Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo (1o dia do seminário)
Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA
A escuta do espectador ou o publico em cena
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Impresso no Brasil / Printed in Brasil
Conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos autores.
4. 3
Chegança
Senhores desta sala
Licença eu vou chegando, eu vou
A voz e a rabeca
O coração cantando, eu vou
Inauguro o texto com esta Loa de abertura de domínio público,
no arranjo musical de Antônio Nóbrega, porque é com o coração em
canto que começo a escrevinhar estas linhas. É também porque quero
pedir licença a cada um dos leitores e leitoras.
Na sequência, desejos a todas e a todos Oguatá - que em Guarani
significa “Caminhada” - ou melhor, digo: Oguatá Porã! para que seu
percurso, na leitura das páginas a seguir, seja uma “Bonita Caminhada”.
Assim como foi, para mim, o I Seminário de Ensino Aprendizagem em
Teatro e XIX Fórum de Educadores de Teatro. Os textos que aqui se
apresentam compõem os “Anais” do evento.
O que significaria “Anais”? O dicionário Michaelis on-line define
como: “1. História de um povo contada ano por ano. 2. Publicação
periódica, anual. 3. Publicação referente aos atos e estudos de congressos
cienơficos, literários ou de arte. Obra que relata os acontecimentos de
cada ano”, ou ainda “ História” e “Publicação periódica de ciências, artes
ou letras.”
Confesso a vocês que, antes de ir ao dicionário, usava e conhecia
a expressão mais ligada aos registros dos eventos cienơficos em que
parƟcipei. Foi assim que, inicialmente, junto com os outros membros da
equipe de organizadores do evento, foi feita a chamada para os textos.
Foi durante as reuniões da equipe do Projeto ParƟlhas, ateliês
e redes de cooperação - aprendizagens teatrais na escola básica
(doravante mencionado apenas como ParƟlhas) – projeto no qual a
ação deste Seminário está localizada, é que surgiu a ideia de publicar
os registros do evento. Avaliamos que o formato “Resumo Expandido”
estava bem para o nosso propósito de divulgar os relatos de experiência
ou de pesquisa. Afinal, o tempo possível para o envio dos textos, para
impressão, era exíguo: em nosso calendário o prazo era de apenas trinta
dias após a realização do evento. Pensamos em aproveitar “o calor da
5. hora” dos parƟcipantes, ainda que alguns textos não chegassem ao
formato “ArƟgo” - os inscritos ou convidados do Seminário têm ainda a
possibilidade de uma segunda empreitada, essa sim com maior tempo
para o envio de textos (terceiro número da Revista Rascunho editada
pelo Grupo de pesquisa GEAC), caso desejem.
4
No decorrer da Programação, fomos ampliando o nosso olhar
para o formato de recebimento dos textos. “Resumos Expandidos”
(usual nos “Eventos acadêmicos”) são muito bem vindos, e também
são bem vindos os textos com outras silhuetas, em consonância com
o senƟdo mais largo da palavra “Anais” - enquanto registro, relato ou
narraƟva de acontecimentos. O ơtulo “Anais” nos é conveniente, e nos
mobiliza a dar conƟnuidade a esta iniciaƟva em empreitadas futuras,
com novos Seminários.
Como disse anteriormente, há um reconhecimento da equipe de
que o prazo foi muito curto para o envio dos textos e compreendemos
que muitas pessoas deixaram de enviá-los, mesmo dispostas ou
interessadas em escrever. Assim, a produção a seguir não representa
a totalidade do que aconteceu - do que foi experenciado ou discuƟdo
durante a programação entre os dias 29 e 31 de agosto de 2014.
Cada um dos textos nesta publicação é como uma espécie de
“amostragem” a parƟr de um contexto. São produções muito especiais
porque provenientes daqueles que se reinventaram, transformando o
desafio do pouco tempo em potencialidade. A cada uma e a cada um, o
meu muiơssimo obrigada!
Para que o leitor possa se situar melhor nesta “amostragem”,
organizei entre as Produções Textuais caixas de textos informaƟvas,
contextualizando-as. São antecedidos por um Prólogo contendo a
ficha técnica da organização geral do evento, a comissão cienơfica e
organizadora, apoiadores, programação e a nota informaƟva divulgada
logo após o evento. Durante toda a publicação, há ainda os desenhos
de Marcelo BrioƩo, feitos durante a programação do Seminário, e que
consƟtuem uma narraƟva junto às palavras.
Espero que possam apreciar esta modesta, curta (mas para nós
muito significaƟva) publicação.
Vilma Campos
6. 5
Agradecemos aos parƟcipantes e convidados da programação.
À comunidade do Bairro Patrimônio, nas pessoas do Sr. João
Rodrigues (Bolinho), Maria Aparecida (Cida), Enersino João da
Cruz (Nersinho), Eunice (Tabajaras), FáƟma (FaƟnha) e seus
familiares.
À direção e professoras do Centro Educacional Maria de Nazaré.
A todos que contribuíram na organização do evento,
especialmente ao curso de Teatro e seus estudantes, professores,
secretários e coordenador.
Ao InsƟtuto de Artes, a diretoria e servidores do almoxarifado e
da secretaria.
Ao Setor de Transportes e de Limpeza da UFU;
À Secretaria e Gabinete da Reitoria, na pessoa do Prof. José
Antonio Galo.
A todos os funcionários da FAU (Fundação de Apoio Universitário),
especialmente Ana Luiza Dornelas Mota Silva que acompanha o
projeto.
Às agências de fomento FAPEMIG e CAPES.
7. Sumário
Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo (1º dia do
seminário) ..................................................................................................... 15
Luís Manuel de Araújo
Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA .................. 17
Laíza Coelho Gomes
A escuta do espectador ou o publico em cena ............................................... 21
André Luiz Santos e Marcia Peixoto
Formação de espectador no espaço escolar formal – É necessário formar o
espectador? ................................................................................................... 29
Michele Soares
Registro de discussão realizado no processo de Open Space, com o tema:
Ensino teatral para crianças de 0 a 5 anos ..................................................... 31
Mayron Engel Rosa Santos
Registro Open Space – Grupo: Teatro, sexualidade e gênero na escola ........ 32
André Rodovalho
Dramaturgias do espaço e a criança performer: Diário de Bordo da Oficina de
Marina Marcondes Machado ........................................................................ 33
Ricardo Augusto Santos de Oliveira
Desvelar o processo Singular do Devir – ExpectaƟva pelo 1º Seminário de
Ensino Aprendizagem em Teatro como mestranda, ainda mais pela oficina da
Carminda. ....................................................................................................... 36
Isabel CrisƟna Alves Pimenta Braga
Relato da Experiência com Intervenções Urbanas na cidade de Uberlândia . 38
Carminda Mendes André
8. O que carrega uma sacola de tesouros? ......................................................... 47
Maria De Maria
A ideia de desmontar meus alunos! .............................................................. 57
Ana Carolina CouƟnho Moreira
A medicina da palavra e os relatos de vivência .............................................. 62
KaƟa Lourenço Alves
A Experiência de um Seminário ...................................................................... 66
Gabriela Neves Guimarães
ReƟrada .......................................................................................................... 70
Vilma Campos
9. 1. PRÓLOGO
1.1. FICHA TÉCNICA
Realização: Universidade Federal de Uberlândia - InsƟtuto de Artes - Curso
de Graduação em Teatro, Mestrado em Artes e Mestrado Profissional,
Grupo de Estudos e InvesƟgação sobre Processos de criação e formação
em Artes Cênicas (GEAC).
Organização geral do evento e produção:
Projeto ParƟlhas, ateliês e redes de cooperação - aprendizagem
teatral na escola básica. Coordenação - Vilma Campos e Paulina Maria
Caon. Bolsistas Capes/ Fapemig - Gabriela Neves Guimarães (Iniciação
Cienơfica), Maíra Rosa Peixoto (Apoio Técnico), Marcelo BrioƩo (Prof.
escola básica) e Ricardo Augusto (Mestrado). Bolsistas Proext - eixo
Teatro e Escola: Giovanna Parra, Luís Manuel Araújo.
Lapet (Laboratório de PráƟcas Pedagógicas em Teatro). Bolsistas
de graduação (PROGRAD) André Lemos e Roberta Sanchez.
Comissão Cienơfica e organizadora Professores Dr. Fernando Manoel
Aleixo, Dra. Mara Lucia Leal, Dr. Narciso Larangeira Telles da Silva, Ms.
Paulina Maria Caon e Dra Vilma Campos dos Santos Leite.
Realização em parceria com Programa Ateliês em Artes Cênicas: teatro-educação
PROEXT-MEC (coord. Fernando Aleixo). Bolsistas: Camila
9
Amuy, Célio D'Ávila, Guilherme Rodrigues, KaƟa Lou e Mario Cortês.
1.2. PROGRAMAÇÃO
Toda a programação aconteceu nas dependências do Bloco 3M,
Campus Santa Mônica, da Universidade Federal de Uberlândia,
com exceção das duas oficinas no sábado à tarde, que aconteceram
simultaneamente em dois pontos da cidade. O deslocamento
dessas duas aƟvidades aconteceu por carona solidária e por outro
transporte da Universidade.
10. Sexta feira: 29/agosto/2014
16h às 17h - Reunião preparatória da Oficina Intervenção Urbana.
Ministrantes: ColeƟvo Mapaxilográfico e Profa. Dra. Carminda Mendes
André.
17h às 19 h - Credenciamento.
19h - Palestra - Performance, intervenção e escola - diálogos possíveis.
Profa. Dra. Marina Marcondes.
21h - Palestra - Derivas na cidade espetacularizada, o que educa? Profa.
Dra. Carminda Mendes.
Sábado: 30/agosto/2014
9h às 12h - Relatos de experiência e Comunicações de Pesquisa.
Metodologia Open Space. Coordenação dos trabalhos - Profa. Ms. Maria
Ceccato.
14h às 18 h - Oficinas
Oficina 1- Intervenção Urbana. Ministrantes: ColeƟvo Mapaxilográfico
e Profa. Dra. Carminda Mendes André. Carona solidária em direção ao
Bairro Patrimônio.
Oficina 2 - Dramaturgias do Espaço e a criança performer. Profa. Dra.
Marina Marcondes. Ônibus UFU em direção Centro Educacional Maria
de Nazaré.
19 h - Espetáculo Ali Babá e Os Quarenta Ladrões. Local - Ponto de
Cultura Trupe de Truões. Av. Ana Godoy de Souza 381, Santa Mônica –
Uberlândia.
Domingo - 31/agosto/2014
9h - Mesa de Debate e comparƟlhamento: Dramaturgias do Espaço e a
criança performer. Coordenação - Profa. Dra. Marina Marcondes - Bloco
3M.
10h - ComparƟlhamento - Mapeamento e Ensino de Teatro em
Uberlândia. Exposição - Ricardo Augusto e Gabriela Neves Guimarães -
Bloco 3M
10h40 - Intervalo.
10
11. 11 h - Mesa de Debate e comparƟlhamento: Intervenção Urbana.
Coordenação. Profa. Dra. Carminda Mendes André e Mapaxilográfico -
Bloco 3M.
14h às 16h - Apresentação de Desmontagens, seguida de roda de
conversa. Mediação - Profa. Dra. Mara Leal - Bloco 3M.
16h às 17 h - Palestra: Processos criaƟvos de aprendizagem na gestão
pública: algumas experiências. Profa. Ms. Maria Ceccato - Bloco 3M.
17h às 18 h - Avaliação do I Seminário de Ensino e Aprendizagem.
Coordenação - Equipe Projeto ParƟlhas, ateliês, redes de cooperação -
aprendizagens na Escola Básica - 3M.
1.3. Nota InformaƟva
11
O texto disponível em hƩp://parƟlhasteatrais.blogspot.com.br
Foi escrito por Luís Manuel de Araújo, bolsista do Programa Ateliês
em Artes Cênicas, teatro-educação Proext-MEC, estudante do
curso de graduação em Teatro, e graduado em Jornalismo. Luís tem
registrado por textos as reuniões semanais da equipe ParƟlhas,
bem como os boleƟns dos Fóruns Mensais de Educadores,
comparƟlhados no blog do projeto.
Imagem: Camila Amuy - ParƟlhas Teatrais
12. 12
Inesquecível, esta foi a sensação comum entre todos os
professores e alunos que parƟciparam do I Seminário de Ensino
Aprendizagem em Teatro, que aconteceu no úlƟmo fim de semana
na Universidade Federal de Uberlândia. Foram três dias de intensos
comparƟlhamentos de sensações, experiências e pontos de vista, uma
oportunidade valiosa para crescimento pessoal.
Contamos com a presença de professores e pesquisadores
de várias regiões do Brasil, em especial, destacamos a presença dos
docentes que ministraram palestras e oficinas durante o seminário. A
oficina de intervenção urbana abriu o evento e ficou por conta do coleƟvo
Mapaxilográfico e da Prof. Dra. Carminda Mendes André. Eles falaram
sobre seus trabalhos e pesquisas no campo das ações performáƟcas em
áreas urbanas. Logo depois, a Profa. Dra. Marina Marcondes ministrou
uma palestra sobre “Performance, intervenção e escola”. Para encerrar a
noite, Caminda retornou à frente dos trabalhos para a palestra “Derivas
na cidade espetacularizada - o que educa?”, uma ação que sensibilizou
o público, dando o exemplo de duas performances disƟntas, em período
de natal, em São Paulo-SP.
Imagem: Luis Manuel Araújo
13. Sábado, logo pela manhã, a Profa. Ms. Maria Ceccato
orientou os trabalhos, proporcionando um momento marcante de
comparƟlhamento de experiências e sensações. A metodologia “Open
Space” dividiu os parƟcipantes em 6 grupos de discussão, com temas
variados, onde cada parƟcipante poderia acompanhar o tema que mais
lhe despertasse interesse, ou trocar de grupo, de acordo com suas
sensações. À tarde, ocorreram as oficinas: “Intervenção Urbana” na casa
do sambista João Rodrigues “Bolinho”, no bairro Patrimônio, na zona
sul da cidade, momento em que aprendemos muito sobre a história da
cidade de Uberlândia, e a vida nas regiões carentes da cidade. A outra
oficina foi “Dramaturgias do espaço e a criança performer”, ministrada
por Marina Marcondes, e aconteceu na Escola InfanƟl Maria de Nazaré.
À noite, assisƟmos ao espetáculo “Ali babá e os Quarenta ladrões”, no
ponto de cultura da Trupe de Truões, no bairro Santa Mônica.
Domingo de manhã, houve uma mesa redonda e um
comparƟlhamento de experiências das oficinas do dia anterior, discuƟu-se
sobre as dificuldades e desafios encontrados para a realização do
mapeamento de professores de Teatro na cidade, pesquisa encabeçada
por bolsistas do ParƟlhas na Universidade. À tarde, no encerramento
do evento, acompanhamos a apresentação das desmontagens de três
professores de Teatro de Uberlândia, Maria De Maria, Getúlio Gois e
André Luz, que nos ofereceram momentos de reflexão sobre questões
importantes do teatro dentro e fora de sala de aula.
Maria Ceccato ministrou, em seguida, a palestra “Processos
criaƟvos de aprendizagem na gestão pública” e logo depois, propôs
uma roda de conversa, em que foram feitas as considerações finais e
todos puderam se manifestar sobre as sensações gerais do evento, e as
perspecƟvas individuais para os próximos meses.
13
14. Esta imagem foi realizada por John Karllus Paula, como uma de suas
aƟvidades dentro do “Caderno objeto” - um procedimento de trabalho
do componente curricular PoéƟcas e processos da criação em Artes
ministrada pelo prof. Fernando Aleixo no Programa de Mestrado
Profissional - UDESC/UFU, já que o Seminário também está inserido nas
aƟvidades da pós-graduação.
14
15. 15
SEXTA FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 2014.
À tarde houve o primeiro contato dos inscritos, de uma das
oficinas, com os ministrantes, e, à noite, duas palestras.
Aproximadamente cinquenta pessoas presentes, e em círculo,
na programação noturna.
A seguir temos dois textos referentes ao início do Evento. O
primeiro deles é: Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações
em São Paulo. (1º
dia do seminário) -
embora se trate de
um texto do mesmo
estudante, autor da
Nota informaƟva,
eles se diferenciam,
porque há um
comparƟlhamento
que está para além da noơcia oriunda da oficina e palestra
com Carminda Mendes, Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios.
Na sequência: Relato de uma história contada em uma caixa
chamada ESCOLA, que traz à tona uma ação na escola básica,
e que teve a palestra de Marina Marcondes como um dos
elementos de inspiração para a professora autora do texto.
Reflexões sobre a intervenção urbana: Ações em São Paulo
(1º dia do seminário)
Por Luís Manuel de Araújo
Começamos o I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro
em uma noite agradável de sexta-feira. Aqueles três importantes dias
de discussões sobre Teatro, começaram com algumas palestras de
pesquisadoras de São Paulo, que vieram à Uberlândia, exclusivamente,
para colaborar com nosso evento. Destaco, na abertura, um trabalho que
me marcou especialmente. O ColeƟvo Mapa xilográfico, acompanhado
16. da professora Carminda Mendes André, proporcionou-me momentos
valiosos de reflexão sobre o papel do homem na sociedade, e sobre o
Teatro como ferramenta de conscienƟzação das pessoas em relação aos
problemas e conflitos inerentes, em certa medida, à nossa condição.
16
A Palestra “Derivas na cidade espetacularizada - o que educa?”
apresentou, além das reflexões dos professores, vídeos de “câmeras
escondidas”, exibindo a realização de intervenções urbanas na cidade de
São Paulo. Um vídeo, em especial, me marcou: A intervenção em que os
alunos de Carminda bloquearam um cruzamento de duas importantes
avenidas, com vasos de flores. Uma situação muito inusitada. Sem
dúvidas, passível de interpretações muito diversas. A mim, me fez
refleƟr sobre a falta de beleza em nossas cidades, cada vez mais cinzas e
nervosas, com congesƟonamentos cada vez maiores, e qualidade de ar
cada vez menor.
Nesta intervenção, especificamente, lembro-me das reações
de motoristas, um tanto incrédulos com a cena que viam de dentro
de seus veículos. Seria uma “macumba urbana”? - pergunto-me se
eles se quesƟonaram sobre esta possibilidade! Muitas poderiam ser
as indagações feitas naquela ocasião. Entre um carro e outro, muitos
buzinavam aflitos, outros gritavam de dentro dos seus carros. No entanto,
por quase 15 minutos, ninguém teve a simples iniciaƟva de sair de seu
carro e caminhar até a faixa de pedestre, para reƟrar daquele local as
flores que interrompiam o trânsito (afora um motorista que removeu
dois vasos, apenas para dar passagem para seu próprio veículo). Uma
reação no mínimo esperada.
A que ponto chegou o imediaƟsmo das pessoas, que preferem estar
dentro de seus carros, com ar condicionado, obviamente, assisƟndo tudo
o que se passa ao entorno, com o motor “bebendo” gasolina, a espera de
que as coisas se revolvam? Esta é a realidade do nosso trânsito: pessoas
esperando, com o veículo ligado, que o mundo se resolva sozinho para
que elas possam passar. O Mundo é você também, e o Teatro te convida
a deixar de ser o mero espectador automáƟco, e interagir com ele, lá,
fora do carro. Propor soluções me pareceu a grande pesquisa do Mapa
xilográfico, um exercício para vida, que exige que assumamos nossa
responsabilidade neste processo.
17. 17
Relato de uma história contada em uma caixa chamada ESCOLA
Por Laiza Coelho Gomes
De uma história que pude ouvir.
No dia 29 de Agosto de 2014, na sala de Interpretação do Curso
de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, uma mulher
pequena, de voz rouca, e pescoço aparentemente rígido, começa a falar
sobre a sua práƟca enquanto docente. Antes, fica descalça e desmisƟfica
a persona Dra. Marina Marcondes, segura uma caixinha cheia de
objetos, e, enquanto revelava os objetos da caixa, falava de si, da criança
e do adulto performer, da educação e suas possibilidades, como quem
contava uma história.
“Era uma vez um homem que amou uma mulher. A mulher teve
uma filha e a amamentou...”
A menina cresceu, brincou, quando brincava era observada
por sua mãe. Cresceu mais um pouco. Cursou psicologia, conheceu o
teatro, tornou-se professora, resisƟu à “Academia”, rendeu-se depois,
mas prometendo ficar descalça em suas palestras. Viajou à Uberlândia,
começou uma leitura em um hotel qualquer, ainda não concluída a leitura,
decidiu mesmo assim, citar um trecho que considerou importante.
Também lançou um livro ao léu, o livro por sua vez, quis fugir pela janela,
mas foi logo resgatado (alguns encontros não permitem a fuga de nada).
Por fim, a criança performer e adulta contadora de histórias diz
acreditar que se cada professor/pessoa Ɵver sua própria caixinha com
objetos capazes de revelar coisas, a “boa” educação/ “boa” existência é
possível.
O estudo da importância de contar histórias.
Ora, ouvir uma história é sempre bom para relembrar a
importância de conta-las. Assim como Marcondes, Desgranges também
defende a importância de contar histórias. Em seu livro A Pedagogia do
Teatro: Provocação e dialogismo, o autor discorre sobre a importância
da apreciação de obras de arte enquanto potências educadoras,
defendendo que conhecer e compreender histórias podem gerar uma
maior consciência de si, transformando o sujeito que ouve uma narraƟva,
em um sujeito capaz de escrever a sua própria trama:
18. 18
Ouvir a contação das histórias consƟtui-se, nesse senƟdo,
em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à
medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à
própria existência; à medida que interpretava as histórias
narradas, revia criƟcamente aspectos de sua vida, tomando
consciência da própria história, estando, assim, em condições
de transformá-la. A experiência arơsƟca se coloca, desse
modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando
a revisão críƟca do passado, a modificação do presente e a
projeção de um novo futuro. (Desgranges, 2006: 26)
MoƟvada pela história que ouvi, e reconhecendo a força de
encontro que histórias produzem, resolvi contar uma história para
alguns alunos.
Um objeto da minha caixa escola.
Era uma vez EU...
EU recentemente ganhei uma caixinha, cheia de tranqueiras,
e que desejei por muito tempo, chamada: professora de arte da rede
pública. Cada um dos objetos desta caixinha vem com um enigma que
precisa ser desvendado diariamente.
Um dos objetos, por exemplo, veio com um mistério de fazer
uma interferência em uma aula de língua portuguesa para “falar de
forma diferente” - o que é o gênero textual do conto. Desta vez, nem foi
tão diİcil de desvendar a xarada; peguei uma caixinha de sapato, alguns
objetos, umas roupas velhas, um apito, e fui para a sala de aula contar
a narraƟva de Cem Anos de Perdão, de Clarice Lispector. Soprei o apito,
preparamos o espaço, sobrepus algumas peças de roupas e revelei a
turma os objetos de minha caixinha, e, enquanto mostrava-os, lia o
conto.
19. Depois da minha história, propus à turma que construíssemos juntos
um conto que fosse só nosso, nele cada aluno inventaria um pouco da
história. Os alunos se alvoroçaram, ơmidos e ousados inventaram as
“Desventuras de Penosa”. Penosa era uma menina que Ɵnha medo de
crescer, mas queria crescer para poder namorar e morar sozinha. Depois
de muitas desventuras, Penosa consegue um livro mágico que conƟnha
um feiƟço. Este feiƟço ensinava a controlar o tempo; assim, Penosa
podia ser adulta e criança quando bem quisesse.
Ao fim de minha intervenção, a professora da disciplina de Língua
Portuguesa, ia perguntando aos alunos caracterísƟcas de gênero textual
do conto. Confesso, fiquei com medo. Não havíamos em momento algum,
conversado de forma direta e concreta sobre tais caracterísƟcas, o que
fizemos foi “brincar”, mas os meninos refleƟam sobre as interrogaƟvas
e aos poucos respondiam às questões. As respostas não Ɵnham nomes
técnicos, conceitos e similares, mas Ɵnham conhecimento e domínio do
conhecimento. “Agora fica mais fácil explicar para eles as caracterísƟcas”,
disse a professora.
Fim.
19
20. Sobre a Caixa Escola e histórias que construo.
Mais curioso do que reƟrar objetos de uma caixa, é se perceber enquanto
um objeto dentro de uma caixa. Eu sou uma pequena peça dentro de
uma caixa chamada escola básica, e, esta caixa é feia, abafada, escura,
mas é necessário transformá-la, criar outra realidade. Dentro de minha
caixa fica cada vez mais claro a importância de pensar a minha presença
na escola, não como um “professor de arte”, mas como um arƟsta
que optou/escolheu por se inserir no ambiente escolar e entender
este espaço como um gerador de potências para o ato da criação. É
necessário criar, experimentar, e impulsionar criações e experiências na
escola. Acredito que este é o lugar da arte na escola; de transformá-la e
pensa-la como espaço para o encontro, paixão e afecção.
Referencial Teórico
• Palestra – Performance, intervenção e escola – diálogos possíveis.
Profa. Dra. Marina Marcondes. Sala de Interpretação – LIE – Bloco 3M.
29 de Agosto de 2014.
• DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo.
São Paulo: Hucitec, 2011.
20
21. 21
SÁBADO 30 DE AGOSTO - MANHÃ
17 resumos foram inscritos para Comunicação de Pesquisa ou
Relato de Experiência. Mesmo que tenhamos optado pela discussão
em um formato diferenciado do que comumente acontece em
comunicações orais, nos eventos acadêmicos, apresentou-se a
possibilidade de envio do texto escrito para os Anais como Resumo
Expandido. É a configuração do texto a seguir.
BRAUDES, Márcia Peixoto; SANTOS, André Luiz. A escuta do espetáculo
ou o público em cena. Anápolis: Secretaria Municipal de Cultura de
Anápolis - Goiás. Escola de Teatro de Anápolis; Professora efeƟva.
Universidade Estadual de Goiás; Professor efeƟvo. Doutorando do
Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-GO.
RESUMO
O presente trabalho se refere às experiências dos debates pós-espetáculos
apresentados na Mostra de Teatro de Anápolis-Goiás. A parƟr das falas
evocadas pelo público, e dos relatos dos atores, propusemos um estudo
acerca das questões de autoria, da indagação sobre o que é o teatro, e
da própria afirmação do debate como um possível espaço de reflexão e
criação. Abordamos tais questões considerando como referências os textos
de Michel Foucault, “O que é um autor?” e “A vida dos homens infames”.
PALAVRAS-CHAVE: autor: teatro: debate pós-espetáculo.
1- Apresentação:
Seria o teatro um espaço de subversão do texto literário? Um
espaço no qual seria possível aos textos polissêmicos funcionar de outro
modo, interrogando a realidade, a ficção e o próprio fazer teatral? Desta
forma, pode-se colocar em questão as diferentes injunções do poder,
que determinam o que é teatro, ficção e literatura? Essas indagações
nos são possíveis a parƟr da experiência dos debates pós-espetáculo,
apresentados na Mostra de Teatro de Anápolis-Goiás.
O debate pós-espetáculo tem se consƟtuído como espaço
22. reflexivo sobre as peças, os processos de montagem, técnicas, o texto,
o ator, a criação, mas também como momento do espectador, não mais
passivo, a aguardar do espetáculo uma idenƟficação, o riso, o choro,
a catarse. Haveria aí uma possibilidade, uma fecundidade inerente
ao teatro, uma possibilidade de outras histórias - aquelas que nunca
foram experienciadas, que foram esquecidas, ou que ainda pulsam
adormecidas à espera infinita de sua realização. Se a experiência diz
respeito ao que não foi vivido, ao impossível, ou à própria morte, o
debate acrescenta uma experiência outra, próxima de encontros furƟvos,
erráƟcos, encontros na rua, com amigos, amantes, companheiros, ou
com o estranho, nos quais não sabemos de sua familiaridade, encontros
de intensidades afeƟvas outras, como se fossem o úlƟmo ou o primeiro.
22
Entre a hesitação do ator em falar, e do espectador em perguntar,
pode ser formado um espaço da não-clausura da palavra, um encontro
com nosso “infame” - o que escapa aos sistemas de sujeição da palavra
e seus mecanismos de controle. A parƟr de nossos estudos dos textos
de M. Foucault “O que é um autor?” e “A vida dos homens infames”
buscamos afirmar a experiência dos debates pós-espetáculos como
uma experiência “outra” aberta à “transgressão”, ao “impossível”, ao
“irrisório”.
2- Os espetáculos e as perguntas:
O relato é referente à Mostra de Teatro de Anápolis – Goiás, apresentada
no ano de 2014. Os espetáculos são selecionados em edital público,
realizado pela Secretaria de Cultura de Anápolis, e os critérios de
seleção se referem à excelência arơsƟca do espetáculo, qualidade
literária do texto, concepção da montagem, e a viabilidade de execução
do espetáculo. As apresentações de cada espetáculo são sucedidas por
debates “livres”, “abertos”, do público com os arƟstas.
Quadro- Espetáculos e perguntas
23. Espetáculos Perguntas
SANANAB (Palhaço Bisgoio) - Como foi feita a pesquisa para a
montagem da peça?
- Como construiu uma linguagem
sem palavras?
- Qual a influência do Palhaço
Tomate no espetáculo?
- Você estudou para ser palhaço?
- Quando deixa de falar, o palhaço
muda de nome?
- Como adapta a “energia cênica”
da rua ao palco italiano?
As Criadas (Confraria Tambor) - Por que o pênis tem que
aparecer?
- Houve erro ou confusão
ao mencionar os nomes dos
personagens?
- Qual a necessidade do uso do
nu? Não havia roupas de lingeries
na época?
- Como é lidar com o excesso de
riso quando se trata de questões
tão profundas e carregadas de
dor?
- Há a intenção de abordar o tema
do maniqueísmo definindo traços
do bem e do mal nas personagens
das criadas e da madame?
- Mostrar o pênis é entrar na
inƟmidade das pessoas?
- Mostrar o pênis é sugerir a
repressão masculina?
- Vocês tem consciência da
inquietude e do estranhamento
que o espetáculo provoca no
espectador?
23
24. Espetáculos Perguntas
O Circo dos Objetos (Mariza Basso
Formas Animadas)
24
- Por que a opção deste Ɵpo de
estéƟca?
- Você teve outras experiências
como “atriz” antes de fazer teatro
de objetos?
- O seu trabalho está engajado em
uma políƟca de sustentabilidade?
- Você já fez “A Falecida” de Nelson
Rodrigues?
- Quando eu era criança gostava
de brincar de boneca, agora eu
posso trabalhar fazendo isso?
A História é uma Istória. (Grupo
de teatro Bastet)
- Por que vocês fazem teatro?
- Vocês estudaram História para
montar o espetáculo?
- O texto é fiel à literatura?
- Como é atuar com um texto em
forma de narraƟva?
- Como transformar a barbárie em
comicidade sem banalizar?
- O que tem da história de cada
um de vocês na construção do
espetáculo?
- Como vocês veem a políƟca dos
editais?
25. 25
Espetáculos Perguntas
Iara, o encanto das águas (Cia
Luminato)
- É possível dizer que os recursos
deste Ɵpo de teatro se aproximam
do cinema?
- Como e quando os bonecos
tomam vida?
- O que eu vi é “igual” ao que eu
vejo no cinema, mas por que é
“diferente”?
- Onde vocês estudaram essa
técnica?
- Quando vocês aparecem na cena
há a intenção de estabelecer um
jogo entre realidade e sonho?
- Vocês sabem a tradução das
canções indígenas?
Os debates mobilizam uma parte do público do espetáculo, e
nossa hipótese é de que essas são pessoas “interessadas” em discuƟr
o teatro. Esta hipótese é possível por conta de um número significaƟvo
de pessoas que parƟcipam do debate, a quanƟdade e a qualidade das
perguntas e, também, pelo fato do público se posicionar em relação
ao espetáculo, apresentando juízos sobre que consideram “excessivo”,
“frágil” ou “belo” e “bonito”. O público é formado por crianças,
adolescentes, adultos, das mais diversas condições sociais: arƟstas,
professores e estudantes universitários, estudantes e professores da
Escola de Teatro, vendedor ambulante e outros.
É ainda interessante, em relação ao discurso que transita nas
perguntas, uma “tonalidade imperaƟva” na fala do público. Opera-se
uma possível aproximação entre a autoridade de saber do arƟsta e
o saber do público. O debate permite uma subversão na qual o ator
poderia, enquanto autor, “estar ausente”, seguindo as “evocações”
foucaulƟanas, nesse espaço “deixado vago pela desaparição do autor,
26. seguir atentamente a reparƟção das lacunas e das falhas e espreitar os
locais, as funções livres que essa desaparição faz aparecer” (Foucault,
p. 271, 2009). Dessa forma, é possível falar ou indagar sobre um pênis
que sobra ou ver por trás da manipuladora de bonecos “A Falecida” de
Nelson Rodrigues, ou, ainda, o anímico jogo cinematográfico do Teatro
de Sombras.
26
Nesta “ausência do autor” é possível ao ator falar de si, revelar sua
infame epopeia ao reconhecimento arơsƟco: o episódio de desamparo
do ator frente à morte da mãe, que se entrelaça ao cenário de ruínas
em caixas de papelão, como se o silêncio de sua dor compusesse
um relicário da história; ou a generosidade dos atores, no teatro de
sombras, que exibem a arquitetura de onde provém as sombras, mas
que dialogam apontando para o interior do público como o lugar onde
suas histórias tomam vida; ou do relato aberto sobre os laboratórios
de se fazer mulher/criada/madame, em trânsito entre glamour e lixo, a
exercícios marciais de bravos e viris soldados.
Interessa neste encontro, neste trânsito, em que se esbarram atores
e público: o que pode nos levar a uma concepção de teatro que sobreviva
a sua própria indagação e que coloque em questão a própria realidade,
a ficção, o autor e a própria arte? No entanto, nesse jogo em que se
colocam atores e público (cada qual com suas histórias, suas misérias e
suas dores, suas perguntas acerca do real e do ficơcio) há a criação de
um espaço de fuga, desapercebido ao “olhar branco do poder”.
3- Considerações finais:
As discussões sobre os debates pós-espetáculos nos remetem
aos espaços heterotópicos do teatro, aos quais, segundo Foucault
(2013, p.24), justapõem em um lugar real, vários espaços, que seriam
ou deveriam ser incompaơveis. Um lugar onde seja possível um “outro”
encontro do público com os atores. Um encontro em que o público
evoca o ator despido do personagem, não mais uma apropriação ou
uma projeção de um autor, não mais preso a uma rede discursiva da
representação. Por outro lado, conta com um público não mais ausente,
com uma inquietude e liberdade, capaz de indagar sobre o real, o ficơcio
e o próprio teatro.
27. A experiência dos debates pós-espetáculos remete a uma reflexão
sobre o que consƟtui o teatro e suas possibilidades transgressoras,
aquelas que permitem o aparecimento de diferentes vozes, fazendo-se
ouvir. Por isso mesmo, aberto a novas possibilidades criaƟvas, não
necessariamente presas ao complexo mecanismo de sujeição do autor,
ou a outras instâncias e mecanismos do poder. Dessa forma, afirmando
o princípio éƟco deflagrado por BeckeƩ: “Que importa quem fala?”
FOUCAULT, M. (2003) A vida dos homens infames. In: ______. Estratégia,
poder-saber. Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
p.203-222.
_____ . (2009) O que é um Autor? In. EstéƟca: literatura e pintura, música
e cinema. Ditos e escritos III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p.
264-298.
_____ . (2013). O corpo utópico, as Heterotopias. São Paulo: n-1 Edições.
LAROSSA, Jorge. (2004) A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se
no pensamento, na escrita e na vida. In. Educação e Realidade. Porto
Alegre: UFRGS. v. 29, n.l, jan/jun 2004, p.27-43.
MACHADO, Roberto. (2000) Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de
Janeiro: Zahar.
27
28. 28
Foram 23 pessoas presentes no sábado de manhã. A seguir, três dos
registros, oriundos da discussão dos parƟcipantes, a parƟr dos seis
temas elencados com a metodologia do “Open Space”, mediada
por Maria Tendlu CeccaƩo. Entre as regras estabelecidas para os
subgrupos: os pés estão onde querem estar (ou seja, é possível
mudar de subgrupo no decorrer do trabalho) ou - está presente
quem deve estar, dito de outra forma, não importando o número
de pessoas na roda.
29. Discussão do tema: “Formação de Espectador no espaço escolar
formal - É necessário formar o espectador?”, a parƟr da técnica de
Open Space no I Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro e XIX
Fórum de Diálogos de Educadores de Teatro, na Universidade Federal de
Uberlândia - 29 à 31/agosto/2014.
Por Michele Soares
Debatedores: Adriana Moreira Silva, Gabriela Neves Guimarães, Gleuter
Alves Guimarães e Michele Soares
Começamos quesƟonando a própria ideia de ‘formação do
espectador’, pelo senƟdo negaƟvo do termo, como se coubesse ao
professor a formação do aluno-espectador, no tocante ao modo de
pensar, ver, senƟr e ler a obra de arte. Por outro lado, considerando a
terminologia apenas como uma nomenclatura a ser re-lida, discuƟmos
então, o que seria para nós a formação do espectador no espaço escolar
formal.
A parƟr da pedagogia do espectador - tema no qual se insere
um crescente número de produções e discussões, especialmente com
as obras de Flávio Desgranges - compreendemos esta formação como
um ato conơnuo. Especialmente, quando sabemos que a maioria dos
alunos têm pouca ou nenhuma vivência teatral como espectadores.
Como falar de teatro e até mesmo propor reflexões e práƟcas de uma
área de conhecimento subjeƟva e distante da realidade dos alunos?
Neste aspecto é importante considerar que os alunos, mesmo sem ver
teatro, trazem outras referências estéƟcas e imagéƟcas, inclusive para
além da teledramaturgia, já que estão conectados ao mundo virtual e
nele apreciando videoclipes, filmes, HQs, desenhos, publicidades, entre
outros.
Considerando este contexto, qual a importância da vivência
com o teatro para esse aluno? Entre tantas possíveis respostas, uma
se destacou em nosso diálogo: que seja a de ampliar os olhares, as
percepções e referências do sujeito, para que, inclusive, ele leia suas
próprias referências com novos olhares. Assim, para o processo de
construção da subjeƟvidade ( papel da arte), destacamos a relevância
de experimentar propostas da arte contemporânea, como nas linhas
29
30. do teatro pós-dramáƟco, que rompe com estruturas convencionais da
teatralidade : a exploração de corporalidades e ações extra-coƟdianas;
as ocupações alteradas dos espaços comuns; o uso de tecnologias; o
abandono da dramaturgia linear e do personagem-psicológico-realista-dramá
30
Ɵco em privilégio do performer-atuador-depoente (que se
consƟtui nos cruzamentos entre ficção e biografia); o teatro que permite
tomadas de posicionamentos pessoais e políƟcos, e a expressão dos
mesmos se lançando numa condição autoral; procedimentos híbridos,
acionando diversas linguagens arơsƟcas (diferente da polivalência),
entre outros, que favorecem a compreensão da arte, da cena, do arƟsta
e da obra para além dos cânones arơsƟcos e do senso comum.
Experimentar, e então, compor a diferença entre formação de
espectador e formação de público, em ato conơnuo, tornando o espaço
da escola contaminado por ações formaƟvas da linguagem / práƟca
teatral. De modo a subverter o caráter anƟ-estéƟco das escolas, como
chama a atenção a professora Carmela Côrrea Soares, para que esse
espaço de formação seja também lugar de experimentação, criação,
contestação, descobertas, vivências do intelecto, do afeto, do subjeƟvo.
Desconstruindo as barreiras impostas, inclusive para os temas
tabus perpetuados na Escola, entendemos que o teatro se torna o ‘respiro’
no espaço escolar, o momento de flexibilização do corpo, das ideias e das
relações, de expansão do olhar para o seu mundo naquele território e para
além dele. A parƟr do comparƟlhamento de casos vivenciados por nós -
debatedores do grupo de discussão do open space, nas diferentes escolas
em que atuamos, pontuamos ao final, que a formação de espectador está
ligada a proposta de experiências com os alunos que componham novos
olhares sobre ele e suas relações, bem como trará novas questões para o
docente-arƟsta. Sem fechar ou estabelecer conclusões, encerramos com
a clareza da amplitude do tema, e sua importância para as discussões a
respeito do Teatro na Escola
31. REGISTRO DE DISCUSSÃO - realizado no processo de Open Space, com
o tema: Ensino teatral para crianças de 0 a 5 anos
Por Mayron Engel Rosa Santos
Debatedores - André Rodovalho, John, Suzi, Neibe, Marcelo, Luis
Manuel, Maria de Maria, Marcio e Eduardo.
Tópicos elencados e discuƟdos
• Especialista ou generalista; Qual a concepção de infância;
Vínculos afeƟvos com apenas um professor (psicologia do Eu) ou
mudança de paradigma, possibilitando os especialistas, na educação
infanƟl.
• Ateliê de arte como opção metodológica para o desenvolvimento
do teatro.
• Professor/ArƟsta: Que possibilita as discussões do seu fazer
arơsƟco com os de seus alunos, permiƟndo ser afetado pelo processo.
• Guerrilha do espaço;
• Conquistas: Relato de experiências que deram certo
31
32. Registro Open Space – Grupo Teatro, sexualidade e gênero na Escola.
32
Por André Rodovalho
Transgênero – diferenças. Gênero diferente de Sexualidade.
Na escola, tocar nos assuntos de gênero e sexualidade seria uma invasão
com possíveis alunos gays e trans?
Crianças Trans – Rejeição dos pais.
Filmes: Minha vida em cor de rosa e Tom Boy.
Brincadeiras na escola:
Azul dos meninos
Rosa das meninas
Fila de meninos e fila de meninas.
As crianças levam para a escola muitos preconceitos insƟtuídos pelos
pais em casa.
Influência dos pais. Influência religiosa nas aulas, nos passeios e
fesƟvidades da escola.
O professor homem – Professor de Artes. - John.
Suspeita de pedofilia, “dar colo”.
Marcio – “A criança se sente protegida pela bunda – 0 a 3 anos.”
Libertação do corpo.
- Teatro na escola – esƟmula a voz, corpo e relação.
- A escola: Crianças sentadas, caladas e com os ouvidos abertos.
- Estrutura Escolar e Teatro – salas, mesas, cadeiras – salas próprias.
Avaliação em sala.
Márcio: “O problema da escola está no corpo.” – citação de Guacira
Lopes
Professor Homem
- Banheiros na escola
- Roupas que se usa.
- Relacionamentos com Mulheres ou Homens?
- Sexualidade – “Professor, você é gay?”
O Professor gay precisa se assumir?
O professor é um referencial para os alunos.
“Professor, você é gay?” – Por que a pergunta?
- Luis Manuel – Já existe um progresso em relação a décadas passadas.
Já não tem problema ser gay na escola?
Mídia – Visibilidade gay na contemporaneidade.
33. As pessoas estão virando gays ou há mais abertura para ser quem são?
Marcelo – Sexualidade – Lei Maria da Penha.
Após a lei, as meninas se tornaram mais violentas na escola, batendo
nos meninos.
7º Ano – Sexualidade na matéria de Ciências.
John – Adolescentes de 13 e 14 anos fazendo sexo. Precoce.
Márcio – Será precoce? Descoberta? Curiosidade?
Aula de Sexualidade
SÁBADO 30 DE AGOSTO - TARDE
A seguir registros das duas oficinas ocorridas simultaneamente.
DRAMATURGIAS DO ESPAÇO E A CRIANÇA PERFORMER: DIÁRIO DE
33
BORDO DA OFICINA DE MARINA MARCONDES MACHADO
Ricardo Augusto Santos de Oliveira – Mestrando em Teatro na Pós
Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista do
Projeto ParƟlhas / FAPEMIG ricktchen@gmail.com
Cheguei mais cedo com Marina para apresentar a escola. Mostrei a área
externa (cozinha, quiosque, parque, páƟo) e todas as salas que ơnhamos
disponíveis. Nossa parada foi
feita no páƟo, e criamos um
espaço de palco e plateia. Um
pequeno palco foi colocado
com o material que ela
uƟlizaria para as provocações
da tarde. E os parƟcipantes
ficaram sentados em cadeiras
enfileiras.
O espaço foi reorganizado
o tempo todo durante a oficina. Primeiro, o anúncio de que jogaríamos
com as cadeiras foi feito muitas vezes durante a fala. Acho que era
para irmos nos acostumando e relaxando com a ideia. Ela falou sobre a
história de sua vida e falou das crianças, ou algo assim. No meio disso,
caminhamos com as cadeiras, fizemos filas, rodas, triângulos, estátuas.
34. 34
DRAMATURGIAS DO ESPAÇO. Estávamos em jogo, entendendo
do que se tratava. A maneira como o espaço está organizado diz por si
e a exploração dele pode ser uma das formas de brincarmos de teatro
com as crianças. O espaço pode potencializar ou podar.
As perguntas sobre escola também se relacionavam ao espaço
da escola - “Fale sobre escolas assim”, “gostaria de ouvir você falar
sobre escolas assado”. A resposta foi clara. Não existem escolas assim
ou assado, existe A Escola. Cada uma se organiza da sua forma.
CRIANÇA PERFORMER. “A criança pequena espera ou só vive
o mundo?” – essa foi uma questão que norteou uma pesquisa de
Marina. Observar crianças em situação de espera. Contou “causos”,
para os professores de Uberlândia, instantes que observou e que foram
registrados em Diários de Bordo. Como o “causo” da menina do ponto
de ônibus que brincava com um cordão, transformando o objeto em
muitas coisas, enquanto a mãe esperava o ônibus. A criança vivia o
mundo enquanto a mãe esperava.
Fenomenologia. A árvore de um caule e quatro galhos.
Mundialidade no caule, e os galhos são feitos de LinguisƟcidade,
Corporalidade, Temporalidade, Outridade. Como nos relacionamos com
as crianças a parƟr disso? Como observarmos a criança se relacionar
com o mundo a parƟr disso? É isso?
Falamos ainda sobre três palavras chaves para a noção de infância
de Merleau Ponty: Polimorfismo, onirismo e não-representacionalidade.
A capacidade da criança para invenção, a capacidade da criança de
poeƟzar o mundo, a capacidade da criança de ser ela mesma e viver.
E qual o objeƟvo disso tudo? Deixar brincar, ser você mesmo,
ser feliz. Fizemos uma improvisação, dentro de um ônibus – organizado
com as cadeiras – enquanto ela narrava uma história: roubo, sonho,
outro planeta, ônibus novamente, depois de acordar. Sermos, vivermos,
brincarmos. Não era para fingirmos ser criança. Éramos nós, adultos,
brincando.
Perguntei ainda sobre o Diário de Bordo: “É sempre composto
por textos ou também podemos ter recortes, fotografias, vídeos, e outros
registros?” A predominância da palavra é importante neste Ɵpo de registro,
pois permite observar, descrever, narrar e analisar. Essa foi a resposta.
35. Então eis aqui o meu diário de bordo deste encontro. Uma
análise superficial. Um entendimento parcial. Um dos vários escritos a
que dei o nome de diário de bordo, sobre os encontros com Marina no I
Seminário de Ensino Aprendizagem em Teatro, do Projeto ParƟlhas.
E só para terminar. Marina disse várias vezes que não quer ser
guru de ninguém. E não é. Publicou em seu site agachamento.com,
antes de vir a Uberlândia, um texto. Abaixo um trecho dele:
Vou falar em Uberlândia: grande tema, a imaginação
Percebo, desde um convite anterior, um gosto, por assim
dizer, que os estudantes da UFU possuem pela noção de
“criança performer”. Meu nome foi mencionado e escolhido
novamente pela leitura que fazem do texto “A criança é
performer”.
No entanto, tenho o plano de chamar a atenção dos
parƟcipantes para outros dois trabalhos, que considero
complementares – e poderia até mesmo nomeá-los “uma
trilogia”: “Fenomenologia e Infância / o direito da criança a
ser o que ela é” e “A imaginação infanƟl como um trabalho-em-
processo”. Os três textos revelam um pensamento
centrado na fenomenologia, que não é uma teoria – é um
método filosófico, e portanto um modo de pensar, uma
aƟtude, um jeito de ser e estar: conversa com as noções de
presença e escuta sensível ao outro.
Pois bem, Professora Marina, funcionou. Vou ler os outros
textos para outras conversas que teremos em Uberlândia. Até porque
Marina fala sobre performance performando, entende? Ela mistura
histórias inventadas com memória pessoal, seriedade e brincadeira,
num hibridismo sem fim... e no meio de tudo isso ela vai contando,
cutucando, alfinetando, provocando, contando sobre suas pesquisas.
Literalmente, a tentaƟva é te Ɵrar do lugar, mexer.
A sensação é de um redemoinho em estrada de terra. Um vento
que não para de colocar areia nos olhos. Marina não vem clarear nada.
Vem confundir, fazer refleƟr. As provocações foram deixadas. Algumas
atrás da minha orelha. Obrigado!
35
36. DESVELAR O PROCESSO SINGULAR DO DEVIR - ExpectaƟva pelo 1º
Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro como mestranda,
ainda mais pela oficina de Carminda.
36
Por Isabel CrisƟna Alves Pimenta Braga – e-mail
isabel.c.pimenta@gmail.com
Ao acaso veio cair em
minhas mãos a leitura?
A experiência? A poesia?
Após comprar
vários livros no início
deste ano, solicitei um
brinde. Ofereceram-me
uma obra de produção
de texto. Reclamei.
Então trocaram pela
obra Arte e cultura III.
Folheei, reconheci o enfoque da obra, dado à música, e guardei.
À procura por contextualização teórica, voltei, vasculhei,
descobri o teatro, e encontrei Dra. Carminda Mendes André... Agora
me via ali, ao lado dela, minha primeira referência teórica de teatro, na
oficina intervenção urbana do Mapaxilográfico. Tendo agora o privilégio
da dupla emoção: a autora e o contexto. Neste movimento, foi senƟda a
apreciação pelo conhecimento, por conexões entre a leitura, experiência
e poesia.
Ao tentar compreender o senƟdo da intervenção, reunidos em
meio a uma família de foliões do bairro Patrimônio, em Uberlândia,
somos envolvidos por narrações, diante de arƟstas. A experiência é o
que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. (BONDÍA, 2002).
Encontrei sujeitos à deriva da sociedade, que não aparecem, mas ao
nos aproximarmos reconhecemos pontos comuns. Sujeitos que se
constroem na simplicidade de seu percurso e se revelam em riqueza
própria.
37. Por meio das linguagens o sujeito se aproxima ou se distancia
do mundo, formando assim várias imagens de realidade. E todas
elas juntas consƟtuem a cultura e, portanto, nosso conhecimento
sobre o real. (ANDRÉ, 2004. p.103). A forma como se apresentam, a
trajetória da formação do grupo e como se consƟtuíram, bem como as
histórias ali contadas com uma linguagem bem peculiar, produzem um
conhecimento possível, a compreensão na comunicação estabelecida,
mediada e percebida pela imagem da realidade, presente em forma de
arte.
A poéƟca narraƟva nos apresenta à diversidade, nos provoca e
nos leva a inferir questões relacionadas às relações de poder. Para André,
o estado de consciência, interfere na maneira de comunicar do poeta-sujeito.
O encontro essencial da intervenção, entre nós espectadores
e a comunicação de um ator, Bolim, transforma as relações humanas
de comunicação pela presença, consequentemente, presença teatral.
Revela o outro corpo no meu corpo, em devir aƟvo.
O movimento do acaso nos conduz a um devir do coƟdiano. Para
FuganƟ é impossível estar fora do devir, pois o devir não é um acidente
na existência, e sim ele é a própria essência, sem a qual não haveria a
existência, muito menos a auto – sustentabilidade. O devir se consƟtui
da experiência vivida. Percebo a intervenção urbana como jogo, que
nas origens ritualísƟcas do coleƟvo, é algo que comunica. O jogo na
qualidade de atuação se disƟngue em sua representação de mundo.
Nessa experiência, vejo um processo de produção de conhecimento que
emerge de conexões, nas relações humanas - construir na parƟcipação,
a poéƟca da comunicação.
REFERÊNCIAS:
BONDÍA, Larrosa Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência.
37
Revista Brasileira da Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2002.19.
38. 38
Relato da
Experiência com Intervenções urbanas na cidade de Uberlândia
Por Carminda Mendes André
A oficina de intervenção urbana, dentro
do “ParƟlhas”, configurou-se para Carminda,
Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios, mais uma
oportunidade de apresentar suas pesquisas
arơsƟcas e educaƟvas, a interessados em arte-educação.
Nelas, seus propositores buscaram
aproximar a universidade (representada pelos
parƟcipantes da oficina) e comunidades
visitadas.
O trabalho é feito a parƟr do
entendimento da intervenção urbana como
um modo de arte capaz de funcionar como procedimento arte-educaƟvo.
Essa ação foi realizada em cinco dias.
O primeiro dia aconteceu em São Paulo, na casa de um dos
integrantes, para que o grupo dos pesquisadores arƟstas pudesse levantar
informações sobre a cidade de Uberlândia, sua história, problemas.
O foco de atenção volta-se para assuntar grupos de resistência para,
finalmente, escolher o bairro para a realização da intervenção urbana.
Patrimônio mostrou-se um bairro interessante porque: parecia ser
ali onde teria nascido a cidade, um bairro com uma comunidade de
negros e com muitas manifestações culturais, mas também um bairro
que sofreu um brutal processo de transformação com o crescimento da
cidade, expulsando a maioria dos anƟgos moradores para zonas mais
distantes, esfacelando a comunidade. Mas, ao que tudo indicava, havia
ali alguns integrantes importantes do anƟgo Patrimônio, e era com eles
que desejou-se conversar em Uberlândia. Com o apoio e incenƟvo de
Vilma Campos - uma das coordenadoras do Projeto ParƟlhas - naquela
ocasião fizemos a escolha do bairro, seguimos para o aeroporto.
No segundo dia, já em Minas Gerais, junto com Gabriela Neves
Guimarães (Gabi) - única moradora de Uberlândia entre nós - fizeram o
procedimento da deriva.
39. Deste passeio afeƟvo encontramos a primeira paragem: o Buteco
do Sr. António. Depois de alguma prosa sobre o bairro, e de o genƟl
homem apresentar sua família por meio de fotos, soube-se da existência
da Folia de Reis que acontecia por ali. Então, Sr Antonio indica que se
vá até a casa do Sr. João Rodrigues (Bolinho) e Enersino João da Cruz
(Nersinho) pois com eles seria possível obter mais informações sobre o
Bairro. Assim foi feito. A segunda paragem foi a visita ao Sr Enersino e
Dona Eunice, foliões e responsáveis pela Folia de Reis Pena Branca, a mais
anƟga do bairro. Depois de alguma prosa e historias sobre a família, sua
relação com a Folia e com o bairro, o casal nos indica a casa do Sr. João
Rodrigues (Bolinho), por ser nascido no bairro e grande conhecedor de
histórias do lugar. Já ai armamos um retorno com os estudantes, depois
de dois dias, para que o casal pudesse contar sobre o bairro e a Folia. Na
casa de Sr João Rodrigues (Bolinho), encontramos apenas Dona Maria
Aparecida (Cida), que nos recebe como se há muito já nos conhecesse,
nos convidando a entrar, a prosear e a tomar aquele cafezinho gostoso
que só as mineiras sabem fazer. À noite, já avisado, Sr João Rodrigues
(Bolinho) aceitou parƟcipar do encontro na casa do Sr Enersino. Pronto.
As condições para a intervenção urbana já estavam armadas.
No terceiro dia, acontece a única “aula” em que os pesquisadores
paulistas apresentam algumas intervenções urbanas para iniciar um
pequeno debate sobre arte urbana, e logo partem para mostrar modos
de uso dessa arte atrelada a processos educacionais não formais,
realizados pelo Mapa Xilográfico (coleƟvo arơsƟco no qual se integram
Diogo Rios e Milene ValenƟr Ugliara). Apresentou-se a pesquisa sobre
o bairro Patrimônio para os parƟcipantes da oficina (professores e
estudantes da UFU e de outros Estado) e logo parƟu-se para pensar
modos de realização do encontro na casa do Sr Enersino.
No quarto dia, conforme o combinado, uma mesa foi improvisada
no quintal do casal. Ali oferecemos comidas e bebidas para todos.
Duas câmeras foram instaladas, um palco foi improvisado e a ação dos
universitários foi deixar-se em estado de escuta conforme os visitados
iam chegando e se animando a nos contar histórias de vida, do bairro,
da Folia, do Carnaval.
39
40. 40
No quinto dia comparƟlhamos sensações e perguntas sobre o
ocorrido com todos do Projeto.
Como surgiu esse modelo de ação arte-educaƟva?
Em 2011, o ColeƟvo Mapa Xilográfico1 ministra oficina de
intervenção em conjunto com a docente Carminda Mendes André em
disciplina de Teatro e Educação no curso de Licenciatura em Arte – Teatro
do InsƟtuto de Arte da UNESP, resultando na intervenção inƟtulada
BANANA POR SAMBA. Dentre outros resultados, essa intervenção urbana
realizada pelo bairro da Barra Funda, escava a história da comunidade
de cultura negra que vivia nesse lugar que, por muitos pesquisadores,
é considerado o berço do samba paulista. No entanto, pela força do
capital imobiliário em conjunto com o poder público, um plano de
“revitalização urbana” suscita várias ações de valorização imobiliária no
bairro, expulsando e dispersando seus anƟgos moradores.
Importante para o aprofundamento da pesquisa do grupo,
foi trabalho realizado pelo Mapa Xilográfico que deu origem ao
documentário (À) DERIVA. Metrópole São Paulo e a própria tese de
mestrado de Milene ValenƟr Ugliara MapaXilográfico: errâncias na
metrópole (2013).
Milene ValenƟr Ugliara e Diogo Rios integram o grupo de pesquisa
PERFORMATIVIDADES E PEDAGOGIAS (Cnpq), coordenado por Carminda
Mendes André, no InsƟtuto de Artes da UNESP. Em anos anteriores, as
aƟvidades de estudo desse grupo (com outros integrantes) consisƟu
em leituras de textos de autores que tratam da pedagogia libertária,
principalmente os estudos do professor Dr. Silvio Gallo. Outro tema
de estudo esteve às voltas do conceito de “experiência” aproximado à
educação e foi nos rastros da pesquisa da professora Dra. Luiza Christov
que o grupo aproximou-se das concepções de educação escolar de John
Dewey, Michel de Montaigne e Jorge Larrosa Bondía. Também estuda-se
o método de estudos de campo da antropóloga Jeanne Favret-Saada,
Ranciere. O objeto de estudo, naquela ocasião, era a formulação do
conceito de “experiência” e seus possíveis desdobramentos práƟcos em
processos arte-educaƟvos.
¹Ver em: hƩp://mapaxilografico.blogspot.com.br/p/blog-page.html Acesso em
20/09/2014.
41. No campo do estudo das artes, o grupo aproximou-se das
reflexões de arte contemporânea do professor Celso F. FavareƩo,
principalmente no que tange às tensões entre arte e vida. O objeto
desse estudo era a reflexão sobre éƟca e estéƟca.
No campo do estudo da práƟca arơsƟca, o grupo aprofunda-se na
modalidade da intervenção urbana, fora da história das formas, uma
arte que não se caracteriza como categoria estéƟca, mas, sim, como
procedimento arte-educaƟvo.
Desmembramentos dos estudos.
Depois da intervenção urbana BANANA POR SAMBA, outra
práƟca importante para os três arte-educadores, aconteceu em 2013,
na cidade de Palmas no Estado de TocanƟns, quando realizaram oficina
de intervenção urbana na Universidade Federal de TocanƟns. Ali,
trabalharam com uma comunidade ribeirinha deslocada e desarƟculada
de seu território por causa da construção de uma barragem. Tal ação
foi realizada juntamente com estudantes e professores do curso de
Licenciatura em Filosofia e Teatro, da Universidade Federal do TocanƟns.
No povoado chamado Canela aconteciam as Festas de Junho e Dezembro
ligadas às datas religiosas cristãs. Com a mudança da comunidade,
dispersos por bairros periféricos de Palmas, os foliões vivem dificuldades
para manter a festa. A ação poéƟca ali foi comparƟlhar histórias e modos
de resistência para o grupo manter suas tradições.
Em Uberlândia ouviu-se histórias semelhantes ao ocorrido no
bairro da Barra Funda. Em Minas, a comunidade anƟga do bairro do
Patrimônio vem sendo expulsa e dispersada pelo mesmo processo
do capital. A políƟca aliada à empreiteiras e incorporadoras agem da
mesma maneira desrespeitosa e perversa. O que nos faz pensar que a
democracia brasileira só será alcançada, de fato, quando uma reforma
políƟca desmoralizar tais práƟcas de trocas, redirecionando a políƟca
para as necessidades da sociedade em si, e não do capital.
A oficina realizada em Uberlândia, no mês de agosto de 2014,
dento do Projeto ParƟlhas, parƟcipa do desmembramento da pesquisa dos
três arƟstas educadores, que nessa proposta buscaram a experiência da
intervenção urbana como mediadora, entre a comunidade universitária
e grupos culturais que sofrem brutais processos de apagamento. A
41
42. ação arte-educaƟva funciona, nesse processo, como propositora de
laços afeƟvos e arơsƟcos entre universidade e comunidades visitadas.
O reconhecimento da arte e dos modos de vida desses sujeitos, como
campo de aprendizagem, tem sido um dos desafios das intervenções
urbanas elaboradas pelos propositores.
42
De todas as leituras feitas, teses defendidas, publicações
organizadas no campo do discurso críƟco à educação universitária
insƟtucional brasileira, certa necessidade se fez unânime: a de buscar
outros atalhos para pensar a função da arte na formação do professor
de teatro. Para isso, os três oficineiros vêm perguntado a todos os
parƟcipantes: que escola queremos? Ou, a escola é necessária? Para
responder, deparam-se com outras questões: Que Brasil queremos?
Que sociedade queremos? Que vida queremos para nós e nossos
descendentes? Nesse momento, o grupo de pesquisadores envereda-se
na busca por caminhos não trilhados, refleƟr a parƟr de epistemologias
não conhecidas.
Foi no caminho da corrente pós-colonialista que os arte
educadores encontram ressonância teórica à práƟca da intervenção
urbana tal como aqui a executa. Insistem, no campo da formação
do professor de artes, no fazer aproximado aos processos de criação
encostados às artes contemporâneas, principalmente a performance e a
intervenção urbana, quando aproximadas às abordagens antropológicas.
O processo arte-educaƟvo desenvolvido é o uso da intervenção urbana
como táƟca pedagógica, capaz de tornar visível modos de vida silenciados,
e que engendram, por sua vez, outras funções para a arte. Para usar o
conceito do professor português Boaventura de Sousa Santos, os arƟstas
pesquisadores buscam epistemologias do sul, epistemologias que levem
seus observadores a outros modos de pensar e fazer a relação entre
arte, educação e vida.
Dois conceitos:
Intervenção Urbana por Carminda Mendes André
Intervenção Urbana pode ser compreendia com expressão
arơsƟca que dialoga com os modos de vida nas grandes cidades da
contemporaneidade; mas pode ser compreendia também como ação
políƟca na forma aƟvista. Pode ser compreendida como a expressão
43. de subjeƟvidades que resistem à insƟtucionalização da guerra como
modo de vida. Pode ser expressão de quem se nega a combater para
não perpetuar a relação guerreira insƟtuída e naturalizada. É uma ação
pacifista. Nessa perspecƟva, as Intervenções Urbanas parecem mostrar
uma civilização em que os indivíduos vivem uns contra os outros, que
não há sujeito neutro, civilização em que uns são sempre adversários de
outros. Para tais aƟvistas, esse parece ser o signo que rege a concorrência,
a dialéƟca, a luta de classes. Tudo está em luta para manter a guerra.
O mercado é a guerra. É essa uma percepção de mundo possível para
arƟstas intervencionistas.
No entanto, diferente da arte políƟca moderna, a arte
intervencionista não trabalha para a “grande revolução”, mas uƟliza os
instrumentos de poder como táƟca de ação. Ao usar a terminologia da
guerra, entende-se a estratégia como a ação de quem domina o território
em que se localiza a luta e a táƟca, como a ação de desapossados e de
quem está em baixo, fraco, vigiado. Nesse senƟdo, a força do sujeitado
está em sua astúcia mais do que em sua visão de totalidade. A táƟca
é movimento dentro do campo de visão do inimigo e no espaço por
ele controlado. Nessa perspecƟva, podemos dizer que a Intervenção
Urbana é uma táƟca de guerrilha cultural.
Como guerrilha, a arte intervencionista atua clandesƟnamente
para provocar a desordem do que está insƟtuído, ordenado, naturalizado.
Intervir não é somente aparecer em um lugar imprevisível, intervir
é causar desordem; pretende-se realizar uma insurgência. Não se
pretende tomar o poder e não se trata de conscienƟzar o transeunte ou
o espectador ou a população de algo que eles não saibam. A Intervenção
Urbana aproxima-se, nesse aspecto, do anarquismo pois se trata de uma
ação independente.
Em seus aspectos formais, a arte da Intervenção Urbana é
consƟtuída por tudo e todos que estão nas ruas: Ɵpo de urbanismo,
obras de arte públicas, ambulantes, moradores de rua. Temos dificuldade
em querer catalogar essa arte dentro das classificações clássicas (artes
visuais, teatro, música, dança). É arte que se consƟtui por elementos
vindos de diferentes áreas do conhecimento. Não há, porém, pretensão
de se produzir uma obra resultante da conjunção desses elementos. Sua
43
44. estrutura é móvel, permeável e se movimenta conforme a aproximação
e a contra-cena com o outro. Também os coleƟvos de arƟstas
intervencionistas são consƟtuídos por atuantes de diferentes áreas do
conhecimento: arƟstas, professores, estudantes, outros.
44
Por ser uma insurgência, a arte da Intervenção Urbana não pede
autorização para sua presença – e, em sua genuína ação aƟvista, ela não
é insƟtucionalizada – por isso, muitas vezes, é traduzida socialmente
como vandalismo. A ação se faz em espaços vazios, espaços em que
os olhos vigilantes não enxergam ainda. Nesse senƟdo, o arƟsta
intervencionista é um caçador de fissuras nos esquemas de controle
daqueles que dominam o lugar. Por isso, essa arte aparece em lugares
não previstos para sua presença.
A Intervenção Urbana não pretende esteƟzar o coƟdiano das
cidades. Ao determinar as funções dos espaços públicos, o Estado tende
a criminalizar outros usos. Esse fato é compreendido como um sequestro
da autonomia da população para fazer uso de um espaço que se julga
pertencer ao coleƟvo. A Intervenção Urbana potencializa a guerra entre
Estado e população, não para tomar o poder, mas para problemaƟzar os
regimes de verdades.
No Brasil, esse Ɵpo de arte aparece na década de 1970 e os
coleƟvos pioneiros citados entre os estudiosos são: 3nós3, Viajou sem
passaporte e Manga Rosa. No entanto, é a parƟr dos anos de 1990 que
os coleƟvos se mulƟplicam para exercitar essa expressão arơsƟca que
reaparece, com força de protesto, nas ruas das grandes cidades.
Deriva por Milene V. Ugliara
Derivas são basicamente caminhadas fora de qualquer
funcionalidade ou fim específico; deixar-se levar pelas solicitações do
próprio lugar, permear o espaço. Através das derivas é possível cavar
novas trilhas nos caminhos compactados da cidade; como diz Debord,
está indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de efeitos de natureza
psicogeográfica2 e à afirmação de um comportamento lúdico-construƟvo,
² Psicogeografia, termo uƟlizado por Guy Debord, se refere ao estudo do meio
geográfico, com ou sem planejamento, e como o mesmo interfere diretamente no
comportamento afeƟvo dos indivíduos.
45. o que o torna absolutamente oposto às tradicionais noções de viagem e
de passeio. (em JACQUES, 2003, pg 87). A deriva se apresenta como uma
proposta de deslocamento, como um mecanismo para vivenciar uma
“outra” temporalidade, um mergulho nos intersơcios do espaço urbano,
diferentemente da viagem e do passeio que se aproximam somente de
uma camada bastante superficial do lugar visitado.
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46
47. DE MARIA, Maria (QUIALHEIRO, Maria). O que carrega uma sacola
de tesouros? Uberlândia: Trupe de Truões. Universidade Federal de
Uberlândia; professora subsƟtuta. Atriz e gestora.
RESUMO
Escrevo para dizer o que não foi dito, com uma voz incessante, como
quem busca palavras para não ter que se calar. Amaldiçoada pela
herança de Xerazade, que mora em mim, “peço-lhe, por favor, que me
deixe entrar para entreter-te mais uma úlƟma vez”, preciso atuar para
que me seja permiƟdo viver, por mais esta noite. Abre-te sésamo! 2006
inicia um novo ciclo, o de contar esta história. A minha história. Com
um único objeto, a Trupe de Truões, grupo teatral uberlandense do
qual faço parte, e que me ensina que é possível contar uma história de
1001 maneiras. Um bando de “alunos” sai em disparada, rumo ao Sul,
sem saber ao certo onde chegariam. Proponho, com esta comunicação,
uma desmontagem do espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões, por meio
da apresentação de fragmentos de cenas e o dissecar delas. Pretendo,
ainda, realizar um diálogo sobre metodologias de pesquisas imbricadas
na práƟca arơsƟca do arƟsta-docente. 2014 encerra este ciclo. Esta
desmontagem surge da necessidade de revelar parte do processo de
criação do grupo, concomitante ao meu processo arơsƟco e minha
trajetória pessoal.
PALAVRAS-CHAVE: desmontagem: processo criaƟvo: contação de
histórias; Ali Babá e os 40 ladrões: arƟsta-docente.
47
DOMINGO 31 DE AGOSTO
No domingo pela manhã houve o comparƟlhamento das
experiências vivenciadas nas oficinas do sábado à tarde, e no
domingo à tarde foram apresentadas três desmontagens e uma
palestra que resultaram nos textos a seguir.
48. O que carrego em minha sacola de tesouro?
48
Foi uma noite inesquecível, durante três dias e três noites
houve muita música, dança, queima de fogos e um banquete
sem fim com as melhores iguarias do mundo, e durante
muitos e muitos anos todos os habitantes daquele reino
viveram em paz e prosperidade. Até que... (XERAZADE).
Abre-te sésamo: O 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro
Por que se fazer uma desmontagem cênica? O que gostaria de
revelar? Para quem? Qual o objeƟvo de fazê-la? O que a desmontagem
do espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões significaria para o meu grupo?
Muitas questões pairavam e eu não sabia ao certo a razão de
realizá-la. Por outro lado, era certo o desejo de fazê-la, de me colocar
à prova, em risco, em uma proposta para que algo me acontecesse. Fui
encorajada por amigos e parceiros da Arte para que a fizesse, o que me
deixou ainda mais curiosa para a experiência.
O 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, dentre
as possibilidades de parƟcipação que ofereceu, abriu espaço para a
realização de desmontagens. Vejo que há ainda pouca bibliografia
acerca deste tema, todavia, na contracorrente desta escassez, o Curso
de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia vem colaborando
com as invesƟgações a respeito do assunto. Neste ano, publicou a
revista Rascunhos, coordenada pela professora Dra. Mara Leal, junto
a alunos da Pós-Graduação, cujo tema girou em torno da importância
da desmontagem como procedimento arơsƟco-pedagógico. É, nesta
perspecƟva, que o 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro
também abraça as iniciaƟvas da Pós-Graduação em Artes, fortalecendo
o campo para a realização e reflexão acerca de práƟcas arơsƟcas
contemporâneas.
Pelas referências dos ainda poucos autores que se dedicam a
falar sobre o tema, percebo que há um ponto em comum na realização
de desmontagens, e que talvez caracterize este modo de ‘dar-se a ver’
à cena, disposiƟvo ou provocação para a mesma: o fato de que não se
sabe, ao certo, o que acontecerá em uma desmontagem. Ela se dá no
49. momento do ato em si e, posteriormente, espera-se tecer algum Ɵpo de
reflexão sobre ela. Após tentar organizar uma desmontagem, percebo-a
como um potente mecanismo pedagógico de atuação, pelas ações que
o ato é capaz de revelar, talvez nem tanto para o outro, espectador,
mas principalmente para quem a realiza, o ator. Santos (2014, p. 164),
em arƟgo para a revista Rascunhos, e ancorado nos estudos de Ileana
Diéguez (2009), conceitua Desmontagem Cênica:
Este procedimento pode ocorrer de vários modos em
contextos múlƟplos, com o objeƟvo de desvendar os
processos de pesquisa e montagens de espetáculos,
apresentando suas tessituras e percursos criaƟvos. Esta
apresentação ocorre a parƟr da escolha que o arƟsta faz em
mostrar ou ocultar os procedimentos criaƟvos surgidos no
decorrer da criação de um espetáculo.
Ao pensar sobre qual seria minha parƟcipação no 1º Seminário
de Ensino-Aprendizagem em Teatro – se faria uma comunicação, se
parƟciparia como ouvinte, ou ainda, se contribuiria para a discussão
de um tema específico ligado ao meu lugar de arƟsta-docente (no
open space) –, ocorreu-me, com certa força intuiƟva, realizar uma
desmontagem do espetáculo infantojuvenil Ali Babá e os 40 Ladrões,
concebido em processo colaboraƟvo pela Trupe de Truões, grupo do
qual faço parte, cuja montagem comporia a grade de aƟvidades do
presente evento. Parecia-me uma oportunidade perfeita, uma vez
que os parƟcipantes poderiam assisƟr ao espetáculo e depois assisƟr
à desmontagem, o que engendraria novas conversas, pontos de vistas,
feedbacks e reflexões sobre o trabalho.
Para nenhuma das perguntas que apresento, na introdução
deste texto, Ɵnha resposta clara. Intuía, entretanto, que a realização
desta desmontagem me moƟvaria a dar conƟnuidade ao meu processo
de criação como atriz, e ampliaria os campos de conhecimento sobre
o meu oİcio. Ileana Diéguez (2009, p. 10), uma das precursoras a
dedicar-se sobre o tema “desmontagem”, aponta que este movimento
de reinventar o teatro, principalmente na América LaƟna, tornou-se um
potente mecanismo de reflexão sobre a cena. Nas palavras da autora:
49
50. 50
Optar por comparƟr procesos de trabajo, y no lo sólo
mostrar resultados, es emprender iƟnerarios arriesgados,
en una dirección muy disƟnta al montaje o representación
de un texto previo. Lo que se decide comparƟr o mostrar
no es una técnica o regla de cómo hacer el trabajo de
mesa para interpretar el texto o como reparƟr los papeles
entre los actores y marcarles un trazo escénico. Quizás
por ello estas experiencias contribuyen a extender el
horizonte de estrategias poéƟcas, ponen a prueba los
tradicionales cánones, abren puertas, oxigenan los marcos
y, muy especialmente, proponen nuevos retos para quienes
estudian y reflexionan em torno de la escena.
Tendo compreendido a realização de uma desmontagem como
um possível mecanismo pedagógico, senƟ-me pronta para desmontar
Ali Babá e os 40 Ladrões. Antes, entretanto, foi preciso revirar memórias,
fotografias, textos, anotações, sensações, figurinos anƟgos, tudo o que
pudesse me auxiliar na busca deste novo desafio.
Ali Babá e os 40 Ladrões: Montagem, (Re)montagem, (Des)montagem
A história da montagem de Ali Babá e os 40 Ladrões abre e
encerra um ciclo na trajetória da Trupe de Truões. Em 2006, dá origem
à formação atual do grupo, e é marcada pela primeira conquista de um
edital a nível nacional, o Prêmio Myriam Muniz de Teatro, em sua primeira
edição. Eu, recém-graduada em Educação ArơsƟca com habilitação em
Artes Cênicas pela Universidade Federal de Uberlândia, fui tomada pelo
desejo efervescente de consolidar o grupo, de criar um repertório, de
viajar pelo país.
De lá pra cá, foram 5 versões deste texto, até chegar na que
estreamos em junho de 2014. Neste ano, em que me encontro como
docente do Curso de Teatro, na mesma Universidade onde me formei, a
Trupe de Truões reestreia o espetáculo por meio de uma remontagem,
fruto da mudança de olhar e entendimento do Teatro nesses 8 anos que
nos atravessaram.
Na remontagem de Ali Babá, ơnhamos a figura de Xerazade
como mote, evidenciada pelo co-diretor desta versão, Getúlio Góis,
também integrante da Trupe de Truões. Desde o início do processo,
51. Getúlio nos trouxe a importância da metáfora de Xerazade, na ação de
contar histórias a cada dia para se manter viva. Ele dizia que era preciso
“tomar para si o mito”, quesƟonava a nossa busca ali naquele momento.
Qual era a nossa história? Por qual razão a contávamos?
Desgranges (2004), em texto que reflete o lugar do teatro e da
educação, traz à tona outra metáfora da fábula de Xerazade, interpretada
por Sônia Kramer (1993), que analisa como a ação de narrar e ouvir
histórias auxilia o rei Xeriar em sua compreensão críƟca. De acordo com
Desgranges (2004, p. 9)
Ouvir a contação das histórias consƟtuiu-se, neste senƟdo,
em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à
medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à
própria existência; ao passo que interpretava as histórias
narradas, revia criƟcamente aspectos de sua vida, tomando
consciência da própria história, estando, assim, em condições
de transformá-la. [...] A experiência arơsƟca se coloca, deste
modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando:
a revisão críƟca do passado; a modificação do presente; e a
projeção de um novo futuro.
Creio ser este modo de colocar a experiência arơsƟca - como
ação reveladora da própria vida - o que mais me insƟga, uma vez que
dialoga com as minhas razões para realizar a desmontagem de Ali Babá,
sobre a qual contarei mais adiante.
Em paralelo às questões e provocações que me atravessavam
durante o processo, o grupo passava e ainda passa (acredito que seja
uma constante em grupos teatrais de norte a sul do país) por crises
éƟcas, estéƟcas, divergência de desejos arơsƟcos e principalmente
sobrecarga İsica e psicológica, em decorrência de afazeres burocráƟcos
e administraƟvos. Tais crises manifestaram-se em mim somaƟcamente,
em dias próximos às apresentações de Ali Babá. Em princípio, essas
reações me pareceram coincidência, depois, concluí que estavam
inƟmamente ligadas a todo o processo de remontagem deste espetáculo,
especificamente em relação ao que ele significava pra mim, e ao que
representava realizá-lo naquele momento de minha vida.
Em minha trajetória no grupo, tem se tornado cada vez mais
presente e paradoxal a escolha por um caminho a seguir. De um lado,
51
52. o desejo de ser atriz em um grupo de teatro situado no interior do
estado, que, além de ser um lugar idealizado de autonomia criaƟva,
requer dedicação coleƟva em tempo integral, a fim de entender
e dar conta de uma sobrevivência diretamente ligada à cultura de
mercado. De outro, a vida acadêmica, que me possibilita, com certo
conforto, dar conƟnuidade às pesquisas de linguagens, invesƟgações e
experimentações, no exercício da licenciatura, bem como parƟcipar de
processos formadores que se dão em congressos, simpósios, colóquios,
entre outros. Há diferenças e intersecções entre os caminhos e modos
de saƟsfação díspares em cada um deles. Coabitar estes lugares, às
vezes, me põe em xeque e gera conflitos. A busca pelo papel de arƟsta-docente
52
é um exercício permanente de “aperta e afrouxa”.
(Des)montagem: O que carrego em minha sacola de tesouros?
Em um primeiro momento, o objeƟvo era o de apresentar ao
público uma demonstração técnica da metodologia de criação de Ali
Babá, o que possivelmente revelaria o amadurecimento e a trajetória
profissional da Trupe de Truões, no entanto, a desmontagem foi, além
do caráter técnico, tocando em questões delicadas e significaƟvas pra
mim, enquanto co-fundadora do grupo e atriz deste espetáculo por um
período de 8 anos.
A organização do material selecionado para a desmontagem
passava pela recuperação não só de objetos, textos, imagens e gestos,
mas de memórias e arquivos sinestésicos, o que, a parƟr de minhas
lembranças e do exercício de descrevê-las, obrigou-me a reconfigurar a
própria vida.
Ademais, faltava-me um roteiro. Segui um ritual inspirado por
Getúlio Góis (2014, p. 129) no texto “VESTÍGIOS CALLE: a caixa preta ou
meu corpo é um hd”, escrito para a revista Rascunhos, cuja adaptação
apresento a seguir.
53. Roteiro: (rascunho)
1. Eu, à frente, fazer a coreografia inicial (primeira versão) e com o vídeo
ao fundo (quarta versão).
2. 12 bastões: jogo de pega varetas; marcação dos atores no chão (1ª
cena, 1ª versão).
3. Argila – o ritual; despejar a terra – Como o tempo opera na minha
trajetória, na do grupo, na concepção da cena?
4. Cenas com/sem bastão (evidenciar o desapego ao bastão).
5. Objetos: figurino anƟgo e atual.
Fotos: maquiagem anƟga e atual.
6. Narração final: 2x; narrador-personagem x contador de histórias.
O roteiro serviu-me de base para que me lançasse neste espaço-tempo
chamado desmontagem. Quis evidenciar a diferença entre o Ali
Babá anƟgo e o novo. A montagem atual trabalha com arƟİcios mais
ritualísƟcos e, por isso mesmo, evoca nos atores a sensação de que
estamos nos submetendo a algo em que acreditamos. A ação de maquiar
o outro em cena, com argila, nos transporta para um lugar outro, bem
diferente daquele de quando fazíamos uma maquiagem tradicional
carregada. Quis trazer alguns destes elementos para a desmontagem,
sem necessariamente repeƟ-los ou tornar o ato em demonstração
técnica. Por exemplo: ao invés de passar a argila molhada no rosto,
optei por despejar terra seca, como em uma ampulheta, para evidenciar
o aspecto empoeirado do tempo e, com isso, percebi que criei novas
metáforas.
No momento da desmontagem, sozinha em cena, não sabia
ao certo o que fazer ou qual era a ordem do meu roteiro pregado à
parede, fui ora me perdendo, ora resgatando memórias, ora sendo
atriz, ora me recordando de que era agora professora daquele Curso.
53
54. Fui permiƟndo desmontar-me frente aos que ali estavam, mostrando
minhas fragilidades, angúsƟas, alternando fraquezas e virtuosismos.
Uma (des)montagem de Ali Babá e os 40 Ladrões: reflexões de uma
arƟsta-docente
54
No 1º Seminário de Ensino-Aprendizagem em Teatro, três
apenas foram as desmontagens inscritas e apresentadas - talvez
por ser um terreno novo, ainda arenoso, ou pelo próprio caráter de
efemeridade e vulnerabilidade que este formato requer. Bastante
diferentes uma das outras, creio que foram enriquecedoras para os
que se dispuseram a fazê-las e também para os parƟcipantes (público)
do evento, que puderam entender mais sobre essa práƟca arơsƟca
contemporânea. André Luz, em sua desmontagem inƟtulada “Ela é uma
princesa: uma discussão sobre gênero em performance”, criou uma 2ª
performance em que se propôs a “desmontar” uma ação performaƟva
anterior, ao meu ver de forma complementar à primeira3. Getúlio Góis
apresentou a desmontagem “O desejo do neutro na escuta do espaço
escolar”, uƟlizando a estrutura possível de uma desmontagem como
um disposiƟvo para auxiliá-lo em seu processo de escrita, bem como
os materiais selecionados e dispostos ao seu redor, como instrumentos
para auxiliá-lo na organização do pensamento.
O comparƟlhamento destas experiências, no 1º Seminário
de Ensino-Aprendizagem em Teatro, fez-me descobrir esta forma
de reelaborar os próprios discursos como um ato cênico ao avesso e
que, diferentemente do teatro, que é feito pensando no público que o
assiste, a desmontagem pode ter seu foco no arƟsta que a realiza. Ainda
sim, necessita incondicionalmente da presença do público, pois só assim
conseguirá um efeito tal, do estado de cena (o estar em cena), que lhe
permiƟrá ser capaz de desmascarar-se perante o outro.
Foi bom ter feito a desmontagem e considero que ainda estou
fazendo-a. Esmiuçar as razões para tê-la feito e tentar discursar sobre os
olhares lançados a ela, presentes neste texto, são processos de reflexão
³André Luz, ex-aluno do Curso de Teatro da UFU, é ator da performance “Ela é uma
princesa”.
55. da práxis de arƟsta-docente. Surgem novas questões, e a incerteza sobre
se voltarei a fazê-la. É possível que faça outras... Foi importante como um
mecanismo de regeneração, expurgação, conhecimento. Uma tentaƟva
de busca pela compreensão de meu oficio. Tive a oportunidade de
vislumbrar como operaram as ações do tempo nestes 8 anos. As minhas
transformações enquanto atriz e mulher, o modo como tecnicamente o
espetáculo Ali Babá e os 40 Ladrões amadureceu, e de que maneira o
grupo e seus desejos mudaram, como isso influencia diretamente o meu
modo de ser e estar nele.
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55
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57. A IDÉIA DE DESMONTAR MEUS ALUNOS!
Ana Carolina CouƟnho Moreira – Mestranda em Artes, pela Universidade
Federal de Uberlândia – e-mail: k_rol_couƟnho@hotmail.com
Uberlândia, 31 de agosto de 2014.
Querido diário,
Sei que estou afastada ulƟmamente, mas anda tudo tão corrido que
sinto as horas me
engolindo, sem
que eu possa me
defender com
tantas mudanças.
Esqueci de lhe
contar: entrei no
mestrado! Sei o que
quero pesquisar
mas ainda não sei
como, de qualquer
forma terei 2 anos
– e tenho certeza que vão passar rapidinho, assim como minhas aulas na
escola, rapidinhas, 50 minutos! - De qualquer forma é uma experiência
inicial que está mexendo muito comigo.
Sempre Ɵve uma resistência muito grande de realizar pesquisas
na área de pedagogia teatral, você sabe bem né?! Primeiro a minha
resistência com crianças, depois minha resistência com o espaço, ou a
falta dele, com o sinal e com as regras da escola. Mas quero ultrapassar
essas barreiras, como ultrapassei a de dar aulas para os pequenos,
quando percebi que para ser professor devemos encontrar e respeitar
nossas preferências, e a minha são os jovens. Com o mestrado, fui
dispensada de algumas aulas, decidindo deixar os pequenos - minha
única turma de primeiro ano (6 anos) - às vezes me sinto mal por isso,
mas foi melhor assim, pois com certeza será uma frustração a menos
para levar para o mestrado, já que dar aulas para eles não era algo que
me moƟvasse, verdadeiramente. Gosto dos adolescentes, e esses serão
57
58. o foco do meu trabalho no mestrado. Mas sobre isto falamos depois.
58
Voltar à faculdade rendeu muito. Logo de início me deparei
novamente com lembranças, e assim pude reencontrar a pesquisa que
amo... MEMÓRIA! Isto mesmo, memória... até parece que voltaria a
pesquisar sem retornar ao meu tema predileto, né?!
São tantas impressões desde que voltei para a Universidade.
Primeiramente em relação ao espaço İsico das salas, que me remeƟam
a momentos de anos atrás. Recordações que formaram e formam o ser
que sou, quem me formei como pessoa e caráter, gostos e desejos...
lembranças... lembranças de alegrias, tristezas poucas que serviram de
aprendizagem e descoberta de um eu, um EU como estudante, um EU
como atriz, um EU como professora, um EU no mundo. Um mundo vasto
de possibilidades, ao mesmo tempo que um mundo cheio de bloqueios.
É aquela famosa lei de uma escolha boa que traz consequências?! Sim,
é!!!!
E o quanto as coisas mudam?! SenƟ, no mesmo momento, uma
saudade e um frio na barriga, senƟ que precisava voltar à cena, mas
que também precisava melhorar como professora que agora sou. E as
duas coisas se entroncavam como se fosse impossível o encaixe. Mas
Ɵnha que focar, focar no ensino de teatro, focar na escola, nos meus
estudantes e aulas.
Foi em uma desmontagem que percebi que as coisas não estavam
separadas, pelo contrário, parƟndo do pressuposto que a atriz sou eu, e
a professora também, por que teimava tanto em separar pessoas dentro
de mim? Por que queria usar as máscaras do meu armário sendo que
seria mais fácil ser eu mesma, em todas as ocasiões? O direito de ser
o que É!!! Como disse Marina Marcondes Machado, em uma palestra
performance que presenciei na UFU.
Pois é, está ficando confuso mas vamos lá, vou lhe explicar o que me
levou a tantas memórias. Logo que as aulas do mestrado iniciaram, teve
também um evento pelo qual estava aguardando, já havia alguns meses,
o I Seminário de Ensino e Aprendizagem, e o XIX Fórum de educadores
em teatro, que por sinal foi anteontem e que iniciou com a palestra que
cito acima.
59. Foram palestras e encontros que deixaram uma sensação de
que tudo que se escuta, de uma forma ou outra, faz conexão com a
pesquisa que almejo fazer. Pesquisar memória não é fácil porque aƟva
minha própria memória: estar naquele lugar, no bloco 3M da UFU, fez
isso, me trouxe as memórias todas e foi tão estranho e legal ao mesmo
tempo. Porque ser eu é carregar lembranças e memórias. E será essa a
tentaƟva de pesquisa, mostrar a meus alunos que eles são consƟtuídos
por memórias e, futuramente, essas memórias dos momentos vividos,
serão o que terão. E muito do que gostam ou não, vão ser experiências
que virarão memórias.
Mas hoje à tarde, lá no evento, algo novo aconteceu comigo ao
assisƟr três desmontagens. Já Ɵnha ouvido falar nesta nova maneira
de expor uma trajetória, ou de aprofundar em um trabalho, mas nunca
Ɵnha presenciado uma. Mesmo sem presenciar o pouco que soube me
deixou extremamente animada, porque o que veio em minha mente foi:
desmontar algo, interfere na memória! E comprovei, ao presenciar as
três de hoje. Mas vamos por partes.
A primeira foi a desmontagem de meu colega André Luiz Silva
Rodovalho, e se chamou “Ela é uma princesa: uma discussão sobre
gênero em performance” - uma críƟca a “Escola de Princesas”, bem
humorada por sinal, como a maioria dos trabalhos de André. Ele
apresentou a escola e os serviços que ela presta, vesƟdo de princesa, e
eu acabei pensando em meus alunos e na escola onde trabalho, acredito
que pelo fato de muitas das minhas alunas desconhecerem uma escola
dessas na cidade em que moram. Me lembrei do dia que uma aluna
disse ter me visto no shopping e completar que havia sido a primeira
vez que esƟvera lá. É meio louco pensar que jovens não conheçam um
lugar como um shopping, pelo menos para mim que frequento desde
de pequena. Mas enfim, aprendo um pouco a cada dia com meus
alunos. De qualquer forma acredito que até seja bom minhas alunas
não saberem da existência desta escola, pois elas não poderiam (e nem
deveriam na minha opinião) fazer parte dessa realidade, uma escola
que ensina a mulher a ser “Princesa”, aqui em Uberlândia, deve ser bem
cara. A desmontagem do André por mais que muito diverƟda, também
foi muito adverƟda, tanto no senƟdo críƟco, quanto pela própria escola
59
60. de Princesas, que o adverƟu pelas críƟcas feitas em redes sociais.
60
Vou para terceira desmontagem, depois falo da segunda, a
desmontagem da Maria de Maria chamada “O que carrega uma sacola
de tesouros?”. Maria descreveu o processo de montagem, remontagens
e apresentações de um dos espetáculos da Trupe de Truões “Ali Babá
e os 40 ladrões”. Foi muito interessante ver como seu corpo falava ao
mesmo tempo que ela expunha verbalmente sua desmontagem, ou seja,
o corpo também carrega memórias, e um processo de montagem e de
criação também acaba envolvendo pessoalidades, tanto do próprio ator
quanto dos colegas envolvidos no processo. Era como se Maria esƟvesse
abrindo uma parte de sua vida para gente, e isso me encantou muito em
sua desmontagem.
Vejo traços das montagens que fiz invadir minha pessoalidade,
até na forma em como lidar com alguns de meus alunos. Afinal, a
convivência de montagem de um espetáculo se difere pouco da vivência
com meus alunos, pois com o passar do tempo, em ambos os processos,
você vai se mostrando mais e seus companheiros vão entendendo
melhor questões como estado de humor, saúde e até temperamentos.
A segunda desmontagem foi a que mais mexeu comigo, e com
minha pesquisa, ou meu anseio de pesquisa, a do Getúlio Gois de Araújo,
chamada “O desejo do neutro como espaço escolar”. Ele parƟu dele, da
pessoalidade dele, da criança e jovem que foi, para chegar a seu local
de trabalho e alunos. E por que mexeu comigo? Porque era puramente
a memória que estava sendo posta à mostra, e é lindo ver a memória
de alguém sendo usada como arte, entender o processo que o fez estar
onde está hoje e ser um profissional que inspira muito e muita gente,
inclusive eu.
Se o que eu fui na época de escola reflete no que eu sou hoje,
assim como mostrou Getúlio em sua desmontagem, as minhas aulas
podem “marcar” a vida de meus alunos, e influenciá-los quando adultos
formados, ou mesmo criar memórias neles que sejam importantes para
a construção de suas pessoalidades. Aproximou-se tanto da minha ideia,
para o mestrado, que me fez quesƟoná-la.
Que Ɵpo de memórias a escola possibilita aos alunos? Memória
pessoal, social, de construção de conhecimento, construção de