: conversa com as noções de presença e escuta sensível ao outro. Pois bem, Professora Marina, funcionou. Vou ler os outros textos para outras conversas que teremos em Uberlândia. Até porque Marina fala sobre performance performando, entende? Ela mistura histórias inventadas com memória pessoal, seriedade e brincadeira, num hibridismo sem fim... e no meio de tudo isso ela vai contando, cutucando, alfinetando, provocando, contando sobre suas pesquisas. Literalmente, a tentaƟva é te Ɵrar do lugar, mexer. A sensação é de um redemoinho em estrada de terra. Um vento que não para de colocar areia nos olhos. Marina não vem clarear nada. Vem confundir, fazer refleƟr. As provocações foram deixadas. Algumas atrás da minha orelha. Obrigado! 35
  • 36. DESVELAR O PROCESSO SINGULAR DO DEVIR - ExpectaƟva pelo 1º Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro como mestranda, ainda mais pela oficina de Carminda. 36 Por Isabel CrisƟna Alves Pimenta Braga – e-mail isabel.c.pimenta@gmail.com Ao acaso veio cair em minhas mãos a leitura? A experiência? A poesia? Após comprar vários livros no início deste ano, solicitei um brinde. Ofereceram-me uma obra de produção de texto. Reclamei. Então trocaram pela obra Arte e cultura III. Folheei, reconheci o enfoque da obra, dado à música, e guardei. À procura por contextualização teórica, voltei, vasculhei, descobri o teatro, e encontrei Dra. Carminda Mendes André... Agora me via ali, ao lado dela, minha primeira referência teórica de teatro, na oficina intervenção urbana do Mapaxilográfico. Tendo agora o privilégio da dupla emoção: a autora e o contexto. Neste movimento, foi senƟda a apreciação pelo conhecimento, por conexões entre a leitura, experiência e poesia. Ao tentar compreender o senƟdo da intervenção, reunidos em meio a uma família de foliões do bairro Patrimônio, em Uberlândia, somos envolvidos por narrações, diante de arƟstas. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. (BONDÍA, 2002). Encontrei sujeitos à deriva da sociedade, que não aparecem, mas ao nos aproximarmos reconhecemos pontos comuns. Sujeitos que se constroem na simplicidade de seu percurso e se revelam em riqueza própria.
  • 37. Por meio das linguagens o sujeito se aproxima ou se distancia do mundo, formando assim várias imagens de realidade. E todas elas juntas consƟtuem a cultura e, portanto, nosso conhecimento sobre o real. (ANDRÉ, 2004. p.103). A forma como se apresentam, a trajetória da formação do grupo e como se consƟtuíram, bem como as histórias ali contadas com uma linguagem bem peculiar, produzem um conhecimento possível, a compreensão na comunicação estabelecida, mediada e percebida pela imagem da realidade, presente em forma de arte. A poéƟca narraƟva nos apresenta à diversidade, nos provoca e nos leva a inferir questões relacionadas às relações de poder. Para André, o estado de consciência, interfere na maneira de comunicar do poeta-sujeito. O encontro essencial da intervenção, entre nós espectadores e a comunicação de um ator, Bolim, transforma as relações humanas de comunicação pela presença, consequentemente, presença teatral. Revela o outro corpo no meu corpo, em devir aƟvo. O movimento do acaso nos conduz a um devir do coƟdiano. Para FuganƟ é impossível estar fora do devir, pois o devir não é um acidente na existência, e sim ele é a própria essência, sem a qual não haveria a existência, muito menos a auto – sustentabilidade. O devir se consƟtui da experiência vivida. Percebo a intervenção urbana como jogo, que nas origens ritualísƟcas do coleƟvo, é algo que comunica. O jogo na qualidade de atuação se disƟngue em sua representação de mundo. Nessa experiência, vejo um processo de produção de conhecimento que emerge de conexões, nas relações humanas - construir na parƟcipação, a poéƟca da comunicação. REFERÊNCIAS: BONDÍA, Larrosa Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. 37 Revista Brasileira da Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2002.19.
  • 38. 38 Relato da Experiência com Intervenções urbanas na cidade de Uberlândia Por Carminda Mendes André A oficina de intervenção urbana, dentro do “ParƟlhas”, configurou-se para Carminda, Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios, mais uma oportunidade de apresentar suas pesquisas arơsƟcas e educaƟvas, a interessados em arte-educação. Nelas, seus propositores buscaram aproximar a universidade (representada pelos parƟcipantes da oficina) e comunidades visitadas. O trabalho é feito a parƟr do entendimento da intervenção urbana como um modo de arte capaz de funcionar como procedimento arte-educaƟvo. Essa ação foi realizada em cinco dias. O primeiro dia aconteceu em São Paulo, na casa de um dos integrantes, para que o grupo dos pesquisadores arƟstas pudesse levantar informações sobre a cidade de Uberlândia, sua história, problemas. O foco de atenção volta-se para assuntar grupos de resistência para, finalmente, escolher o bairro para a realização da intervenção urbana. Patrimônio mostrou-se um bairro interessante porque: parecia ser ali onde teria nascido a cidade, um bairro com uma comunidade de negros e com muitas manifestações culturais, mas também um bairro que sofreu um brutal processo de transformação com o crescimento da cidade, expulsando a maioria dos anƟgos moradores para zonas mais distantes, esfacelando a comunidade. Mas, ao que tudo indicava, havia ali alguns integrantes importantes do anƟgo Patrimônio, e era com eles que desejou-se conversar em Uberlândia. Com o apoio e incenƟvo de Vilma Campos - uma das coordenadoras do Projeto ParƟlhas - naquela ocasião fizemos a escolha do bairro, seguimos para o aeroporto. No segundo dia, já em Minas Gerais, junto com Gabriela Neves Guimarães (Gabi) - única moradora de Uberlândia entre nós - fizeram o procedimento da deriva.
  • 39. Deste passeio afeƟvo encontramos a primeira paragem: o Buteco do Sr. António. Depois de alguma prosa sobre o bairro, e de o genƟl homem apresentar sua família por meio de fotos, soube-se da existência da Folia de Reis que acontecia por ali. Então, Sr Antonio indica que se vá até a casa do Sr. João Rodrigues (Bolinho) e Enersino João da Cruz (Nersinho) pois com eles seria possível obter mais informações sobre o Bairro. Assim foi feito. A segunda paragem foi a visita ao Sr Enersino e Dona Eunice, foliões e responsáveis pela Folia de Reis Pena Branca, a mais anƟga do bairro. Depois de alguma prosa e historias sobre a família, sua relação com a Folia e com o bairro, o casal nos indica a casa do Sr. João Rodrigues (Bolinho), por ser nascido no bairro e grande conhecedor de histórias do lugar. Já ai armamos um retorno com os estudantes, depois de dois dias, para que o casal pudesse contar sobre o bairro e a Folia. Na casa de Sr João Rodrigues (Bolinho), encontramos apenas Dona Maria Aparecida (Cida), que nos recebe como se há muito já nos conhecesse, nos convidando a entrar, a prosear e a tomar aquele cafezinho gostoso que só as mineiras sabem fazer. À noite, já avisado, Sr João Rodrigues (Bolinho) aceitou parƟcipar do encontro na casa do Sr Enersino. Pronto. As condições para a intervenção urbana já estavam armadas. No terceiro dia, acontece a única “aula” em que os pesquisadores paulistas apresentam algumas intervenções urbanas para iniciar um pequeno debate sobre arte urbana, e logo partem para mostrar modos de uso dessa arte atrelada a processos educacionais não formais, realizados pelo Mapa Xilográfico (coleƟvo arơsƟco no qual se integram Diogo Rios e Milene ValenƟr Ugliara). Apresentou-se a pesquisa sobre o bairro Patrimônio para os parƟcipantes da oficina (professores e estudantes da UFU e de outros Estado) e logo parƟu-se para pensar modos de realização do encontro na casa do Sr Enersino. No quarto dia, conforme o combinado, uma mesa foi improvisada no quintal do casal. Ali oferecemos comidas e bebidas para todos. Duas câmeras foram instaladas, um palco foi improvisado e a ação dos universitários foi deixar-se em estado de escuta conforme os visitados iam chegando e se animando a nos contar histórias de vida, do bairro, da Folia, do Carnaval. 39
  • 40. 40 No quinto dia comparƟlhamos sensações e perguntas sobre o ocorrido com todos do Projeto. Como surgiu esse modelo de ação arte-educaƟva? Em 2011, o ColeƟvo Mapa Xilográfico1 ministra oficina de intervenção em conjunto com a docente Carminda Mendes André em disciplina de Teatro e Educação no curso de Licenciatura em Arte – Teatro do InsƟtuto de Arte da UNESP, resultando na intervenção inƟtulada BANANA POR SAMBA. Dentre outros resultados, essa intervenção urbana realizada pelo bairro da Barra Funda, escava a história da comunidade de cultura negra que vivia nesse lugar que, por muitos pesquisadores, é considerado o berço do samba paulista. No entanto, pela força do capital imobiliário em conjunto com o poder público, um plano de “revitalização urbana” suscita várias ações de valorização imobiliária no bairro, expulsando e dispersando seus anƟgos moradores. Importante para o aprofundamento da pesquisa do grupo, foi trabalho realizado pelo Mapa Xilográfico que deu origem ao documentário (À) DERIVA. Metrópole São Paulo e a própria tese de mestrado de Milene ValenƟr Ugliara MapaXilográfico: errâncias na metrópole (2013). Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios integram o grupo de pesquisa PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS (Cnpq), coordenado por Carminda Mendes André, no InsƟtuto de Artes da UNESP. Em anos anteriores, as aƟvidades de estudo desse grupo (com outros integrantes) consisƟu em leituras de textos de autores que tratam da pedagogia libertária, principalmente os estudos do professor Dr. Silvio Gallo. Outro tema de estudo esteve às voltas do conceito de “experiência” aproximado à educação e foi nos rastros da pesquisa da professora Dra. Luiza Christov que o grupo aproximou-se das concepções de educação escolar de John Dewey, Michel de Montaigne e Jorge Larrosa Bondía. Também estuda-se o método de estudos de campo da antropóloga Jeanne Favret-Saada, Ranciere. O objeto de estudo, naquela ocasião, era a formulação do conceito de “experiência” e seus possíveis desdobramentos práƟcos em processos arte-educaƟvos. ¹Ver em: hƩp://mapaxilografico.blogspot.com.br/p/blog-page.html Acesso em 20/09/2014.
  • 41. No campo do estudo das artes, o grupo aproximou-se das reflexões de arte contemporânea do professor Celso F. FavareƩo, principalmente no que tange às tensões entre arte e vida. O objeto desse estudo era a reflexão sobre éƟca e estéƟca. No campo do estudo da práƟca arơsƟca, o grupo aprofunda-se na modalidade da intervenção urbana, fora da história das formas, uma arte que não se caracteriza como categoria estéƟca, mas, sim, como procedimento arte-educaƟvo. Desmembramentos dos estudos. Depois da intervenção urbana BANANA POR SAMBA, outra práƟca importante para os três arte-educadores, aconteceu em 2013, na cidade de Palmas no Estado de TocanƟns, quando realizaram oficina de intervenção urbana na Universidade Federal de TocanƟns. Ali, trabalharam com uma comunidade ribeirinha deslocada e desarƟculada de seu território por causa da construção de uma barragem. Tal ação foi realizada juntamente com estudantes e professores do curso de Licenciatura em Filosofia e Teatro, da Universidade Federal do TocanƟns. No povoado chamado Canela aconteciam as Festas de Junho e Dezembro ligadas às datas religiosas cristãs. Com a mudança da comunidade, dispersos por bairros periféricos de Palmas, os foliões vivem dificuldades para manter a festa. A ação poéƟca ali foi comparƟlhar histórias e modos de resistência para o grupo manter suas tradições. Em Uberlândia ouviu-se histórias semelhantes ao ocorrido no bairro da Barra Funda. Em Minas, a comunidade anƟga do bairro do Patrimônio vem sendo expulsa e dispersada pelo mesmo processo do capital. A políƟca aliada à empreiteiras e incorporadoras agem da mesma maneira desrespeitosa e perversa. O que nos faz pensar que a democracia brasileira só será alcançada, de fato, quando uma reforma políƟca desmoralizar tais práƟcas de trocas, redirecionando a políƟca para as necessidades da sociedade em si, e não do capital. A oficina realizada em Uberlândia, no mês de agosto de 2014, dento do Projeto ParƟlhas, parƟcipa do desmembramento da pesquisa dos três arƟstas educadores, que nessa proposta buscaram a experiência da intervenção urbana como mediadora, entre a comunidade universitária e grupos culturais que sofrem brutais processos de apagamento. A 41
  • 42. ação arte-educaƟva funciona, nesse processo, como propositora de laços afeƟvos e arơsƟcos entre universidade e comunidades visitadas. O reconhecimento da arte e dos modos de vida desses sujeitos, como campo de aprendizagem, tem sido um dos desafios das intervenções urbanas elaboradas pelos propositores. 42 De todas as leituras feitas, teses defendidas, publicações organizadas no campo do discurso críƟco à educação universitária insƟtucional brasileira, certa necessidade se fez unânime: a de buscar outros atalhos para pensar a função da arte na formação do professor de teatro. Para isso, os três oficineiros vêm perguntado a todos os parƟcipantes: que escola queremos? Ou, a escola é necessária? Para responder, deparam-se com outras questões: Que Brasil queremos? Que sociedade queremos? Que vida queremos para nós e nossos descendentes? Nesse momento, o grupo de pesquisadores envereda-se na busca por caminhos não trilhados, refleƟr a parƟr de epistemologias não conhecidas. Foi no caminho da corrente pós-colonialista que os arte educadores encontram ressonância teórica à práƟca da intervenção urbana tal como aqui a executa. Insistem, no campo da formação do professor de artes, no fazer aproximado aos processos de criação encostados às artes contemporâneas, principalmente a performance e a intervenção urbana, quando aproximadas às abordagens antropológicas. O processo arte-educaƟvo desenvolvido é o uso da intervenção urbana como táƟca pedagógica, capaz de tornar visível modos de vida silenciados, e que engendram, por sua vez, outras funções para a arte. Para usar o conceito do professor português Boaventura de Sousa Santos, os arƟstas pesquisadores buscam epistemologias do sul, epistemologias que levem seus observadores a outros modos de pensar e fazer a relação entre arte, educação e vida. Dois conceitos: Intervenção Urbana por Carminda Mendes André Intervenção Urbana pode ser compreendia com expressão arơsƟca que dialoga com os modos de vida nas grandes cidades da contemporaneidade; mas pode ser compreendia também como ação políƟca na forma aƟvista. Pode ser compreendida como a expressão
  • 43. de subjeƟvidades que resistem à insƟtucionalização da guerra como modo de vida. Pode ser expressão de quem se nega a combater para não perpetuar a relação guerreira insƟtuída e naturalizada. É uma ação pacifista. Nessa perspecƟva, as Intervenções Urbanas parecem mostrar uma civilização em que os indivíduos vivem uns contra os outros, que não há sujeito neutro, civilização em que uns são sempre adversários de outros. Para tais aƟvistas, esse parece ser o signo que rege a concorrência, a dialéƟca, a luta de classes. Tudo está em luta para manter a guerra. O mercado é a guerra. É essa uma percepção de mundo possível para arƟstas intervencionistas. No entanto, diferente da arte políƟca moderna, a arte intervencionista não trabalha para a “grande revolução”, mas uƟliza os instrumentos de poder como táƟca de ação. Ao usar a terminologia da guerra, entende-se a estratégia como a ação de quem domina o território em que se localiza a luta e a táƟca, como a ação de desapossados e de quem está em baixo, fraco, vigiado. Nesse senƟdo, a força do sujeitado está em sua astúcia mais do que em sua visão de totalidade. A táƟca é movimento dentro do campo de visão do inimigo e no espaço por ele controlado. Nessa perspecƟva, podemos dizer que a Intervenção Urbana é uma táƟca de guerrilha cultural. Como guerrilha, a arte intervencionista atua clandesƟnamente para provocar a desordem do que está insƟtuído, ordenado, naturalizado. Intervir não é somente aparecer em um lugar imprevisível, intervir é causar desordem; pretende-se realizar uma insurgência. Não se pretende tomar o poder e não se trata de conscienƟzar o transeunte ou o espectador ou a população de algo que eles não saibam. A Intervenção Urbana aproxima-se, nesse aspecto, do anarquismo pois se trata de uma ação independente. Em seus aspectos formais, a arte da Intervenção Urbana é consƟtuída por tudo e todos que estão nas ruas: Ɵpo de urbanismo, obras de arte públicas, ambulantes, moradores de rua. Temos dificuldade em querer catalogar essa arte dentro das classificações clássicas (artes visuais, teatro, música, dança). É arte que se consƟtui por elementos vindos de diferentes áreas do conhecimento. Não há, porém, pretensão de se produzir uma obra resultante da conjunção desses elementos. Sua 43
  • 44. estrutura é móvel, permeável e se movimenta conforme a aproximação e a contra-cena com o outro. Também os coleƟvos de arƟstas intervencionistas são consƟtuídos por atuantes de diferentes áreas do conhecimento: arƟstas, professores, estudantes, outros. 44 Por ser uma insurgência, a arte da Intervenção Urbana não pede autorização para sua presença – e, em sua genuína ação aƟvista, ela não é insƟtucionalizada – por isso, muitas vezes, é traduzida socialmente como vandalismo. A ação se faz em espaços vazios, espaços em que os olhos vigilantes não enxergam ainda. Nesse senƟdo, o arƟsta intervencionista é um caçador de fissuras nos esquemas de controle daqueles que dominam o lugar. Por isso, essa arte aparece em lugares não previstos para sua presença. A Intervenção Urbana não pretende esteƟzar o coƟdiano das cidades. Ao determinar as funções dos espaços públicos, o Estado tende a criminalizar outros usos. Esse fato é compreendido como um sequestro da autonomia da população para fazer uso de um espaço que se julga pertencer ao coleƟvo. A Intervenção Urbana potencializa a guerra entre Estado e população, não para tomar o poder, mas para problemaƟzar os regimes de verdades. No Brasil, esse Ɵpo de arte aparece na década de 1970 e os coleƟvos pioneiros citados entre os estudiosos são: 3nós3, Viajou sem passaporte e Manga Rosa. No entanto, é a parƟr dos anos de 1990 que os coleƟvos se mulƟplicam para exercitar essa expressão arơsƟca que reaparece, com força de protesto, nas ruas das grandes cidades. Deriva por Milene V. Ugliara Derivas são basicamente caminhadas fora de qualquer funcionalidade ou fim específico; deixar-se levar pelas solicitações do próprio lugar, permear o espaço. Através das derivas é possível cavar novas trilhas nos caminhos compactados da cidade; como diz Debord, está indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de efeitos de natureza psicogeográfica2 e à afirmação de um comportamento lúdico-construƟvo, ² Psicogeografia, termo uƟlizado por Guy Debord, se refere ao estudo do meio geográfico, com ou sem planejamento, e como o mesmo interfere diretamente no comportamento afeƟvo dos indivíduos.
  • 45. o que o torna absolutamente oposto às tradicionais noções de viagem e de passeio. (em JACQUES, 2003, pg 87). A deriva se apresenta como uma proposta de deslocamento, como um mecanismo para vivenciar uma “outra” temporalidade, um mergulho nos intersơcios do espaço urbano, diferentemente da viagem e do passeio que se aproximam somente de uma camada bastante superficial do lugar visitado. BIBLIOGRAFIA BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS E MARIA PAULO MENESES (org.) Epistemologias do sul. São Paulo: Cortez, 2013. FAVARETTO, Celso. Deslocamentos: entre a arte e a vida. ARS Ano 8 nº 18. PDF. FOUCAUTL, Michel. História da sexualidade III. O cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985. _________________ O governo de si e dos outros. São Paulo: WMF MarƟns Fontes, 2010 – (Obras de Michel Foucault). GALLO, Silvio. SubjeƟvidade, ideologia e educação. São Paulo: Alínea e Átomo, 2009. ________Em torno de uma educação menor. Revista Educação Realidade, 2002. FAVRET-SAADA, Jeanne. “Ser afetado”. Caderno de campo, N13, ano 14, 2005 –USP, FFLCH. GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas, SP: Parirus, 1990. IKEDA, Alberto Tsuyoshi. Folia de Reis, Sambas do Povo (Cadernos de Folclore, v.21). Ed SJC-SP, CECP, FCCR, 2011 (Fundação Cassiano Ricardo). MarciaCrisƟnaHizimPELÁ, CeleneC. M. AntunesBARREIRA. Patrimônio: oitava maravilha do mundo e/ou enclave de pobreza? hƩp://xiisimpurb2011.com. br/app/web/arq/trabalhos/7d07ed3514afc31d4ebc206e240982f5.pdf Acesso em 13/09/2014. 45
  • 46. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. UGLIARA, Milene ValenƟr MapaXilográfico: errâncias na metrópilos. Dissertação de Mestrado. InsƟtuto de Artes da UNESP, 2013. Acesso 20/09/2014. Documentário (À) DERIVA. Metrópole São Paulo. hƩp://mapaxilografico.blogspot.com.br/ Acessado em 20/09/2014. SEKEFF, Maria de Lourdes, ( Org.); Zampronha, Edson S.,( Org.) Arte e Cultura III: Estudos Transdisciplinares. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004. hƩp://escolanomade.org/pensadores-textos-e-videos/fuganƟ-luiz/ corpo-em-devir-palestra-transcrita. 46
  • 47. DE MARIA, Maria (QUIALHEIRO, Maria). O que carrega uma sacola de tesouros? Uberlândia: Trupe de Truões. Universidade Federal de Uberlândia; professora subsƟtuta. Atriz e gestora. RESUMO Escrevo para dizer o que não foi dito, com uma voz incessante, como quem busca palavras para não ter que se calar. Amaldiçoada pela herança de Xerazade, que mora em mim, “peço-lhe, por favor, que me deixe entrar para entreter-te mais uma úlƟma vez”, preciso atuar para que me seja permiƟdo viver, por mais esta noite. Abre-te sésamo! 2006 inicia um novo ciclo, o de contar esta história. A minha história. Com um único objeto, a Trupe de Truões, grupo teatral uberlandense do qual faço parte, e que me ensina que é possível contar uma história de 1001 maneiras. Um bando de “alunos” sai em disparada, rumo ao Sul, sem saber ao certo onde chegariam. Proponho, com esta comunicação, uma desmontagem do espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões, por meio da apresentação de fragmentos de cenas e o dissecar delas. Pretendo, ainda, realizar um diálogo sobre metodologias de pesquisas imbricadas na práƟca arơsƟca do arƟsta-docente. 2014 encerra este ciclo. Esta desmontagem surge da necessidade de revelar parte do processo de criação do grupo, concomitante ao meu processo arơsƟco e minha trajetória pessoal. PALAVRAS-CHAVE: desmontagem: processo criaƟvo: contação de histórias; Ali Babá e os 40 ladrões: arƟsta-docente. 47 DOMINGO 31 DE AGOSTO No domingo pela manhã houve o comparƟlhamento das experiências vivenciadas nas oficinas do sábado à tarde, e no domingo à tarde foram apresentadas três desmontagens e uma palestra que resultaram nos textos a seguir.
  • 48. O que carrego em minha sacola de tesouro? 48 Foi uma noite inesquecível, durante três dias e três noites houve muita música, dança, queima de fogos e um banquete sem fim com as melhores iguarias do mundo, e durante muitos e muitos anos todos os habitantes daquele reino viveram em paz e prosperidade. Até que... (XERAZADE). Abre-te sésamo: O 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro Por que se fazer uma desmontagem cênica? O que gostaria de revelar? Para quem? Qual o objeƟvo de fazê-la? O que a desmontagem do espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões significaria para o meu grupo? Muitas questões pairavam e eu não sabia ao certo a razão de realizá-la. Por outro lado, era certo o desejo de fazê-la, de me colocar à prova, em risco, em uma proposta para que algo me acontecesse. Fui encorajada por amigos e parceiros da Arte para que a fizesse, o que me deixou ainda mais curiosa para a experiência. O 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, dentre as possibilidades de parƟcipação que ofereceu, abriu espaço para a realização de desmontagens. Vejo que há ainda pouca bibliografia acerca deste tema, todavia, na contracorrente desta escassez, o Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia vem colaborando com as invesƟgações a respeito do assunto. Neste ano, publicou a revista Rascunhos, coordenada pela professora Dra. Mara Leal, junto a alunos da Pós-Graduação, cujo tema girou em torno da importância da desmontagem como procedimento arơsƟco-pedagógico. É, nesta perspecƟva, que o 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro também abraça as iniciaƟvas da Pós-Graduação em Artes, fortalecendo o campo para a realização e reflexão acerca de práƟcas arơsƟcas contemporâneas. Pelas referências dos ainda poucos autores que se dedicam a falar sobre o tema, percebo que há um ponto em comum na realização de desmontagens, e que talvez caracterize este modo de ‘dar-se a ver’ à cena, disposiƟvo ou provocação para a mesma: o fato de que não se sabe, ao certo, o que acontecerá em uma desmontagem. Ela se dá no
  • 49. momento do ato em si e, posteriormente, espera-se tecer algum Ɵpo de reflexão sobre ela. Após tentar organizar uma desmontagem, percebo-a como um potente mecanismo pedagógico de atuação, pelas ações que o ato é capaz de revelar, talvez nem tanto para o outro, espectador, mas principalmente para quem a realiza, o ator. Santos (2014, p. 164), em arƟgo para a revista Rascunhos, e ancorado nos estudos de Ileana Diéguez (2009), conceitua Desmontagem Cênica: Este procedimento pode ocorrer de vários modos em contextos múlƟplos, com o objeƟvo de desvendar os processos de pesquisa e montagens de espetáculos, apresentando suas tessituras e percursos criaƟvos. Esta apresentação ocorre a parƟr da escolha que o arƟsta faz em mostrar ou ocultar os procedimentos criaƟvos surgidos no decorrer da criação de um espetáculo. Ao pensar sobre qual seria minha parƟcipação no 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro – se faria uma comunicação, se parƟciparia como ouvinte, ou ainda, se contribuiria para a discussão de um tema específico ligado ao meu lugar de arƟsta-docente (no open space) –, ocorreu-me, com certa força intuiƟva, realizar uma desmontagem do espetáculo infantojuvenil Ali Babá e os 40 Ladrões, concebido em processo colaboraƟvo pela Trupe de Truões, grupo do qual faço parte, cuja montagem comporia a grade de aƟvidades do presente evento. Parecia-me uma oportunidade perfeita, uma vez que os parƟcipantes poderiam assisƟr ao espetáculo e depois assisƟr à desmontagem, o que engendraria novas conversas, pontos de vistas, feedbacks e reflexões sobre o trabalho. Para nenhuma das perguntas que apresento, na introdução deste texto, Ɵnha resposta clara. Intuía, entretanto, que a realização desta desmontagem me moƟvaria a dar conƟnuidade ao meu processo de criação como atriz, e ampliaria os campos de conhecimento sobre o meu oİcio. Ileana Diéguez (2009, p. 10), uma das precursoras a dedicar-se sobre o tema “desmontagem”, aponta que este movimento de reinventar o teatro, principalmente na América LaƟna, tornou-se um potente mecanismo de reflexão sobre a cena. Nas palavras da autora: 49
  • 50. 50 Optar por comparƟr procesos de trabajo, y no lo sólo mostrar resultados, es emprender iƟnerarios arriesgados, en una dirección muy disƟnta al montaje o representación de un texto previo. Lo que se decide comparƟr o mostrar no es una técnica o regla de cómo hacer el trabajo de mesa para interpretar el texto o como reparƟr los papeles entre los actores y marcarles un trazo escénico. Quizás por ello estas experiencias contribuyen a extender el horizonte de estrategias poéƟcas, ponen a prueba los tradicionales cánones, abren puertas, oxigenan los marcos y, muy especialmente, proponen nuevos retos para quienes estudian y reflexionan em torno de la escena. Tendo compreendido a realização de uma desmontagem como um possível mecanismo pedagógico, senƟ-me pronta para desmontar Ali Babá e os 40 Ladrões. Antes, entretanto, foi preciso revirar memórias, fotografias, textos, anotações, sensações, figurinos anƟgos, tudo o que pudesse me auxiliar na busca deste novo desafio. Ali Babá e os 40 Ladrões: Montagem, (Re)montagem, (Des)montagem A história da montagem de Ali Babá e os 40 Ladrões abre e encerra um ciclo na trajetória da Trupe de Truões. Em 2006, dá origem à formação atual do grupo, e é marcada pela primeira conquista de um edital a nível nacional, o Prêmio Myriam Muniz de Teatro, em sua primeira edição. Eu, recém-graduada em Educação ArơsƟca com habilitação em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Uberlândia, fui tomada pelo desejo efervescente de consolidar o grupo, de criar um repertório, de viajar pelo país. De lá pra cá, foram 5 versões deste texto, até chegar na que estreamos em junho de 2014. Neste ano, em que me encontro como docente do Curso de Teatro, na mesma Universidade onde me formei, a Trupe de Truões reestreia o espetáculo por meio de uma remontagem, fruto da mudança de olhar e entendimento do Teatro nesses 8 anos que nos atravessaram. Na remontagem de Ali Babá, ơnhamos a figura de Xerazade como mote, evidenciada pelo co-diretor desta versão, Getúlio Góis, também integrante da Trupe de Truões. Desde o início do processo,
  • 51. Getúlio nos trouxe a importância da metáfora de Xerazade, na ação de contar histórias a cada dia para se manter viva. Ele dizia que era preciso “tomar para si o mito”, quesƟonava a nossa busca ali naquele momento. Qual era a nossa história? Por qual razão a contávamos? Desgranges (2004), em texto que reflete o lugar do teatro e da educação, traz à tona outra metáfora da fábula de Xerazade, interpretada por Sônia Kramer (1993), que analisa como a ação de narrar e ouvir histórias auxilia o rei Xeriar em sua compreensão críƟca. De acordo com Desgranges (2004, p. 9) Ouvir a contação das histórias consƟtuiu-se, neste senƟdo, em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à própria existência; ao passo que interpretava as histórias narradas, revia criƟcamente aspectos de sua vida, tomando consciência da própria história, estando, assim, em condições de transformá-la. [...] A experiência arơsƟca se coloca, deste modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando: a revisão críƟca do passado; a modificação do presente; e a projeção de um novo futuro. Creio ser este modo de colocar a experiência arơsƟca - como ação reveladora da própria vida - o que mais me insƟga, uma vez que dialoga com as minhas razões para realizar a desmontagem de Ali Babá, sobre a qual contarei mais adiante. Em paralelo às questões e provocações que me atravessavam durante o processo, o grupo passava e ainda passa (acredito que seja uma constante em grupos teatrais de norte a sul do país) por crises éƟcas, estéƟcas, divergência de desejos arơsƟcos e principalmente sobrecarga İsica e psicológica, em decorrência de afazeres burocráƟcos e administraƟvos. Tais crises manifestaram-se em mim somaƟcamente, em dias próximos às apresentações de Ali Babá. Em princípio, essas reações me pareceram coincidência, depois, concluí que estavam inƟmamente ligadas a todo o processo de remontagem deste espetáculo, especificamente em relação ao que ele significava pra mim, e ao que representava realizá-lo naquele momento de minha vida. Em minha trajetória no grupo, tem se tornado cada vez mais presente e paradoxal a escolha por um caminho a seguir. De um lado, 51
  • 52. o desejo de ser atriz em um grupo de teatro situado no interior do estado, que, além de ser um lugar idealizado de autonomia criaƟva, requer dedicação coleƟva em tempo integral, a fim de entender e dar conta de uma sobrevivência diretamente ligada à cultura de mercado. De outro, a vida acadêmica, que me possibilita, com certo conforto, dar conƟnuidade às pesquisas de linguagens, invesƟgações e experimentações, no exercício da licenciatura, bem como parƟcipar de processos formadores que se dão em congressos, simpósios, colóquios, entre outros. Há diferenças e intersecções entre os caminhos e modos de saƟsfação díspares em cada um deles. Coabitar estes lugares, às vezes, me põe em xeque e gera conflitos. A busca pelo papel de arƟsta-docente 52 é um exercício permanente de “aperta e afrouxa”. (Des)montagem: O que carrego em minha sacola de tesouros? Em um primeiro momento, o objeƟvo era o de apresentar ao público uma demonstração técnica da metodologia de criação de Ali Babá, o que possivelmente revelaria o amadurecimento e a trajetória profissional da Trupe de Truões, no entanto, a desmontagem foi, além do caráter técnico, tocando em questões delicadas e significaƟvas pra mim, enquanto co-fundadora do grupo e atriz deste espetáculo por um período de 8 anos. A organização do material selecionado para a desmontagem passava pela recuperação não só de objetos, textos, imagens e gestos, mas de memórias e arquivos sinestésicos, o que, a parƟr de minhas lembranças e do exercício de descrevê-las, obrigou-me a reconfigurar a própria vida. Ademais, faltava-me um roteiro. Segui um ritual inspirado por Getúlio Góis (2014, p. 129) no texto “VESTÍGIOS CALLE: a caixa preta ou meu corpo é um hd”, escrito para a revista Rascunhos, cuja adaptação apresento a seguir.
  • 53. Roteiro: (rascunho) 1. Eu, à frente, fazer a coreografia inicial (primeira versão) e com o vídeo ao fundo (quarta versão). 2. 12 bastões: jogo de pega varetas; marcação dos atores no chão (1ª cena, 1ª versão). 3. Argila – o ritual; despejar a terra – Como o tempo opera na minha trajetória, na do grupo, na concepção da cena? 4. Cenas com/sem bastão (evidenciar o desapego ao bastão). 5. Objetos: figurino anƟgo e atual. Fotos: maquiagem anƟga e atual. 6. Narração final: 2x; narrador-personagem x contador de histórias. O roteiro serviu-me de base para que me lançasse neste espaço-tempo chamado desmontagem. Quis evidenciar a diferença entre o Ali Babá anƟgo e o novo. A montagem atual trabalha com arƟİcios mais ritualísƟcos e, por isso mesmo, evoca nos atores a sensação de que estamos nos submetendo a algo em que acreditamos. A ação de maquiar o outro em cena, com argila, nos transporta para um lugar outro, bem diferente daquele de quando fazíamos uma maquiagem tradicional carregada. Quis trazer alguns destes elementos para a desmontagem, sem necessariamente repeƟ-los ou tornar o ato em demonstração técnica. Por exemplo: ao invés de passar a argila molhada no rosto, optei por despejar terra seca, como em uma ampulheta, para evidenciar o aspecto empoeirado do tempo e, com isso, percebi que criei novas metáforas. No momento da desmontagem, sozinha em cena, não sabia ao certo o que fazer ou qual era a ordem do meu roteiro pregado à parede, fui ora me perdendo, ora resgatando memórias, ora sendo atriz, ora me recordando de que era agora professora daquele Curso. 53
  • 54. Fui permiƟndo desmontar-me frente aos que ali estavam, mostrando minhas fragilidades, angúsƟas, alternando fraquezas e virtuosismos. Uma (des)montagem de Ali Babá e os 40 Ladrões: reflexões de uma arƟsta-docente 54 No 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, três apenas foram as desmontagens inscritas e apresentadas - talvez por ser um terreno novo, ainda arenoso, ou pelo próprio caráter de efemeridade e vulnerabilidade que este formato requer. Bastante diferentes uma das outras, creio que foram enriquecedoras para os que se dispuseram a fazê-las e também para os parƟcipantes (público) do evento, que puderam entender mais sobre essa práƟca arơsƟca contemporânea. André Luz, em sua desmontagem inƟtulada “Ela é uma princesa: uma discussão sobre gênero em performance”, criou uma 2ª performance em que se propôs a “desmontar” uma ação performaƟva anterior, ao meu ver de forma complementar à primeira3. Getúlio Góis apresentou a desmontagem “O desejo do neutro na escuta do espaço escolar”, uƟlizando a estrutura possível de uma desmontagem como um disposiƟvo para auxiliá-lo em seu processo de escrita, bem como os materiais selecionados e dispostos ao seu redor, como instrumentos para auxiliá-lo na organização do pensamento. O comparƟlhamento destas experiências, no 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, fez-me descobrir esta forma de reelaborar os próprios discursos como um ato cênico ao avesso e que, diferentemente do teatro, que é feito pensando no público que o assiste, a desmontagem pode ter seu foco no arƟsta que a realiza. Ainda sim, necessita incondicionalmente da presença do público, pois só assim conseguirá um efeito tal, do estado de cena (o estar em cena), que lhe permiƟrá ser capaz de desmascarar-se perante o outro. Foi bom ter feito a desmontagem e considero que ainda estou fazendo-a. Esmiuçar as razões para tê-la feito e tentar discursar sobre os olhares lançados a ela, presentes neste texto, são processos de reflexão ³André Luz, ex-aluno do Curso de Teatro da UFU, é ator da performance “Ela é uma princesa”.
  • 55. da práxis de arƟsta-docente. Surgem novas questões, e a incerteza sobre se voltarei a fazê-la. É possível que faça outras... Foi importante como um mecanismo de regeneração, expurgação, conhecimento. Uma tentaƟva de busca pela compreensão de meu oficio. Tive a oportunidade de vislumbrar como operaram as ações do tempo nestes 8 anos. As minhas transformações enquanto atriz e mulher, o modo como tecnicamente o espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões amadureceu, e de que maneira o grupo e seus desejos mudaram, como isso influencia diretamente o meu modo de ser e estar nele. Referências bibliográficas BITTER, Sigrid. Percursos de uma desmontagem: Memórias autobiográficas num processo arơsƟco-pedagógico. Rascunhos. Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 101- 114, jan./jun. 2014. DESGRANGES, Flávio. Quando teatro e educação ocupam o mesmo lugar. Caminho das Artes / A Arte Fazendo Escola, São Paulo, v. 1, p. 16-35, 2004. DIÉGUEZ, Ileana. Desmontagem Cênica. Rascunhos. Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 5-12, jan./jun. 2014. (tradução de Gilberto dos Santos MarƟns e José Raphael Brito dos Santos). DIÉGUEZ, Ileana. Des/tejer, Desmontar, De/velar. (A modo de introducción). In: ______. (Org.). Des/Tejiendo Escenas. Desmontajes: procesos de invesƟgación y creación. México: CITRU-INBA-CNA, 2009. p. 9-20. FARIAS, Tânia. Uma história ínƟma de criação. Rascunhos. Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 32-47, jan./jun. 2014. 55
  • 56. GÓIS, Getúlio. Vesơgios Calle! a caixa preta ou meu corpo é um HD. Rascunhos. Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 123-132, jan./jun. 2014. LAROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 19, p. 20-28, jan/fev/mar/ abr. 2002. LEAL, Mara. Apresentação: Desmontagem como procedimento arơsƟco-pedagógico. 56 Rascunhos. Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 2-4, jan./jun. 2014. LOPES, Maria Cláudia S. Anơgona em desmontagem: o processo como obra. Diário de Classe Teatral, Uberlândia, n. 4, p. 11, dez. 2011. LORRAN. Rafael. Tânia Farias In Process: sobre o rito da desmontagem de uma atriz sem órgãos. Diário de Classe Teatral, Uberlândia, n. 6, p. 3, dez. 2011. RALLI, Teresa. Fragmentos de Memoria. In: DIÉGUEZ, Ileana. Des/ Tejiendo Escenas. Desmontajes: procesos de invesƟgación y creación. México: CITRU-INBA-CNA, 2009. p. 63-74. SANTOS, José Raphael Brito dos. Desmontagem Cênica: reflexão sobre o processo éƟco e estéƟco do arƟsta-docente. Rascunhos. Caminhos da Pesquisa em Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 101-114, jan./jun. 2014.
  • 57. A IDÉIA DE DESMONTAR MEUS ALUNOS! Ana Carolina CouƟnho Moreira – Mestranda em Artes, pela Universidade Federal de Uberlândia – e-mail: k_rol_couƟnho@hotmail.com Uberlândia, 31 de agosto de 2014. Querido diário, Sei que estou afastada ulƟmamente, mas anda tudo tão corrido que sinto as horas me engolindo, sem que eu possa me defender com tantas mudanças. Esqueci de lhe contar: entrei no mestrado! Sei o que quero pesquisar mas ainda não sei como, de qualquer forma terei 2 anos – e tenho certeza que vão passar rapidinho, assim como minhas aulas na escola, rapidinhas, 50 minutos! - De qualquer forma é uma experiência inicial que está mexendo muito comigo. Sempre Ɵve uma resistência muito grande de realizar pesquisas na área de pedagogia teatral, você sabe bem né?! Primeiro a minha resistência com crianças, depois minha resistência com o espaço, ou a falta dele, com o sinal e com as regras da escola. Mas quero ultrapassar essas barreiras, como ultrapassei a de dar aulas para os pequenos, quando percebi que para ser professor devemos encontrar e respeitar nossas preferências, e a minha são os jovens. Com o mestrado, fui dispensada de algumas aulas, decidindo deixar os pequenos - minha única turma de primeiro ano (6 anos) - às vezes me sinto mal por isso, mas foi melhor assim, pois com certeza será uma frustração a menos para levar para o mestrado, já que dar aulas para eles não era algo que me moƟvasse, verdadeiramente. Gosto dos adolescentes, e esses serão 57
  • 58. o foco do meu trabalho no mestrado. Mas sobre isto falamos depois. 58 Voltar à faculdade rendeu muito. Logo de início me deparei novamente com lembranças, e assim pude reencontrar a pesquisa que amo... MEMÓRIA! Isto mesmo, memória... até parece que voltaria a pesquisar sem retornar ao meu tema predileto, né?! São tantas impressões desde que voltei para a Universidade. Primeiramente em relação ao espaço İsico das salas, que me remeƟam a momentos de anos atrás. Recordações que formaram e formam o ser que sou, quem me formei como pessoa e caráter, gostos e desejos... lembranças... lembranças de alegrias, tristezas poucas que serviram de aprendizagem e descoberta de um eu, um EU como estudante, um EU como atriz, um EU como professora, um EU no mundo. Um mundo vasto de possibilidades, ao mesmo tempo que um mundo cheio de bloqueios. É aquela famosa lei de uma escolha boa que traz consequências?! Sim, é!!!! E o quanto as coisas mudam?! SenƟ, no mesmo momento, uma saudade e um frio na barriga, senƟ que precisava voltar à cena, mas que também precisava melhorar como professora que agora sou. E as duas coisas se entroncavam como se fosse impossível o encaixe. Mas Ɵnha que focar, focar no ensino de teatro, focar na escola, nos meus estudantes e aulas. Foi em uma desmontagem que percebi que as coisas não estavam separadas, pelo contrário, parƟndo do pressuposto que a atriz sou eu, e a professora também, por que teimava tanto em separar pessoas dentro de mim? Por que queria usar as máscaras do meu armário sendo que seria mais fácil ser eu mesma, em todas as ocasiões? O direito de ser o que É!!! Como disse Marina Marcondes Machado, em uma palestra performance que presenciei na UFU. Pois é, está ficando confuso mas vamos lá, vou lhe explicar o que me levou a tantas memórias. Logo que as aulas do mestrado iniciaram, teve também um evento pelo qual estava aguardando, já havia alguns meses, o I Seminário de Ensino e Aprendizagem, e o XIX Fórum de educadores em teatro, que por sinal foi anteontem e que iniciou com a palestra que cito acima.
  • 59. Foram palestras e encontros que deixaram uma sensação de que tudo que se escuta, de uma forma ou outra, faz conexão com a pesquisa que almejo fazer. Pesquisar memória não é fácil porque aƟva minha própria memória: estar naquele lugar, no bloco 3M da UFU, fez isso, me trouxe as memórias todas e foi tão estranho e legal ao mesmo tempo. Porque ser eu é carregar lembranças e memórias. E será essa a tentaƟva de pesquisa, mostrar a meus alunos que eles são consƟtuídos por memórias e, futuramente, essas memórias dos momentos vividos, serão o que terão. E muito do que gostam ou não, vão ser experiências que virarão memórias. Mas hoje à tarde, lá no evento, algo novo aconteceu comigo ao assisƟr três desmontagens. Já Ɵnha ouvido falar nesta nova maneira de expor uma trajetória, ou de aprofundar em um trabalho, mas nunca Ɵnha presenciado uma. Mesmo sem presenciar o pouco que soube me deixou extremamente animada, porque o que veio em minha mente foi: desmontar algo, interfere na memória! E comprovei, ao presenciar as três de hoje. Mas vamos por partes. A primeira foi a desmontagem de meu colega André Luiz Silva Rodovalho, e se chamou “Ela é uma princesa: uma discussão sobre gênero em performance” - uma críƟca a “Escola de Princesas”, bem humorada por sinal, como a maioria dos trabalhos de André. Ele apresentou a escola e os serviços que ela presta, vesƟdo de princesa, e eu acabei pensando em meus alunos e na escola onde trabalho, acredito que pelo fato de muitas das minhas alunas desconhecerem uma escola dessas na cidade em que moram. Me lembrei do dia que uma aluna disse ter me visto no shopping e completar que havia sido a primeira vez que esƟvera lá. É meio louco pensar que jovens não conheçam um lugar como um shopping, pelo menos para mim que frequento desde de pequena. Mas enfim, aprendo um pouco a cada dia com meus alunos. De qualquer forma acredito que até seja bom minhas alunas não saberem da existência desta escola, pois elas não poderiam (e nem deveriam na minha opinião) fazer parte dessa realidade, uma escola que ensina a mulher a ser “Princesa”, aqui em Uberlândia, deve ser bem cara. A desmontagem do André por mais que muito diverƟda, também foi muito adverƟda, tanto no senƟdo críƟco, quanto pela própria escola 59
  • 60. de Princesas, que o adverƟu pelas críƟcas feitas em redes sociais. 60 Vou para terceira desmontagem, depois falo da segunda, a desmontagem da Maria de Maria chamada “O que carrega uma sacola de tesouros?”. Maria descreveu o processo de montagem, remontagens e apresentações de um dos espetáculos da Trupe de Truões “Ali Babá e os 40 ladrões”. Foi muito interessante ver como seu corpo falava ao mesmo tempo que ela expunha verbalmente sua desmontagem, ou seja, o corpo também carrega memórias, e um processo de montagem e de criação também acaba envolvendo pessoalidades, tanto do próprio ator quanto dos colegas envolvidos no processo. Era como se Maria esƟvesse abrindo uma parte de sua vida para gente, e isso me encantou muito em sua desmontagem. Vejo traços das montagens que fiz invadir minha pessoalidade, até na forma em como lidar com alguns de meus alunos. Afinal, a convivência de montagem de um espetáculo se difere pouco da vivência com meus alunos, pois com o passar do tempo, em ambos os processos, você vai se mostrando mais e seus companheiros vão entendendo melhor questões como estado de humor, saúde e até temperamentos. A segunda desmontagem foi a que mais mexeu comigo, e com minha pesquisa, ou meu anseio de pesquisa, a do Getúlio Gois de Araújo, chamada “O desejo do neutro como espaço escolar”. Ele parƟu dele, da pessoalidade dele, da criança e jovem que foi, para chegar a seu local de trabalho e alunos. E por que mexeu comigo? Porque era puramente a memória que estava sendo posta à mostra, e é lindo ver a memória de alguém sendo usada como arte, entender o processo que o fez estar onde está hoje e ser um profissional que inspira muito e muita gente, inclusive eu. Se o que eu fui na época de escola reflete no que eu sou hoje, assim como mostrou Getúlio em sua desmontagem, as minhas aulas podem “marcar” a vida de meus alunos, e influenciá-los quando adultos formados, ou mesmo criar memórias neles que sejam importantes para a construção de suas pessoalidades. Aproximou-se tanto da minha ideia, para o mestrado, que me fez quesƟoná-la. Que Ɵpo de memórias a escola possibilita aos alunos? Memória pessoal, social, de construção de conhecimento, construção de