O documento apresenta quatro textos diferentes. O primeiro é um excerto descritivo que apresenta a personagem Iracema. O segundo é um poema que fala sobre tristeza e angústia. O terceiro é um trecho teatral que contém diálogos entre personagens. O quarto é uma crônica que narra um jantar com noras e amigos.
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Uma noite especial com a mundiça
1. Texto 1 “ Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
2. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.” ( José de Alencar )
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4. DESENCANTO Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa...remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu faço versos como quem morre. ( Manuel Bandeira ) Texto 2
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6. PRIMEIRO ATO ( Cenário – dividido em três planos: primeiro plano: alucinação; segundo plano: memória; terceiro plano: realidade. Quatro arcos no plano da memória; duas escadas laterais. Trevas .) MICROFONE - Buzina de automóvel. Rumor de derrapagem violenta. Som de vidraças partidas. Silêncio. Assistência. Silêncio. VOZ DE ALAÍDE ( microfone ) – Clessi... Clessi... ( Luz em resistência no plano da alucinação. Três mesas, três mulheres escandalosamente pintadas, com vestidos berrantes e compridos. Decotes. Duas delas dançam ao som de uma vitrola invisível, dando uma vaga sugestão lésbica. Alaíde, uma jovem senhora, vestida com sobriedade e bom gosto, aparece no centro da cena. Vestido cinzento e uma bolsa vermelha .) Texto 3
7. ALAÍDE ( com angústia ) – Madame Clessi está, pode me dizer? ALAÍDE ( com ar ingênuo ) – Não responde! ( com doçura ) Não quer responder? ( Silêncio da outra .) ALAÍDE ( hesitante ) – Então perguntarei ( pausa ) àquela ali. ( Corre para as mulheres que dançam .) ALAÍDE – Desculpe. Madame Clessi. Ela está? ( 2ª mulher também não responde .) ALAÍDE ( sempre doce ) – Ah! também não responde?
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9. Uma noite especial O bicho mais parecido com filha que terei é nora. Agora, por exemplo, a casa está cheia de noras e cada uma delas traz uma riqueza especial. Como só tenho filhos, a primeira prenda que cada uma acrescenta são surpresinhas assim: venho andando pela casa e encontro uma havaiana cor-de-rosa! Essas coisas pequenas costumam me dar uma alegria leve e doce... Sei que noras, por enquanto, são seres transitórios. Mas é impossível não gostar de cada uma que chega e sentir um pouco quando se vão... São aquelas coisas da vida que a gente deve aproveitar enquanto tem e, depois, deixar partir, suavemente... A nora que Diogo me trouxe é reservada e bela como uma madona de Rafael. Sua pele dá complemento à beleza de seus traços e ela parece ser franca e saber o que quer e o que é. De todas, é a que menos conheço, até porque Diogo é um marujo, mal pára em casa. Texto 4
10. A nora que Filipe me trouxe é inquieta e curiosa. Chegou aperreada e sem rumo, e acho que Deus a colocou ao lado de meu filho com deficiências porque ela precisava aprender a ir mais devagar para ir certo. É a mais pegada comigo, porque sua família mora no interior e também porque Filipe tem pouca autonomia e fica muito ao meu lado. Os três temos nos ajudado muito, de mãos dadas. A nora que Daniel me trouxe é a mais antiga. É manhosa, calada, discreta e charmosa; tudo que veste fica chique e “estiloso”, como dizem meus alunos. Esta história é sobre seu gato, que está passando uma temporada na minha casa, enquanto ela se muda. Para contar esta história de hoje, preciso antes contar outra, anterior. Há algum tempo, minha irmã Debe nos convidou (eu, meus filhos e minhas noras) para assistir a um filme francês na casa dela. Mas o programa foi um fiasco: deu uma fome nos meninos, que acabaram com o creme de galinha dela; os telefones não paravam de tocar; fizeram pipoca; comeram bolo; mandavam dar pause no filme; saíam; voltavam; desistiram... a maior confusão. Aí, Debe não agüentou:
11. − É nisso que dá! Me misturar com mundiça pra ver filme francês! Já não tou entendendo é nada! Caímos todos na gargalhada e demos razão a ela. A partir daí, a cor do sofá, o tamanho da feira, o cardápio, tudo se justifica lá em casa assim: é por causa da mundiça. E nos divertimos, rindo de nós mesmos. É claro que a mãe, que sou eu, sempre tenta dar um jeito e corrigir, mas Debe tem razão: é uma mundiça sem remédio. Daí a minha casa se tornar a Rocinha foi um pulo. Mas tenho um consolo: a casa de minha outra irmã, que também tem uma mundiça desmantelada, é o morro do Alemão, porque seus filhos são louros. Pelo menos não estou só, atolada na lama... Então, há dois dias, chamei um novo amigo velho para jantar e resolvi inaugurar a louça da minha avó, que está comigo há muitos anos e que, heroicamente, consegui salvar intacta de minhas muitas mudanças, com muito esforço, confesso, sempre a carregando no colo, com todo o cuidado.
12. Meus leitores já sabem que inaugurações não são o meu forte (quem quiser ler o relato das inaugurações malogradas, é só acessar aí ao lado o arquivo de fevereiro de 2007). De novo, deu tudo errado. Deixei para pôr a mesa depois que os convidados chegaram: copos de cristal, os pratos de vovó (belíssimos espécimes de uma antiga louça inglesa, “chique no último”, como se diz no Piauí), guardanapos bordados, cardápio francês, vinho chileno, tábua de queijos!... Confesso que passei a semana temerosa... De surpresa, chamei outro amigo comum... Eles não se viam há quinze anos e, sorrateiramente, provoquei o reencontro... Tantas preparações, telefonemas interurbanos, nem sei como consegui, de tanto que me enrolei com os DDD... Pois bem, tudo chique e lindo, fui buscar na cozinha o prato francês que tinha feito com tanto esforço e com tanta ajuda... Aí o gato da minha nora apareceu na sala e resolveu afiar as unhas na toalha... A toalha escorregou... Houve um espanto, todos correram, tentaram salvar o desastre... Mas um prato e um copo caíram no chão e quebraram-se em mil pedaços! Todo mundo ficou triste...
13. − Ai, é algo de estimação? − perguntou a esposa do meu amigo. − Essa louça foi da minha avó − respondi, tentando parecer animada. − Que pena! − É bobagem, disse eu, varrendo e disfarçando minha desolação. Mas o que eu pensava mesmo era na história de Debe, que eu não tinha mesmo que me meter a besta com a mundiça que me cerca. O jantar terminou, todos foram embora bem, mas minha nora ainda não se recuperou do remorso e da culpa, coitada! O gato se assustou um pouco na hora, com a correria e a admiração geral, mas, cinicamente, logo depois, estava dono da situação, passeando todo charmoso e, de novo, proprietário da casa. Quando Diogo chegou, que contei, retrucou: − É a bocada, mãe, não tem nada a ver com você. Relaxe! Essa frase e o e-mail do meu amigo no dia seguinte, dizendo não só que a noite foi mágica (apesar do gato) mas também que cozinho bem, me consolaram de tudo. Passei o sábado rindo de mim mesma e da situação e até achando que tenho tudo a ver com a mundiça, já que a pari.
14. O que queria mesmo neste texto era registrar meu afeto por essas meninas e meu apreço por meus dois velhos amigos novos (pois, de certa forma, sempre somos outros depois das tempestades) e dizer que encontros, desencontros e reencontros fazem de nós o que somos: seres espirituais, é verdade, com cicatrizes e feridas, que irão aos poucos, no contato uns com os outros, lapidando o que, por fim, surgirá de melhor em cada um e em todos... A Luis Manoel, Manoel Affonso, Isabella, Bruna Monteiro, Julli e Bruna Lafayette. E a Lampião, o gato, claro.
15. P.S. Mundiça s.f. (s.XIX) infrm. 1 B N.E. grande quantidade: 1.1 de gente que pertença às camadas mais baixas da população; ralé 1.1.1 de pessoa ou coisa ruim 1.2 de piolho (p. ext.: pulga, percevejo etc.); cafute 2 ARAC ENT BA m.q. BICHO-DE-GALINHA □ ETIM f.dial. de imundície/imundícia □ SIN/VAR ver sinonímia de ralé □ ANT ver antonímia de ralé. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)