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7 de agosto de 2013
PATENTES DE MEDICAMENTOS, SUA ANÁLISE
PELO INPI E ANVISA E POLÍTICAS PÚBLICAS
Edson Paula de Souza
AGENDA
1. INTRODUÇÃO A PATENTES
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
3. POLÍTICA DE ACESSO A MEDICAMENTOS
4. A LICENÇA COMPULSÓRIA
5. CONCLUSÃO
1. INTRODUÇÃO A PATENTES
O que as patentes fazem:
- A patente é um título que confere ao seu titular, em
um território, por um prazo (de 20 anos da data do
depósito ou 10 anos da data da concessão), o direito de
impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir,
usar, colocar à venda, vender ou importar o objeto da
invenção.
- A patente provê incentivo à inovação, visando à
introdução de novos produtos e tecnologias no mercado.
- Além disso, a patente dissemina conhecimentos e
informações, que se tornam de domínio público após a
expiração de seu prazo de validade.
A primeira pergunta que eu devo fazer a Vocês é: O que é uma patente? Fala-se tanto na mídia sobre o tema, mas é possível que algumas de suas características
essenciais não estejam muito claras entre todos nós. Aliás, em uma pesquisa realizada pelo IBOPE, há 4 anos, entre os deputados federais e senadores, quase
metade dos parlamentares declarou não conhecer bem o assunto.
Em essência, a patente é um título de propriedade conferido pelo Estado, se atendidos os critérios estabelecidos na Lei, que confere ao seu titular, em um dado
território, por um certo prazo, o direito de impedir terceiro sem o seu consentimento de produzir, usar, colocar à venda, importar o objeto da invenção.
Alguns detalhes especiais: 1) No Brasil, as patentes são concedidas pelo INPI, agência federal ligada ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. 2)
A patente só tem validade em um determinado território. A patente concedida nos EUA não tem validade no Brasil, a não ser que seja nacionalizada. 3) A
patente expira. Diferentemente das marcas, a patente vale no Brasil por um período de 20 anos a contar da data de depósito ou 10 anos a contar da data de
concessão, o período que for maior. 4) A principal lei em vigor sobre o tema hoje no Brasil é a Lei 9.279/96.
A patente tem um fundamento econômico. Afinal de contas, para garantir o retorno do investimento com P&D e incentivar novas invenções, é necessário
garantir ao inventor a possibilidade de exploração exclusiva do seu invento, por determinado período de tempo. Evita, assim, a situação dos “free riders”, que
utilizariam o objeto da invenção sem terem arcado com os custos de P&D do titular da patente. Além disso, a patente estimula a troca de conhecimentos e
informação tecnológica. Após o prazo de validade, qualquer pessoa pode explorar o objeto da invenção descrita no documento patentário.
1. INTRODUÇÃO A PATENTES
O que as patentes NÃO fazem:
- A patente NÃO autoriza o seu titular a usar ou
implementar a invenção; a patente autoriza que o titular
exclua terceiros de usar, vender, etc. a invenção.
- Para muitos produtos, existe um registro a ser obtido
de uma agência reguladora, necessário para a sua
comercialização. Ex.: registro sanitário concedido pela
ANVISA para medicamentos.
- Assim, a patente não parece ser a melhor ferramenta
para prevenir riscos associados a uma certa tecnologia.
Como dito, apatente confere ao titular o direito de excluir terceiros que usem, exportem, etc. o objeto de sua invenção, não foi? Pois é isso mesmo. A patente NÃO confere o
direito ao uso do objeto pelo titular. Eu vou explicar.
Primeiro, no caso de uma patente para um segundo uso médico, por exemplo, em que um composto químico-farmacêutico conhecido é usado para outro fim terapêutico, pode
já haver patente para esse composto em nome de outro titular. Nesse caso, para explorar o novo uso, o titular dessa patente de segundo uso terá de obter autorização/licença
do titular da patente para o composto. Ou seja, a sua patente não permite, de pronto, o uso pretendido.
Em segundo lugar, em alguns casos, para a comercialização de um determinado produto, é necessário obter um registro específico, muito comum entre setores regulados, de
interesse público, como é o mercado farmacêutico. A Agência reguladora, nessa ocasião, avalia, com base no dossiê apresentado pela empresa que requer a comercialização,
critérios de segurança e eficácia, conforme requerido pela legislação sanitária. Nessa altura, já se tem as informações obtidas com testes clínicos, que não fazem parte de um
documento de patente, pois esse é depositado em etapa muito precoce de P&D (entre a pesquisa básica e primeiros testes pré-clínicos).
1. INTRODUÇÃO A PATENTES
Importância das patentes para a
indústria farmacêutica
P&D de medicamentos
- 12-15 anos de desenvolvimento.
- Somente 1 em cada 5000 moléculas
chega aos pacientes.
- Gastos de cerca de US$ 1,2 bilhões.
- 7 entre 10 medicamentos não
cobrem os custos com P&D.
Na figura ilustrada, dentre as 17 empresas que mais gastam com P&D, 8 são farmacêuticas. Dentre as 5 primeiras, 3 são farmacêuticas. Por que esses dados
indicam uma maior predominância de indústrias farmacêuticas?
Bem, diferentemente do que acontece com outras indústrias, a pesquisa farmacêutica é longa, chegando até 15 anos (talvez até mais em alguns casos de
medicamentos biológicos).
Além disso, um altíssimo número de moléculas de partida não são consideradas satisfatórias - de fato, apenas 1 dentre 5000 aproximadamente chega ao
consumidor. E, isso, infelizmente, só é verificado por volta da fase 3 dos testes clínicos, quando muito já se gastou.
Os custos com P&D, assim, tendem a ser altíssimos. O retorno desse investimento não seria possível sem a patente, garantindo ao seu titular um período de
exclusividade no mercado.
Aliás, isso é defendido por Schumpeter, importante economista da primeira metade do século XX. Ele via no lucro de monopólio ocasionado pelo poder de
mercado a verdadeira força motivadora do processo inovativo.
De fato, no cenário destituído de proteção de PI, não há mecanismos legais para garantir o futuro retorno econômico da tecnologia que venha a ser obtida, com
alguma vantagem, pelo setor privado que a tenha financiado.
Isso ficou muito claro no nosso país com a restrição ao patenteamento de produtos químico-farmacêuticos, numa tentativa de beneficiamento da indústria
nacional. Não houve nenhum aumento de produção ou valor agregado; nenhuma melhoria na posição competitiva da indústria nacional e pouquíssimo
encorajamento à pesquisa.
1. INTRODUÇÃO A PATENTES
O que pode ser patenteado?
- Patentes para medicamentos permitidas no Brasil após Lei
No. 9.279/96 (LPI), de acordo com o TRIPS.
- A invenção farmacêutica tem de preencher os requisitos de
patenteabilidade e não recair em nenhuma proibição legal.
- Os requisitos de patenteabilidade estabelecidos pela LPI são:
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
- As proibições legais aplicáveis podem ser encontradas nos
artigos 10, I, VIII e IX; e 18, I e III da LPI.
- Moléculas naturais, extratos sendo mera diluição da molécula
natural, células-tronco, microorganismos existentes na
natureza, entre outros, NÃO são patenteáveis.
Bem, não somente o Brasil excluía os medicamentos de sua legislação patentária. Outros países em desenvolvimento e até países europeus também o faziam.
Contudo, principalmente os EUA estavam insatisfeitos com a ausência de proteção à propriedade industrial, relacionada a produtos farmacêuticos a nível
mundial propuseram passar as negociações sobre o tema para o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).
Finalizada em abril de 1994, a Rodada Uruguai culminou com a assinatura de uma série de acordos multilaterais, dentre eles o Acordo TRIPs, e com a criação
da Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo o TRIPS, qualquer invenção de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será
patenteável, à exceção de algumas que o acordo permite que os membros excluam. Não foi o caso do Brasil, mas membros em desenvolvimento e menos
desenvolvidos poderiam postergar a data de implementação nacional das disposições do TRIPS.
Entretanto, para ser protegida, a invenção farmacêutica tem, como todas as outras, ser NOVA, INVENTIVA e APLICÁVEL NA INDÚSTRIA. Bem, de uma forma
geral, novo é tudo aquilo que não foi divulgado (oral ou escrito) em QUALQUER lugar. Inventivo é tudo aquilo que não é óbvio ou evidente para um técnico no
assunto. Aplicável na indústria é tudo aquilo que pode ser produzido na indústria, inclusive na agricultura.
Além disso, existem algumas proibições legais, dentre as quais as mais pertinentes à indústria farmacêutica são as referentes a 1) descobertas, ou seja, aquilo
que não derivou do intelecto humano; 2) métodos terapêuticos, cirúrgicos e de diagnóstico (não teriam aplicação industrial e por interesse público) - 10, VIII;
3) seres vivos, partes dos mesmos e produtos encontrados na natureza, ainda que isolados - 10, IX; 4) o que for contrário à moral, bons costumes, saúde, ordem
e segurança pública - 18, I; e 5) seres vivos, partes dos mesmos ainda que geneticamente modificados, exceto microorganismos transgênicos.
Dessa forma, como exemplo, moléculas naturais (DNA e outros compostos químicos naturais), extratos sendo mera diluição da molécula natural, células
tronco, microorganismos existentes na natureza NÃO são patenteáveis.
1. INTRODUÇÃO A PATENTES
Ex.: Fitoterápico para tratamento de vitiligo
Pedido de Patente No. PI 0604107-8
- Reivindicação principal: “fitomedicamento para
tratamento de vitiligo obtido a partir de extratos
fluidos, alcoólicos, hidroalcoólicos e/ou aquosos
das partes aéreas das espécies de plantas
Stachytarpheta cayensensis, S. jamaicensis e de S.
eliotis (Família Verbenaceae) usadas para
tratamento e profilaxia de vitiligo”.
- Pela legislação atual, esta reivindicação NÃO será
aceita. O medicamento é um extrato (considerado
mera diluição; um meio usado para a extração do
ativo) de um produto natural.
Vejamos uma ilustração real.
Nesse exemplo, de um fitoterápico para tratamento de vitiligo, a reivindicação principal do pedido de patente transcrita diz que o medicamento compreende um
extrato fluido, ALCOÓLICO, HIDROALCÓOLICO E/OU AQUOSO de partes áreas de plantas. E o relatório descritivo desse pedido menciona que os referidos
solventes do extrato são meros solventes de extração do ativo.
Nesse caso, o INPI quando for analisar o pedido, certamente considerará que o solvente de extração é uma mera diluição da molécula natural e não concederá o
privilégio requerido. Infelizmente, esse é o caso de muitos extratos fitoterápicos que chegam à análise do INPI. O que poderia, em princípio, ser patenteado, é a
combinação da molécula natural a algum outro componente que torne o produto consumível.
Essa questão é tão debatida que hoje existe um projeto de Lei (No. 4.961/2005) tramitando no Congresso, que inclusive já recebeu parecer favorável de uma
comissão de análise, que pretende alterar a Lei 9.279/96, de forma a permitir que substâncias ou materiais extraídos, obtidos e isolados da natureza sejam
patenteáveis, desde que sejam novos e inventivos.
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
INPI
Art. 2º Lei No. 5.648/70 (alterada pela Lei 9.279/96):
“O INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as
normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua
função social, econômica, jurídica e técnica [...].” [grifos nossos]
ANVISA
Art. 6º Lei No. 9.782/99:
“A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da
saúde da população, por intermédio do controle sanitário da
produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos
à vigilância sanitária [...].” [grifos nossos]
Inicialmente, a partir das missões institucionais mencionadas no slide para o INPI e ANVISA (ler as finalidades institucionais), parece claro que ao INPI
cumpre executar normas referentes a propriedade industrial e à ANVISA cumpre promover e proteger a saúde pública. Em princípio, não há como confundi-
las.
Além disso, vale destacar que em direito administrativo existe um princípio muito importante, que precisa ser levado em consideração pelas agências
reguladoras: o princípio da especialidade, segundo o qual as entidades estatais não podem abandonar, alterar ou modificar os objetivos institucionais para os
quais foram fundadas, haja vista que sempre estarão vinculadas aos fins para os quais foram constituídas. E essa finalidade só pode ser alterada por lei
específica, da mesma forma como foi criada ou autorizada a funcionar a instituição pública.
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
A sobreposição de atribuições
- Inicialmente, o exame de todos os pedidos de patente
era centralizado no INPI.
- MP No. 2.006/99 (MP No. 2014/99 e MP No.
2.105/00) - Origem do Art. 229-C da LPI: Requisito
da prévia anuência da ANVISA no caso de pedidos da
área farmacêutica. Pedidos enviados à COOPI/ANVISA
após exame substantivo pelo INPI.
- Até RDC No. 45/08: Confusão administrativa.
ANVISA sem nenhum parâmetro claro de análise
(pedidos pipeline? regulares? Exame formal?
substantivo dos requisitos de patenteabilidade?)
- Com RDC No. 45/08: ANVISA estabelece
procedimentos de análise próprios. Inclui os requisitos
de patenteabilidade. Teses peculiares e contestáveis
para negar anuência a certas invenções.
Inicialmente, realmente toda a análise de patentes era feita pelo INPI.
Porém, com a introdução do Artigo 229-C na LPI, houve a criação da necessidade de anuência prévia da ANVISA para a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos. A justificativa para a inserção desse dispositivo, na
época, foi suprir a alegada deficiência no quadro técnico do INPI, que, até 1996, não atuava na área farmacêutica.
Mas a lei não definiu de forma clara como se daria tal anuência, nem definiu os limites de atuação de cada órgão, ficando, como já disse as missões institucionais inalteradas.
Num primeiro momento, o procurador-geral do INPI (parecer de 23/02/2000 dado caráter normativo pelo presidente do INPI) entendeu que competiria à ANVISA verificar o cumprimento do requisito da aplicação industrial e que, não
havendo exame de pedidos pipeline, esses nem deviam ser encaminhados àquela Agência. Assim, só os pedidos regulares deveriam ser enviados à ANVISA.
Aqui, só vou fazer um breve parêntese para explicar o que seria pipeline. Diferentemente dos pedidos de patente regulares, esse pedidos são regulados pelas disposições transitórias da Lei de Propriedade Industrial e só puderam ser
depositados pedidos pipeline entre 15/05/1996 e 14/05/1997 (no período entre a publicação e a entrada em vigor da LPI). Trata-se de patente de revalidação, destinada à proteção de matéria que o TRIPS determinou ser patenteável e a
lei anterior brasileira não. Para esses pedidos pipeline, os requisitos de patenteabilidade não eram avaliados.
Bem, voltando agora ao procedimento instituído pelo 229-C, a interpretação dada pelo procurador geral foi bastante questionada e um novo entendimento veio na forma de Comunicado pelo INPI em 2 de abril de 2001, passando a incluir
os pedidos pipeline também.
Na opinião de muitos doutrinadores, aliás, caberia à ANVISA apenas a análise de pedidos pipeline, porque o Art. 229-C, assim como o Art. 230, referente a pipelines, está inserido no mesmo capítulo da LPI, das disposições transitórias.
Quando o INPI considerava que o pedido tinha condições de ser deferido, enviava-o à ANVISA para anuência prévia.
No início, a ANVISA, pela COOPI, revisava apenas os aspectos formais do pedido, erros de tradução, formatação, entre outros. Nada substantivo constava dos seus pareceres técnicos. Entretanto, já entre 2002-2003, a ANVISA começou a
analisar o mérito dos pedidos de patente que recebia do INPI, com algumas teses muito peculiares, como é o caso, por exemplo, de patentes de segundo uso médico.
Para estas invenções, a ANVISA trouxe ao conhecimento do público em 2003 uma nota de esclarecimentos segundo a qual a Diretoria Colegiada considerou que o instituto é lesivo à saúde pública, ao desenvolvimento científico e
tecnológico no país, podendo dificultar o acesso da população aos medicamentos. Não houve maior aprofundamento, o que deixou a nota com um cunho eminentemente ideológico, político. Contra esse posicionamento, argumentou-se a
inexistência na lei de qualquer vedação a patentes de segundo uso, que o INPI entendia serem patenteáveis se os requisitos legais fossem atendidos, etc.
Somente em 2008, com a RDC 45, publicada pela ANVISA, houve publicidade e organização do procedimento de análise feito pela ANVISA. Segundo essa RDC, a ANVISA deve analisar os requisitos de patenteabilidade. A discussão ficou
ainda maior com essa admissão.
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
Fonte:	
  Diário	
  Oficial	
  da	
  União	
  in	
  Raimundo,	
  Jorge	
  (2012)
Anuência(
97%(
Não(anuência(
3%(
Decisões'ANVISA'antes'RDC'No.'45/08'
Anuência(
73%(
Não(anuência(
27%(
Decisões'ANVISA'após'RDC'No.'45/08'(até'08/12)'
Naquela mesma época, Dirceu Raposo de Mello (então diretor presidente) e Luis Carlos Wanderley de Lima (então coordenador de propriedade intelectual),
publicam um artigo no jornal “Valor Econômico” afirmando, entre outras coisas, que o impacto das patentes farmacêuticas sobre a vida das pessoas é diferente
daquele causado, por exemplo, pelo patenteamento de produtos eletroeletrônicos. Questionavam o sistema que garante exclusividade ao titular, dizendo que a
qualidade e o preço não ficam mais submetidos à competição (concorrência), um dos alicerces do modelo econômico capitalista.
Bem, esse testemunho retrata uma aparente discordância dos representantes máximos à época ao sistema de patentes, como uma exacerbada importância ao
setor farmacêutica que não está prevista na Lei. A CF e as leis não fazem distinção de setor tecnológico. Aliás, o princípio da não discriminação do setor
tecnológico está consagrado no Art. 27.1 do TRIPs. E mais uma pergunta que fica depois desse depoimento: Não seriam os equipamentos médicos (produtos
para saúde), tão importantes e com impacto tão crucial na vida das pessoas como os medicamentos? Por que o tratamento diferenciado?
Com a RDC, como era de esperar, houve um aumento significativo de pedidos não anuídos, como vemos no gráfico mostrado. Dos 732 pedidos analisados até a
RDC, apenas 21 foram não anuídos. Após a RDC (até agosto de 2012), de 860 casos examinados, 229 não foram anuídos. Houve, assim, um aumento de cerca de
24% de decisões contrárias emitidas pela ANVISA após a RDC.
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
Com o procedimento de anuência prévia da ANVISA:
- A concessão da patente é substancialmente atrasada.
- Pedidos para inovações incrementais (polimorfos, patentes
de seleção, segundo uso médico, etc.) não são anuídos.
- Incerteza jurídica com posições divergentes do INPI e
COOPI.
- INPI: Estrutura técnica especial, com todo o seu pessoal
treinado para a análise dos requisitos de patenteabilidade.
Eu não pretendo fazer aqui um juízo sobre a legalidade ou a pertinência da anuência prévia, mas é inegável que muitos problemas foram causados com a criação do instituto da anuência
prévia e da interferência da ANVISA no exame da patenteabilidade de pedidos para medicamentos.
Dentre eles, eu posso citar que a concessão de patentes foi ainda mais atrasada. Normalmente, se um pedido sofre exigência pela ANVISA ou sugere-se a denegação de anuência, o pedido
pode levar ainda mais 2-3 anos para ser concedido.
Ainda, algumas invenções em particular, como é o caso de novas formas polimórficas e segundo uso médico não são concedidas, por suspostamente não apresentarem novidade. Ambas as
invenções, segundo o INPI, são patenteáveis se preenchidas as condições legais.
Outra questão é o fato de INPI e ANVISA, ambas autarquias federais, poderem discordar da patenteabilidade do mesmo pedido. De acordo com o direito administrativo, preenchidos os
requisitos legais, é ato vinculado da administração pública a concessão da patente. Ou seja, não há margem para avaliação de oportunidade e conveniência nesse caso e como podem as
análises chegar a conclusões diferentes? A dupla análise, sem critérios de divisão de atribuições entre os órgãos permite desencontro de informações e decisões. O depositante recebe
decisões controversas, às vezes baseadas em teorias muito peculiares, como aquela para invenções de segundo uso médico, e é obrigado a socorrer-se do judiciário para o desempate,
situação essa que poderia ser evitada se houvesse uma definição adequada quanto às atribuições de cada órgão.
Várias ações judiciais foram, de fato, ajuizadas. Uma setença proferida pela 37a VF do RJ aliás, é bastante emblemática. Referia-se o pedido de patente alvo da disputa a um antiviral para
citomegalovírus em pacientes imunossuprimidos da ROCHE (Valcyte®). A ANVISA, já em 2004, pronunciou-se sobre a suposta falta de novidade do referido medicamento, não obstante
parecer favorável do INPI. A juíza de 1a instância, Dra. Monique Calmon, já falava, assim como a ABPI, que a análise da ANVISA, se permitida para pedidos regulares, não podia
compreender os requisitos de patenteabilidade. Ainda, foi categórica em afirmar que a ANVISA tinha dificuldade em conduzir seus trabalhos institucionais primordiais, citando como
exemplo o caso da existência de medicamentos falsificados em drogarias do país, conforme documentado pela revista "Época" (nov. 2004), e que não devia extrapolar a análise técnica
realizada pelo INPI com sofismas.
Não somente essa juíza, mas diversos outros magistrados reconheceram que a estrutura do INPI é a mais apropriada para analisar tecnicamente os requisitos de patenteabilidade. E o
trabalho do INPI não tem sido outro senão aperfeiçoar-se cada vez mais na consecução de sua missão institucional.
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
Parecer No. 210/PGF/AE/2009 (16/10/2009)
- Não cabe à ANVISA, mas ao INPI, analisar os requisitos de
patenteabilidade.
- Análise da ANVISA deve ficar limitada a questões de saúde pública
(Art. 18, I, da LPI), de acordo com sua função institucional.
Parecer No. 337/PGF/AE/2010 (04/03/2010)
- Em atendimento ao pedido de reconsideração da ANVISA.
- Posição anterior ratificada.
- Opinião final e irrecorrível.
A fim de tentar solucionar o impasse, a PGF, no final de 2009, através do Parecer No. 210/PGF/AE/2009, fixou entendimento jurídico acerca do Art. 229-C da
LPI.
De acordo com o parecer, as atribuições institucionais do INPI e da ANVISA são específicas e próprias, não havendo como ser confundidas ou sobrepostas. A
PGF concluiu que NÃO é função da ANVISA promover, por ocasião do exame de anuência prévia, análise fundada nos critérios de patenteabilidade, porque isso é
atribuição própria e única do INPI. A ANVISA, por sua vez, deve promover o controle sanitário e evitar riscos à saúde pública. Pedidos regulares e pipelines
estariam sujeitos à anuência prévia e sugeriu-se a edição de um Decreto regulamentador ou que um convênio fosse firmado para fixar especificamente os
procedimentos necessários para o cumprimento do Art. 229-C.
A ANVISA, entretanto, não se conformou com esse entendimento e pediu a sua reconsideração do parecer. O resultado foi a publicação, no início de 2011, do
Parecer No. 337/PGF/EA/2010, que confirmou todo o
posicionamento anterior. Embora a ANVISA não possa recusar a concessão da anuência prévia lastreada em requisitos de patenteabilidade previstos na LPI,
nada obsta que a Agência apresente formalmente ao INPI suas considerações sobre o tema como subsídio técnico (que poderiam ajudar o INPI em sua análise,
mas que não vinculam a sua decisão). Essa opinião é final e irrecorrível e o que deveria ser seguido pela ANVISA (posicionamento da AGU vincula as agências
reguladoras) foi, de certa forma, flexibilizado de acordo com uma tese bastante singular.
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
Desdobramentos (finais?)
- ANVISA passa a decidir com base no risco à
saúde, mas segue analisando patenteabilidade.
- Várias ações judiciais. Risco à saúde: Relatório
descritivo tem de apresentar dados de segurança
e eficácia? Registro comercialização?
- Portaria Interministerial No. 1.956/11
(16/08/2011): Criação do GTI.
- Portaria Interministerial No. 1.065/12
(24/05/2012): ANVISA analisa o risco à saúde,
com base nos princípios que norteiam o SUS
(universalidade do acesso, integralidade e
equidade em saúde) ANTES do mérito pelo INPI.
- Portaria No. 616/12 (24/04/2012): Sustentação
oral em recursos contra denegação de anuência -
DICOL (Brasília). Fonte:	
  Portaria	
  Interministerial	
  No.	
  1065/12
A ANVISA passa a, então, fundamentar suas decisões no risco à saúde pública, mas para tanto, diz ser necessário analisar os requisitos de patenteabilidade. A situação continua a mesma sob uma aparência diferente.
Mais ações judiciais são ajuizadas e o cerne da questão passa a ser o que estaria compreendido na análise da ANVISA de risco à saúde pública. Nos casos em que era obstada judicialmente de analisar os requisitos de patenteabilidade, a ANVISA
passa a entender que a análise do risco à saúde compreenderia a apresentação de dados de segurança e eficácia do produto farmacêutico em questão, que não constam no relatório descritivo de um pedido de patente e que são exigidos somente
para o registro sanitário correspondente.
Em uma das primeiras decisões contrárias à tese da ANVISA, ainda em 2011, o Juízo da 7a Vara da Justiça Federal do DF entendeu que a ANVISA não deve analisar o risco à saúde pública com base no dossiê exigido para o registro sanitário na
etapa de concessão de patente. Diz que esse dispositivo apenas restringe o patenteamento daquelas invenções que, em si, por sua própria natureza ou finalidade são contrárias à saúde pública.
Em outros casos, por já constar informação (pública ou protegida por sigilo, submetida à ANVISA) sobre o objeto de proteção e este apresentar algum efeito colateral indesejado ou não ser considerado apto ao registro sanitário no país, a ANVISA
também passa a denegar a anuência.
A Associação Brasileira de Propriedade Industrial, já há muito tempo, em resolução, afirma que não devem ser considerados atentatórios à saúde pública os pedidos de patente que possuam alguma finalidade benéfica, ainda que eventualmente
tragam efeitos colaterais ou risco advindo de seu uso. Exemplificando, o disparo indevido de uma arma de fogo não é impedimento para a patenteabilidade das inovações técnicas que nessa arma se façam. No caso do 18, I, seriam incluídas tão
somente as invenções que tivessem finalidade exclusivamente contrárias à saúde, hipótese praticamente inexistente.
Um outro fato é que, se fizermos uma análise histórica da legislação de patentes, a proibição que hoje consta no Art. 18, I referente à saúde pública já existia desde 1882. É estranho pensar que na época de D. Pedro II era possível analisar o risco
sanitário a partir das informações contidas em um pedido de patente.
Por fim, o TRIPS (Art. 27.2) e a CUP (Art. 4 quarter) são claros em estabelecer que não se pode negar um pedido de patente meramente porque é proibida a exploração de seu objeto.
Paralelamente, como sugerido no Parecer da PGF, estabelece-se um grupo interministerial, com membros de ANVISA, INPI, Ministério da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e AGU para discutir o procedimento de execução
do 229-C.
Em 24 de maio do ano passado, é publicada a Portaria No. 1065/12, que estabelece que a ANVISA analisará o risco à saúde com base nos princípios que norteiam o SUS (universalidade do acesso, integralidade e equidade em saúde) - critérios
abertos!
O exame da ANVISA, conforme o fluxograma apresentado, ocorrerá antes do exame de mérito pelo INPI. Se a anuência for negada, a ANVISA remeterá o pedido ao INPI para arquivamento.
Ainda em 2012, pela Portaria No. 616, reuniões presenciais, preferencialmente realizadas na sede da Agência, em Brasília, passou a ser usada na apreciação de recursos contra a denegação de anuência prévia. Notificação da reunião feita muito
perto da data da reunião. Pedido de sustentação oral deve ser encaminhado à secretaria da DICOL por e-mail com antecedência mínima de 2 dias úteis do horário previsto para início da sessão. Em teoria, 30 minutos concedidos para sustentação
oral. Entretanto, na prática, cerca de 5 minutos.
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
Desdobramentos (finais?)
- Proposta em Consulta Pública No. 66/12 (16/10/2012): Substituir RDC No. 45/98.
- Audiência pública em 20/03/2013 com representantes da sociedade civil.
- Resultado: RDC No. 21/13 (10/04/2013) e Orientação de Serviço No. 003/13
(13/05/2013).
- Após realização de exame formal pelo INPI, ANVISA receberá o pedido e:
1º) Avaliará se o produto compreende ou o processo resulta em substância proibida no Brasil
(vide Lista F da Portaria SVS/MS No. 344, de 12/05/98).
2º) No caso de medicamentos de interesse para o SUS (vide Portaria MS/GM No. 1.284, de
26/05/10), analisar-se-ão os requisitos de patenteabilidade. Categorias terapêuticas:
Antivirais (inclusive antirretrovirais), doenças negligenciadas, doenças crônicas não
transmissíveis, antineoplásicos, medicamentos biológicos, entre outros.
Bem, para regular o sugerido pela Portaria Interministerial, a ANVISA pôs em consulta pública uma proposta de substituição da RDC 45/98. Em março deste
ano, foi feita uma audiência pública e no mês seguinte foi, então, publicada a RDC 21/13 e, em maio, a orientação de serviço No. 003.
Segundo esses documentos, a ANVISA, após o exame formal do INPI:
Avaliará se o produto compreende ou o processo resulta em substância proibida no Brasil.
No caso de medicamentos de interesse para o SUS, analisar-se-ão os requisitos de patenteabilidade. Categorias terapêuticas: Antivirais (inclusive
antirretrovirais), doenças negligenciadas, doenças crônicas não transmissíveis, antineoplásicos, medicamentos biológicos, entre outros.
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
Fonte:	
  Anexo	
  II,	
  Orientação	
  de	
  Serviço	
  No.	
  03/13	
  -­‐	
  ANVISA
Aqui o fluxograma de análise com base nessas informações.
Ou seja, a discussão aparentemente está longe de terminar. Isto porque:
1) Como já mencionei, segundo o TRIPS e a CUP, tratados do qual o Brasil faz parte e com normas devidamente internalizadas, não se pode negar uma patente
por mera restrição à exploração/comercialização do objeto da invenção, que é o primeiro caso (risco à saúde);
2) Novamente, a Agência decide avaliar os requisitos de patenteabilidade, para os casos em que o medicamento está dentre uma categoria de interesse para o
SUS, em clara afronta aos pareceres da AGU.
O que nos espera?
2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA)
Paralelamente, no INPI:
- Resolução No. 80/13 (09/04/2013): Exame prioritário
para pedidos de patentes para matérias estratégicas para o SUS
(MS) e aqueles diretamente relacionados a AIDS, câncer ou
doenças negligenciadas, como Chagas, dengue, etc. (titular).
No Legislativo:
- PL No. 3.709/08: ANVISA só analisa pedidos pipeline.
- PL No. 3.943/12: Análise dos requisitos de patenteabilidade.
No Judiciário:
- Ação Civil Pública No. 46656-49.2011.4.01.3400,
ajuizada pelo MPF/DF visando garantir a análise dos requisitos
de patenteabilidade pela ANVISA.
Recentemente, o INPI atualizou a sua resolução referente ao pedido prioritário para medicamentos, incluindo a possibilidade de o requerente do pedido o
solicitar nos casos de medicamentos para AIDS, câncer ou doenças negligenciadas. Antes da resolução, somente o MS podia fazer o pedido de priorização do
exame para medicamentos regularmente adquiridos pelo SUS ou, de ofício, quando o medicamento era declarado de interesse público ou abarcado dentro de
emergência nacional. Mas um levantamento que eu fiz mostrou que apenas o medicamento Tenofovir, da Gilead teve seu exame prioritário concedido de ofício
em 2008.
No legislativo, existem projetos de lei tramitando a respeito da disputa entre ANVISA e INPI e estão caminhando juntos. No ano passado, houve audiência
pública sobre o PL 3709/08 e talvez tenhamos mais movimentações em breve.
No judiciário, talvez ainda este ano tenhamos a sentença na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal no DF (MPF/DF), que questiona parecer
da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2009, que restringiu a atuação da agência ao exame de risco sanitário dos medicamentos em pedidos de patente. Para o
MPF/DF, a análise da Anvisa pode e deve ser mais ampla. Por meio da anuência prévia, a agência deve verificar o atendimento dos requisitos de
patenteabilidade.
3. POLÍTICA DE ACESSO A MEDICAMENTOS
Políticas públicas
- Art. 196 da CF: “A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
- Portaria GM No. 3.916/98: Política Nacional de
Medicamentos - Garantir segurança, eficácia e qualidade de
medicamentos, promoção do uso racional e acesso da
população àqueles considerados essenciais.
- Algumas decisões judiciais fazem referência à política de
medicamentos genéricos, ao aumento de preços e a
gastos elevados com licitações públicas, decorrentes
da concessão do privilégio patentário, para denegar a
concessão da patente pleiteada.
Com a Constituição de 1988, o Brasil passou a reconhecer a saúde como um direito universal, cabendo ao Estado o dever de assegurá-la. A Lei 8.080 (Lei
orgânica da saúde) diz que, para assegurar esse direito, o Estado deve elaborar e executar políticas econômicas e sociais que visem à promoção da saúde
pública. Além disso, a Portaria No. 3916/98 estabelece a política nacional de medicamentos, visando garantir, principalmente, sua segurança e eficácia e acesso
pela população.
É até compreensível a preocupação do governo quanto aos impactos trazidos pela adoção do TRIPs e consequente proteção patentária para medicamentos no
Brasil à sua política de acesso de medicamentos.
Alguns sustentam, inclusive, que a introdução da ANVISA no processo de concessão de patentes de medicamentos é uma forma de evitar que a adoção do TRIPs
não seja um obstáculo intransponível à consecução de uma política de saúde já consolidada e vigente.
Entretanto, não pode a ANVISA ou até mesmo o poder judiciário valer-se simplesmente da política de medicamentos nacional para não conceder o privilégio
patentário. O privilégio patentário, como já mencionei, é decorrente de um ato vinculado da administração. Presentes os requisitos legais, deve a administração
pública conceder a patente.
A atuação da ANVISA, como menciona a sua missão institucional, é claro no sentido de seu papel no controle sanitário, evitando lesões à saúde pública. Seu
papel fundamental, então, deveria ser exercendo o seu poder de polícia, na concessão do registro sanitário, avaliando a eficácia e segurança dos produtos que
lhe são submetidos.
O Estado tem outros mecanismos que pode usar para garantir a sua política pública de acesso. Como sabemos, o preço de um medicamento é fixado pela CMED,
levando em consideração vários fatores. Além disso, em casos de interesse público ou emergência nacional, como iremos ver adiante, existe uma forma
bastante drástica de o Estado temporariamente romper com a exclusividade concedida ao ente privado e garantir a produção do objeto da patente por outro
com capacidade técnica e financeira para tanto - a chamada licença compulsória.
4. A LICENÇA COMPULSÓRIA
Interesse Público/Emergência Nacional
- “Quebra de patente”: Expressão popularmente utilizada para referir-se
à licença compulsória.
- Prevista no Art. 71, da Lei No. 9.279/96: Concessão de ofício,
temporária e não exclusiva.
- Regulamentada pelo Decreto No. 3.201/99, com redação dada pelo
Decreto No. 4.830/03.
- Emergência nacional: “Iminente perigo público, ainda que apenas
em parte do território nacional.” Interesse público: “Os fatos
relacionados, dentre outros, à saúde pública.”
- Controle de preço: Experiências anteriores com o Viracept®
(nelfinavir) da Roche, em 2001, Kaletra® (lopinavir), da Abbott, em
2005, entre outros.
- Medida real: Efavirenz®, da MSD, em 2007 - Decreto No. 6.108/07.
A licença compulsória, ou “quebra de patente”, como é vulgarmente conhecida, é uma medida cabível segundo os tratados internacionais do qual o Brasil faz parte e encontra 7 diferentes
fundamentos na LPI. Aqui, entretanto, apenas 2 fundamentos nos interessam mais: o interesse público e a emergência nacional, previstas no Art. 71 da LPI e regulamentada pelo Decreto
3.201/99, conforme emendado pelo Decreto 4.830/03.
Segundo a Lei, a concessão desse tipo de licença é de ofício pelo poder executivo federal, temporária e não exclusiva. O licenciado será a União ou terceiros devidamente contratados ou
conveniados. Ainda, na ausência de produto no mercado interno ou impossibilidade de sua fabricação por terceiro, o ente estatal pode importar o objeto da invenção.
O acesso gratuito aos medicamentos não é garantido senão a algumas poucas doenças. O Brasil é um dos poucos países no mundo a garantir o acesso universal e gratuito aos medicamentos para o
tratamento de doentes com AIDS. Desde 1991, o sistema público de saúde distribui zidovudina (AZT) e a partir de 1996, o governo brasileiro consolidou a sua política de distribuição gratuita de
ARVs que está assegurada pela Lei No. 9313/96.
Algumas vezes o governo brasileiro anunciou a intenção de utilizar o instrumento da licença compulsória em relação a medicamentos ARVs patenteados mais caros, mas desistiu depois de os
produtores terem acenado com propostas satisfatórias.
Por exemplo, em 2001, o processo foi interrompido pelo governo brasileiro, pois o laboratório Roche aceitou reduzir o preço do Viracept® (nelfinavir) em 40% em troca de o governo brasileiro não
emitir uma licença compulsória. Da mesma forma, em 2005, a Abbott aceitou reduzir o preço do Kaletra® (lopinavir) em 46%.
A ameaça da licença compulsória foi perdendo força a partir de 2005, quando os laboratórios perceberam que as ameaças ao licenciamento compulsório não se concretizavam.
A partir de novembro de 2006, o governo brasileiro começou a negociar uma redução de preço do efavirenz com o laboratório Merck.
Diante do insucesso das tratativas, foi publicada a Portaria 886 de 24/04/2007, que declarou o Efavirenz de interesse público para fins de concessão de licença compulsória. Posteriormente, em 4
de maio de 2007, foi feita a publicação do Decreto no 6.108, concedendo o licenciamento compulsório por interesse público das patentes referentes ao Efavirenz (PI 9608839-7 e PI 1100250-6).
Enquanto a produção local estava sendo preparada, o governo importou versões genéricas da Índia dos laboratórios Aurobindo e Ranbaxy. Para a produção do genérico brasileiro do Efavirenz
travou-se uma parceria para o desenvolvimento do produto (PDP) e o primeiro lote do medicamento nacional foi produzido em fevereiro de 2009.
5. CONCLUSÃO
Ambiente regulatório e políticas públicas vs Inovação:
- WHO Priority Medicines Report (2013)
“A capacidade das maiores indústrias farmacêuticas de inovar
está sob pressão crescente da perda de receita advinda da
expiração de patentes [para seus blockbusters], sistemas de
saúde limitados por custos, e requisitos regulatórios mais
estringentes. Consequentemente, está ficando cada vez
mais difícil prover incentivos apropriados para o
desenvolvimento de produtos de grande importância para a
saúde pública.” [tradução livre]
No último relatório da OMS sobre medicamentos prioritários, notou-se que, por uma série de fatores, dentre eles um ambiente regulatório muito estringente, está
ficando cada vez mais difícil prover incentivos à inovação na área farmacêutica.
A sensação que tenho é que, infelizmente, a discussão envolvendo a relação entre o sistema de patentes e acesso a medicamentos e saúde pública tem se baseado
em uma má compreensão e preconceitos acerca do sistema de patentes.
Como discutimos, as patentes têm um papel essencial no estímulo do desenvolvimento de medicamentos, oferecendo estímulos para investir alto em P&D.
Ao mesmo tempo, o sistema de patentes também contribui para a sociedade como um todo por gerar e tornar disponível conhecimentos. Se não houvesse o
sistema de patente, muitos desses conhecimentos estariam sob sigilo, em uma forma de proteção não acessível ao público. A indústria de genéricos não teria
como financiar os altos gastos das empresas inovadoras com alguns medicamentos essenciais, cuja manufatura não fosse possível a partir de simples engenharia
reversa.
É importante, portanto, estabelecer um balanço adequado entre as preocupações com saúde pública e o interesse dos titulares de patentes. E este balanço existe
dentro do sistema de patentes, que permite flexibilizações, inclusive medidas drásticas como a licença compulsória.
Além disso, vale também destacar que muitos dos medicamentos considerados essenciais e que constam, por exemplo, da lista RENAME, já tiveram suas
respectivas patentes expiradas. O problema, então, talvez extrapole o sistema de patentes para problemas de infra-estrutura e assistência médico-hospitalar por
parte do Estado.
Em conclusão: O sistema de patentes é um incentivo indispensável para a manutenção de um ambiente inovador. Promove a indústria e gera empregos. Ajuda a
atrair investimentos estrangeiros. Um sistema de patentes adequado também é peça fundamental no desenvolvimento econômico sustentável, que em última
análise ajuda a quebrar o ciclo de pobreza e leva a melhores padrões de vida e cuidados com a saúde para as pessoas.
E-mail: edsonpdsouza@gmail.com
Life Sciences Café (Blog): http://edsonpdsouza.wordpress.com
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CPhIEdsonPSouzaNotas

  • 1. CPhI South America Conferences 2013 CPhI Conferences 2013 7 de agosto de 2013 PATENTES DE MEDICAMENTOS, SUA ANÁLISE PELO INPI E ANVISA E POLÍTICAS PÚBLICAS Edson Paula de Souza
  • 2. AGENDA 1. INTRODUÇÃO A PATENTES 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) 3. POLÍTICA DE ACESSO A MEDICAMENTOS 4. A LICENÇA COMPULSÓRIA 5. CONCLUSÃO
  • 3. 1. INTRODUÇÃO A PATENTES O que as patentes fazem: - A patente é um título que confere ao seu titular, em um território, por um prazo (de 20 anos da data do depósito ou 10 anos da data da concessão), o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar o objeto da invenção. - A patente provê incentivo à inovação, visando à introdução de novos produtos e tecnologias no mercado. - Além disso, a patente dissemina conhecimentos e informações, que se tornam de domínio público após a expiração de seu prazo de validade. A primeira pergunta que eu devo fazer a Vocês é: O que é uma patente? Fala-se tanto na mídia sobre o tema, mas é possível que algumas de suas características essenciais não estejam muito claras entre todos nós. Aliás, em uma pesquisa realizada pelo IBOPE, há 4 anos, entre os deputados federais e senadores, quase metade dos parlamentares declarou não conhecer bem o assunto. Em essência, a patente é um título de propriedade conferido pelo Estado, se atendidos os critérios estabelecidos na Lei, que confere ao seu titular, em um dado território, por um certo prazo, o direito de impedir terceiro sem o seu consentimento de produzir, usar, colocar à venda, importar o objeto da invenção. Alguns detalhes especiais: 1) No Brasil, as patentes são concedidas pelo INPI, agência federal ligada ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. 2) A patente só tem validade em um determinado território. A patente concedida nos EUA não tem validade no Brasil, a não ser que seja nacionalizada. 3) A patente expira. Diferentemente das marcas, a patente vale no Brasil por um período de 20 anos a contar da data de depósito ou 10 anos a contar da data de concessão, o período que for maior. 4) A principal lei em vigor sobre o tema hoje no Brasil é a Lei 9.279/96. A patente tem um fundamento econômico. Afinal de contas, para garantir o retorno do investimento com P&D e incentivar novas invenções, é necessário garantir ao inventor a possibilidade de exploração exclusiva do seu invento, por determinado período de tempo. Evita, assim, a situação dos “free riders”, que utilizariam o objeto da invenção sem terem arcado com os custos de P&D do titular da patente. Além disso, a patente estimula a troca de conhecimentos e informação tecnológica. Após o prazo de validade, qualquer pessoa pode explorar o objeto da invenção descrita no documento patentário.
  • 4. 1. INTRODUÇÃO A PATENTES O que as patentes NÃO fazem: - A patente NÃO autoriza o seu titular a usar ou implementar a invenção; a patente autoriza que o titular exclua terceiros de usar, vender, etc. a invenção. - Para muitos produtos, existe um registro a ser obtido de uma agência reguladora, necessário para a sua comercialização. Ex.: registro sanitário concedido pela ANVISA para medicamentos. - Assim, a patente não parece ser a melhor ferramenta para prevenir riscos associados a uma certa tecnologia. Como dito, apatente confere ao titular o direito de excluir terceiros que usem, exportem, etc. o objeto de sua invenção, não foi? Pois é isso mesmo. A patente NÃO confere o direito ao uso do objeto pelo titular. Eu vou explicar. Primeiro, no caso de uma patente para um segundo uso médico, por exemplo, em que um composto químico-farmacêutico conhecido é usado para outro fim terapêutico, pode já haver patente para esse composto em nome de outro titular. Nesse caso, para explorar o novo uso, o titular dessa patente de segundo uso terá de obter autorização/licença do titular da patente para o composto. Ou seja, a sua patente não permite, de pronto, o uso pretendido. Em segundo lugar, em alguns casos, para a comercialização de um determinado produto, é necessário obter um registro específico, muito comum entre setores regulados, de interesse público, como é o mercado farmacêutico. A Agência reguladora, nessa ocasião, avalia, com base no dossiê apresentado pela empresa que requer a comercialização, critérios de segurança e eficácia, conforme requerido pela legislação sanitária. Nessa altura, já se tem as informações obtidas com testes clínicos, que não fazem parte de um documento de patente, pois esse é depositado em etapa muito precoce de P&D (entre a pesquisa básica e primeiros testes pré-clínicos).
  • 5. 1. INTRODUÇÃO A PATENTES Importância das patentes para a indústria farmacêutica P&D de medicamentos - 12-15 anos de desenvolvimento. - Somente 1 em cada 5000 moléculas chega aos pacientes. - Gastos de cerca de US$ 1,2 bilhões. - 7 entre 10 medicamentos não cobrem os custos com P&D. Na figura ilustrada, dentre as 17 empresas que mais gastam com P&D, 8 são farmacêuticas. Dentre as 5 primeiras, 3 são farmacêuticas. Por que esses dados indicam uma maior predominância de indústrias farmacêuticas? Bem, diferentemente do que acontece com outras indústrias, a pesquisa farmacêutica é longa, chegando até 15 anos (talvez até mais em alguns casos de medicamentos biológicos). Além disso, um altíssimo número de moléculas de partida não são consideradas satisfatórias - de fato, apenas 1 dentre 5000 aproximadamente chega ao consumidor. E, isso, infelizmente, só é verificado por volta da fase 3 dos testes clínicos, quando muito já se gastou. Os custos com P&D, assim, tendem a ser altíssimos. O retorno desse investimento não seria possível sem a patente, garantindo ao seu titular um período de exclusividade no mercado. Aliás, isso é defendido por Schumpeter, importante economista da primeira metade do século XX. Ele via no lucro de monopólio ocasionado pelo poder de mercado a verdadeira força motivadora do processo inovativo. De fato, no cenário destituído de proteção de PI, não há mecanismos legais para garantir o futuro retorno econômico da tecnologia que venha a ser obtida, com alguma vantagem, pelo setor privado que a tenha financiado. Isso ficou muito claro no nosso país com a restrição ao patenteamento de produtos químico-farmacêuticos, numa tentativa de beneficiamento da indústria nacional. Não houve nenhum aumento de produção ou valor agregado; nenhuma melhoria na posição competitiva da indústria nacional e pouquíssimo encorajamento à pesquisa.
  • 6. 1. INTRODUÇÃO A PATENTES O que pode ser patenteado? - Patentes para medicamentos permitidas no Brasil após Lei No. 9.279/96 (LPI), de acordo com o TRIPS. - A invenção farmacêutica tem de preencher os requisitos de patenteabilidade e não recair em nenhuma proibição legal. - Os requisitos de patenteabilidade estabelecidos pela LPI são: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. - As proibições legais aplicáveis podem ser encontradas nos artigos 10, I, VIII e IX; e 18, I e III da LPI. - Moléculas naturais, extratos sendo mera diluição da molécula natural, células-tronco, microorganismos existentes na natureza, entre outros, NÃO são patenteáveis. Bem, não somente o Brasil excluía os medicamentos de sua legislação patentária. Outros países em desenvolvimento e até países europeus também o faziam. Contudo, principalmente os EUA estavam insatisfeitos com a ausência de proteção à propriedade industrial, relacionada a produtos farmacêuticos a nível mundial propuseram passar as negociações sobre o tema para o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Finalizada em abril de 1994, a Rodada Uruguai culminou com a assinatura de uma série de acordos multilaterais, dentre eles o Acordo TRIPs, e com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo o TRIPS, qualquer invenção de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, à exceção de algumas que o acordo permite que os membros excluam. Não foi o caso do Brasil, mas membros em desenvolvimento e menos desenvolvidos poderiam postergar a data de implementação nacional das disposições do TRIPS. Entretanto, para ser protegida, a invenção farmacêutica tem, como todas as outras, ser NOVA, INVENTIVA e APLICÁVEL NA INDÚSTRIA. Bem, de uma forma geral, novo é tudo aquilo que não foi divulgado (oral ou escrito) em QUALQUER lugar. Inventivo é tudo aquilo que não é óbvio ou evidente para um técnico no assunto. Aplicável na indústria é tudo aquilo que pode ser produzido na indústria, inclusive na agricultura. Além disso, existem algumas proibições legais, dentre as quais as mais pertinentes à indústria farmacêutica são as referentes a 1) descobertas, ou seja, aquilo que não derivou do intelecto humano; 2) métodos terapêuticos, cirúrgicos e de diagnóstico (não teriam aplicação industrial e por interesse público) - 10, VIII; 3) seres vivos, partes dos mesmos e produtos encontrados na natureza, ainda que isolados - 10, IX; 4) o que for contrário à moral, bons costumes, saúde, ordem e segurança pública - 18, I; e 5) seres vivos, partes dos mesmos ainda que geneticamente modificados, exceto microorganismos transgênicos. Dessa forma, como exemplo, moléculas naturais (DNA e outros compostos químicos naturais), extratos sendo mera diluição da molécula natural, células tronco, microorganismos existentes na natureza NÃO são patenteáveis.
  • 7. 1. INTRODUÇÃO A PATENTES Ex.: Fitoterápico para tratamento de vitiligo Pedido de Patente No. PI 0604107-8 - Reivindicação principal: “fitomedicamento para tratamento de vitiligo obtido a partir de extratos fluidos, alcoólicos, hidroalcoólicos e/ou aquosos das partes aéreas das espécies de plantas Stachytarpheta cayensensis, S. jamaicensis e de S. eliotis (Família Verbenaceae) usadas para tratamento e profilaxia de vitiligo”. - Pela legislação atual, esta reivindicação NÃO será aceita. O medicamento é um extrato (considerado mera diluição; um meio usado para a extração do ativo) de um produto natural. Vejamos uma ilustração real. Nesse exemplo, de um fitoterápico para tratamento de vitiligo, a reivindicação principal do pedido de patente transcrita diz que o medicamento compreende um extrato fluido, ALCOÓLICO, HIDROALCÓOLICO E/OU AQUOSO de partes áreas de plantas. E o relatório descritivo desse pedido menciona que os referidos solventes do extrato são meros solventes de extração do ativo. Nesse caso, o INPI quando for analisar o pedido, certamente considerará que o solvente de extração é uma mera diluição da molécula natural e não concederá o privilégio requerido. Infelizmente, esse é o caso de muitos extratos fitoterápicos que chegam à análise do INPI. O que poderia, em princípio, ser patenteado, é a combinação da molécula natural a algum outro componente que torne o produto consumível. Essa questão é tão debatida que hoje existe um projeto de Lei (No. 4.961/2005) tramitando no Congresso, que inclusive já recebeu parecer favorável de uma comissão de análise, que pretende alterar a Lei 9.279/96, de forma a permitir que substâncias ou materiais extraídos, obtidos e isolados da natureza sejam patenteáveis, desde que sejam novos e inventivos.
  • 8. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) INPI Art. 2º Lei No. 5.648/70 (alterada pela Lei 9.279/96): “O INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica [...].” [grifos nossos] ANVISA Art. 6º Lei No. 9.782/99: “A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária [...].” [grifos nossos] Inicialmente, a partir das missões institucionais mencionadas no slide para o INPI e ANVISA (ler as finalidades institucionais), parece claro que ao INPI cumpre executar normas referentes a propriedade industrial e à ANVISA cumpre promover e proteger a saúde pública. Em princípio, não há como confundi- las. Além disso, vale destacar que em direito administrativo existe um princípio muito importante, que precisa ser levado em consideração pelas agências reguladoras: o princípio da especialidade, segundo o qual as entidades estatais não podem abandonar, alterar ou modificar os objetivos institucionais para os quais foram fundadas, haja vista que sempre estarão vinculadas aos fins para os quais foram constituídas. E essa finalidade só pode ser alterada por lei específica, da mesma forma como foi criada ou autorizada a funcionar a instituição pública.
  • 9. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) A sobreposição de atribuições - Inicialmente, o exame de todos os pedidos de patente era centralizado no INPI. - MP No. 2.006/99 (MP No. 2014/99 e MP No. 2.105/00) - Origem do Art. 229-C da LPI: Requisito da prévia anuência da ANVISA no caso de pedidos da área farmacêutica. Pedidos enviados à COOPI/ANVISA após exame substantivo pelo INPI. - Até RDC No. 45/08: Confusão administrativa. ANVISA sem nenhum parâmetro claro de análise (pedidos pipeline? regulares? Exame formal? substantivo dos requisitos de patenteabilidade?) - Com RDC No. 45/08: ANVISA estabelece procedimentos de análise próprios. Inclui os requisitos de patenteabilidade. Teses peculiares e contestáveis para negar anuência a certas invenções. Inicialmente, realmente toda a análise de patentes era feita pelo INPI. Porém, com a introdução do Artigo 229-C na LPI, houve a criação da necessidade de anuência prévia da ANVISA para a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos. A justificativa para a inserção desse dispositivo, na época, foi suprir a alegada deficiência no quadro técnico do INPI, que, até 1996, não atuava na área farmacêutica. Mas a lei não definiu de forma clara como se daria tal anuência, nem definiu os limites de atuação de cada órgão, ficando, como já disse as missões institucionais inalteradas. Num primeiro momento, o procurador-geral do INPI (parecer de 23/02/2000 dado caráter normativo pelo presidente do INPI) entendeu que competiria à ANVISA verificar o cumprimento do requisito da aplicação industrial e que, não havendo exame de pedidos pipeline, esses nem deviam ser encaminhados àquela Agência. Assim, só os pedidos regulares deveriam ser enviados à ANVISA. Aqui, só vou fazer um breve parêntese para explicar o que seria pipeline. Diferentemente dos pedidos de patente regulares, esse pedidos são regulados pelas disposições transitórias da Lei de Propriedade Industrial e só puderam ser depositados pedidos pipeline entre 15/05/1996 e 14/05/1997 (no período entre a publicação e a entrada em vigor da LPI). Trata-se de patente de revalidação, destinada à proteção de matéria que o TRIPS determinou ser patenteável e a lei anterior brasileira não. Para esses pedidos pipeline, os requisitos de patenteabilidade não eram avaliados. Bem, voltando agora ao procedimento instituído pelo 229-C, a interpretação dada pelo procurador geral foi bastante questionada e um novo entendimento veio na forma de Comunicado pelo INPI em 2 de abril de 2001, passando a incluir os pedidos pipeline também. Na opinião de muitos doutrinadores, aliás, caberia à ANVISA apenas a análise de pedidos pipeline, porque o Art. 229-C, assim como o Art. 230, referente a pipelines, está inserido no mesmo capítulo da LPI, das disposições transitórias. Quando o INPI considerava que o pedido tinha condições de ser deferido, enviava-o à ANVISA para anuência prévia. No início, a ANVISA, pela COOPI, revisava apenas os aspectos formais do pedido, erros de tradução, formatação, entre outros. Nada substantivo constava dos seus pareceres técnicos. Entretanto, já entre 2002-2003, a ANVISA começou a analisar o mérito dos pedidos de patente que recebia do INPI, com algumas teses muito peculiares, como é o caso, por exemplo, de patentes de segundo uso médico. Para estas invenções, a ANVISA trouxe ao conhecimento do público em 2003 uma nota de esclarecimentos segundo a qual a Diretoria Colegiada considerou que o instituto é lesivo à saúde pública, ao desenvolvimento científico e tecnológico no país, podendo dificultar o acesso da população aos medicamentos. Não houve maior aprofundamento, o que deixou a nota com um cunho eminentemente ideológico, político. Contra esse posicionamento, argumentou-se a inexistência na lei de qualquer vedação a patentes de segundo uso, que o INPI entendia serem patenteáveis se os requisitos legais fossem atendidos, etc. Somente em 2008, com a RDC 45, publicada pela ANVISA, houve publicidade e organização do procedimento de análise feito pela ANVISA. Segundo essa RDC, a ANVISA deve analisar os requisitos de patenteabilidade. A discussão ficou ainda maior com essa admissão.
  • 10. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) Fonte:  Diário  Oficial  da  União  in  Raimundo,  Jorge  (2012) Anuência( 97%( Não(anuência( 3%( Decisões'ANVISA'antes'RDC'No.'45/08' Anuência( 73%( Não(anuência( 27%( Decisões'ANVISA'após'RDC'No.'45/08'(até'08/12)' Naquela mesma época, Dirceu Raposo de Mello (então diretor presidente) e Luis Carlos Wanderley de Lima (então coordenador de propriedade intelectual), publicam um artigo no jornal “Valor Econômico” afirmando, entre outras coisas, que o impacto das patentes farmacêuticas sobre a vida das pessoas é diferente daquele causado, por exemplo, pelo patenteamento de produtos eletroeletrônicos. Questionavam o sistema que garante exclusividade ao titular, dizendo que a qualidade e o preço não ficam mais submetidos à competição (concorrência), um dos alicerces do modelo econômico capitalista. Bem, esse testemunho retrata uma aparente discordância dos representantes máximos à época ao sistema de patentes, como uma exacerbada importância ao setor farmacêutica que não está prevista na Lei. A CF e as leis não fazem distinção de setor tecnológico. Aliás, o princípio da não discriminação do setor tecnológico está consagrado no Art. 27.1 do TRIPs. E mais uma pergunta que fica depois desse depoimento: Não seriam os equipamentos médicos (produtos para saúde), tão importantes e com impacto tão crucial na vida das pessoas como os medicamentos? Por que o tratamento diferenciado? Com a RDC, como era de esperar, houve um aumento significativo de pedidos não anuídos, como vemos no gráfico mostrado. Dos 732 pedidos analisados até a RDC, apenas 21 foram não anuídos. Após a RDC (até agosto de 2012), de 860 casos examinados, 229 não foram anuídos. Houve, assim, um aumento de cerca de 24% de decisões contrárias emitidas pela ANVISA após a RDC.
  • 11. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) Com o procedimento de anuência prévia da ANVISA: - A concessão da patente é substancialmente atrasada. - Pedidos para inovações incrementais (polimorfos, patentes de seleção, segundo uso médico, etc.) não são anuídos. - Incerteza jurídica com posições divergentes do INPI e COOPI. - INPI: Estrutura técnica especial, com todo o seu pessoal treinado para a análise dos requisitos de patenteabilidade. Eu não pretendo fazer aqui um juízo sobre a legalidade ou a pertinência da anuência prévia, mas é inegável que muitos problemas foram causados com a criação do instituto da anuência prévia e da interferência da ANVISA no exame da patenteabilidade de pedidos para medicamentos. Dentre eles, eu posso citar que a concessão de patentes foi ainda mais atrasada. Normalmente, se um pedido sofre exigência pela ANVISA ou sugere-se a denegação de anuência, o pedido pode levar ainda mais 2-3 anos para ser concedido. Ainda, algumas invenções em particular, como é o caso de novas formas polimórficas e segundo uso médico não são concedidas, por suspostamente não apresentarem novidade. Ambas as invenções, segundo o INPI, são patenteáveis se preenchidas as condições legais. Outra questão é o fato de INPI e ANVISA, ambas autarquias federais, poderem discordar da patenteabilidade do mesmo pedido. De acordo com o direito administrativo, preenchidos os requisitos legais, é ato vinculado da administração pública a concessão da patente. Ou seja, não há margem para avaliação de oportunidade e conveniência nesse caso e como podem as análises chegar a conclusões diferentes? A dupla análise, sem critérios de divisão de atribuições entre os órgãos permite desencontro de informações e decisões. O depositante recebe decisões controversas, às vezes baseadas em teorias muito peculiares, como aquela para invenções de segundo uso médico, e é obrigado a socorrer-se do judiciário para o desempate, situação essa que poderia ser evitada se houvesse uma definição adequada quanto às atribuições de cada órgão. Várias ações judiciais foram, de fato, ajuizadas. Uma setença proferida pela 37a VF do RJ aliás, é bastante emblemática. Referia-se o pedido de patente alvo da disputa a um antiviral para citomegalovírus em pacientes imunossuprimidos da ROCHE (Valcyte®). A ANVISA, já em 2004, pronunciou-se sobre a suposta falta de novidade do referido medicamento, não obstante parecer favorável do INPI. A juíza de 1a instância, Dra. Monique Calmon, já falava, assim como a ABPI, que a análise da ANVISA, se permitida para pedidos regulares, não podia compreender os requisitos de patenteabilidade. Ainda, foi categórica em afirmar que a ANVISA tinha dificuldade em conduzir seus trabalhos institucionais primordiais, citando como exemplo o caso da existência de medicamentos falsificados em drogarias do país, conforme documentado pela revista "Época" (nov. 2004), e que não devia extrapolar a análise técnica realizada pelo INPI com sofismas. Não somente essa juíza, mas diversos outros magistrados reconheceram que a estrutura do INPI é a mais apropriada para analisar tecnicamente os requisitos de patenteabilidade. E o trabalho do INPI não tem sido outro senão aperfeiçoar-se cada vez mais na consecução de sua missão institucional.
  • 12. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) Parecer No. 210/PGF/AE/2009 (16/10/2009) - Não cabe à ANVISA, mas ao INPI, analisar os requisitos de patenteabilidade. - Análise da ANVISA deve ficar limitada a questões de saúde pública (Art. 18, I, da LPI), de acordo com sua função institucional. Parecer No. 337/PGF/AE/2010 (04/03/2010) - Em atendimento ao pedido de reconsideração da ANVISA. - Posição anterior ratificada. - Opinião final e irrecorrível. A fim de tentar solucionar o impasse, a PGF, no final de 2009, através do Parecer No. 210/PGF/AE/2009, fixou entendimento jurídico acerca do Art. 229-C da LPI. De acordo com o parecer, as atribuições institucionais do INPI e da ANVISA são específicas e próprias, não havendo como ser confundidas ou sobrepostas. A PGF concluiu que NÃO é função da ANVISA promover, por ocasião do exame de anuência prévia, análise fundada nos critérios de patenteabilidade, porque isso é atribuição própria e única do INPI. A ANVISA, por sua vez, deve promover o controle sanitário e evitar riscos à saúde pública. Pedidos regulares e pipelines estariam sujeitos à anuência prévia e sugeriu-se a edição de um Decreto regulamentador ou que um convênio fosse firmado para fixar especificamente os procedimentos necessários para o cumprimento do Art. 229-C. A ANVISA, entretanto, não se conformou com esse entendimento e pediu a sua reconsideração do parecer. O resultado foi a publicação, no início de 2011, do Parecer No. 337/PGF/EA/2010, que confirmou todo o posicionamento anterior. Embora a ANVISA não possa recusar a concessão da anuência prévia lastreada em requisitos de patenteabilidade previstos na LPI, nada obsta que a Agência apresente formalmente ao INPI suas considerações sobre o tema como subsídio técnico (que poderiam ajudar o INPI em sua análise, mas que não vinculam a sua decisão). Essa opinião é final e irrecorrível e o que deveria ser seguido pela ANVISA (posicionamento da AGU vincula as agências reguladoras) foi, de certa forma, flexibilizado de acordo com uma tese bastante singular.
  • 13. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) Desdobramentos (finais?) - ANVISA passa a decidir com base no risco à saúde, mas segue analisando patenteabilidade. - Várias ações judiciais. Risco à saúde: Relatório descritivo tem de apresentar dados de segurança e eficácia? Registro comercialização? - Portaria Interministerial No. 1.956/11 (16/08/2011): Criação do GTI. - Portaria Interministerial No. 1.065/12 (24/05/2012): ANVISA analisa o risco à saúde, com base nos princípios que norteiam o SUS (universalidade do acesso, integralidade e equidade em saúde) ANTES do mérito pelo INPI. - Portaria No. 616/12 (24/04/2012): Sustentação oral em recursos contra denegação de anuência - DICOL (Brasília). Fonte:  Portaria  Interministerial  No.  1065/12 A ANVISA passa a, então, fundamentar suas decisões no risco à saúde pública, mas para tanto, diz ser necessário analisar os requisitos de patenteabilidade. A situação continua a mesma sob uma aparência diferente. Mais ações judiciais são ajuizadas e o cerne da questão passa a ser o que estaria compreendido na análise da ANVISA de risco à saúde pública. Nos casos em que era obstada judicialmente de analisar os requisitos de patenteabilidade, a ANVISA passa a entender que a análise do risco à saúde compreenderia a apresentação de dados de segurança e eficácia do produto farmacêutico em questão, que não constam no relatório descritivo de um pedido de patente e que são exigidos somente para o registro sanitário correspondente. Em uma das primeiras decisões contrárias à tese da ANVISA, ainda em 2011, o Juízo da 7a Vara da Justiça Federal do DF entendeu que a ANVISA não deve analisar o risco à saúde pública com base no dossiê exigido para o registro sanitário na etapa de concessão de patente. Diz que esse dispositivo apenas restringe o patenteamento daquelas invenções que, em si, por sua própria natureza ou finalidade são contrárias à saúde pública. Em outros casos, por já constar informação (pública ou protegida por sigilo, submetida à ANVISA) sobre o objeto de proteção e este apresentar algum efeito colateral indesejado ou não ser considerado apto ao registro sanitário no país, a ANVISA também passa a denegar a anuência. A Associação Brasileira de Propriedade Industrial, já há muito tempo, em resolução, afirma que não devem ser considerados atentatórios à saúde pública os pedidos de patente que possuam alguma finalidade benéfica, ainda que eventualmente tragam efeitos colaterais ou risco advindo de seu uso. Exemplificando, o disparo indevido de uma arma de fogo não é impedimento para a patenteabilidade das inovações técnicas que nessa arma se façam. No caso do 18, I, seriam incluídas tão somente as invenções que tivessem finalidade exclusivamente contrárias à saúde, hipótese praticamente inexistente. Um outro fato é que, se fizermos uma análise histórica da legislação de patentes, a proibição que hoje consta no Art. 18, I referente à saúde pública já existia desde 1882. É estranho pensar que na época de D. Pedro II era possível analisar o risco sanitário a partir das informações contidas em um pedido de patente. Por fim, o TRIPS (Art. 27.2) e a CUP (Art. 4 quarter) são claros em estabelecer que não se pode negar um pedido de patente meramente porque é proibida a exploração de seu objeto. Paralelamente, como sugerido no Parecer da PGF, estabelece-se um grupo interministerial, com membros de ANVISA, INPI, Ministério da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e AGU para discutir o procedimento de execução do 229-C. Em 24 de maio do ano passado, é publicada a Portaria No. 1065/12, que estabelece que a ANVISA analisará o risco à saúde com base nos princípios que norteiam o SUS (universalidade do acesso, integralidade e equidade em saúde) - critérios abertos! O exame da ANVISA, conforme o fluxograma apresentado, ocorrerá antes do exame de mérito pelo INPI. Se a anuência for negada, a ANVISA remeterá o pedido ao INPI para arquivamento. Ainda em 2012, pela Portaria No. 616, reuniões presenciais, preferencialmente realizadas na sede da Agência, em Brasília, passou a ser usada na apreciação de recursos contra a denegação de anuência prévia. Notificação da reunião feita muito perto da data da reunião. Pedido de sustentação oral deve ser encaminhado à secretaria da DICOL por e-mail com antecedência mínima de 2 dias úteis do horário previsto para início da sessão. Em teoria, 30 minutos concedidos para sustentação oral. Entretanto, na prática, cerca de 5 minutos.
  • 14. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) Desdobramentos (finais?) - Proposta em Consulta Pública No. 66/12 (16/10/2012): Substituir RDC No. 45/98. - Audiência pública em 20/03/2013 com representantes da sociedade civil. - Resultado: RDC No. 21/13 (10/04/2013) e Orientação de Serviço No. 003/13 (13/05/2013). - Após realização de exame formal pelo INPI, ANVISA receberá o pedido e: 1º) Avaliará se o produto compreende ou o processo resulta em substância proibida no Brasil (vide Lista F da Portaria SVS/MS No. 344, de 12/05/98). 2º) No caso de medicamentos de interesse para o SUS (vide Portaria MS/GM No. 1.284, de 26/05/10), analisar-se-ão os requisitos de patenteabilidade. Categorias terapêuticas: Antivirais (inclusive antirretrovirais), doenças negligenciadas, doenças crônicas não transmissíveis, antineoplásicos, medicamentos biológicos, entre outros. Bem, para regular o sugerido pela Portaria Interministerial, a ANVISA pôs em consulta pública uma proposta de substituição da RDC 45/98. Em março deste ano, foi feita uma audiência pública e no mês seguinte foi, então, publicada a RDC 21/13 e, em maio, a orientação de serviço No. 003. Segundo esses documentos, a ANVISA, após o exame formal do INPI: Avaliará se o produto compreende ou o processo resulta em substância proibida no Brasil. No caso de medicamentos de interesse para o SUS, analisar-se-ão os requisitos de patenteabilidade. Categorias terapêuticas: Antivirais (inclusive antirretrovirais), doenças negligenciadas, doenças crônicas não transmissíveis, antineoplásicos, medicamentos biológicos, entre outros.
  • 15. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) Fonte:  Anexo  II,  Orientação  de  Serviço  No.  03/13  -­‐  ANVISA Aqui o fluxograma de análise com base nessas informações. Ou seja, a discussão aparentemente está longe de terminar. Isto porque: 1) Como já mencionei, segundo o TRIPS e a CUP, tratados do qual o Brasil faz parte e com normas devidamente internalizadas, não se pode negar uma patente por mera restrição à exploração/comercialização do objeto da invenção, que é o primeiro caso (risco à saúde); 2) Novamente, a Agência decide avaliar os requisitos de patenteabilidade, para os casos em que o medicamento está dentre uma categoria de interesse para o SUS, em clara afronta aos pareceres da AGU. O que nos espera?
  • 16. 2. ANÁLISE PELO INPI (E ANVISA) Paralelamente, no INPI: - Resolução No. 80/13 (09/04/2013): Exame prioritário para pedidos de patentes para matérias estratégicas para o SUS (MS) e aqueles diretamente relacionados a AIDS, câncer ou doenças negligenciadas, como Chagas, dengue, etc. (titular). No Legislativo: - PL No. 3.709/08: ANVISA só analisa pedidos pipeline. - PL No. 3.943/12: Análise dos requisitos de patenteabilidade. No Judiciário: - Ação Civil Pública No. 46656-49.2011.4.01.3400, ajuizada pelo MPF/DF visando garantir a análise dos requisitos de patenteabilidade pela ANVISA. Recentemente, o INPI atualizou a sua resolução referente ao pedido prioritário para medicamentos, incluindo a possibilidade de o requerente do pedido o solicitar nos casos de medicamentos para AIDS, câncer ou doenças negligenciadas. Antes da resolução, somente o MS podia fazer o pedido de priorização do exame para medicamentos regularmente adquiridos pelo SUS ou, de ofício, quando o medicamento era declarado de interesse público ou abarcado dentro de emergência nacional. Mas um levantamento que eu fiz mostrou que apenas o medicamento Tenofovir, da Gilead teve seu exame prioritário concedido de ofício em 2008. No legislativo, existem projetos de lei tramitando a respeito da disputa entre ANVISA e INPI e estão caminhando juntos. No ano passado, houve audiência pública sobre o PL 3709/08 e talvez tenhamos mais movimentações em breve. No judiciário, talvez ainda este ano tenhamos a sentença na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal no DF (MPF/DF), que questiona parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2009, que restringiu a atuação da agência ao exame de risco sanitário dos medicamentos em pedidos de patente. Para o MPF/DF, a análise da Anvisa pode e deve ser mais ampla. Por meio da anuência prévia, a agência deve verificar o atendimento dos requisitos de patenteabilidade.
  • 17. 3. POLÍTICA DE ACESSO A MEDICAMENTOS Políticas públicas - Art. 196 da CF: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” - Portaria GM No. 3.916/98: Política Nacional de Medicamentos - Garantir segurança, eficácia e qualidade de medicamentos, promoção do uso racional e acesso da população àqueles considerados essenciais. - Algumas decisões judiciais fazem referência à política de medicamentos genéricos, ao aumento de preços e a gastos elevados com licitações públicas, decorrentes da concessão do privilégio patentário, para denegar a concessão da patente pleiteada. Com a Constituição de 1988, o Brasil passou a reconhecer a saúde como um direito universal, cabendo ao Estado o dever de assegurá-la. A Lei 8.080 (Lei orgânica da saúde) diz que, para assegurar esse direito, o Estado deve elaborar e executar políticas econômicas e sociais que visem à promoção da saúde pública. Além disso, a Portaria No. 3916/98 estabelece a política nacional de medicamentos, visando garantir, principalmente, sua segurança e eficácia e acesso pela população. É até compreensível a preocupação do governo quanto aos impactos trazidos pela adoção do TRIPs e consequente proteção patentária para medicamentos no Brasil à sua política de acesso de medicamentos. Alguns sustentam, inclusive, que a introdução da ANVISA no processo de concessão de patentes de medicamentos é uma forma de evitar que a adoção do TRIPs não seja um obstáculo intransponível à consecução de uma política de saúde já consolidada e vigente. Entretanto, não pode a ANVISA ou até mesmo o poder judiciário valer-se simplesmente da política de medicamentos nacional para não conceder o privilégio patentário. O privilégio patentário, como já mencionei, é decorrente de um ato vinculado da administração. Presentes os requisitos legais, deve a administração pública conceder a patente. A atuação da ANVISA, como menciona a sua missão institucional, é claro no sentido de seu papel no controle sanitário, evitando lesões à saúde pública. Seu papel fundamental, então, deveria ser exercendo o seu poder de polícia, na concessão do registro sanitário, avaliando a eficácia e segurança dos produtos que lhe são submetidos. O Estado tem outros mecanismos que pode usar para garantir a sua política pública de acesso. Como sabemos, o preço de um medicamento é fixado pela CMED, levando em consideração vários fatores. Além disso, em casos de interesse público ou emergência nacional, como iremos ver adiante, existe uma forma bastante drástica de o Estado temporariamente romper com a exclusividade concedida ao ente privado e garantir a produção do objeto da patente por outro com capacidade técnica e financeira para tanto - a chamada licença compulsória.
  • 18. 4. A LICENÇA COMPULSÓRIA Interesse Público/Emergência Nacional - “Quebra de patente”: Expressão popularmente utilizada para referir-se à licença compulsória. - Prevista no Art. 71, da Lei No. 9.279/96: Concessão de ofício, temporária e não exclusiva. - Regulamentada pelo Decreto No. 3.201/99, com redação dada pelo Decreto No. 4.830/03. - Emergência nacional: “Iminente perigo público, ainda que apenas em parte do território nacional.” Interesse público: “Os fatos relacionados, dentre outros, à saúde pública.” - Controle de preço: Experiências anteriores com o Viracept® (nelfinavir) da Roche, em 2001, Kaletra® (lopinavir), da Abbott, em 2005, entre outros. - Medida real: Efavirenz®, da MSD, em 2007 - Decreto No. 6.108/07. A licença compulsória, ou “quebra de patente”, como é vulgarmente conhecida, é uma medida cabível segundo os tratados internacionais do qual o Brasil faz parte e encontra 7 diferentes fundamentos na LPI. Aqui, entretanto, apenas 2 fundamentos nos interessam mais: o interesse público e a emergência nacional, previstas no Art. 71 da LPI e regulamentada pelo Decreto 3.201/99, conforme emendado pelo Decreto 4.830/03. Segundo a Lei, a concessão desse tipo de licença é de ofício pelo poder executivo federal, temporária e não exclusiva. O licenciado será a União ou terceiros devidamente contratados ou conveniados. Ainda, na ausência de produto no mercado interno ou impossibilidade de sua fabricação por terceiro, o ente estatal pode importar o objeto da invenção. O acesso gratuito aos medicamentos não é garantido senão a algumas poucas doenças. O Brasil é um dos poucos países no mundo a garantir o acesso universal e gratuito aos medicamentos para o tratamento de doentes com AIDS. Desde 1991, o sistema público de saúde distribui zidovudina (AZT) e a partir de 1996, o governo brasileiro consolidou a sua política de distribuição gratuita de ARVs que está assegurada pela Lei No. 9313/96. Algumas vezes o governo brasileiro anunciou a intenção de utilizar o instrumento da licença compulsória em relação a medicamentos ARVs patenteados mais caros, mas desistiu depois de os produtores terem acenado com propostas satisfatórias. Por exemplo, em 2001, o processo foi interrompido pelo governo brasileiro, pois o laboratório Roche aceitou reduzir o preço do Viracept® (nelfinavir) em 40% em troca de o governo brasileiro não emitir uma licença compulsória. Da mesma forma, em 2005, a Abbott aceitou reduzir o preço do Kaletra® (lopinavir) em 46%. A ameaça da licença compulsória foi perdendo força a partir de 2005, quando os laboratórios perceberam que as ameaças ao licenciamento compulsório não se concretizavam. A partir de novembro de 2006, o governo brasileiro começou a negociar uma redução de preço do efavirenz com o laboratório Merck. Diante do insucesso das tratativas, foi publicada a Portaria 886 de 24/04/2007, que declarou o Efavirenz de interesse público para fins de concessão de licença compulsória. Posteriormente, em 4 de maio de 2007, foi feita a publicação do Decreto no 6.108, concedendo o licenciamento compulsório por interesse público das patentes referentes ao Efavirenz (PI 9608839-7 e PI 1100250-6). Enquanto a produção local estava sendo preparada, o governo importou versões genéricas da Índia dos laboratórios Aurobindo e Ranbaxy. Para a produção do genérico brasileiro do Efavirenz travou-se uma parceria para o desenvolvimento do produto (PDP) e o primeiro lote do medicamento nacional foi produzido em fevereiro de 2009.
  • 19. 5. CONCLUSÃO Ambiente regulatório e políticas públicas vs Inovação: - WHO Priority Medicines Report (2013) “A capacidade das maiores indústrias farmacêuticas de inovar está sob pressão crescente da perda de receita advinda da expiração de patentes [para seus blockbusters], sistemas de saúde limitados por custos, e requisitos regulatórios mais estringentes. Consequentemente, está ficando cada vez mais difícil prover incentivos apropriados para o desenvolvimento de produtos de grande importância para a saúde pública.” [tradução livre] No último relatório da OMS sobre medicamentos prioritários, notou-se que, por uma série de fatores, dentre eles um ambiente regulatório muito estringente, está ficando cada vez mais difícil prover incentivos à inovação na área farmacêutica. A sensação que tenho é que, infelizmente, a discussão envolvendo a relação entre o sistema de patentes e acesso a medicamentos e saúde pública tem se baseado em uma má compreensão e preconceitos acerca do sistema de patentes. Como discutimos, as patentes têm um papel essencial no estímulo do desenvolvimento de medicamentos, oferecendo estímulos para investir alto em P&D. Ao mesmo tempo, o sistema de patentes também contribui para a sociedade como um todo por gerar e tornar disponível conhecimentos. Se não houvesse o sistema de patente, muitos desses conhecimentos estariam sob sigilo, em uma forma de proteção não acessível ao público. A indústria de genéricos não teria como financiar os altos gastos das empresas inovadoras com alguns medicamentos essenciais, cuja manufatura não fosse possível a partir de simples engenharia reversa. É importante, portanto, estabelecer um balanço adequado entre as preocupações com saúde pública e o interesse dos titulares de patentes. E este balanço existe dentro do sistema de patentes, que permite flexibilizações, inclusive medidas drásticas como a licença compulsória. Além disso, vale também destacar que muitos dos medicamentos considerados essenciais e que constam, por exemplo, da lista RENAME, já tiveram suas respectivas patentes expiradas. O problema, então, talvez extrapole o sistema de patentes para problemas de infra-estrutura e assistência médico-hospitalar por parte do Estado. Em conclusão: O sistema de patentes é um incentivo indispensável para a manutenção de um ambiente inovador. Promove a indústria e gera empregos. Ajuda a atrair investimentos estrangeiros. Um sistema de patentes adequado também é peça fundamental no desenvolvimento econômico sustentável, que em última análise ajuda a quebrar o ciclo de pobreza e leva a melhores padrões de vida e cuidados com a saúde para as pessoas.
  • 20. E-mail: edsonpdsouza@gmail.com Life Sciences Café (Blog): http://edsonpdsouza.wordpress.com Life Sciences Café (Facebook): http://www.facebook.com/lifesciencescafe