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HERBART
JOHANN
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:241
Alceu Amoroso Lima | Almeida Júnior | Anísio Teixeira
Aparecida Joly Gouveia | Armanda Álvaro Alberto | Azeredo Coutinho
Bertha Lutz | Cecília Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro
Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan Fernandes
Frota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos
Helena Antipoff | Humberto Mauro | José Mário Pires Azanha
Julio de Mesquita Filho | Lourenço Filho | Manoel Bomfim
Manuel da Nóbrega | Nísia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo Freire
Roquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dória | Valnir Chagas
Alfred Binet | Andrés Bello
Anton Makarenko | Antonio Gramsci
Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Célestin Freinet
Domingo Sarmiento | Édouard Claparède | Émile Durkheim
Frederic Skinner | Friedrich Fröbel | Friedrich Hegel
Georg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich
Jan Amos Comênio | Jean Piaget | Jean-Jacques Rousseau
Jean-Ovide Decroly | Johann Herbart
Johann Pestalozzi | John Dewey | José Martí | Lev Vygotsky
Maria Montessori | Ortega y Gasset
Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud
Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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Norbert Hilgenheger
HERBART
JOHANN
Tradução e organização
José Eustáquio Romão
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:243
ISBN 978-85-7019-551-7
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de melhoria
da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal e não
formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos
neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as
da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Revisão técnica
José Carlos Libaneo
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Hilgenheger, Norbert.
Johann Herbart / Norbert Hilgenheger; tradução e organização: José Eustáquio
Romão. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
148 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-551-7
1. Herbart, Johann Friedrich, 1776-1841. 2. Educação - Pensadores – História. I.
Romão, José Eustáquio. II. Título.
CDU 37
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:244
SUMÁRIO
Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Norbert Hilgenheger, 11
Herbart como filósofo, 12
A ideia de instrução educativa , 13
A concepção de ciência pedagógica em Herbart, 15
A gênese da ideia de “instrução educativa”, 17
O seminário pedagógico de Königsberg, 25
Um sistema inacabado, 29
A recepção (receptividade, acolhimento, contribuição)
das ideias de Herbart, 31
Textos selecionados, 35
Introdução, 35
A educação e a pedagogia, 41
Finalidade da educação, 41
Crítica à educação em Rousseau, 48
Crítica à educação em Locke, 49
Crítica à educação convencional, 50
Governo, disciplina e educação, 51
Governo, 51
Disciplina, 60
Pedagogia, 88
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:245
6
A psicologia da educação, 91
Individualidade, 91
O interesse, 99
Do interesse ao caráter moral, 106
O caráter moral, 111
Sobre os educadores, pedagogos e professores, 133
Saberes e conhecimentos necessários, 137
Cronologia, 141
Bibliografia, 145
Obras de Johann Friedrich Herbart, 145
Obras sobre Johann Friedrich Herbart, 145
Outras referências bibliográficas, 146
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:246
7
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:247
8
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:248
9
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:249
10
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2410
11
JOHANN FRIEDRICH HERBART
(1776-1841)1
Norbert Hilgenheger2
Nos países de língua alemã, o pedagogo Johann Heinrich
Pestalozzi teve dois grandes sucessores: Johann Friedrich Herbart
e Friedrich Fröbel. Cheios de entusiasmo juvenil, os dois começa-
ram seguindo o modelo fascinante do filantropo suíço. Cada um à
sua maneira, ambos conseguiram mais tarde ir além do trabalho
de Pestalozzi, abrindo à ação pedagógica novos caminhos, aliando
estreitamente a teoria e a prática.
Pestalozzi entrou para a história da educação como o pai dos
órfãos de Stans (Suíça) e o fundador da nova escola primária.
Fröbel, além de sua filosofia pedagógica romântica, deu ao mun-
do o termo “jardim da infância”. O perfil do educador e pensa-
dor pedagógico J. F. Herbart pode, também, ser delineado a partir
de um ponto central marcante, a ideia de instrução educativa. Foi
sua experiência de professor e educador que levou Herbart a esta
ideia principal de sua teoria pedagógica, verdadeiro traço de união
entre seu sistema filosófico e sua “pedagogia”.
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée.
Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 24, n.1-2, pp. 307-320, 1994.
2
Norbert Hilgenheger (Alemanha) estudou educação, filosofia, matemática e física nas
universidades Colônia e Viena. Entre 1968 e 1981, lecionou filosofia e educação nas
universidades de Colônia e Wuppertal. Desde 1981 é professor de Systematic Pedagogics
na Universidade de Colônia. Suas publicações incluem Herbart’s ‘Allgemeine Pädagogik’
als praktische Überlegung: eine argumentationsanalytische Interpretation.
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2411
12
Herbart como filósofo
Johann Friedrich Herbart nasceu em 4 de maio de 1776 na cida-
de de Oldenburg, situada ao norte da Alemanha, e morreu em 11
de agosto de 1841 na cidade universitária de Göttingen. Entre 1794
e 1797, foi aluno do filósofo Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) na
Universidade de Iena. No entanto, o jovem Herbart rapidamente
tomará distância da “teoria da ciência” e da filosofia prática de seu
mestre. No terreno fértil das contradições do pensamento idealista,
fará germinar sua própria filosofia realista. Herbart, no entanto, per-
manecerá em sua vida inteira fiel ao rigor intelectual de seu mestre
Fichte, tentando, a exemplo dele, apresentar os elementos mais im-
portantes de sua reflexão sob a forma de “deduções”.
As principais obras filosóficas de Herbart são: Hauptpunkte der
Metaphysik [Elementos essenciais da metafísica] (1806); Allgemeine
Praktische Philosophie [Filosofia prática geral] (1808); Psychologie als
Wissenschaft: neugegründet auf Erfahrung, Metaphysik und Mathematik
[A psicologia como ciência, novamente fundada na experiência, na
metafísica e nas matemáticas] (1824-1825) e Allgemeine Metaphysik
nebst den Anfängen der Philosophischen Naturlehre [Metafísica geral com
os primeiros elementos de uma filosofia das ciências da natureza]
(1828-1829).
Em sua metafísica, Herbart retoma a doutrina das mônadas de
Gottfried Willhelm Leibniz. Levando em consideração os proble-
mas levantados por Immanuel Kant na Crítica da razão pura, Herbart
busca em suas deduções metafísicas apreender o real pelos concei-
tos. A metafísica de Herbart compreende, especialmente, uma psi-
cologia minuciosamente elaborada, que se tornou um marco na his-
tória desta disciplina. Herbart foi o primeiro a utilizar com uma
lógica implacável os métodos do cálculo infinitesimal moderno para
resolver problemas da pesquisa filosófica. Segundo ele, a psicologia
tem suas raízes na experiência, na metafísica e nas matemáticas. Sua
ambição foi renovar, na psicologia, a proeza que Isaac Newton ha-
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2412
13
via realizado na física. Embora a investigação psicológica empírica
do século XIX não o tenha acompanhado, sua psicologia exerceu
uma influência inegável na psicologia empírica de Wilhelm Wundt,
por exemplo, e (ou) na psicanálise de Sigmund Freud.
A filosofia prática de Herbart se caracteriza pelo fato de os
juízos morais serem interpretados como julgamentos estéticos par-
ticulares. Os juízos morais expressam aprovação ou reprovação
com base nas manifestações da vontade. As ideias morais não pas-
sam de juízos estéticos com base nas manifestações elementares da
vontade. Os juízos morais da vida cotidiana podem ser corrigidos
em função de ideias éticas de perfeição, de liberdade interior, de
boa vontade, de direito e de equidade.
Herbart exerceu, principalmente, suas atividades em Berna, na
Suíça, de 1797 a 1800, em Bremen de 1800 a 1802, em Göttingen
de 1802 a 1809, em Königsberg de 1809 a 1833 e, de novo, em
Göttingen de 1833 a 1841. Na Suíça, foi preceptor, em Bremen
foi pesquisador independente e deu aulas particulares, em Göttingen
e Königsberg foi professor de filosofia e de pedagogia. No início
de 1809, foi chamado à Universidade de Königsberg para tornar-
-se o segundo sucessor de Immanuel Kant. Königsberg queria um
filósofo de alto nível científico que fosse, também, um especialista
da pedagogia. Foi nesse espírito que o rei da Prússia, Friedrich
Wilhelm III, aprovou a nomeação de Herbart para Königsberg:
Eu aprovo de bom grado a nomeação do professor Herbart de
Göttingen à cátedra de filosofia de nossa universidade, na qual pode-
rá contribuir de maneira particularmente útil na melhoria do sistema
educativo segundo os princípios de Pestalozzi. (Kehrbach, 1897-
1912 [K 14], p. 13.)
A ideia de instrução educativa
Entre os anos de 1802 e 1809, Herbart já havia conseguido,
graças a numerosas publicações, a ganhar reputação não somente
como filósofo, mas também como pedagogo. Em 1802 aparecia
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2413
14
Pestalozzis Idee eines der ABC Anschauung [A ideia de um ABC da intui-
ção de Pestalozzi], seguido em 1804 de Über die Ästhetische Darstellung
der Welt als das Hauptgeschäft des Erziehung [Sobre a representação esté-
tica do mundo como objeto principal da educação], 1804) e, em
1806, d’Allgemeine Pädagogik aus dem Zweck der Erziehung abgeleitet [Pe-
dagogia geral derivada do fim da educação]. A pedra angular da
doutrina pedagógica de Herbart, baseada na experiência e na refle-
xão filosófica, é a ideia de instrução educativa. Assim como os prá-
ticos e os teóricos que o precederam, Herbart distingue entre edu-
cação (Erziehung, em latim educatio) e instrução (Unterricht, em latim
instructio). A educação se preocupa em formar o caráter e aprimorar o
ser humano. A instrução veicula uma representação do mundo, trans-
mite conhecimentos novos, aperfeiçoa aptidões preexistentes e faz
despontar capacidades úteis. A reforma pedagógica de Herbart re-
voluciona a relação entre educação e instrução. Nasce, assim, um
novo paradigma do pensamento e da ação pedagógicas.
Antes de Herbart, ocupava-se, primeiro, das questões de educa-
ção e de instrução separadamente. Somente num segundo mo-
mento surgiu a preocupação em saber como a instrução poderia
apoiar-se na educação e vice-versa. Em sua teoria pedagógica, ao
contrário, Herbart ousa subordinar a noção de instrução à de educação.
Para ele, o meio educativo mais eficaz não é o recurso à punição ou
à humilhação, por exemplo; uma educação coroada de êxito seria,
com certeza, aquela que se assentasse numa instrução adequada.
A instrução, diz Herbart, é o “objeto principal da educação”.
Tendo refletido, aprendido e experimentado por si mesmo, Herbart
convenceu-se dos efeitos surpreendentes da instrução educativa: o
homem para quem a instrução terá dotado de um “interesse múl-
tiplo” poderá fazer com facilidade tudo o que “após madura re-
flexão”, ele “quererá” fazer. Seu ideal moral lhe aparecerá com
maior clareza e, para realizá-lo, poderá entregar-se (fiar-se) ao seu
desejo de aprender mais e à “força do seu caráter”.
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2414
15
Toda atividade pedagógica de Herbart como preceptor em
Berna, conselheiro pedagógico em Bremen, professor de filosofia
e pedagogia nas universidades de Göttingen e Königsberg, bem
como diretor do instituto de pedagogia experimental anexo à
Universidade de Königsberg, foi impregnada da ideia de instru-
ção educativa.
Nas páginas que se seguem, tentaremos mostrar como Herbart
desenvolveu, progressivamente, essa noção de instrução educativa
e como esta ideia central de sua filosofia pedagógica perpetuou-se
até nossa época. Os fios condutores biográficos, teóricos e práti-
co-pedagógicos permitirão traçar um “perfil” que destacará a con-
tribuição de Herbart ao progresso da reflexão pedagógica e à re-
forma da ação pedagógica.
A concepção de ciência pedagógica em Herbart
Em 1796, um colega suíço da universidade de Iena consegue
para Herbart um posto de preceptor em Berna, na Suíça. Lá,
Herbart juntou-se a um círculo de amigos que, como ele, acolhiam
com entusiasmo as ideias pedagógicas de Pestalozzi e procura-
vam, além disso, entrar em contato pessoal com ele. Em um escri-
to de 1802, Herbart recorda para suas leitoras e leitores o estágio
que fez junto a Pestalozzi:
Uma dezena de crianças de cinco a oito anos foi chamada à escola em
uma hora incomum da noite. Eu receava encontrá-las de mau hu-
mor e ver fracassar a experiência que eu tinha vindo observar. Mas as
crianças vieram de muito bom grado, e uma atividade animada pros-
seguiu regularmente até o fim. (Herbart, 1982a, p. 65.)
Herbart descreve, em seguida, como Pestalozzi convida as
crianças a utilizar, ao mesmo tempo, sua boca e suas mãos, a reci-
tação coletiva como um método de aprendizagem da elocução,
oferecendo-lhes objetos que devem facilitar a aprendizagem da
escrita. Os conhecimentos que a experiência adquirida na Suíça
trouxe ao jovem preceptor não são as únicas raízes de sua doutri-
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2415
16
na pedagógica. Elas são acompanhadas de reflexões pedagógicas
inspiradas em Fichte e Pestalozzi, nas quais um pensador da estatu-
ra de Herbart fará imprimir sua marca pessoal.
Para Herbart, há duas vias convergentes da reflexão pedagó-
gica. A primeira, do pensamento pedagógico analítico, tem como
ponto de partida a experiência e as experimentações pessoais. Ela
conduz, num primeiro momento, ao empirismo pedagógico e,
em seguida, à pedagogia filosófica. Seguindo esta via, as noções
que dominam o campo de experiência do neófito são “decanta-
das” à medida de seu aprofundamento e explicitados por um racio-
cínio filosófico progressivo. A reflexão pedagógica deste tipo re-
duz a filosofia a um estado de dependência, ainda que parcial, em
relação à pedagogia.
A segunda via, a do pensamento especulativo e sintetizante,
parte de princípios de um sistema filosófico preestabelecido e, no
seu desenvolvimento, leva a uma doutrina pedagógica teórica e
prática. Desta forma, a pedagogia torna-se, ao contrário, tributária
da filosofia, em particular, da filosofia e da ética.
Em suas publicações pedagógicas, o jovem Herbart teria dado
preferência, com poucas exceções, ao desenvolvimento (encami-
nhamento) pedagógico-analítico. Visto que, perto da metade de
sua vida, ele havia desenvolvido e formulado as grandes linhas de
seu sistema filosófico, Herbart colocará o raciocínio especulativo e
sintetizante em primeiro plano. Entretanto, não conseguiu termi-
nar a apresentação de sua filosofia da educação em sua totalidade.
Adotando uma ou outra das vias da reflexão pedagógica, ele
evoca, ao mesmo tempo, os “fins” e os “meios” da educação. Exa-
mina os fins sob o ângulo da ética, ao passo que os meios são estu-
dados numa perspectiva psicológica. Em sua Pedagogia geral, sua obra
pedagógica principal datada de 1806, Herbart descreve esta
consubstancialidade em que as duas abordagens devem igualmente
ser consideradas:
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2416
17
A reflexão prática sobre a intenção que deve guiar o educador em sua
obra e que, para o movimento, comporta regras de conduta que
devemos escolher em função dos conhecimentos adquiridos até o
presente é, para mim, a primeira metade da pedagogia. Ela deveria
acompanhar-se de uma segunda metade, na qual a possibilidade da
educação seria exposta teoricamente e apresentada como limitada em
razão da variabilidade das circunstâncias (Herbart, 1982b, p. 22).
Se tivesse sido completado, o sistema pedagógico de Herbart
se comporia, assim, de duas partes ligadas (vinculadas), respectiva-
mente, à ética e à psicologia. As duas partes podem ser desenvol-
vidas tanto analiticamente (partindo da experiência pedagógica)
quanto sinteticamente (partindo de princípios filosóficos). O ra-
ciocínio analítico e o sintético convergem para um mesmo ponto.
A gênese da ideia de “instrução educativa”
A doutrina da instrução educativa compreende, também, duas
partes e pode ser apresentada sob um duplo aspecto. Os objetivos
da instrução educativa são tratados na parte dedicada à ética; o
texto de referência é a Pedagogia geral derivada do fim da educação escri-
ta em 1806.
Os meios educativos e, em particular, a instrução, são o objeto
da parte psicológica. Aí, os textos de referência são um escrito de
juventude intitulado Sobre a representação estética do mundo como objeto
principal da educação e as Cartas sobre a aplicação da psicologia na pedago-
gia, escritos em 1832, mas publicado após sua morte.
A ética nos mostra como as reflexões inicialmente confusas
sobre os objetivos da educação podem ser explicitadas à luz das
ideias morais. A virtude, “força moral do caráter”, é, segundo
Herbart, o fim supremo da educação. Quanto à psicologia, ela
possibilita responder à questão de saber como a educação é pos-
sível; então, nesse caso, tem por tarefa paradoxal levar o aluno a
agir de maneira autônoma exercendo sobre ele influências deter-
minadas “do exterior”. A resposta de Herbart à questão das ra-
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2417
18
zões pelas quais a educação é possível, pode ser resumida na se-
guinte fórmula: a educação só é possível como formação de um
espírito passível de ser formado, ou seja, por meio de uma ins-
trução adequada.
O raciocínio analítico de Herbart se funda na experiência e na
experimentação. A experiência adquirida pelo jovem preceptor na
família do oficial de justiça Steiger em Berna o levou a pensar
sobre o fim da educação à luz das ideias morais. Ele se sentiu,
também, obrigado não só a examinar a possibilidade da educação
de um ponto de vista teórico, mas ainda a trazer a prova prática de
que era realmente possível “educar pela instrução”.
A tarefa do preceptor Herbart consistia não somente em ins-
truir três rapazes com catorze, dez e oito anos nas línguas clássicas,
na história, na matemática e nas ciências naturais, mas, igualmente
em “educá-los”. Os Relatórios para Karl Friedrich Steiger (Herbart,
1982a, pp. 19 e ss.) mostram bem a contribuição que as relações
de Herbart com seus alunos trouxeram à formação do conceito
de “instrução educativa”.
No início, Herbart tinha tentado exercer uma influência direta
sobre o desenvolvimento do caráter de seus alunos. Logo, porém,
constata, ao menos em relação a Ludwig que já estava, então, com
14 anos, que não teria o sucesso esperado. Disto concluiu que de-
veria doravante “dirigir-se ao entendimento de Ludwig” (Herbart,
1982a, p. 23). Era a única maneira de afastar o perigo de ver as
disposições de modo algum más de Ludwig, se congelarem em
um “egoísmo sábio (sensato, cauteloso), refletido e obstinado (per-
sistente)”. Segue-se, então, o que se pode considerar como a pri-
meira descrição da instrução educativa. Em Ludwig, a única opor-
tunidade que se poderia ainda jogar para formar seu caráter seria
seu entendimento enquanto capacidade passiva de apreender aquilo
que lhe é apresentado lentamente (vagarosamente) após tê-lo bem
preparado e a esperança de que esta fraca centelha fará um dia surgir a
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2418
19
reflexão autônoma ativa e a aspiração de viver conforme os seus
ensinamentos. (Herbart, 1982a, p. 23.)
A instrução educativa que o jovem preceptor dirige ao enten-
dimento de seus alunos tinha dois componentes principais: um,
estético e literário, outro matemático e científico (“a poesia e as
matemáticas”, como ele dizia, para simplificar). Herbart inculcou
em seus alunos capacidades linguísticas surpreendentes, assim como
um excelente conhecimento de história e de literatura clássica da
Antiguidade. Deu-lhes uma bagagem matemática sólida e até, um
feito extraordinário para a época em torno de 1800, uma iniciação
aos métodos experimentais das ciências da natureza que estavam
se constituindo. No entanto, esta instrução não era educativa ape-
nas porque Herbart sempre subordinou os múltiplos fins do ensi-
no estético e literário e do ensino matemático e científico à forma-
ção do caráter. Herbart educou, sobretudo fazendo deliberadamente
de seu ensino o meio essencial da educação moral.
A instrução visa, antes de tudo, a fazer convenientemente “com-
preender” o mundo e os homens. Esta “compreensão do mun-
do” guiada pelo ensino, no entanto, não serve apenas à transmis-
são de conhecimentos e à formação de aptidões e qualificações;
ela está, prioritariamente, a serviço da “tomada de consciência
moral” e do “reforço do caráter”. Pela instrução se exerce uma
influência na formação do caráter. Herbart distingue quatro etapas
da educação moral, indo da compreensão do mundo ao com-
portamento moral: “... as ideias se transformam em emoções que,
por sua vez, se transformam em princípios e modos de agir”
(Herbart, 1982b, p. 23). Em uma passagem posterior da Pedagogia
geral, ele aborda as quatro etapas que são: o “juízo moral”, o “ca-
lor (ânimo) moral”, a “decisão moral” e a “disciplina moral”
(Herbart, 1982b, p. 108).
Este encaminhamento da educação moral encontra sua justifi-
cativa na psicologia de Herbart, sobrepondo-a à mais antiga psi-
HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2419
20
cologia das faculdades. Herbart não considera mais o conheci-
mento, a sensibilidade e a vontade como faculdades ou forças
independentes, ao contrário, a vontade e a sensibilidade tem seu
lugar no espírito. A força de vontade e a constância do comporta-
mento são vistas como fenômenos que se explicam pela estabili-
dade das estruturas cognitivas. Inversamente, a falta de seriedade e
a incoerência do comportamento se devem ao fato de contextos
de comportamento do mesmo tipo receberem interpretações di-
ferentes. A estabilidade da vontade humana é, portanto, função de
um horizonte cognitivo estruturado.
No pano de fundo desta teoria psicológica, a instrução apare-
ce como o único meio que garante temperar duravelmente o cará-
ter. Entretanto, a instrução educativa somente garante bons resul-
tados se sua metodologia respeitar a individualidade do aluno. É,
portanto, na metodologia da instrução que são depositadas as mais
altas ambições. Uma multidão de conhecimentos, aptidões e talen-
tos úteis, devem ser transmitidos de tal forma que as qualificações
assim adquiridas sejam o fundamento e o instrumento da virtude.
Herbart resolveu o problema do método pedagógico basean-
do-se em sua doutrina psicológica do “Interesse”. O interesse, como
o desejo, é considerado como uma atividade mental, embora de
intensidade menor. O interesse cria as primeiras ligações entre o
sujeito e o objeto e determina, assim, o “horizonte” do homem
como campo daquilo que ele percebe ou não do mundo. Ao con-
trário do desejo, que pode ser aumentado pelo interesse, o interes-
se não dispõe ainda de seus objetos.
Herbart define a estrutura ideal do interesse pelo termo “multi-
plicidade”. O interesse se forma assim que o sujeito apreende uma
“multiplicidade” de objetos “em profundidade” e liga os traços
que estes aprofundamentos deixaram em sua memória por meio
de uma “rememoração” global. Um interesse no qual nenhum
aspecto particular teria se desenvolvido, permanece em um estado
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bruto. Um interesse em que apenas aspectos isolados são desen-
volvidos permanece “unilateral”. O interesse múltiplo (polivalente)
é aquele no qual todos os aspectos se harmonizam, formando um
todo. Isso tudo não deve variar segundo os indivíduos, ao contrá-
rio, os interesses respectivos múltiplos devem se harmonizar de tal
modo que cada indivíduo seja receptivo a todas as formas de
atividade que caracterizam o homem como um ser espiritual.
Com essa noção de interesse múltiplo (polivalente), Herbart
adere à concepção de humanismo corrente à sua época. A forma-
ção do interesse múltiplo (polivalente) é uma formação de acordo
com o humanismo.
Herbart menciona seis orientações do espírito humano (do
humanismo): no âmbito do conhecimento, distingue um interesse
empírico, um interesse especulativo e um interesse estético; no âmbi-
to das relações humanas (“simpatia”), ele opõe o interesse voltado
aos indivíduos aos interesses sociais e ao interesse religioso. Com sua
fórmula de “interesse múltiplo” (polivalente), Herbart traduziu a
expressão consagrada em sua época “desenvolvimento harmonio-
so das forças humanas”, na linguagem de sua própria psicologia.
O interesse pela instrução educativa apresenta uma grande
importância de um duplo ponto de vista. De um lado, este interes-
se “múltiplo” (polivalente) é um objetivo intermediário extrema-
mente importante da instrução educativa. Com efeito, apenas um
interesse múltiplo pode conferir (dar) à vontade esta facilidade
interior necessária sem a qual o homem cultivado não poderia
realizar aquilo que seu julgamento lhe faz querer realizar. De outro
lado, o interesse não tem somente um papel de objetivo, é tam-
bém meio: é a única força de impulsão que consente a instrução
educativa, pois, apenas um interesse permanente permite ampliar
constantemente e sem esforço o círculo de ideias, de explorar o
mundo e estimular uma simpatia calorosa pelo destino do outro.
Assim, o “pecado capital do ensino” é o tédio.
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Dizíamos que a instrução educativa incluía “poesia e matemá-
ticas”. O ensino da literatura tem por função suscitar um interesse
vivo pelos sentimentos do outro. No início, o ensino tem uma
missão específica de apresentar aos olhos das crianças, com base
na poesia, relações humanas tão simples quanto possível. Quando
havia um interesse suficiente para as línguas antigas, Herbart come-
çava a formação estético-literária pela leitura de Homero, especial-
mente da Odisseia. Contudo, esta iniciação às línguas antigas servia,
inicialmente, para apresentar as relações humanas e, só depois, para
ensinar a língua.
A iniciação às matemáticas também era orientada para a for-
mação do caráter, embora isso estivesse longe de ser seu fim ex-
clusivo. Em seu tratado de 1802, A ideia de um ABC da intuição de
Pestalozzi, Herbart esboçou não apenas um programa de iniciação
às matemáticas ultramoderno para sua época, mas também res-
pondeu à questão de saber em que o “ensino” das matemáticas
deve contribuir para a “educação”. Não é somente pela sua utili-
dade prática ou sua importância tecnológica que as matemáticas
devem figurar no programa, mas, sobretudo, porque é um meio
de exercer a atenção. O comportamento moral exige, em especial,
que se preste uma atenção firme aos sentimentos do outro. A dis-
posição à atenção não deve, contudo, ser desenvolvida em conta-
to com os objetos da arte ou da literatura. Com efeito, se os exer-
cícios de atenção estivessem apoiados nas relações humanas, eles
destruiriam todo sentimento de simpatia pelas personagens apre-
sentadas; pela mesma razão, a instrução religiosa não constitui um
quadro (situação) conveniente aos exercícios de atenção.
Em 1804, Herbart completa a segunda edição de A ideia de um
ABC da intuição de Pestalozzi, com um texto intitulado Sobre a repre-
sentação estética do mundo como objeto principal da educação. O próprio
título deste escrito indica que, mais uma vez, é da instrução educativa
que se trata antes de tudo: o objeto principal da educação é a
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“representação estética do mundo”, ou seja, um ensino da literatu-
ra, da arte e da história, em que os conteúdos devem ser apresen-
tados de forma a possibilitar um encadeamento de ideias, senti-
mentos, princípios e atos. Ainda que o ensino das matemáticas
predisponha à concepção teórica do mundo, o da literatura, da
arte e da história deve prestar-se à apreensão estética do mundo:
Uma tal representação do mundo, de todas as suas partes e de todas as
épocas conhecidas, visando impedir as más impressões de um meio
desfavorável, poderia com razão ser tomada como o principal objeto
da educação no qual a disciplina, que desperta o desejo ao mesmo
tempo em que o domina, só serviria como preparação necessária.
(Herbart, 1982a, p. 115.)
A ideia da instrução educativa, que Herbart desenvolverá em
sua Pedagogia geral de 1806, é complementar à de “representação esté-
tica”. Herbart não exclui a possibilidade, ou a utilidade, de um
ensino não educativo. Contudo, na Pedagogia geral ele afirma: “E con-
fesso que não posso conceber educação sem a instrução; ao contrá-
rio, não reconheço nenhuma instrução que não seja educativa”
(Herbart, 1982b, p. 22).
Em sua Representação estética, Herbart demonstrara que uma edu-
cação sem instrução está, como regra geral, condenada ao fracas-
so. Em sua Pedagogia geral, ele explicita os traços do ensino que
permitem, com segurança, atingir os objetivos da formação do
caráter. A instrução educativa apoia-se na curiosidade natural da
criança, ou seja, no interesse que ela traz do mundo e dos seus
semelhantes. Baseia-se nas experiências de aprendizagem anterior
trazidas pela criança. A instrução virá unicamente aperfeiçoar esta
bagagem preexistente. Às vezes, ela procura completá-las por meio
de “simples” representações (“ensino puramente descritivo”); mas
a instrução tem, igualmente, por missão dissecar o que já foi apren-
dido (“ensino analítico”), ela deve, então, sobretudo, permitir ela-
borar, a partir de elementos dados, novos conjuntos conceituais
(“ensino sintético”).
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Em um texto circunstancial de 1818 intitulado Avaliação pedagó-
gica de classes escolares, Herbart fez, mais uma vez, uma excelente
exposição sobre as características da instrução educativa que a dis-
tingue do ensino tradicional tanto pela escolha de seus objetivos
quanto dos seus meios. O ensino tradicional tinha por finalidade
inculcar no aluno o máximo de conhecimentos e de competências
(saber-fazer) úteis. Seu objetivo era o “treinamento” e a “qualifi-
cação” do aprendiz (Herbart, 1982c, p. 91). A instrução educativa,
por sua vez, destinava um lugar central àquilo que tinha sido consi-
derado até então, no melhor dos casos, como uma das motivações
para o estudo, ou seja, o interesse:
Certamente o mestre deve, segundo um preceito bem conhecido,
procurar interessar os alunos no que lhes ensina. No entanto, este
preceito é geralmente definido e percebido como se o estudo fosse o
fim e o interesse o meio. Quanto a mim, eu inverto essa relação. Os
estudos devem servir para fazer surgir o interesse para seu objeto. Os
estudos só devem durar um certo tempo, enquanto que o interesse
deve subsistir durante toda a vida. (Herbart, 1982c, p. 97.)
Este interesse que continua presente por toda a vida torna-se,
então, um meio de chegar a um fim mais alto: não serve apenas de
base para a aquisição de tal ou qual aptidão ou faculdade, mas,
sobretudo para “consolidar o caráter moral” (Herbart, 1982c, p.
99), que é o fim último da educação.
Herbart definiu, como se sabe, a estrutura do interesse, objetivo
para o qual deve tender a instrução, como uma “multiplicidade de
interesses”. A formação para o humanismo é uma formação para a
plenitude da vida espiritual e, portanto, à multiplicidade de interesses.
É na harmonia dos interesses que reside a cultura múltipla. Isto não
é o apanágio do homem que percorreu o mundo por terra ou por
mar. Ele poderia cansar-se dela, e é justamente o desgosto pelas
coisas e pelas ocupações e o aborrecimento que constituem esta de-
pravação e esta indiferença que são o adversário, e até o inimigo mais
cruel, da cultura e do interesse. A saúde da vida mental exige calma e
disponibilidade; ora, essas duas coisas se encontram no interesse.
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Quanto mais isto se der de forma variada e persistente, maior será a
riqueza da vida espiritual. Qualquer um que entenda outra coisa pela
palavra cultura poderá conservar seu vocabulário, mas suas ideias
deverão ser banidas da pedagogia. (Herbart, 1982c, p. 99.)
Embora considerado como o fim da aprendizagem pela ins-
trução educativa, o interesse conserva sua função de meio, que aí
encontra o seu valor. Com efeito, apenas um ensino interessante
pode contribuir para o desenvolvimento do interesse. O treina-
mento e as qualificações podem ser obtidos pelo constrangimento
ou pela autodisciplina, enquanto que o desenvolvimento do inte-
resse múltiplo não pode ser outra coisa a não ser o fruto de uma
motivação interna. O interesse do aluno é o fio de Ariadne ao
longo do qual a instrução educativa avança regularmente:
A cada momento, a mente do aluno progride numa determinada
direção e numa determinada velocidade. Esse é o efeito do ensino
ministrado até o presente, e isso indica ao mestre a direção e a veloci-
dade que ele deve, doravante, a ir em frente. (Herbart, 1982c, p. 101.)
O seminário pedagógico de Königsberg
As considerações pedagógicas de Herbart são ainda mais convin-
centes para aqueles que estão constantemente preocupados em se nu-
trir de referências à experiência prática. A Pedagogia geral de 1806 é
fundada na experiência do preceptor que, mesmo após ter deixado
Berna, a colocou sempre à prova em seu ensino privado. O ponto de
vista de um preceptor é, todavia, diferente daquele de um mestre-
escola. É possível que a instrução educativa dê excelentes resultados
num quadro familiar, mas fracasse nas condições mais difíceis da vida
escolar. Desse modo, não seria muita ousadia colocar a ideia da instru-
ção educativa no centro de uma de pedagogia “geral”? O único meio
de refutar a objeção consiste em mostrar, pela experiência, que uma
instrução educativa “escolar” pode também ser bem-sucedida.
Quando Herbart aceitou, em 1809, o convite que lhe dirigia a
universidade de Königsberg, expressou o desejo de não simples-
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mente dar cursos de filosofia e pedagogia, mas fundar, também,
uma pequena escola experimental:
Entre minhas ocupações, o ensino da pedagogia me é particular-
mente caro. Mas isso exige mais do que um simples ensino; é neces-
sário, também, que ele se torne o objeto de demonstrações e de
exercícios. Além do mais, eu queria prolongar a série de experiências
realizadas por quase dez anos. É por isso que considero, já há algum
tempo, a possibilidade de eu mesmo dar uma hora de ensino a um
pequeno grupo de meninos convenientemente escolhidos, por vol-
ta de uma hora por dia, na presença de jovens que seriam familiariza-
dos com minha pedagogia e que poderiam, pouco a pouco, tentar,
diante de mim, revezar comigo a aula e prosseguir o que eu havia
começado. Dessa forma, seriam progressivamente formados mes-
tres cujo método deveria se aperfeiçoar graças à observação mútua e
à troca de experiências. Sabendo-se que um programa não é nada
sem mestres, e por isto entendo mestres imbuídos do espírito deste
programa e tendo adquirido o domínio do método, uma pequena
escola experimental tal como eu imagino poderia ser a melhor prepa-
ração para um dispositivo futuro de maior envergadura. Conforme
diz Kant, primeiro escolas experimentais, depois escolas normais.
(Herbart, 1982c, p. 11.)
A proposta de Herbart encontrou acolhida favorável na Prússia
de 1809: a reforma do sistema educativo era considerada parte
integrante da reforma de todo o sistema político que vinha sendo
empreendida. Por meio de reformas internas, esforçava-se por
compensar as perdas infligidas por Napoleão à Prússia na batalha
de Iena e Auerstedt em 14 de Outubro de 1806.
A reforma educacional prussiana foi conduzida vigorosamente
em 1809 e 1810 por Wilhelm von Humboldt. Esperava-se de
Herbart em Königsberg uma contribuição significativa à forma-
ção de mestres, o que era uma necessidade urgente. Ele próprio
esperava encontrar ali um campo de ação muito mais vasto. Con-
siderava sua atividade experimental uma base possível de um “dis-
positivo futuro de maior envergadura” de reforma do sistema
educativo. Para ele, o conceito de instrução educativa deveria tor-
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nar-se a ideia mestra de uma “reforma verdadeira e duradoura da
instrução pública” (Herbart, 1982c, p. 89).
Em Königsberg, Herbart pode instalar um instituto didático,
inicialmente num contexto muito modesto. A finalidade deste ins-
tituto era a de contribuir para a formação de professores de “gi-
násio” (liceu) por meio de exercícios didáticos baseados na peda-
gogia de Herbart. A bem dizer, Herbart teria gostado de acrescen-
tar desde o início um pequeno internato, mas, como os recursos
financeiros eram limitados, teve de se contentar por vários anos
com um instituto didático sem alunos permanentes.
Foi apenas em 1818 que as circunstâncias tornaram-se mais
favoráveis. Graças a uma subvenção do estado, Herbart pode ad-
quirir uma casa suficientemente grande para acomodar um peque-
no grupo de internos (pensionistas). Os cursos eram dados na es-
cola experimental contígua à casa. Herbart queria provar que, gra-
ças ao seu método, seus alunos internos receberiam não somente
uma instrução, mas, igualmente, uma educação.
O ensino dispensado na escola experimental seguia, no essen-
cial, o programa adotado por Herbart quando era preceptor: a
instrução educativa abrangia os dois grandes ramos de aprendiza-
gem, o ensino poético e o ensino matemático. Para o primeiro, o
ponto de partida era, ainda, a Odisseia de Homero e a exploração
da literatura, primeiro a grega, depois a latina. O ensino das mate-
máticas e das ciências naturais iniciava-se com exercícios de per-
cepção. A estes se seguiam a geometria, a álgebra, a teoria dos
logaritmos e, finalmente, o cálculo diferencial e integral. Nesses
dois ramos foram enxertadas (acrescentadas) a religião, as narrati-
vas históricas, a gramática e as ciências naturais.
Em 19 de maio de 1823, Herbart disse em Berlim que ele
considerava “seu método como estando agora totalmente no
ponto” (Kehrbach, 1897-1912 (K1), p. 200). Ele o elaborou “na
esperança de uma aplicação futura generalizada nos ginásios”.
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Embora fosse destinado, sobretudo, às cabeças benfeitas, ele
prometia melhorar a “pedagogia errônea dos ginásios”. Na vi-
são de Herbart, era errônea, sobretudo, porque não reportava
ao interesse do aluno, nem como força motivadora nem como
objetivo do progresso escolar, uma vez que o ensino das línguas
antigas insistia muito na forma e pouco nos conteúdos e porque
o ensino das matemáticas e das ciências naturais era muito redu-
zido. No geral, Herbart pensa ter provado que seu método era
independente de sua pessoa e que, mesmo nas condições mais
difíceis do ensino público, por assim dizer, reformado, ele pode-
ria ser posto em prática.
O método desenvolvido era expressamente destinado aos li-
ceus. Contudo, Herbart havia igualmente pensado na organização
do sistema educativo inteiro. Ele é um defensor obstinado de uma
estrutura vertical com três pilares: o liceu (ginásio), a escola primá-
ria superior (chamada também de escola principal) e a escola ele-
mentar (também chamada pequena escola). Os três pilares contri-
buem à unidade de um sistema unificado porque em cada um dos
três ramos se pratica a instrução educativa. A virtude, fim da edu-
cação, garante a unidade do sistema escolar.
Os três ramos do sistema escolar, no entanto, se distinguem
claramente pelos esforços exigidos dos alunos. Ainda que a escola
elementar se limite ao essencial, a escola primária superior exige um
esforço aumentado, principalmente em matemáticas e em ciências.
Para o ensino da literatura, a escola primária superior se distingue do
liceu à medida que abandona as línguas antigas. Segundo Herbart, a
instrução educativa que parte de uma língua antiga faz um “détour”
que ele recomenda, no entanto, vivamente, para os espíritos mais
brilhantes. O programa do liceu não se limita a educar, ele deve
permitir adquirir uma excelente cultura filológica. O caráter aristo-
crático do liceu, tal como o concebe Herbart, é inegável. No entan-
to, atribui grande importância a que a passagem de um ramo a ou-
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tro seja muito flexível, embora seja falso considerar Herbart como
o teórico de um sistema escolar de classe.
As ideias reformadoras de Herbart não ganharam aceitação
na Prússia de seu tempo. A Restauração superou o “élan”
reformador que havia prevalecido de 1809 a 1813. Havia disposi-
ção em recrutar professores para cuja formação Herbart tinha
contribuído, mas eles tinham que submeter-se a programas conce-
bidos com objetivos diferentes dos seus. Não se considerava mais,
se é que alguém já o havia feito, reformar os programas escolares
no espírito do programa da instrução educativa. Também o mé-
todo desenvolvido por Herbart para os liceus nunca foi adotado
em nível nacional.
Um sistema inacabado
Após ter concluído suas principais obras filosóficas já mencio-
nadas, Herbart pensa ter encontrado a base científica que lhe per-
mitiria resolver também os problemas fundamentais da pedago-
gia. Num relatório dirigido a Berlim em 1º de maio de 1831, ele
escreveu:
Minha pedagogia não é mais que um pequeno compêndio que, em
alguns lugares (trechos), falta clareza. Se a pedagogia tinha sido o
objeto principal da minha atividade oficial, desde há muito eu teria
podido expor minhas ideias em detalhe. Ora, para mim, a pedagogia
nunca foi mais do que uma aplicação da filosofia. Eu não poderia,
então, prosseguir a apresentação antes de ter concluído e publicado
trabalhos especulativos mais importantes. (Kehrbach, 1897-1912
(K15), p. 36).
Escrito mais tardiamente, o Umriss pädagogischer Vorlesungen (Es-
boço de lições pedagógicas) publicado em 1835 e reeditado em
1841, retoma e completa os dois aspectos da instrução educativa
desenvolvidos por Herbart, respectivamente, na Representação esté-
tica e na Pedagogia geral. Na primeira, abordava a problemática da
instrução educativa no quadro de uma reflexão “teórica”, na se-
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gunda, no de uma reflexão “prática”. O Esboço de lições pedagógicas
não se limita apenas a considerações isoladas e, inevitavelmente, in-
completas. Ele revela a concepção global da pedagogia que Herbert
havia exposto em sua introdução à Pedagogia geral, mas que não
havia desenvolvido a não ser a metade dela nesta obra essencial
do início de sua carreira. Assim, Herbart liga o Esboço à Pedagogia
geral, para trazer à luz a instrução educativa que ele preconiza e
outras formas de ensino.
Aquele que aprende para ganhar a vida e fazer seu caminho ou para se
divertir, não se põe a questão de saber se, enquanto homem, ele se
tornará melhor ou pior. Dessa forma, tem a intenção de aprender
isto ou aquilo, seja o fim bom, mau ou indiferente, e ele ficará satis-
feito com todo mestre que lhe inculque o saber-fazer requerido tuto,
cito, iucunde. Não é desta instrução que se trata aqui, mas unicamente
da instrução educativa. (Herbart, 1982c, p. 180.)
O texto prossegue com a definição do fundamento da instru-
ção educativa que já havia sido exposto na Pedagogia geral e com
uma descrição da multiplicidade do interesse e da força do cará-
ter, da moralidade que faz parte da finalidade da educação. (Herbart,
1982c, p. 180 e segs.). Além disso, o Esboço aborda problemas de
método trazidos pelo ensino de algumas matérias bem como os
obstáculos que poderiam comprometer o êxito da instrução
educativa (Herbart, 1982c, p. 245 e segs.).
O Esboço de lições pedagógicas abrange todos os aspectos da
“ciência do educador” que Herbart concebera na introdução à
Pedagogia geral (Herbart, 1982b, p. 22). Ela aborda até problemas
didáticos referentes às diferentes matérias ensinadas (da “ciência
de comunicar”), em que o tratamento até então tinha sido reserva-
do às monografias relacionadas com os diferentes instrumentos
pedagógicos (Herbart, 1982b, p. 23). Apesar disso, o Esboço não
vai além do que promete seu título escolhido com precisão: re-
nunciando à discussão aprofundada desejável, Herbart se limita a
delinear problemas e possíveis soluções. Ficou por fazer uma des-
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crição que correspondesse plenamente ao plano traçado na intro-
dução à Pedagogia geral. Faltará tempo a Herbart para levar a bom
termo uma apresentação de conjunto de sua pedagogia.
A recepção (receptividade, acolhimento, contribuição)
das ideias de Herbart
Quando Herbart morreu, em 11 de agosto de 1841, ele não
tinha atingido ainda os objetivos considerados por ele como mais
importantes de sua obra científica. Teve, certamente, êxito em
elaborar seu sistema filosófico e desenvolver seu método peda-
gógico tanto no plano teórico quanto no prático, mas suas prin-
cipais obras filosóficas não tiveram a repercussão esperada.
Herbart, particularmente, lamentava que sua psicologia matemá-
tica tivesse sido quase completamente ignorada pelos seus cole-
gas filósofos.
Herbart parecia ter fracassado, também, como pedagogo, em-
bora tenha podido se felicitar pelo reconhecimento de numerosos
alunos. Com efeito, nunca conseguiu fazer reconhecer sua doutrina
da instrução educativa para um amplo publico. Em parte alguma se
tentou reformar programas escolares, ou um sistema escolar de uma
província, conforme os princípios da instrução educativa.
É tanto mais surpreendente de ver que após a morte de Herbart
sua pedagogia marcou profundamente as orientações de um mo-
vimento pedagógico ao qual se deu o nome de herbartismo. Este
é implantado e se desenvolve no seio das universidades de Leipzig,
Iena e Viena, contribuindo de maneira decisiva na formação do
crescente grupo profissional de professores. É então que surgem
associações e revistas dedicadas à pedagogia de Herbart. Convém
mencionar, em especial, a Associação de Pedagogia Científica criada
em Leipzig em 1868 e sua revista anual. São incontáveis as publica-
ções sobre a filosofia e a pedagogia de Herbart. O herbartismo se
propagou igualmente no estrangeiro. É assim que em 1895 a Peda-
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gogia geral surge em Paris em tradução francesa e, em 1898, em
Londres e Boston a tradução inglesa.
Pouco a pouco, a reforma pedagógica do início do século XX
excluirá o herbartismo e a pedagogia de Herbart foi gradualmente
ameaçada de cair no esquecimento. A influência de Herbart e de
seus seguidores exerceu sobre alguns dos reformadores pedagó-
gicos de primeira hora é certamente inegável, mas não foi somente
na Alemanha que a reforma pedagógica do sistema escolar foi
elaborada em oposição ao herbartismo. Como não se conhecia
mais o primeiro Herbart, poder-se-ia ver nele o campeão de uma
“escola livresca” onde os alunos repetem as palavras do mestre
sem poder chegar a uma experiência pessoal de aprendizagem.
Critica-se Herbart de ter querido formar os espíritos pela ação
externa, inculcando-lhes conteúdos educativos vindos de fora (ver,
por exemplo, John Dewey, em Democracia e Educação, capítulo 6).
Herbart teria ignorado a presença de funções ativas na mente hu-
mana. As objeções deste tipo, justificadas em face dos excessos do
herbartismo, ameaçaram de lançar no descrédito o próprio Herbart.
Sua doutrina da instrução educativa tinha se tornado incompreen-
sível. Esqueceu-se que a instrução educativa tinha a experiência do
aluno como função central e o interesse do aluno, traço de sua
atividade mental própria, não apenas como fim, mas como o meio
mais importante da instrução educativa.
As verdadeiras diferenças entre a pedagogia reformadora de
Herbart e aquela que ocorreu entre 1900 e 1950 situam-se em um
nível bem mais profundo do que queriam os detratores desavisados
de Herbart. As noções de experiência e de atividade própria fo-
ram completamente transformadas naquele momento e as rela-
ções entre o individuo, a comunidade e a sociedade haviam sofri-
do mutações profundas. É neste sentido que a pedagogia de John
Dewey, por exemplo, é, efetivamente, em muitos aspectos, diame-
tralmente oposta à de Herbart.
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A partir dos anos 1950, verifica-se na Alemanha e em países
vizinhos um renascimento da admiração por Herbart. Seus prota-
gonistas tomaram distância em relação à imagem deformada pas-
sada pelos proponentes do herbartismo e de sua doutrina original
e querem reencontrar o caminho do “Herbart vivo” (H. Nohl). O
meio de chegar a isso consistiria em renunciar à filosofia de Herbart
enquanto fundamento dedutivo de sua pedagogia. Dever-se-ia, ao
contrário, considerar a pedagogia como uma ciência relativamente
independente da filosofia. Esta concepção da pedagogia havia sido
já sustentada por Herbart.
As investigações mais recentes sobre Herbart consideram
indefensável a distinção entre um Herbart pedagogo vivo e um
Herbart filósofo obsoleto. Repondo-o no contexto da história das
ideias, elas pretendem apresentar sua pedagogia como parte inte-
grante de sua filosofia, para tirar proveito de seus ensinamentos.
Esta abordagem permitiria por em relevo a atualidade da peda-
gogia de Herbart. É assim que os homens de hoje devem apren-
der a forjar-se um comportamento novo em suas relações consi-
go mesmos e com a natureza, em função de um exame prudente
da situação.
Este problema pode ser apreendido perfeitamente nas con-
cepções de Herbart. No entanto, o abismo que separa a época
atual dos decênios que se seguem à Revolução Francesa impede
querer resolver problemas atuais no espírito de um neo-herbar-
tismo. Herbart queria tornar a humanidade melhor pela instrução,
isto é, graças a uma representação do mundo. Já nas circunstâncias
de sua época, a via da educação que devia conduzir das ideias aos
sentimentos e destes aos princípios e modos de agir, foi sempre
semeada de perigos. O que Herbart pode ensinar aos homens de
hoje é considerar a questão de saber por que, nas circunstâncias
atuais, a formação do caráter não pode mais passar por esta via
segundo as modalidades preconizadas por ele.
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TEXTOS SELECIONADOS
Introdução
A antologia que se segue tem como base a obra Pedagogia geral
editada em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian. No Brasil
nenhuma das obras de Herbart chegou a ser publicada, em que
pese a importância das suas proposições acerca do fenômeno
educativo no debate educacional havido na Europa, no século XIX.
No entanto, o desconhecimento desse autor na atualidade não é
um fenômeno somente brasileiro. Como se pode apreender da
leitura da sua bibliografia acima, no debate com os autores do
movimento que ficou conhecido como Escola Nova, Herbart foi
perdendo terreno. Como afirma Gomes (2003, p. XXIV) “sufo-
cado por novas correntes pedagógicas, o herbatismo foi esmore-
cendo até quase se extinguir”. Somente no século XX, com o cen-
tenário da morte de Herbart em 1941 e o crescente interesse pelas
pesquisas históricas no âmbito da pedagogia, são realizados novos
estudos sobre a sua obra e vida (Gomes, 2003).
No período pós-guerra, quando o pensamento de Herbart
começa a ser novamente resgatado na Europa, temos, no Brasil, a
disseminação e o fortalecimento do escolanovismo entre os edu-
cadores, devido, principalmente, a ação dos “pioneiros” da edu-
cação dentre os quais se destaca Lourenço Filho que teve uma
atuação fundamental para que se difundisse entre nós a psicologia
como base da educação.
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Um dos principais ideólogos do movimento da Escola Nova,
Lourenço Filho interpreta o escolanovismo principalmente sob a
ótica da psicologia. Era com base nessa ciência que considerava
possível renovar as escolas a fim de se adaptarem às necessidades
de modernização da sociedade brasileira da época.
Autodidata e possuindo uma ampla cultura geral, Lourenço
Filho parte de fontes diferenciadas para fundamentar a função da
psicologia como base de uma escola renovada. Conforme Cam-
pos, Assis e Lourenço (2002) identificam-se várias fontes a partir
das quais Lourenço Filho fundamentou sua psicologia educacio-
nal: William James, Claparède, Dewey, Warren, Pavlov, Watson e
Thorndike.
Por outro lado, como vimos aqui, Hilgenheger cita na bi-
bliografia de Herbart que foi justamente por meio dos autores
ligados ao movimento da Escola Nova (ou ativa, como ficou co-
nhecido o movimento na Europa) que se fizeram as principais
críticas às proposições de Herbart.
Lourenço Filho refere-se a Herbart como “um grande siste-
matizador” da obra de Fröbel e Pestalozzi. Dedicando algumas
páginas à Herbart na sua obra Introdução ao Estudo da Escola Nova,
ressalta a importância do conceito de instrução educativa como
esquema básico a partir do qual Herbart propôs os passos formais.
Nas palavras de Lourenço Filho, citanto Speyer:
[…] ‘Como queria Pestalozzi, será preciso caminhar da intuição ao
conhecimento claro. Numa palavra, será necessário ir da sensação à
elaboração abstrata, ou da intuição às ideias gerais’.
Fundado nesse esquema, [Herbart] propugnou por um sistema a
que chamou da instrução educativa. Quer dizer, um ensino segundo
o qual, por situações sucessivas bem reguladas pelo mestre, se che-
gasse a fortalecer a inteligência e pelo cultivo dela, a formar a vontade
e o caráter. Propôs por isso que cada lição obedecesse a fases bem
estabelecidas, ou a passos formais. Seriam eles: o de clareza da apresen-
tação dos elementos sensíveis de cada assunto; o de associação; o de
sistematização e, por fim, o de aplicação.
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37
No primeiro, o principal cuidado deveria ser o de fundar o trabalho na
intuição do discípulo, levado a ver, ouvir, sentir diretamente as realida-
des de seu ambiente. No segundo, o de relacionar as noções assim
obtidas com as que porventura já existissem em sua mente, desenvol-
vendo-se-lhe a capacidade a que Herbart deu o nome de apercepção. No
terceiro, dever-se-ialevaroalunodasimagensisoladasàorganizaçãode
conceitos, por generalização crescente. Notando por si semelhanças e
diferenças, lograria ele atingir os princípios gerais, regras, leis e defini-
ções. Por fim, seria necessário aplicar tais conhecimentos a situações
práticas. As regras de linguagem de aritmética ou outra disciplina qual-
quer, bem como as normas de boa conduta seriam ensaiadas em casos
concretos. (Lourenço Filho. 2002, pp. 229 e 230.)
O esquema dos passos formais foi muito refletido pelos discípu-
los de Herbart e por eles aperfeiçoado (Patrício, 2003). No Brasil
os passos formais foram os poucos elementos de sua didática,
mais aceitos e divulgados.
Outra contribuição herbartiana ressaltada por Lourenço Filho
é o conceito de interesse que, trazido para o âmbito da pedagogia
por Herbart, tornou-se, desde então, fundamental para os estudos
da didática como elemento dinâmico e funcional de ligação entre
o plano intelectual e o da vontade. Foi no conceito de interesse que
se apoiou “a concepção de aprendizagem por ação do próprio
discípulo. […] Em consequência, de um ensino que respeite as
condições dessa evolução – ensino ativo, escola ativa” (Lourenço Fi-
lho. 2003 p.232).
Mas, é também a partir do conceito de interesse que Lourenço
Filho faz a crítica a Herbart apontando sua superação pela Escola
Nova. Com base em Claparède e Dewey, evidencia o intelectualismo
excessivamente abstrato contido no conceito de interesse:
Em suma, para Herbart, o ensino deveria criar interesses e orien-
tá-los para a ação no plano das ideias. Seria essencialmente expli-
cado pelo jogo do que chamou apercepção, ou da atuação de cada uma
das ideias sobre outras, segundo um modelo intelectualista. A apren-
dizagem estaria em primeiro lugar, e a ação, depois. O que os estudos
objetivos passavam a demonstrar seria coisa diferente: uma necessi-
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dade, ou motivo, leva o individuo a agir, e na medida dessa atividade
própria é que faz aprender. Se o termo interesse for tomado como
sinônimo de motivo, os interesses precedem à ação. Se o distinguir-
mos, no entanto, do conceito de motivo, admitindo que haja inte-
resses resultantes da experiência, e isso é inegável, já não poderá ser
assim. (Lourenço Filho. 2002, p.232.)
Em que pese o papel secundário, quase inexistente, a que
Herbart foi relegado no debate pedagógico nacional, trata-se de
um autor clássico, assim como a obra que aqui serve de base para
esta antologia. Por clássico nos referimos, juntamente com Scheidl
(2003), àquelas obras que nos remetem às raízes da cultura, “obras
cuja mensagem se não esgotou e permanecem fontes vivas do
progresso humano”.
É o caso de Pedagogia geral deduzida da finalidade da educação,
que remete o leitor às raízes de temas bastante atuais, entre os
quais ressaltamos: a diferença e complementaridade entre ensino
e educação que sustenta o conceito herbartiano de ensino educativo
(para Lourenço Filho instrução educativa); e o tema da “ciência
pedagógica”, que para Herbart fundamentava-se na filosofia e
na psicologia.
O ensino como fundamento da educação, baseia-se no pleno
e múltiplo desenvolvimento do interesse, unificado por uma “ideo-
logia” sólida que permita, por outro lado, a formação integral do
caráter moral.
A grande e inequívoca influência de Pestalozzi no pensamento
de Herbart, refere-se à importância da experiência e da circunstân-
cia externa como aspectos determinantes dessa formação. Como
afirma Patrício:
O mundo exterior à consciência existe e é determinante para o ho-
mem e a sua educação.De resto, a própria consciência existe exterior-
mente ao ato da consciência de si e possui uma estrutura que é tão
real como a da natureza ou realidade externa. O real é real. É preciso
ter em conta, completamente e sempre, a realidade do real: este é
cerne da metafísica herbartiana. Esta postura tanto é válida para o
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mundo da psicologia como para o mundo da filosofia da natureza.
(Patrício, 2003, p. viii.)
À influência de Pestalozzi quanto a base da educação na expe-
riência, Herbart irá acrescentar o aprofundamento filosófico da sua
pedagogia, principalmente em Kant e Fitche. Para Herbart a educa-
ção corresponde ao aperfeiçoamento do caráter humano que se dá
por meio de um “processo de formação moral e cívica, a estruturação
– interna e externa – da personalidade” (Patrício, 2003, p. vii). Nesse
sentido, Patrício (2003) afirma que Herbart fundamenta filosofica-
mente sua pedagogia na ética, a ciência da moralidade.
Como indica Gomes (2003), Herbart substitui a intuição
pestalozziana pela “representação estética”, que será para ele, a prin-
cipal tarefa da educação:
A moralidade dependerá da convergência dos juízos estéticos e das
representações, convergência que só poderá conseguir-se por meio
de uma representação estética do mundo, que unifique as experiên-
cias. (Gomes, 2003, p. xix-xx.)
No que se refere ao fundamento filosófico da ciência pedagógica
herbartiana, podemos afirmar que se distingue da pedagogia con-
temporânea que “quer recusar a filosofia como alimento e extrair a
sua seiva exclusivamente da ciência” (Patrício, 2003, p. v).
O outro pilar da pedagogia científica de Herbat é a psicologia
que permitiria compreender o homem no seu ser, enquanto a éti-
ca, no seu dever-ser (Patrício, 2003). A psicologia forneceria o co-
nhecimento sobre a natureza do homem.
Conforme Patrício (2003), a psicologia de Herbart se radica-
ria na corrente do associacionismo:
No que toca à psicologia, a posição metafísica de Herbart radica-o na
corrente do associacionismo, na qual encontramos a figura de David
Hume, importante para Herbart como, por outros motivos filosófi-
cos, o foi para Kant. A psicologia de Herbart não é, com efeito,
aristotélica: a psicologia herbartiana não consiste no estudo da alma.
Também não contempla, por conseguinte, no estudo das faculdades
da alma, dado não existirem tais faculdades. Só existem as represen-
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tações, na sua estática e na sua dinâmica [...]. A psicologia é algo
como uma física do mundo da psique. (Ferreira, 2003, p. viii.)
Ao desenvolver o conceito de interesse Herbart evidencia o
associacionismo de sua psicologia. O interesse ocupa lugar central
na sua pedagogia, pois permite articular coerentemente as repre-
sentações. Do bom governo dos interesses, depende o sucesso do
processo de ensino educativo, para Herbart.
Ainda que Pedagogia geral não possa ser considerada o ponto
mais acabado de seu pensamento pedagógico, nela se encontram
já expostos todos os temas que depois são clarificados e amplia-
dos nas obras “maduras” que são Esboço de lições de pedagogia e 35
cartas pedagógicas (Gomes, 2003).
A antologia que se segue foi organizada a partir de quatro
temas gerais, estabelecidos com base nas principais contribuições
de Herbart para a pedagogia do seu tempo e da atualidade, pre-
sentes na obra Pedagogia geral derivada das finalidades da educação: a
educação e a pedagogia, o ensino educativo, a psicologia educa-
cional, e os educadores.
Não escapou a essa organização um olhar “interessado”, a
partir de questões e problemas que na atualidade ainda estão pre-
sentes no debate da área da educação os quais identificamos nesta
obra produzida no início do século XIX.
Ao longo de toda a antologia o leitor identificará outros temas
além dos escolhidos para organizar a apresentação. Temas relacio-
nados à didática, formação do indivíduo, relação teoria e prática,
individualidade, disciplina. Quanto a este último tema, vale lembrar
a distinção que Herbart faz entre disciplina e governo. A primeira
considerada como autodisciplina e a segunda como coerção externa.
Os trechos que compõem esta antologia são indicados pelo livro,
capítulo e página da edição portuguesa de 2003 da Pedagogia geral.
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A EDUCAÇÃO E A PEDAGOGIA3
Finalidade da educação
Aquilo que se pretende ao administrar e exigir educação depen-
de do ponto de vista de que se parte para encarar o assunto.
A maioria daqueles que educa não se preocupou em formar
previamente uma opinião sobre esta questão, a qual se vai forman-
do progressivamente ao longo do trabalho, constituindo-se a par-
tir de sua especificidade e em função da individualidade e meio
ambiente do educando. Se tiverem capacidade imaginativa, apro-
veitam tudo o que encontram para, a partir daí, descobrir atividades
e incentivos relativos ao objeto do seu cuidado. Se forem cautelo-
sos, excluem tudo o que é susceptível de prejudicar a saúde, a
bondade natural e as maneiras. Assim cresce um jovem com a
experiência de tudo aquilo que excluir perigo, que é ágil na ponde-
ração e na gestão do cotidiano e que é receptor de todos os senti-
mentos capazes de o influenciar no âmbito do círculo restrito em
que vive. – Se realmente cresceu assim, só podemos desejar-lhe
sorte. Os educadores, porém, não param de se lamentar sobre o
modo como as circunstâncias os afetaram negativamente, e ainda
relativamente aos empregados, aos parentes, aos companheiros,
ao intinto sexual e à universidade! É claro que, no caso, em que o
alimento intelectual é mais determinado pelo acaso do que pelo
3
Herbart, J. F. Pedagogia geral. Portugal, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Servi-
ço de Educação e Bolsas, 2003.
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engenho humano e com um fraco sustento, nem sempre é possí-
vel despontar uma robusta saúde capaz de fazer face às intempé-
ries! (Introdução, p. 7).
Contudo, sei de homens que conhecem o mundo sem dele
gostarem, os quais, é certo, não afastaram os seus filhos do mun-
do, mas que não os querem saber aí perdidos, partindo do princí-
pio que uma boa cabeça encontra o seu melhor mestre na sua
autossuficiência, na sua participação e no seu gosto, para em deter-
minada altura, ser capaz de se acomodar às convenções da socie-
dade, conforme quiser. Estes homens deixam os seus filhos apren-
der a ter conhecimento da natureza humana entre os seus compa-
nheiros, com os quais brincam ou entram em disputa. Eles sabem
que a natureza se estuda melhor na natureza, contanto que, em
casa, se tenha apurado, treinado e orientado a atenção querendo
que os seus cresçam no seio das gerações com que terão futuramen-
te que viver. Como é que isto se coaduna com a boa educação?
Perfeitamente, desde que as horas de aprendizagem (e, para mim,
são as horas em que o professor se ocupa séria e metodicamente
com os educandos) representam um trabalho intelectual capaz de
preencher interesses [...] (Introdução, pp. 9-10).
Porém, esse trabalho intelectual não se encontra, por mais que
uma pessoa hesite, entre a proximidade dos sentidos e os livros.
Pelo contrário, este trabalho intelectual poderá encontrar-se na re-
lação entre ambos. Um homem novo, sensível ao estímulo das ideias
e que tenha diante dos olhos a ideia de educação em toda a sua beleza
e dimensão – e que não receie expor-se por um tempo à comple-
xa alternância entre esperança e dúvida, entre aborrecimento e ale-
gria – este homem pode empreender a tarefa, no âmbito da pró-
pria realidade, de elevar um jovem a uma existência melhor, desde
que tenha capacidade mental e conhecimentos para olhar e representar, em
moldes humanos, essa realidade como fragmento da unidade global. Ele pró-
prio dirá que não é ele o verdadeiro e autêntico educador, mas sim
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a força de tudo aquilo que os homens foram alguma vez capazes de sentir,
experimentar e de pensar, que é na realidade o verdadeiro e autêntico
educador, digno do seu educando e ao qual foi apenas atribuída a
função de companheiro respeitável para uma interpretação com-
preensível do mundo (Introdução, p. 10).
Entenda-se, porém, o seguinte: cada um só aprende aquilo que ex-
perimentar! Um mestre de escola da aldeia nonagenário tem a expe-
riência de noventa anos de vida rotineira, tem o sentido do seu
longo esforço, mas será que também tem o sentido crítico dos
seus resultados e do seu método? (Introdução, p. 11).
Os resíduos das experiências pedagógicas são os erros cometidos pelo edu-
cando na idade adulta (Introdução, p. 12).
[...] Já se chegou ao ponto de não haver nada mais natural para
as melhores cabeças entre os mais jovens pedagogos – que se ocu-
pam da filosofia e que sabem bem que ao dar formação não se
pode rejeitar a capacidade de pensar – do que experimentar na edu-
cação a aplicabilidade ou a flexibilidade de uma verdade bem insi-
nuante para construir a priori os seus educandos, aperfeiçoá-los for-
temente e ensiná-los de forma mística – e, se a paciência faltar, rele-
gá-los como incapazes para preparação à iniciação. Os relegados
vão assim parar a outras mãos – e quais? – mas então já terão perdi-
do toda a sua frescura natural (Introdução, p. 13).
Desde já confesso não conceber a educação sem ensino, assim
como já referi previamente, pelo menos nesse escrito, que não con-
cebo um ensino que não eduque em simultâneo (Introdução, p. 16).
A educação através do ensino considera ensinamento tudo aquilo
que se apresenta ao jovem como objeto de observação. Inclui-se aqui
a própria disciplina a que ele é submetido (Introdução, p. 18).
Para a educação através do ensino, exigi ciência e capacidade
intelectual – uma ciência e uma capacidade intelectual tais, que se-
jam capazes de considerar e de representar a realidade próxima
como um fragmento do grande todo (Introdução, p. 19).
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Nas circunstâncias em que aquela arte do ensino não tem lu-
gar, torna-se extremamente importante investigar e, se possível,
orientar as origens das principais impressões existentes. Aqueles
que sabem reconhecer como o geral se reflete no particular serão
capazes de inferir do plano geral o que aqui se pode fazer, na
medida em que reconduzirem o homem à humanidade, o frag-
mento ao todo e reduzirem o grande ao cada vez mais pequeno,
de acordo com determinadas regras (Introdução, p. 26).
Aquele que pondera apenas a qualidade das impressões e não a
sua quantidade, desperdiça suas mais cuidadosas reflexões e as suas
medidas mais engenhosas. É certo que na alma humana nada se
perde, com a diferença de que na consciência está muito pouca coisa
presente ao mesmo tempo. Só o que é suficientemente forte e com
uma interligação múltipla é que se apresenta frequentemente à alma
e o que mais se salienta é que conduz à ação. No longo percurso da
juventude há tantos e tão variados momentos, cada um dos quais
afetando por si fortemente a alma, que mesmo o mais forte pode
ser subjugado, se com o tempo se não multiplicar ou for renovado em numerosas
outras manifestações. Só é perigoso aquilo que desanima o íntimo do
coração do educando contra a pessoa do educador, e isto, porque
as personalidades se multiplicam com cada palavra e em cada pers-
pectiva. Porém também isso pode de novo ser erradicado a tempo,
claro está, que não sem grande e delicado cuidado. Outras impres-
sões, por mais artificialmente motivadas que sejam, desequilibram
desnecessariamente a alma, a qual recua repentinamente com a sen-
sação de quem ri de um susto infundado.
É precisamente isto que nos reconduz ao ponto de só se con-
seguir dominar a educação, quando se for capaz de colocar na
alma do jovem uma ampla ideologia, intimamente interligada nas
suas diversas partes e capaz de sobrepor aos aspectos desfavorá-
veis do meio ambiente, mas também de dissolver e de reunir em si
o que for favorável ao meio ambiente (Introdução, pp. 25-26).
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A alma está em movimento contínuo. Por vezes, este movi-
mento é muito rápido. Outras vezes, quase não é perceptível. É
possível que, por um determinado tempo, se modifiquem apenas
um pouco as concepções simultaneamente presentes em grupos
inteiros. O resto mantém-se, em consideração ao qual, a alma fica
em descanso. O próprio modo do progresso está como que en-
volvido em segredo (Livro Segundo, cap. 1, p. 65).
[...] Aqueles que concordam comigo neste aspecto não de-
vem, no entanto, pensar que podem reivindicar a educação de
grandes caracteres pelo simples fato de darem plena liberdade às
crianças sem qualquer controle e sem qualquer formação! A educa-
ção é um todo de trabalho contínuo, que necessita de se percorrer
pontualmente de um extremo a outro. É inútil evitar apenas alguns
erros (Livro Primeiro, cap. 1, p. 34).
A forma como o educador sente quando se manifestam estes
ou outros modos de pensar no jovem, partilhar este modo de
sentir, corresponde a uma primeira saída da rudeza e ao benefício
mais direto da educação. Pressenti-lo, porém exige uma dolorosa
mudança dos próprios sentimentos, que já não está de acordo
com o homem maduro e que só é próprio e natural daquele que
se encontra ainda num período de duro esforço no caminho da
formação. Por isso, a educação é uma questão para homens no-
vos, que estão nos anos em que é maior a impaciência em relação
à crítica pessoal e em que é, na verdade, uma grande ajuda ter
perante si, voltando-se os olhos para uma idade mais jovem, o
manancial intacto das capacidades humanas, impondo-se como
missão tornar realidade o possível e, juntamente com o jovem,
educar-se a si próprio. Esta impaciência só pode desaparecer com
o andar dos tempos, quer por terem acontecido suficientes coisas
ou por se ter perdido a esperança e urgirem as ocupações. Com a
impaciência desaparece a força e a tendência para educar (Livro
Primeiro, cap. 1, p. 41).
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[...] A infelicidade da educação reside precisamente no fato de
estar de há muito extinta nos adultos aquela fraca luz que arde na
tenra infância. Por isso eles não servem para atiçar em chama (Li-
vro Segundo, cap. 4, p. 85).
Numa palavra, a finalidade da educação reparte-se pelos objeti-
vos do livre arbítrio (não do educador, mas do jovem, do futuro
homem) e pelos objetivos da moral. Estas duas rubricas desde logo se
impõem à mente da pessoa que se limite a recordar os mais conheci-
dos pensamentos de ética (Livro Primeiro, cap. 2, p. 47).
A arte de perturbar a paz de um espírito infantil – prendê-lo
pela confiança e pelo amor, para depois a pressionar ou provocar
a seu belo prazer e antecipar-lhe a inquietação dos anos que ainda
estão para vir – corresponderia, pois, à pior e à mais odiosa de
todas as artes, se não houvesse um fim a alcançar que pudesse
justificar esses meios precisamente aos olhos da pessoa de quem se
receia tal censura (Livro Primeiro, cap. 2, pp. 42-43).
“Um dia me agradecerás!”, diz o educador ao rapaz lavado
em lágrimas. Com efeito, só esta esperança pode desculpar s lágri-
mas que lhe provocou. – Contudo, ele que tenha cuidado e que
não use vezes demais nem com excessiva confiança meios tão for-
tes! Nem todas as boas intenções são reconhecidas e fica numa má
posição a pessoa que, com um deturpado zelo, atribui benefícios a
situações em que o outro só sente maldade! – Daí o aviso: não
educar demais – é preciso evitar o emprego desnecessário do poder,
através do qual se dobra e redobra, se domina o ânimo e se per-
turba a alegria. Perturbam-se igualmente as futuras recordações
alegres da infância e a alegre gratidão, que é a única forma autênti-
ca de gratidão (Livro Primeiro, cap. 2, p. 43).
A procura de uma unidade científica induz muitas vezes o in-
telectual a querer condensar ou deduzir artificialmente aquilo que,
em função da sua natureza, faz parte de uma sequência múltipla.
Chegou-se mesmo ao ponto de cometer o erro de fazer corres-
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ponder à unidade do conhecimento a unidade das coisas e a pos-
tular esta relativamente àquela! Este gênero de erros não afetam a
pedagogia, fazendo-se sentir tanto mais fortemente a necessidade
de poder formular num só pensamento a totalidade de uma ocupa-
ção tão múltipla nos seus aspectos e, no entanto, tão intimamente
ligada em todas as suas partes, como é o caso de educação, da qual
se depreende a unidade do plano e a força concentrada. – Se se consi-
derar, portanto, o resultado que se tem de obter da investigação
pedagógica para ser de completa utilidade, é-se levado a pressu-
por e a exigir para a unidade, de cujo resultado não se pode pres-
cindir, igualmente a unidade do princípio, a partir da qual decorre.
Assim sendo, há três pontos a considerar: em primeiro lugar, se é
que existe realmente um tal princípio, será que se conhece o méto-
do de construir uma ciência baseada num único conceito? Em
segundo lugar, se o princípio que porventura se apresenta, resulta
efetivamente toda a ciência? Em terceiro lugar, se esta construção
da ciência e a perspectiva que ela apresenta são as únicas, ou se
afunal há outras, ainda que menos metódicas, mas contudo, natu-
rais e que na se podem, por conseguinte, excluir completamente
(Livro Primeiro, cap. 2, p. 44).
[...] a perspectiva que põe o aspecto moral em primeiro lugar
é, na minha opinião, a principal finalidade da educação, embora
não a única e englobante. Acresce que, se porventura fosse conclu-
ído, o estudo pormenorizado, começando naquele ensaio, teria de
ser conduzido precisamente através de um sistema filosófico com-
pleto. (Livro Primeiro, cap. 2, p. 45).
Para a correta compreensão daquele ensaio será sobretudo
importante notar como a formação moral se liga com as restantes
partes da formação, ou seja, como ela pressupõe estas mesmas
como condições, e só com elas, pode ser criada com segurança.
Os leitores avisados certamente que reconhecerão com facilidade
que o problema da formação moral não é uma parte que se possa
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separar da educação integral, mas que se encontra numa relação
necessária e extremamente complexa com os restantes problemas
da educação [...] esta relação não abrange, no entanto, todos os as-
pectos da educação, a ponto de só termos razão para cuidar des-
tes aspectos, na medida em que se inserem neste contexto. Muito
mais se impõem outras perspectivas, como a do valor imediato
de uma formação geral que não temos o direito de sacrificar [...]
(Livro Primeiro, cap. 2, p. 45).
O objetivo da formação moral não pretende outra coisa se-
não que as ideias de justiça e bem, em toda o seu rigor e pureza, se
tornem os verdadeiros objetos da vontade, e que, de acordo com
elas, se determine o conteúdo íntimo e real do caráter, bem como
o cerne profundo da personalidade, relegando para último lugar
qualquer outra arbitrariedade. Se bem, todavia, que possam não
me compreender inteiramente quando refiro simplesmente as ideias
de justiça e de bem, há que notar que, felizmente, a ética se
desabituou de meias verdades, para se deixar por vezes condes-
cender sob a forma de hedonismo. (Livro Primeiro, cap. 2, p. 50).
Crítica à educação em Rousseau
Rousseau queria, pelo menos, endurecer o seu educando. Ele de-
finira para si mesmo um determinado ponto de vista, ao qual per-
maneceu fiel. Ele segue a natureza. Mediante a educação deverá ga-
rantir-se um desenvolvimento livre e alegre de todas as manifesta-
ções da vida vegetativa humana, desde a primeira infância ao matri-
mônio. A vida é o ofício que ele ensina. E, no entanto, vemos que ele
aprova a máxima do nosso poeta: “A vida não é o bem supremo!”,
pois sacrifica em pensamento toda a vida particular do educador,
que se dedica a companheiro constante do jovem! Uma educação
deste gênero é demasiado dispendiosa. A vida do acompanhante
vale, sem dúvida, mais que a do jovem, quanto mais não seja pelo
índice de mortalidade, uma vez que para o homem é maior a pos-
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sibilidade de sobrevivência do que para a criança. – Mas será simples-
mente viver assim tão difícil para o homem? Julgávamos que a plan-
ta humana se assemelhava à rosa: assim como a rainha das flores é a
flor que menos preocupa o jardineiro, também o homem seria ca-
paz de crescer em qualquer ambiente, de se alimentar de toda a
espécie de alimentos, de aprender mais facilmente, de se servir de
tudo e de tirar vantagem. Simplesmente o fato de educar um ho-
mem natural entre homens civilizados representa para o educador o
mesmo esforço que custaria ao educando continuar viver numa so-
ciedade tão heterogênea (Introdução, p. 8).
Crítica à educação em Locke
Quem, porventura, melhor sabe como comportar-se em so-
ciedade é o educando de Locke. Aqui o mais importante é o con-
vencional. Depois de Locke já não será preciso escrever um livro
sobre educação para os pais que destinam os seus filhos à socieda-
de. O que quer que acrescentasse degeneraria, provavelmente, em
artificialidade. Comprai por qualquer preço um homem grave, “de
boas maneiras, que conheça as regras de cortesia e de conveniência
com todas as variações resultantes da diferença das pessoas, dos
tempos e dos lugares, capaz de orientar constantemente o seu edu-
cando, na medida em que a idade deste o permita, no cumpri-
mento destas coisas”. Aqui, é forçoso uma pessoa calar-se. Seria
totalmente inútil argumentar contra a vontade de verdadeiros ho-
mens de sociedade, de querer converter igualmente os seus filhos
em homens de sociedade, uma vez que esta vontade se constitui
em virtude das impressões da realidade, sendo confirmada e re-
forçada através de novas impressões a cada novo momento. Bem
podem pregadores, poetas e filósofos transpor para prosa e verso
toda e qualquer consagração, leviandade ou formalidade, porque
um simples olhar em redor desfaz qualquer efeito, acabando essas
pessoas por parecerem atores ou sonhadores. – De resto, a edu-
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50
cação para o mundo tem possibilidade de êxito, uma vez que o
mundo está aliado aos homens da sociedade (Introdução, p. 8-9).
Crítica à educação convencional
A educação convencional procura prolongar os males atuais.
Criar homens naturais significa, porventura, repetir de novo todos
os erros já superados. Reduzir o horizonte do ensinamento e ad-
vertência ao imediato é uma consequência natural da própria limi-
tação, que não compreende nem é capaz de aproveitar o residual,
utilizando para tal argumentos cômodos, como seja, aquilo que
pedagogos meticulosos estragaram e o que se afigura demasiado
difícil para as crianças. No entanto, o primeiro é suscetível de ser
modificado, enquanto o segundo não é verdade (Introdução, p. 11).
O espírito da mesquinhez, que tão facilmente invade a educa-
ção, é-lhe altamente prejudicial. Existem duas espécies: a forma
mais comum tem a ver com o que é insignificante. Apregoa méto-
dos, quando não fez mais do que descobrir ninharias. A outra
espécie é mais sutil e sedutora: percebe o que é importante, sem
conseguir distinguir o efêmero do duradouro (Introdução, p. 25).
Claro está que o ensino dos nossos dias está ligado ao estado atual
(o que não quer dizer só dos nossos dias, mas também do passa-
do) das ciências, das artes e da literatura. Tudo depende do máxi-
mo aproveitamento do existente, um aproveitamento que se pode
ainda melhorar sem fim. No entanto, durante a educação vai-se de
encontro a milhares de desejos que ultrapassam a pedagogia, ou
antes que tornam perceptível, que o interesse pedagógico não é nada de
isolado e que resulta menos naqueles espíritos que só aceitam o en-
sino e toleram o convívio das crianças, porque qualquer ocupação
lhes era demasiado elevada e séria, querendo, no entanto, ser sem-
pre os primeiros.
O interesse pedagógico é apenas uma manifestação de todo o
nosso interesse pelo mundo e pelos homens, e o ensino concentra
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51
todos os objetos deste interesse – precisamente em direção ao ponto
onde se refugiam, por fim, as nossas tímidas esperanças – no seio da
juventude que é o seio do futuro. Fora disto, o ensino é certamente
vazio e sem qualquer significado (Livro Segundo, cap. 4, p. 81).
Governo, disciplina e educação
Governo
Poder-se-ia pôr em dúvida, se este capítulo faz ou não efetiva-
mente parte da pedagogia ou se não se deveria incluí-lo nas seções
da filosofia prática, que na realidade tratam do governo, uma vez
que é seguramente diferente de base a preocupação pela formação
intelectual daquela que se limita a querer manter a ordem. E se a primei-
ra tem o nome de educação, se precisa de artistas especiais que são
os educadores, se ao fim e ao cabo qualquer arte tem de ser separa-
da de todas as ocupações secundárias heterogêneas para que se che-
gue à perfeição mediante a força concentrada do gênio, não poderá
desejar-se menos à boa causa em questão, bem como ao rigor dos
conceitos, que se retire o governo das crianças àqueles a quem cabe
penetrar com seu olhar e com sua ação no íntimo das almas.
Porém, manter as crianças em ordem é uma fardo que os pais
de bom grado afastam de si, mas que pode porventura parecer a
alguns (que se vêm condenados a viver com crianças) como sendo
ainda a parte mais agradável dos seus deveres, pois que permite de
certo modo uma compreensão da pressão exterior através de um
pequeno domínio (Livro Primeiro, cap. I, p. 29).
Um governo que se satisfaça sem educar destrói a alma, e uma
educação que não se ocupe da desordem das crianças, não conhece-
ria as próprias crianças. De resto, não se pode dar uma única aula
em que se possa abdicar de tomar as rédeas do governo, quer seja
em mãos firmes ou brandas (Livro Primeiro, cap. 1, p. 30).
A criança vem ao mundo desprovida de vontade e, por
consequência, incapaz de qualquer relação moral. Os pais podem,
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52
por conseguinte (em parte voluntariamente, em parte por exigência
da sociedade) apropriar-se dela como se fosse de uma coisa. É certo
que eles sabem perfeitamente que naquele ser, que, no momento e
sem o questionar, tratam segundo o seu critério, se irá com o tempo
manifestar uma vontade que precisa de ser conquistada, se quiserem
evitar desentendimentos ilegítimos para ambas as partes. Há, po-
rém, um longo caminho a percorrer até aí. Primeiro, não se desen-
volve na criança uma autêntica vontade capaz de tomar decisões, mas
tão somente um ímpeto selvagem que a arrasta para aqui e para ali
que é de si um princípio de desordem:, contrariando as disposições dos
adultos e, inclusivamente, capaz de pôr em perigo de vária ordem a
pessoa futura da própria criança. Esta impetuosidade tem de ser
subjugada, senão a desordem terá de ser atribuída como culpa aos
que tratam da criança. A submissão processa-se através do poder e
o poder tem de ser suficientemente forte e repetir-se as vezes que
forem necessárias para ter completo êxito, antes que se manifestem na crian-
ça os traços de uma vontade própria. Os princípios da filosofia prática
assim o exigem (Livro Primeiro, cap. 1, p. 30-31).
Contudo, permanecem na criança as sementes deste ímpeto
cego, dos desejos rudes, que aumentam e até se fortalecem com os
anos e, para que não orientem a vontade num sentido contrário ao
da sociedade (a vontade que se ergue no meio deles), é necessário
mantê-las constantemente sob uma pressão sempre tangível (Li-
vro Primeiro, cap. 1, p. 31).
O adulto e aquele que chegou à idade da razão assumem natu-
ralmente com o tempo governarem-se a si próprios. Existem,
porém, também pessoas que nunca atingem esse ponto. A estas é
a sociedade que as mantém sob tutela, designando-as de loucas ou
de dissipadoras. Existem também aqueles que formam em si uma
vontade contrária à sociabilidade e a sociedade encontra-se com
eles numa disputa inevitável, acabando finalmente por submeter-
se ao que é justo em relação a elas. Esta disputa, porém, é um mal,
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de um ponto de vista moral, para a própria sociedade, podendo
ser contrariada através do governo das crianças, que é apenas uma
medida entre as muitas necessárias.
Percebe-se deste modo que é múltipla a finalidade do gover-
no das crianças, por um lado, para impedir prejuízos para tercei-
ros e para a própria criança, tanto de momento como de futuro e,
por outro, para impedir a disputa como desentendimento em si e,
finalmente, para evitar toda a espécie de choque, pelo que a socie-
dade, sem que tenha para tal plena autoridade, se veria envolvida
no conflito (Livro Primeiro, cap. 1, p. 31).
Porém, tudo converge para o fato de que este pequeno gover-
no não deve pretender alcançar uma finalidade na alma da criança,
mas apenas para o fato de pretender estabelecer a ordem. No
entanto, em breve salientaremos que, de modo algum, lhe pode
ser indiferente a cultura da alma da criança.
[...] A primeira medida de todo governo é a ameaça e todo
governo encontra aqui duas dificuldades: em parte, existem natu-
rezas fortes que desprezam qualquer ameaça, ousando tudo para
poder tudo querer. Em parte existe uma maioria ainda maior que
é fraca demais para memorizar a ameaça, sendo o medo superado
pelo desejo. Não se pode excluir esta dupla incerteza do êxito.
Os poucos casos em que o governo das crianças choca com o
primeiro obstáculo não são realmente de lamentar, enquanto não
for tarde demais, no sentido de aproveitar ocasiões tão propícias
para a própria educação. Porém, a fraqueza e o esquecimento (trans-
formam a simples ameaça em algo de tal modo inseguro, que se
considerou a muito o controle como o meio que o governo das
crianças menos poderia dispensar do que qualquer outra forma de
disciplina (Livro Primeiro, cap. 1, p. 32).
[...] Talvez seja suficiente lembrar em poucas palavras que o
controlo rigoroso e constante é igualmente incômodo, tanto para
o que observa como para o que é observado, costumando por
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isso mesmo ser rodeado por ambos de toda a astúcia e posto de
lado em qualquer ocasião propícia. Quanto mais se põe em práti-
ca, tanto maior é a sua necessidade, sendo extremamente perigoso
qualquer momento de omissão. Além disso, impede as crianças de
tomarem consciência de si mesmas, de se porem à prova e de
conhecerem mil coisas que jamais se podem incluir num sistema
pedagógico e que só podem encontrar através de uma busca indi-
vidual. Por fim, em virtude de todas essas razões, o caráter, que só
age a partir da vontade própria, ficará fraco ou deformado, conforme
a pessoa observada tiver encontrado mais ou menos recursos. Isto
diz respeito a um controlo prolongado, diz menos respeito aos
primeiros anos, bem como a períodos mais curtos de perigos especiais,
que podem, de resto, fazer do controlo um dever extremamente
exigente. Para estas circunstâncias que se devem considerar excepção,
urge escolher os vigilantes mais conscienciosos e incansáveis e não
verdadeiros educadores dos quais, neste caso, tanto mais se abusa-
ria quanto menos se pudesse supor que estes casos pudessem re-
presentar uma oportunidade de porem em prática a sua arte (Li-
vro Primeiro, cap. 1, p. 33).
Porém, se se quiser impor o controlo como regra, não se exija
agilidade, espírito inventivo, ousadia ou comportamento confiante
daqueles que crescem sob tal pressão. Deve esperar-se pessoas de
quem é próprio terem sempre a mesma “temperatura”, que se aco-
modam a uma monótona e indiferentes mudança de tarefas
estabelecidas, que evitam tudo o que é elevado e raro e que preferem
entregar-se a tudo o que cómodo e comum. – Aqueles que concor-
dam comigo neste aspecto não devem, no entanto, pensar que po-
dem reivindicar a educação de grandes caracteres pelo simples fato
de darem plena liberdade às crianças sem qualquer controlo e sem
qualquer formação! A educação é um todo de trabalho contínuo, que
necessita de se percorrer pontualmente de um extremo a outro. É inútil
evitar apenas alguns erros! (Livro Primeiro, cap. 1, p. 33-34).
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Livro didático psicologia herbart

  • 2. Alceu Amoroso Lima | Almeida Júnior | Anísio Teixeira Aparecida Joly Gouveia | Armanda Álvaro Alberto | Azeredo Coutinho Bertha Lutz | Cecília Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan Fernandes Frota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos Helena Antipoff | Humberto Mauro | José Mário Pires Azanha Julio de Mesquita Filho | Lourenço Filho | Manoel Bomfim Manuel da Nóbrega | Nísia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo Freire Roquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dória | Valnir Chagas Alfred Binet | Andrés Bello Anton Makarenko | Antonio Gramsci Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Célestin Freinet Domingo Sarmiento | Édouard Claparède | Émile Durkheim Frederic Skinner | Friedrich Fröbel | Friedrich Hegel Georg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich Jan Amos Comênio | Jean Piaget | Jean-Jacques Rousseau Jean-Ovide Decroly | Johann Herbart Johann Pestalozzi | John Dewey | José Martí | Lev Vygotsky Maria Montessori | Ortega y Gasset Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco Coordenação executiva Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari Comissão técnica Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente) Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle, Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas, Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero Revisão de conteúdo Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto, José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia Secretaria executiva Ana Elizabete Negreiros Barroso Conceição Silva HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:242
  • 3. Norbert Hilgenheger HERBART JOHANN Tradução e organização José Eustáquio Romão HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:243
  • 4. ISBN 978-85-7019-551-7 © 2010 Coleção Educadores MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de melhoria da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal e não formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites. A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia, estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98. Editora Massangana Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540 www.fundaj.gov.br Coleção Educadores Edição-geral Sidney Rocha Coordenação editorial Selma Corrêa Assessoria editorial Antonio Laurentino Patrícia Lima Revisão Sygma Comunicação Revisão técnica José Carlos Libaneo Ilustrações Miguel Falcão Foi feito depósito legal Impresso no Brasil Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca) Hilgenheger, Norbert. Johann Herbart / Norbert Hilgenheger; tradução e organização: José Eustáquio Romão. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 148 p.: il. – (Coleção Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-551-7 1. Herbart, Johann Friedrich, 1776-1841. 2. Educação - Pensadores – História. I. Romão, José Eustáquio. II. Título. CDU 37 HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:244
  • 5. SUMÁRIO Apresentação, por Fernando Haddad, 7 Ensaio, por Norbert Hilgenheger, 11 Herbart como filósofo, 12 A ideia de instrução educativa , 13 A concepção de ciência pedagógica em Herbart, 15 A gênese da ideia de “instrução educativa”, 17 O seminário pedagógico de Königsberg, 25 Um sistema inacabado, 29 A recepção (receptividade, acolhimento, contribuição) das ideias de Herbart, 31 Textos selecionados, 35 Introdução, 35 A educação e a pedagogia, 41 Finalidade da educação, 41 Crítica à educação em Rousseau, 48 Crítica à educação em Locke, 49 Crítica à educação convencional, 50 Governo, disciplina e educação, 51 Governo, 51 Disciplina, 60 Pedagogia, 88 HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:245
  • 6. 6 A psicologia da educação, 91 Individualidade, 91 O interesse, 99 Do interesse ao caráter moral, 106 O caráter moral, 111 Sobre os educadores, pedagogos e professores, 133 Saberes e conhecimentos necessários, 137 Cronologia, 141 Bibliografia, 145 Obras de Johann Friedrich Herbart, 145 Obras sobre Johann Friedrich Herbart, 145 Outras referências bibliográficas, 146 HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:246
  • 7. 7 O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa- dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo- car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla- nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da prática pedagógica em nosso país. Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti- tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co- leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai- ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas. Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os objetivos previstos pelo projeto. APRESENTAÇÃO HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:247
  • 8. 8 Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores* , o MEC, em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo- rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá- tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição para cenários mais promissores. É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci- de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe- ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga- ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni- versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em 1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros. Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa- do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em 1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi- bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu- cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova- ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza- das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios. * A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste volume. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:248
  • 9. 9 Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani- festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis- mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu- cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa- cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro- blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da educação uma prioridade de estado. Fernando Haddad Ministro de Estado da Educação HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:249
  • 11. 11 JOHANN FRIEDRICH HERBART (1776-1841)1 Norbert Hilgenheger2 Nos países de língua alemã, o pedagogo Johann Heinrich Pestalozzi teve dois grandes sucessores: Johann Friedrich Herbart e Friedrich Fröbel. Cheios de entusiasmo juvenil, os dois começa- ram seguindo o modelo fascinante do filantropo suíço. Cada um à sua maneira, ambos conseguiram mais tarde ir além do trabalho de Pestalozzi, abrindo à ação pedagógica novos caminhos, aliando estreitamente a teoria e a prática. Pestalozzi entrou para a história da educação como o pai dos órfãos de Stans (Suíça) e o fundador da nova escola primária. Fröbel, além de sua filosofia pedagógica romântica, deu ao mun- do o termo “jardim da infância”. O perfil do educador e pensa- dor pedagógico J. F. Herbart pode, também, ser delineado a partir de um ponto central marcante, a ideia de instrução educativa. Foi sua experiência de professor e educador que levou Herbart a esta ideia principal de sua teoria pedagógica, verdadeiro traço de união entre seu sistema filosófico e sua “pedagogia”. 1 Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée. Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 24, n.1-2, pp. 307-320, 1994. 2 Norbert Hilgenheger (Alemanha) estudou educação, filosofia, matemática e física nas universidades Colônia e Viena. Entre 1968 e 1981, lecionou filosofia e educação nas universidades de Colônia e Wuppertal. Desde 1981 é professor de Systematic Pedagogics na Universidade de Colônia. Suas publicações incluem Herbart’s ‘Allgemeine Pädagogik’ als praktische Überlegung: eine argumentationsanalytische Interpretation. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2411
  • 12. 12 Herbart como filósofo Johann Friedrich Herbart nasceu em 4 de maio de 1776 na cida- de de Oldenburg, situada ao norte da Alemanha, e morreu em 11 de agosto de 1841 na cidade universitária de Göttingen. Entre 1794 e 1797, foi aluno do filósofo Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) na Universidade de Iena. No entanto, o jovem Herbart rapidamente tomará distância da “teoria da ciência” e da filosofia prática de seu mestre. No terreno fértil das contradições do pensamento idealista, fará germinar sua própria filosofia realista. Herbart, no entanto, per- manecerá em sua vida inteira fiel ao rigor intelectual de seu mestre Fichte, tentando, a exemplo dele, apresentar os elementos mais im- portantes de sua reflexão sob a forma de “deduções”. As principais obras filosóficas de Herbart são: Hauptpunkte der Metaphysik [Elementos essenciais da metafísica] (1806); Allgemeine Praktische Philosophie [Filosofia prática geral] (1808); Psychologie als Wissenschaft: neugegründet auf Erfahrung, Metaphysik und Mathematik [A psicologia como ciência, novamente fundada na experiência, na metafísica e nas matemáticas] (1824-1825) e Allgemeine Metaphysik nebst den Anfängen der Philosophischen Naturlehre [Metafísica geral com os primeiros elementos de uma filosofia das ciências da natureza] (1828-1829). Em sua metafísica, Herbart retoma a doutrina das mônadas de Gottfried Willhelm Leibniz. Levando em consideração os proble- mas levantados por Immanuel Kant na Crítica da razão pura, Herbart busca em suas deduções metafísicas apreender o real pelos concei- tos. A metafísica de Herbart compreende, especialmente, uma psi- cologia minuciosamente elaborada, que se tornou um marco na his- tória desta disciplina. Herbart foi o primeiro a utilizar com uma lógica implacável os métodos do cálculo infinitesimal moderno para resolver problemas da pesquisa filosófica. Segundo ele, a psicologia tem suas raízes na experiência, na metafísica e nas matemáticas. Sua ambição foi renovar, na psicologia, a proeza que Isaac Newton ha- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2412
  • 13. 13 via realizado na física. Embora a investigação psicológica empírica do século XIX não o tenha acompanhado, sua psicologia exerceu uma influência inegável na psicologia empírica de Wilhelm Wundt, por exemplo, e (ou) na psicanálise de Sigmund Freud. A filosofia prática de Herbart se caracteriza pelo fato de os juízos morais serem interpretados como julgamentos estéticos par- ticulares. Os juízos morais expressam aprovação ou reprovação com base nas manifestações da vontade. As ideias morais não pas- sam de juízos estéticos com base nas manifestações elementares da vontade. Os juízos morais da vida cotidiana podem ser corrigidos em função de ideias éticas de perfeição, de liberdade interior, de boa vontade, de direito e de equidade. Herbart exerceu, principalmente, suas atividades em Berna, na Suíça, de 1797 a 1800, em Bremen de 1800 a 1802, em Göttingen de 1802 a 1809, em Königsberg de 1809 a 1833 e, de novo, em Göttingen de 1833 a 1841. Na Suíça, foi preceptor, em Bremen foi pesquisador independente e deu aulas particulares, em Göttingen e Königsberg foi professor de filosofia e de pedagogia. No início de 1809, foi chamado à Universidade de Königsberg para tornar- -se o segundo sucessor de Immanuel Kant. Königsberg queria um filósofo de alto nível científico que fosse, também, um especialista da pedagogia. Foi nesse espírito que o rei da Prússia, Friedrich Wilhelm III, aprovou a nomeação de Herbart para Königsberg: Eu aprovo de bom grado a nomeação do professor Herbart de Göttingen à cátedra de filosofia de nossa universidade, na qual pode- rá contribuir de maneira particularmente útil na melhoria do sistema educativo segundo os princípios de Pestalozzi. (Kehrbach, 1897- 1912 [K 14], p. 13.) A ideia de instrução educativa Entre os anos de 1802 e 1809, Herbart já havia conseguido, graças a numerosas publicações, a ganhar reputação não somente como filósofo, mas também como pedagogo. Em 1802 aparecia HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2413
  • 14. 14 Pestalozzis Idee eines der ABC Anschauung [A ideia de um ABC da intui- ção de Pestalozzi], seguido em 1804 de Über die Ästhetische Darstellung der Welt als das Hauptgeschäft des Erziehung [Sobre a representação esté- tica do mundo como objeto principal da educação], 1804) e, em 1806, d’Allgemeine Pädagogik aus dem Zweck der Erziehung abgeleitet [Pe- dagogia geral derivada do fim da educação]. A pedra angular da doutrina pedagógica de Herbart, baseada na experiência e na refle- xão filosófica, é a ideia de instrução educativa. Assim como os prá- ticos e os teóricos que o precederam, Herbart distingue entre edu- cação (Erziehung, em latim educatio) e instrução (Unterricht, em latim instructio). A educação se preocupa em formar o caráter e aprimorar o ser humano. A instrução veicula uma representação do mundo, trans- mite conhecimentos novos, aperfeiçoa aptidões preexistentes e faz despontar capacidades úteis. A reforma pedagógica de Herbart re- voluciona a relação entre educação e instrução. Nasce, assim, um novo paradigma do pensamento e da ação pedagógicas. Antes de Herbart, ocupava-se, primeiro, das questões de educa- ção e de instrução separadamente. Somente num segundo mo- mento surgiu a preocupação em saber como a instrução poderia apoiar-se na educação e vice-versa. Em sua teoria pedagógica, ao contrário, Herbart ousa subordinar a noção de instrução à de educação. Para ele, o meio educativo mais eficaz não é o recurso à punição ou à humilhação, por exemplo; uma educação coroada de êxito seria, com certeza, aquela que se assentasse numa instrução adequada. A instrução, diz Herbart, é o “objeto principal da educação”. Tendo refletido, aprendido e experimentado por si mesmo, Herbart convenceu-se dos efeitos surpreendentes da instrução educativa: o homem para quem a instrução terá dotado de um “interesse múl- tiplo” poderá fazer com facilidade tudo o que “após madura re- flexão”, ele “quererá” fazer. Seu ideal moral lhe aparecerá com maior clareza e, para realizá-lo, poderá entregar-se (fiar-se) ao seu desejo de aprender mais e à “força do seu caráter”. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2414
  • 15. 15 Toda atividade pedagógica de Herbart como preceptor em Berna, conselheiro pedagógico em Bremen, professor de filosofia e pedagogia nas universidades de Göttingen e Königsberg, bem como diretor do instituto de pedagogia experimental anexo à Universidade de Königsberg, foi impregnada da ideia de instru- ção educativa. Nas páginas que se seguem, tentaremos mostrar como Herbart desenvolveu, progressivamente, essa noção de instrução educativa e como esta ideia central de sua filosofia pedagógica perpetuou-se até nossa época. Os fios condutores biográficos, teóricos e práti- co-pedagógicos permitirão traçar um “perfil” que destacará a con- tribuição de Herbart ao progresso da reflexão pedagógica e à re- forma da ação pedagógica. A concepção de ciência pedagógica em Herbart Em 1796, um colega suíço da universidade de Iena consegue para Herbart um posto de preceptor em Berna, na Suíça. Lá, Herbart juntou-se a um círculo de amigos que, como ele, acolhiam com entusiasmo as ideias pedagógicas de Pestalozzi e procura- vam, além disso, entrar em contato pessoal com ele. Em um escri- to de 1802, Herbart recorda para suas leitoras e leitores o estágio que fez junto a Pestalozzi: Uma dezena de crianças de cinco a oito anos foi chamada à escola em uma hora incomum da noite. Eu receava encontrá-las de mau hu- mor e ver fracassar a experiência que eu tinha vindo observar. Mas as crianças vieram de muito bom grado, e uma atividade animada pros- seguiu regularmente até o fim. (Herbart, 1982a, p. 65.) Herbart descreve, em seguida, como Pestalozzi convida as crianças a utilizar, ao mesmo tempo, sua boca e suas mãos, a reci- tação coletiva como um método de aprendizagem da elocução, oferecendo-lhes objetos que devem facilitar a aprendizagem da escrita. Os conhecimentos que a experiência adquirida na Suíça trouxe ao jovem preceptor não são as únicas raízes de sua doutri- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2415
  • 16. 16 na pedagógica. Elas são acompanhadas de reflexões pedagógicas inspiradas em Fichte e Pestalozzi, nas quais um pensador da estatu- ra de Herbart fará imprimir sua marca pessoal. Para Herbart, há duas vias convergentes da reflexão pedagó- gica. A primeira, do pensamento pedagógico analítico, tem como ponto de partida a experiência e as experimentações pessoais. Ela conduz, num primeiro momento, ao empirismo pedagógico e, em seguida, à pedagogia filosófica. Seguindo esta via, as noções que dominam o campo de experiência do neófito são “decanta- das” à medida de seu aprofundamento e explicitados por um racio- cínio filosófico progressivo. A reflexão pedagógica deste tipo re- duz a filosofia a um estado de dependência, ainda que parcial, em relação à pedagogia. A segunda via, a do pensamento especulativo e sintetizante, parte de princípios de um sistema filosófico preestabelecido e, no seu desenvolvimento, leva a uma doutrina pedagógica teórica e prática. Desta forma, a pedagogia torna-se, ao contrário, tributária da filosofia, em particular, da filosofia e da ética. Em suas publicações pedagógicas, o jovem Herbart teria dado preferência, com poucas exceções, ao desenvolvimento (encami- nhamento) pedagógico-analítico. Visto que, perto da metade de sua vida, ele havia desenvolvido e formulado as grandes linhas de seu sistema filosófico, Herbart colocará o raciocínio especulativo e sintetizante em primeiro plano. Entretanto, não conseguiu termi- nar a apresentação de sua filosofia da educação em sua totalidade. Adotando uma ou outra das vias da reflexão pedagógica, ele evoca, ao mesmo tempo, os “fins” e os “meios” da educação. Exa- mina os fins sob o ângulo da ética, ao passo que os meios são estu- dados numa perspectiva psicológica. Em sua Pedagogia geral, sua obra pedagógica principal datada de 1806, Herbart descreve esta consubstancialidade em que as duas abordagens devem igualmente ser consideradas: HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2416
  • 17. 17 A reflexão prática sobre a intenção que deve guiar o educador em sua obra e que, para o movimento, comporta regras de conduta que devemos escolher em função dos conhecimentos adquiridos até o presente é, para mim, a primeira metade da pedagogia. Ela deveria acompanhar-se de uma segunda metade, na qual a possibilidade da educação seria exposta teoricamente e apresentada como limitada em razão da variabilidade das circunstâncias (Herbart, 1982b, p. 22). Se tivesse sido completado, o sistema pedagógico de Herbart se comporia, assim, de duas partes ligadas (vinculadas), respectiva- mente, à ética e à psicologia. As duas partes podem ser desenvol- vidas tanto analiticamente (partindo da experiência pedagógica) quanto sinteticamente (partindo de princípios filosóficos). O ra- ciocínio analítico e o sintético convergem para um mesmo ponto. A gênese da ideia de “instrução educativa” A doutrina da instrução educativa compreende, também, duas partes e pode ser apresentada sob um duplo aspecto. Os objetivos da instrução educativa são tratados na parte dedicada à ética; o texto de referência é a Pedagogia geral derivada do fim da educação escri- ta em 1806. Os meios educativos e, em particular, a instrução, são o objeto da parte psicológica. Aí, os textos de referência são um escrito de juventude intitulado Sobre a representação estética do mundo como objeto principal da educação e as Cartas sobre a aplicação da psicologia na pedago- gia, escritos em 1832, mas publicado após sua morte. A ética nos mostra como as reflexões inicialmente confusas sobre os objetivos da educação podem ser explicitadas à luz das ideias morais. A virtude, “força moral do caráter”, é, segundo Herbart, o fim supremo da educação. Quanto à psicologia, ela possibilita responder à questão de saber como a educação é pos- sível; então, nesse caso, tem por tarefa paradoxal levar o aluno a agir de maneira autônoma exercendo sobre ele influências deter- minadas “do exterior”. A resposta de Herbart à questão das ra- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2417
  • 18. 18 zões pelas quais a educação é possível, pode ser resumida na se- guinte fórmula: a educação só é possível como formação de um espírito passível de ser formado, ou seja, por meio de uma ins- trução adequada. O raciocínio analítico de Herbart se funda na experiência e na experimentação. A experiência adquirida pelo jovem preceptor na família do oficial de justiça Steiger em Berna o levou a pensar sobre o fim da educação à luz das ideias morais. Ele se sentiu, também, obrigado não só a examinar a possibilidade da educação de um ponto de vista teórico, mas ainda a trazer a prova prática de que era realmente possível “educar pela instrução”. A tarefa do preceptor Herbart consistia não somente em ins- truir três rapazes com catorze, dez e oito anos nas línguas clássicas, na história, na matemática e nas ciências naturais, mas, igualmente em “educá-los”. Os Relatórios para Karl Friedrich Steiger (Herbart, 1982a, pp. 19 e ss.) mostram bem a contribuição que as relações de Herbart com seus alunos trouxeram à formação do conceito de “instrução educativa”. No início, Herbart tinha tentado exercer uma influência direta sobre o desenvolvimento do caráter de seus alunos. Logo, porém, constata, ao menos em relação a Ludwig que já estava, então, com 14 anos, que não teria o sucesso esperado. Disto concluiu que de- veria doravante “dirigir-se ao entendimento de Ludwig” (Herbart, 1982a, p. 23). Era a única maneira de afastar o perigo de ver as disposições de modo algum más de Ludwig, se congelarem em um “egoísmo sábio (sensato, cauteloso), refletido e obstinado (per- sistente)”. Segue-se, então, o que se pode considerar como a pri- meira descrição da instrução educativa. Em Ludwig, a única opor- tunidade que se poderia ainda jogar para formar seu caráter seria seu entendimento enquanto capacidade passiva de apreender aquilo que lhe é apresentado lentamente (vagarosamente) após tê-lo bem preparado e a esperança de que esta fraca centelha fará um dia surgir a HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2418
  • 19. 19 reflexão autônoma ativa e a aspiração de viver conforme os seus ensinamentos. (Herbart, 1982a, p. 23.) A instrução educativa que o jovem preceptor dirige ao enten- dimento de seus alunos tinha dois componentes principais: um, estético e literário, outro matemático e científico (“a poesia e as matemáticas”, como ele dizia, para simplificar). Herbart inculcou em seus alunos capacidades linguísticas surpreendentes, assim como um excelente conhecimento de história e de literatura clássica da Antiguidade. Deu-lhes uma bagagem matemática sólida e até, um feito extraordinário para a época em torno de 1800, uma iniciação aos métodos experimentais das ciências da natureza que estavam se constituindo. No entanto, esta instrução não era educativa ape- nas porque Herbart sempre subordinou os múltiplos fins do ensi- no estético e literário e do ensino matemático e científico à forma- ção do caráter. Herbart educou, sobretudo fazendo deliberadamente de seu ensino o meio essencial da educação moral. A instrução visa, antes de tudo, a fazer convenientemente “com- preender” o mundo e os homens. Esta “compreensão do mun- do” guiada pelo ensino, no entanto, não serve apenas à transmis- são de conhecimentos e à formação de aptidões e qualificações; ela está, prioritariamente, a serviço da “tomada de consciência moral” e do “reforço do caráter”. Pela instrução se exerce uma influência na formação do caráter. Herbart distingue quatro etapas da educação moral, indo da compreensão do mundo ao com- portamento moral: “... as ideias se transformam em emoções que, por sua vez, se transformam em princípios e modos de agir” (Herbart, 1982b, p. 23). Em uma passagem posterior da Pedagogia geral, ele aborda as quatro etapas que são: o “juízo moral”, o “ca- lor (ânimo) moral”, a “decisão moral” e a “disciplina moral” (Herbart, 1982b, p. 108). Este encaminhamento da educação moral encontra sua justifi- cativa na psicologia de Herbart, sobrepondo-a à mais antiga psi- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2419
  • 20. 20 cologia das faculdades. Herbart não considera mais o conheci- mento, a sensibilidade e a vontade como faculdades ou forças independentes, ao contrário, a vontade e a sensibilidade tem seu lugar no espírito. A força de vontade e a constância do comporta- mento são vistas como fenômenos que se explicam pela estabili- dade das estruturas cognitivas. Inversamente, a falta de seriedade e a incoerência do comportamento se devem ao fato de contextos de comportamento do mesmo tipo receberem interpretações di- ferentes. A estabilidade da vontade humana é, portanto, função de um horizonte cognitivo estruturado. No pano de fundo desta teoria psicológica, a instrução apare- ce como o único meio que garante temperar duravelmente o cará- ter. Entretanto, a instrução educativa somente garante bons resul- tados se sua metodologia respeitar a individualidade do aluno. É, portanto, na metodologia da instrução que são depositadas as mais altas ambições. Uma multidão de conhecimentos, aptidões e talen- tos úteis, devem ser transmitidos de tal forma que as qualificações assim adquiridas sejam o fundamento e o instrumento da virtude. Herbart resolveu o problema do método pedagógico basean- do-se em sua doutrina psicológica do “Interesse”. O interesse, como o desejo, é considerado como uma atividade mental, embora de intensidade menor. O interesse cria as primeiras ligações entre o sujeito e o objeto e determina, assim, o “horizonte” do homem como campo daquilo que ele percebe ou não do mundo. Ao con- trário do desejo, que pode ser aumentado pelo interesse, o interes- se não dispõe ainda de seus objetos. Herbart define a estrutura ideal do interesse pelo termo “multi- plicidade”. O interesse se forma assim que o sujeito apreende uma “multiplicidade” de objetos “em profundidade” e liga os traços que estes aprofundamentos deixaram em sua memória por meio de uma “rememoração” global. Um interesse no qual nenhum aspecto particular teria se desenvolvido, permanece em um estado HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2420
  • 21. 21 bruto. Um interesse em que apenas aspectos isolados são desen- volvidos permanece “unilateral”. O interesse múltiplo (polivalente) é aquele no qual todos os aspectos se harmonizam, formando um todo. Isso tudo não deve variar segundo os indivíduos, ao contrá- rio, os interesses respectivos múltiplos devem se harmonizar de tal modo que cada indivíduo seja receptivo a todas as formas de atividade que caracterizam o homem como um ser espiritual. Com essa noção de interesse múltiplo (polivalente), Herbart adere à concepção de humanismo corrente à sua época. A forma- ção do interesse múltiplo (polivalente) é uma formação de acordo com o humanismo. Herbart menciona seis orientações do espírito humano (do humanismo): no âmbito do conhecimento, distingue um interesse empírico, um interesse especulativo e um interesse estético; no âmbi- to das relações humanas (“simpatia”), ele opõe o interesse voltado aos indivíduos aos interesses sociais e ao interesse religioso. Com sua fórmula de “interesse múltiplo” (polivalente), Herbart traduziu a expressão consagrada em sua época “desenvolvimento harmonio- so das forças humanas”, na linguagem de sua própria psicologia. O interesse pela instrução educativa apresenta uma grande importância de um duplo ponto de vista. De um lado, este interes- se “múltiplo” (polivalente) é um objetivo intermediário extrema- mente importante da instrução educativa. Com efeito, apenas um interesse múltiplo pode conferir (dar) à vontade esta facilidade interior necessária sem a qual o homem cultivado não poderia realizar aquilo que seu julgamento lhe faz querer realizar. De outro lado, o interesse não tem somente um papel de objetivo, é tam- bém meio: é a única força de impulsão que consente a instrução educativa, pois, apenas um interesse permanente permite ampliar constantemente e sem esforço o círculo de ideias, de explorar o mundo e estimular uma simpatia calorosa pelo destino do outro. Assim, o “pecado capital do ensino” é o tédio. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2421
  • 22. 22 Dizíamos que a instrução educativa incluía “poesia e matemá- ticas”. O ensino da literatura tem por função suscitar um interesse vivo pelos sentimentos do outro. No início, o ensino tem uma missão específica de apresentar aos olhos das crianças, com base na poesia, relações humanas tão simples quanto possível. Quando havia um interesse suficiente para as línguas antigas, Herbart come- çava a formação estético-literária pela leitura de Homero, especial- mente da Odisseia. Contudo, esta iniciação às línguas antigas servia, inicialmente, para apresentar as relações humanas e, só depois, para ensinar a língua. A iniciação às matemáticas também era orientada para a for- mação do caráter, embora isso estivesse longe de ser seu fim ex- clusivo. Em seu tratado de 1802, A ideia de um ABC da intuição de Pestalozzi, Herbart esboçou não apenas um programa de iniciação às matemáticas ultramoderno para sua época, mas também res- pondeu à questão de saber em que o “ensino” das matemáticas deve contribuir para a “educação”. Não é somente pela sua utili- dade prática ou sua importância tecnológica que as matemáticas devem figurar no programa, mas, sobretudo, porque é um meio de exercer a atenção. O comportamento moral exige, em especial, que se preste uma atenção firme aos sentimentos do outro. A dis- posição à atenção não deve, contudo, ser desenvolvida em conta- to com os objetos da arte ou da literatura. Com efeito, se os exer- cícios de atenção estivessem apoiados nas relações humanas, eles destruiriam todo sentimento de simpatia pelas personagens apre- sentadas; pela mesma razão, a instrução religiosa não constitui um quadro (situação) conveniente aos exercícios de atenção. Em 1804, Herbart completa a segunda edição de A ideia de um ABC da intuição de Pestalozzi, com um texto intitulado Sobre a repre- sentação estética do mundo como objeto principal da educação. O próprio título deste escrito indica que, mais uma vez, é da instrução educativa que se trata antes de tudo: o objeto principal da educação é a HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2422
  • 23. 23 “representação estética do mundo”, ou seja, um ensino da literatu- ra, da arte e da história, em que os conteúdos devem ser apresen- tados de forma a possibilitar um encadeamento de ideias, senti- mentos, princípios e atos. Ainda que o ensino das matemáticas predisponha à concepção teórica do mundo, o da literatura, da arte e da história deve prestar-se à apreensão estética do mundo: Uma tal representação do mundo, de todas as suas partes e de todas as épocas conhecidas, visando impedir as más impressões de um meio desfavorável, poderia com razão ser tomada como o principal objeto da educação no qual a disciplina, que desperta o desejo ao mesmo tempo em que o domina, só serviria como preparação necessária. (Herbart, 1982a, p. 115.) A ideia da instrução educativa, que Herbart desenvolverá em sua Pedagogia geral de 1806, é complementar à de “representação esté- tica”. Herbart não exclui a possibilidade, ou a utilidade, de um ensino não educativo. Contudo, na Pedagogia geral ele afirma: “E con- fesso que não posso conceber educação sem a instrução; ao contrá- rio, não reconheço nenhuma instrução que não seja educativa” (Herbart, 1982b, p. 22). Em sua Representação estética, Herbart demonstrara que uma edu- cação sem instrução está, como regra geral, condenada ao fracas- so. Em sua Pedagogia geral, ele explicita os traços do ensino que permitem, com segurança, atingir os objetivos da formação do caráter. A instrução educativa apoia-se na curiosidade natural da criança, ou seja, no interesse que ela traz do mundo e dos seus semelhantes. Baseia-se nas experiências de aprendizagem anterior trazidas pela criança. A instrução virá unicamente aperfeiçoar esta bagagem preexistente. Às vezes, ela procura completá-las por meio de “simples” representações (“ensino puramente descritivo”); mas a instrução tem, igualmente, por missão dissecar o que já foi apren- dido (“ensino analítico”), ela deve, então, sobretudo, permitir ela- borar, a partir de elementos dados, novos conjuntos conceituais (“ensino sintético”). HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2423
  • 24. 24 Em um texto circunstancial de 1818 intitulado Avaliação pedagó- gica de classes escolares, Herbart fez, mais uma vez, uma excelente exposição sobre as características da instrução educativa que a dis- tingue do ensino tradicional tanto pela escolha de seus objetivos quanto dos seus meios. O ensino tradicional tinha por finalidade inculcar no aluno o máximo de conhecimentos e de competências (saber-fazer) úteis. Seu objetivo era o “treinamento” e a “qualifi- cação” do aprendiz (Herbart, 1982c, p. 91). A instrução educativa, por sua vez, destinava um lugar central àquilo que tinha sido consi- derado até então, no melhor dos casos, como uma das motivações para o estudo, ou seja, o interesse: Certamente o mestre deve, segundo um preceito bem conhecido, procurar interessar os alunos no que lhes ensina. No entanto, este preceito é geralmente definido e percebido como se o estudo fosse o fim e o interesse o meio. Quanto a mim, eu inverto essa relação. Os estudos devem servir para fazer surgir o interesse para seu objeto. Os estudos só devem durar um certo tempo, enquanto que o interesse deve subsistir durante toda a vida. (Herbart, 1982c, p. 97.) Este interesse que continua presente por toda a vida torna-se, então, um meio de chegar a um fim mais alto: não serve apenas de base para a aquisição de tal ou qual aptidão ou faculdade, mas, sobretudo para “consolidar o caráter moral” (Herbart, 1982c, p. 99), que é o fim último da educação. Herbart definiu, como se sabe, a estrutura do interesse, objetivo para o qual deve tender a instrução, como uma “multiplicidade de interesses”. A formação para o humanismo é uma formação para a plenitude da vida espiritual e, portanto, à multiplicidade de interesses. É na harmonia dos interesses que reside a cultura múltipla. Isto não é o apanágio do homem que percorreu o mundo por terra ou por mar. Ele poderia cansar-se dela, e é justamente o desgosto pelas coisas e pelas ocupações e o aborrecimento que constituem esta de- pravação e esta indiferença que são o adversário, e até o inimigo mais cruel, da cultura e do interesse. A saúde da vida mental exige calma e disponibilidade; ora, essas duas coisas se encontram no interesse. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2424
  • 25. 25 Quanto mais isto se der de forma variada e persistente, maior será a riqueza da vida espiritual. Qualquer um que entenda outra coisa pela palavra cultura poderá conservar seu vocabulário, mas suas ideias deverão ser banidas da pedagogia. (Herbart, 1982c, p. 99.) Embora considerado como o fim da aprendizagem pela ins- trução educativa, o interesse conserva sua função de meio, que aí encontra o seu valor. Com efeito, apenas um ensino interessante pode contribuir para o desenvolvimento do interesse. O treina- mento e as qualificações podem ser obtidos pelo constrangimento ou pela autodisciplina, enquanto que o desenvolvimento do inte- resse múltiplo não pode ser outra coisa a não ser o fruto de uma motivação interna. O interesse do aluno é o fio de Ariadne ao longo do qual a instrução educativa avança regularmente: A cada momento, a mente do aluno progride numa determinada direção e numa determinada velocidade. Esse é o efeito do ensino ministrado até o presente, e isso indica ao mestre a direção e a veloci- dade que ele deve, doravante, a ir em frente. (Herbart, 1982c, p. 101.) O seminário pedagógico de Königsberg As considerações pedagógicas de Herbart são ainda mais convin- centes para aqueles que estão constantemente preocupados em se nu- trir de referências à experiência prática. A Pedagogia geral de 1806 é fundada na experiência do preceptor que, mesmo após ter deixado Berna, a colocou sempre à prova em seu ensino privado. O ponto de vista de um preceptor é, todavia, diferente daquele de um mestre- escola. É possível que a instrução educativa dê excelentes resultados num quadro familiar, mas fracasse nas condições mais difíceis da vida escolar. Desse modo, não seria muita ousadia colocar a ideia da instru- ção educativa no centro de uma de pedagogia “geral”? O único meio de refutar a objeção consiste em mostrar, pela experiência, que uma instrução educativa “escolar” pode também ser bem-sucedida. Quando Herbart aceitou, em 1809, o convite que lhe dirigia a universidade de Königsberg, expressou o desejo de não simples- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2425
  • 26. 26 mente dar cursos de filosofia e pedagogia, mas fundar, também, uma pequena escola experimental: Entre minhas ocupações, o ensino da pedagogia me é particular- mente caro. Mas isso exige mais do que um simples ensino; é neces- sário, também, que ele se torne o objeto de demonstrações e de exercícios. Além do mais, eu queria prolongar a série de experiências realizadas por quase dez anos. É por isso que considero, já há algum tempo, a possibilidade de eu mesmo dar uma hora de ensino a um pequeno grupo de meninos convenientemente escolhidos, por vol- ta de uma hora por dia, na presença de jovens que seriam familiariza- dos com minha pedagogia e que poderiam, pouco a pouco, tentar, diante de mim, revezar comigo a aula e prosseguir o que eu havia começado. Dessa forma, seriam progressivamente formados mes- tres cujo método deveria se aperfeiçoar graças à observação mútua e à troca de experiências. Sabendo-se que um programa não é nada sem mestres, e por isto entendo mestres imbuídos do espírito deste programa e tendo adquirido o domínio do método, uma pequena escola experimental tal como eu imagino poderia ser a melhor prepa- ração para um dispositivo futuro de maior envergadura. Conforme diz Kant, primeiro escolas experimentais, depois escolas normais. (Herbart, 1982c, p. 11.) A proposta de Herbart encontrou acolhida favorável na Prússia de 1809: a reforma do sistema educativo era considerada parte integrante da reforma de todo o sistema político que vinha sendo empreendida. Por meio de reformas internas, esforçava-se por compensar as perdas infligidas por Napoleão à Prússia na batalha de Iena e Auerstedt em 14 de Outubro de 1806. A reforma educacional prussiana foi conduzida vigorosamente em 1809 e 1810 por Wilhelm von Humboldt. Esperava-se de Herbart em Königsberg uma contribuição significativa à forma- ção de mestres, o que era uma necessidade urgente. Ele próprio esperava encontrar ali um campo de ação muito mais vasto. Con- siderava sua atividade experimental uma base possível de um “dis- positivo futuro de maior envergadura” de reforma do sistema educativo. Para ele, o conceito de instrução educativa deveria tor- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2426
  • 27. 27 nar-se a ideia mestra de uma “reforma verdadeira e duradoura da instrução pública” (Herbart, 1982c, p. 89). Em Königsberg, Herbart pode instalar um instituto didático, inicialmente num contexto muito modesto. A finalidade deste ins- tituto era a de contribuir para a formação de professores de “gi- násio” (liceu) por meio de exercícios didáticos baseados na peda- gogia de Herbart. A bem dizer, Herbart teria gostado de acrescen- tar desde o início um pequeno internato, mas, como os recursos financeiros eram limitados, teve de se contentar por vários anos com um instituto didático sem alunos permanentes. Foi apenas em 1818 que as circunstâncias tornaram-se mais favoráveis. Graças a uma subvenção do estado, Herbart pode ad- quirir uma casa suficientemente grande para acomodar um peque- no grupo de internos (pensionistas). Os cursos eram dados na es- cola experimental contígua à casa. Herbart queria provar que, gra- ças ao seu método, seus alunos internos receberiam não somente uma instrução, mas, igualmente, uma educação. O ensino dispensado na escola experimental seguia, no essen- cial, o programa adotado por Herbart quando era preceptor: a instrução educativa abrangia os dois grandes ramos de aprendiza- gem, o ensino poético e o ensino matemático. Para o primeiro, o ponto de partida era, ainda, a Odisseia de Homero e a exploração da literatura, primeiro a grega, depois a latina. O ensino das mate- máticas e das ciências naturais iniciava-se com exercícios de per- cepção. A estes se seguiam a geometria, a álgebra, a teoria dos logaritmos e, finalmente, o cálculo diferencial e integral. Nesses dois ramos foram enxertadas (acrescentadas) a religião, as narrati- vas históricas, a gramática e as ciências naturais. Em 19 de maio de 1823, Herbart disse em Berlim que ele considerava “seu método como estando agora totalmente no ponto” (Kehrbach, 1897-1912 (K1), p. 200). Ele o elaborou “na esperança de uma aplicação futura generalizada nos ginásios”. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2427
  • 28. 28 Embora fosse destinado, sobretudo, às cabeças benfeitas, ele prometia melhorar a “pedagogia errônea dos ginásios”. Na vi- são de Herbart, era errônea, sobretudo, porque não reportava ao interesse do aluno, nem como força motivadora nem como objetivo do progresso escolar, uma vez que o ensino das línguas antigas insistia muito na forma e pouco nos conteúdos e porque o ensino das matemáticas e das ciências naturais era muito redu- zido. No geral, Herbart pensa ter provado que seu método era independente de sua pessoa e que, mesmo nas condições mais difíceis do ensino público, por assim dizer, reformado, ele pode- ria ser posto em prática. O método desenvolvido era expressamente destinado aos li- ceus. Contudo, Herbart havia igualmente pensado na organização do sistema educativo inteiro. Ele é um defensor obstinado de uma estrutura vertical com três pilares: o liceu (ginásio), a escola primá- ria superior (chamada também de escola principal) e a escola ele- mentar (também chamada pequena escola). Os três pilares contri- buem à unidade de um sistema unificado porque em cada um dos três ramos se pratica a instrução educativa. A virtude, fim da edu- cação, garante a unidade do sistema escolar. Os três ramos do sistema escolar, no entanto, se distinguem claramente pelos esforços exigidos dos alunos. Ainda que a escola elementar se limite ao essencial, a escola primária superior exige um esforço aumentado, principalmente em matemáticas e em ciências. Para o ensino da literatura, a escola primária superior se distingue do liceu à medida que abandona as línguas antigas. Segundo Herbart, a instrução educativa que parte de uma língua antiga faz um “détour” que ele recomenda, no entanto, vivamente, para os espíritos mais brilhantes. O programa do liceu não se limita a educar, ele deve permitir adquirir uma excelente cultura filológica. O caráter aristo- crático do liceu, tal como o concebe Herbart, é inegável. No entan- to, atribui grande importância a que a passagem de um ramo a ou- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2428
  • 29. 29 tro seja muito flexível, embora seja falso considerar Herbart como o teórico de um sistema escolar de classe. As ideias reformadoras de Herbart não ganharam aceitação na Prússia de seu tempo. A Restauração superou o “élan” reformador que havia prevalecido de 1809 a 1813. Havia disposi- ção em recrutar professores para cuja formação Herbart tinha contribuído, mas eles tinham que submeter-se a programas conce- bidos com objetivos diferentes dos seus. Não se considerava mais, se é que alguém já o havia feito, reformar os programas escolares no espírito do programa da instrução educativa. Também o mé- todo desenvolvido por Herbart para os liceus nunca foi adotado em nível nacional. Um sistema inacabado Após ter concluído suas principais obras filosóficas já mencio- nadas, Herbart pensa ter encontrado a base científica que lhe per- mitiria resolver também os problemas fundamentais da pedago- gia. Num relatório dirigido a Berlim em 1º de maio de 1831, ele escreveu: Minha pedagogia não é mais que um pequeno compêndio que, em alguns lugares (trechos), falta clareza. Se a pedagogia tinha sido o objeto principal da minha atividade oficial, desde há muito eu teria podido expor minhas ideias em detalhe. Ora, para mim, a pedagogia nunca foi mais do que uma aplicação da filosofia. Eu não poderia, então, prosseguir a apresentação antes de ter concluído e publicado trabalhos especulativos mais importantes. (Kehrbach, 1897-1912 (K15), p. 36). Escrito mais tardiamente, o Umriss pädagogischer Vorlesungen (Es- boço de lições pedagógicas) publicado em 1835 e reeditado em 1841, retoma e completa os dois aspectos da instrução educativa desenvolvidos por Herbart, respectivamente, na Representação esté- tica e na Pedagogia geral. Na primeira, abordava a problemática da instrução educativa no quadro de uma reflexão “teórica”, na se- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2429
  • 30. 30 gunda, no de uma reflexão “prática”. O Esboço de lições pedagógicas não se limita apenas a considerações isoladas e, inevitavelmente, in- completas. Ele revela a concepção global da pedagogia que Herbert havia exposto em sua introdução à Pedagogia geral, mas que não havia desenvolvido a não ser a metade dela nesta obra essencial do início de sua carreira. Assim, Herbart liga o Esboço à Pedagogia geral, para trazer à luz a instrução educativa que ele preconiza e outras formas de ensino. Aquele que aprende para ganhar a vida e fazer seu caminho ou para se divertir, não se põe a questão de saber se, enquanto homem, ele se tornará melhor ou pior. Dessa forma, tem a intenção de aprender isto ou aquilo, seja o fim bom, mau ou indiferente, e ele ficará satis- feito com todo mestre que lhe inculque o saber-fazer requerido tuto, cito, iucunde. Não é desta instrução que se trata aqui, mas unicamente da instrução educativa. (Herbart, 1982c, p. 180.) O texto prossegue com a definição do fundamento da instru- ção educativa que já havia sido exposto na Pedagogia geral e com uma descrição da multiplicidade do interesse e da força do cará- ter, da moralidade que faz parte da finalidade da educação. (Herbart, 1982c, p. 180 e segs.). Além disso, o Esboço aborda problemas de método trazidos pelo ensino de algumas matérias bem como os obstáculos que poderiam comprometer o êxito da instrução educativa (Herbart, 1982c, p. 245 e segs.). O Esboço de lições pedagógicas abrange todos os aspectos da “ciência do educador” que Herbart concebera na introdução à Pedagogia geral (Herbart, 1982b, p. 22). Ela aborda até problemas didáticos referentes às diferentes matérias ensinadas (da “ciência de comunicar”), em que o tratamento até então tinha sido reserva- do às monografias relacionadas com os diferentes instrumentos pedagógicos (Herbart, 1982b, p. 23). Apesar disso, o Esboço não vai além do que promete seu título escolhido com precisão: re- nunciando à discussão aprofundada desejável, Herbart se limita a delinear problemas e possíveis soluções. Ficou por fazer uma des- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2430
  • 31. 31 crição que correspondesse plenamente ao plano traçado na intro- dução à Pedagogia geral. Faltará tempo a Herbart para levar a bom termo uma apresentação de conjunto de sua pedagogia. A recepção (receptividade, acolhimento, contribuição) das ideias de Herbart Quando Herbart morreu, em 11 de agosto de 1841, ele não tinha atingido ainda os objetivos considerados por ele como mais importantes de sua obra científica. Teve, certamente, êxito em elaborar seu sistema filosófico e desenvolver seu método peda- gógico tanto no plano teórico quanto no prático, mas suas prin- cipais obras filosóficas não tiveram a repercussão esperada. Herbart, particularmente, lamentava que sua psicologia matemá- tica tivesse sido quase completamente ignorada pelos seus cole- gas filósofos. Herbart parecia ter fracassado, também, como pedagogo, em- bora tenha podido se felicitar pelo reconhecimento de numerosos alunos. Com efeito, nunca conseguiu fazer reconhecer sua doutrina da instrução educativa para um amplo publico. Em parte alguma se tentou reformar programas escolares, ou um sistema escolar de uma província, conforme os princípios da instrução educativa. É tanto mais surpreendente de ver que após a morte de Herbart sua pedagogia marcou profundamente as orientações de um mo- vimento pedagógico ao qual se deu o nome de herbartismo. Este é implantado e se desenvolve no seio das universidades de Leipzig, Iena e Viena, contribuindo de maneira decisiva na formação do crescente grupo profissional de professores. É então que surgem associações e revistas dedicadas à pedagogia de Herbart. Convém mencionar, em especial, a Associação de Pedagogia Científica criada em Leipzig em 1868 e sua revista anual. São incontáveis as publica- ções sobre a filosofia e a pedagogia de Herbart. O herbartismo se propagou igualmente no estrangeiro. É assim que em 1895 a Peda- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2431
  • 32. 32 gogia geral surge em Paris em tradução francesa e, em 1898, em Londres e Boston a tradução inglesa. Pouco a pouco, a reforma pedagógica do início do século XX excluirá o herbartismo e a pedagogia de Herbart foi gradualmente ameaçada de cair no esquecimento. A influência de Herbart e de seus seguidores exerceu sobre alguns dos reformadores pedagó- gicos de primeira hora é certamente inegável, mas não foi somente na Alemanha que a reforma pedagógica do sistema escolar foi elaborada em oposição ao herbartismo. Como não se conhecia mais o primeiro Herbart, poder-se-ia ver nele o campeão de uma “escola livresca” onde os alunos repetem as palavras do mestre sem poder chegar a uma experiência pessoal de aprendizagem. Critica-se Herbart de ter querido formar os espíritos pela ação externa, inculcando-lhes conteúdos educativos vindos de fora (ver, por exemplo, John Dewey, em Democracia e Educação, capítulo 6). Herbart teria ignorado a presença de funções ativas na mente hu- mana. As objeções deste tipo, justificadas em face dos excessos do herbartismo, ameaçaram de lançar no descrédito o próprio Herbart. Sua doutrina da instrução educativa tinha se tornado incompreen- sível. Esqueceu-se que a instrução educativa tinha a experiência do aluno como função central e o interesse do aluno, traço de sua atividade mental própria, não apenas como fim, mas como o meio mais importante da instrução educativa. As verdadeiras diferenças entre a pedagogia reformadora de Herbart e aquela que ocorreu entre 1900 e 1950 situam-se em um nível bem mais profundo do que queriam os detratores desavisados de Herbart. As noções de experiência e de atividade própria fo- ram completamente transformadas naquele momento e as rela- ções entre o individuo, a comunidade e a sociedade haviam sofri- do mutações profundas. É neste sentido que a pedagogia de John Dewey, por exemplo, é, efetivamente, em muitos aspectos, diame- tralmente oposta à de Herbart. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2432
  • 33. 33 A partir dos anos 1950, verifica-se na Alemanha e em países vizinhos um renascimento da admiração por Herbart. Seus prota- gonistas tomaram distância em relação à imagem deformada pas- sada pelos proponentes do herbartismo e de sua doutrina original e querem reencontrar o caminho do “Herbart vivo” (H. Nohl). O meio de chegar a isso consistiria em renunciar à filosofia de Herbart enquanto fundamento dedutivo de sua pedagogia. Dever-se-ia, ao contrário, considerar a pedagogia como uma ciência relativamente independente da filosofia. Esta concepção da pedagogia havia sido já sustentada por Herbart. As investigações mais recentes sobre Herbart consideram indefensável a distinção entre um Herbart pedagogo vivo e um Herbart filósofo obsoleto. Repondo-o no contexto da história das ideias, elas pretendem apresentar sua pedagogia como parte inte- grante de sua filosofia, para tirar proveito de seus ensinamentos. Esta abordagem permitiria por em relevo a atualidade da peda- gogia de Herbart. É assim que os homens de hoje devem apren- der a forjar-se um comportamento novo em suas relações consi- go mesmos e com a natureza, em função de um exame prudente da situação. Este problema pode ser apreendido perfeitamente nas con- cepções de Herbart. No entanto, o abismo que separa a época atual dos decênios que se seguem à Revolução Francesa impede querer resolver problemas atuais no espírito de um neo-herbar- tismo. Herbart queria tornar a humanidade melhor pela instrução, isto é, graças a uma representação do mundo. Já nas circunstâncias de sua época, a via da educação que devia conduzir das ideias aos sentimentos e destes aos princípios e modos de agir, foi sempre semeada de perigos. O que Herbart pode ensinar aos homens de hoje é considerar a questão de saber por que, nas circunstâncias atuais, a formação do caráter não pode mais passar por esta via segundo as modalidades preconizadas por ele. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2433
  • 35. 35 TEXTOS SELECIONADOS Introdução A antologia que se segue tem como base a obra Pedagogia geral editada em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian. No Brasil nenhuma das obras de Herbart chegou a ser publicada, em que pese a importância das suas proposições acerca do fenômeno educativo no debate educacional havido na Europa, no século XIX. No entanto, o desconhecimento desse autor na atualidade não é um fenômeno somente brasileiro. Como se pode apreender da leitura da sua bibliografia acima, no debate com os autores do movimento que ficou conhecido como Escola Nova, Herbart foi perdendo terreno. Como afirma Gomes (2003, p. XXIV) “sufo- cado por novas correntes pedagógicas, o herbatismo foi esmore- cendo até quase se extinguir”. Somente no século XX, com o cen- tenário da morte de Herbart em 1941 e o crescente interesse pelas pesquisas históricas no âmbito da pedagogia, são realizados novos estudos sobre a sua obra e vida (Gomes, 2003). No período pós-guerra, quando o pensamento de Herbart começa a ser novamente resgatado na Europa, temos, no Brasil, a disseminação e o fortalecimento do escolanovismo entre os edu- cadores, devido, principalmente, a ação dos “pioneiros” da edu- cação dentre os quais se destaca Lourenço Filho que teve uma atuação fundamental para que se difundisse entre nós a psicologia como base da educação. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2435
  • 36. 36 Um dos principais ideólogos do movimento da Escola Nova, Lourenço Filho interpreta o escolanovismo principalmente sob a ótica da psicologia. Era com base nessa ciência que considerava possível renovar as escolas a fim de se adaptarem às necessidades de modernização da sociedade brasileira da época. Autodidata e possuindo uma ampla cultura geral, Lourenço Filho parte de fontes diferenciadas para fundamentar a função da psicologia como base de uma escola renovada. Conforme Cam- pos, Assis e Lourenço (2002) identificam-se várias fontes a partir das quais Lourenço Filho fundamentou sua psicologia educacio- nal: William James, Claparède, Dewey, Warren, Pavlov, Watson e Thorndike. Por outro lado, como vimos aqui, Hilgenheger cita na bi- bliografia de Herbart que foi justamente por meio dos autores ligados ao movimento da Escola Nova (ou ativa, como ficou co- nhecido o movimento na Europa) que se fizeram as principais críticas às proposições de Herbart. Lourenço Filho refere-se a Herbart como “um grande siste- matizador” da obra de Fröbel e Pestalozzi. Dedicando algumas páginas à Herbart na sua obra Introdução ao Estudo da Escola Nova, ressalta a importância do conceito de instrução educativa como esquema básico a partir do qual Herbart propôs os passos formais. Nas palavras de Lourenço Filho, citanto Speyer: […] ‘Como queria Pestalozzi, será preciso caminhar da intuição ao conhecimento claro. Numa palavra, será necessário ir da sensação à elaboração abstrata, ou da intuição às ideias gerais’. Fundado nesse esquema, [Herbart] propugnou por um sistema a que chamou da instrução educativa. Quer dizer, um ensino segundo o qual, por situações sucessivas bem reguladas pelo mestre, se che- gasse a fortalecer a inteligência e pelo cultivo dela, a formar a vontade e o caráter. Propôs por isso que cada lição obedecesse a fases bem estabelecidas, ou a passos formais. Seriam eles: o de clareza da apresen- tação dos elementos sensíveis de cada assunto; o de associação; o de sistematização e, por fim, o de aplicação. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2436
  • 37. 37 No primeiro, o principal cuidado deveria ser o de fundar o trabalho na intuição do discípulo, levado a ver, ouvir, sentir diretamente as realida- des de seu ambiente. No segundo, o de relacionar as noções assim obtidas com as que porventura já existissem em sua mente, desenvol- vendo-se-lhe a capacidade a que Herbart deu o nome de apercepção. No terceiro, dever-se-ialevaroalunodasimagensisoladasàorganizaçãode conceitos, por generalização crescente. Notando por si semelhanças e diferenças, lograria ele atingir os princípios gerais, regras, leis e defini- ções. Por fim, seria necessário aplicar tais conhecimentos a situações práticas. As regras de linguagem de aritmética ou outra disciplina qual- quer, bem como as normas de boa conduta seriam ensaiadas em casos concretos. (Lourenço Filho. 2002, pp. 229 e 230.) O esquema dos passos formais foi muito refletido pelos discípu- los de Herbart e por eles aperfeiçoado (Patrício, 2003). No Brasil os passos formais foram os poucos elementos de sua didática, mais aceitos e divulgados. Outra contribuição herbartiana ressaltada por Lourenço Filho é o conceito de interesse que, trazido para o âmbito da pedagogia por Herbart, tornou-se, desde então, fundamental para os estudos da didática como elemento dinâmico e funcional de ligação entre o plano intelectual e o da vontade. Foi no conceito de interesse que se apoiou “a concepção de aprendizagem por ação do próprio discípulo. […] Em consequência, de um ensino que respeite as condições dessa evolução – ensino ativo, escola ativa” (Lourenço Fi- lho. 2003 p.232). Mas, é também a partir do conceito de interesse que Lourenço Filho faz a crítica a Herbart apontando sua superação pela Escola Nova. Com base em Claparède e Dewey, evidencia o intelectualismo excessivamente abstrato contido no conceito de interesse: Em suma, para Herbart, o ensino deveria criar interesses e orien- tá-los para a ação no plano das ideias. Seria essencialmente expli- cado pelo jogo do que chamou apercepção, ou da atuação de cada uma das ideias sobre outras, segundo um modelo intelectualista. A apren- dizagem estaria em primeiro lugar, e a ação, depois. O que os estudos objetivos passavam a demonstrar seria coisa diferente: uma necessi- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2437
  • 38. 38 dade, ou motivo, leva o individuo a agir, e na medida dessa atividade própria é que faz aprender. Se o termo interesse for tomado como sinônimo de motivo, os interesses precedem à ação. Se o distinguir- mos, no entanto, do conceito de motivo, admitindo que haja inte- resses resultantes da experiência, e isso é inegável, já não poderá ser assim. (Lourenço Filho. 2002, p.232.) Em que pese o papel secundário, quase inexistente, a que Herbart foi relegado no debate pedagógico nacional, trata-se de um autor clássico, assim como a obra que aqui serve de base para esta antologia. Por clássico nos referimos, juntamente com Scheidl (2003), àquelas obras que nos remetem às raízes da cultura, “obras cuja mensagem se não esgotou e permanecem fontes vivas do progresso humano”. É o caso de Pedagogia geral deduzida da finalidade da educação, que remete o leitor às raízes de temas bastante atuais, entre os quais ressaltamos: a diferença e complementaridade entre ensino e educação que sustenta o conceito herbartiano de ensino educativo (para Lourenço Filho instrução educativa); e o tema da “ciência pedagógica”, que para Herbart fundamentava-se na filosofia e na psicologia. O ensino como fundamento da educação, baseia-se no pleno e múltiplo desenvolvimento do interesse, unificado por uma “ideo- logia” sólida que permita, por outro lado, a formação integral do caráter moral. A grande e inequívoca influência de Pestalozzi no pensamento de Herbart, refere-se à importância da experiência e da circunstân- cia externa como aspectos determinantes dessa formação. Como afirma Patrício: O mundo exterior à consciência existe e é determinante para o ho- mem e a sua educação.De resto, a própria consciência existe exterior- mente ao ato da consciência de si e possui uma estrutura que é tão real como a da natureza ou realidade externa. O real é real. É preciso ter em conta, completamente e sempre, a realidade do real: este é cerne da metafísica herbartiana. Esta postura tanto é válida para o HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2438
  • 39. 39 mundo da psicologia como para o mundo da filosofia da natureza. (Patrício, 2003, p. viii.) À influência de Pestalozzi quanto a base da educação na expe- riência, Herbart irá acrescentar o aprofundamento filosófico da sua pedagogia, principalmente em Kant e Fitche. Para Herbart a educa- ção corresponde ao aperfeiçoamento do caráter humano que se dá por meio de um “processo de formação moral e cívica, a estruturação – interna e externa – da personalidade” (Patrício, 2003, p. vii). Nesse sentido, Patrício (2003) afirma que Herbart fundamenta filosofica- mente sua pedagogia na ética, a ciência da moralidade. Como indica Gomes (2003), Herbart substitui a intuição pestalozziana pela “representação estética”, que será para ele, a prin- cipal tarefa da educação: A moralidade dependerá da convergência dos juízos estéticos e das representações, convergência que só poderá conseguir-se por meio de uma representação estética do mundo, que unifique as experiên- cias. (Gomes, 2003, p. xix-xx.) No que se refere ao fundamento filosófico da ciência pedagógica herbartiana, podemos afirmar que se distingue da pedagogia con- temporânea que “quer recusar a filosofia como alimento e extrair a sua seiva exclusivamente da ciência” (Patrício, 2003, p. v). O outro pilar da pedagogia científica de Herbat é a psicologia que permitiria compreender o homem no seu ser, enquanto a éti- ca, no seu dever-ser (Patrício, 2003). A psicologia forneceria o co- nhecimento sobre a natureza do homem. Conforme Patrício (2003), a psicologia de Herbart se radica- ria na corrente do associacionismo: No que toca à psicologia, a posição metafísica de Herbart radica-o na corrente do associacionismo, na qual encontramos a figura de David Hume, importante para Herbart como, por outros motivos filosófi- cos, o foi para Kant. A psicologia de Herbart não é, com efeito, aristotélica: a psicologia herbartiana não consiste no estudo da alma. Também não contempla, por conseguinte, no estudo das faculdades da alma, dado não existirem tais faculdades. Só existem as represen- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2439
  • 40. 40 tações, na sua estática e na sua dinâmica [...]. A psicologia é algo como uma física do mundo da psique. (Ferreira, 2003, p. viii.) Ao desenvolver o conceito de interesse Herbart evidencia o associacionismo de sua psicologia. O interesse ocupa lugar central na sua pedagogia, pois permite articular coerentemente as repre- sentações. Do bom governo dos interesses, depende o sucesso do processo de ensino educativo, para Herbart. Ainda que Pedagogia geral não possa ser considerada o ponto mais acabado de seu pensamento pedagógico, nela se encontram já expostos todos os temas que depois são clarificados e amplia- dos nas obras “maduras” que são Esboço de lições de pedagogia e 35 cartas pedagógicas (Gomes, 2003). A antologia que se segue foi organizada a partir de quatro temas gerais, estabelecidos com base nas principais contribuições de Herbart para a pedagogia do seu tempo e da atualidade, pre- sentes na obra Pedagogia geral derivada das finalidades da educação: a educação e a pedagogia, o ensino educativo, a psicologia educa- cional, e os educadores. Não escapou a essa organização um olhar “interessado”, a partir de questões e problemas que na atualidade ainda estão pre- sentes no debate da área da educação os quais identificamos nesta obra produzida no início do século XIX. Ao longo de toda a antologia o leitor identificará outros temas além dos escolhidos para organizar a apresentação. Temas relacio- nados à didática, formação do indivíduo, relação teoria e prática, individualidade, disciplina. Quanto a este último tema, vale lembrar a distinção que Herbart faz entre disciplina e governo. A primeira considerada como autodisciplina e a segunda como coerção externa. Os trechos que compõem esta antologia são indicados pelo livro, capítulo e página da edição portuguesa de 2003 da Pedagogia geral. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2440
  • 41. 41 A EDUCAÇÃO E A PEDAGOGIA3 Finalidade da educação Aquilo que se pretende ao administrar e exigir educação depen- de do ponto de vista de que se parte para encarar o assunto. A maioria daqueles que educa não se preocupou em formar previamente uma opinião sobre esta questão, a qual se vai forman- do progressivamente ao longo do trabalho, constituindo-se a par- tir de sua especificidade e em função da individualidade e meio ambiente do educando. Se tiverem capacidade imaginativa, apro- veitam tudo o que encontram para, a partir daí, descobrir atividades e incentivos relativos ao objeto do seu cuidado. Se forem cautelo- sos, excluem tudo o que é susceptível de prejudicar a saúde, a bondade natural e as maneiras. Assim cresce um jovem com a experiência de tudo aquilo que excluir perigo, que é ágil na ponde- ração e na gestão do cotidiano e que é receptor de todos os senti- mentos capazes de o influenciar no âmbito do círculo restrito em que vive. – Se realmente cresceu assim, só podemos desejar-lhe sorte. Os educadores, porém, não param de se lamentar sobre o modo como as circunstâncias os afetaram negativamente, e ainda relativamente aos empregados, aos parentes, aos companheiros, ao intinto sexual e à universidade! É claro que, no caso, em que o alimento intelectual é mais determinado pelo acaso do que pelo 3 Herbart, J. F. Pedagogia geral. Portugal, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Servi- ço de Educação e Bolsas, 2003. HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2441
  • 42. 42 engenho humano e com um fraco sustento, nem sempre é possí- vel despontar uma robusta saúde capaz de fazer face às intempé- ries! (Introdução, p. 7). Contudo, sei de homens que conhecem o mundo sem dele gostarem, os quais, é certo, não afastaram os seus filhos do mun- do, mas que não os querem saber aí perdidos, partindo do princí- pio que uma boa cabeça encontra o seu melhor mestre na sua autossuficiência, na sua participação e no seu gosto, para em deter- minada altura, ser capaz de se acomodar às convenções da socie- dade, conforme quiser. Estes homens deixam os seus filhos apren- der a ter conhecimento da natureza humana entre os seus compa- nheiros, com os quais brincam ou entram em disputa. Eles sabem que a natureza se estuda melhor na natureza, contanto que, em casa, se tenha apurado, treinado e orientado a atenção querendo que os seus cresçam no seio das gerações com que terão futuramen- te que viver. Como é que isto se coaduna com a boa educação? Perfeitamente, desde que as horas de aprendizagem (e, para mim, são as horas em que o professor se ocupa séria e metodicamente com os educandos) representam um trabalho intelectual capaz de preencher interesses [...] (Introdução, pp. 9-10). Porém, esse trabalho intelectual não se encontra, por mais que uma pessoa hesite, entre a proximidade dos sentidos e os livros. Pelo contrário, este trabalho intelectual poderá encontrar-se na re- lação entre ambos. Um homem novo, sensível ao estímulo das ideias e que tenha diante dos olhos a ideia de educação em toda a sua beleza e dimensão – e que não receie expor-se por um tempo à comple- xa alternância entre esperança e dúvida, entre aborrecimento e ale- gria – este homem pode empreender a tarefa, no âmbito da pró- pria realidade, de elevar um jovem a uma existência melhor, desde que tenha capacidade mental e conhecimentos para olhar e representar, em moldes humanos, essa realidade como fragmento da unidade global. Ele pró- prio dirá que não é ele o verdadeiro e autêntico educador, mas sim HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2442
  • 43. 43 a força de tudo aquilo que os homens foram alguma vez capazes de sentir, experimentar e de pensar, que é na realidade o verdadeiro e autêntico educador, digno do seu educando e ao qual foi apenas atribuída a função de companheiro respeitável para uma interpretação com- preensível do mundo (Introdução, p. 10). Entenda-se, porém, o seguinte: cada um só aprende aquilo que ex- perimentar! Um mestre de escola da aldeia nonagenário tem a expe- riência de noventa anos de vida rotineira, tem o sentido do seu longo esforço, mas será que também tem o sentido crítico dos seus resultados e do seu método? (Introdução, p. 11). Os resíduos das experiências pedagógicas são os erros cometidos pelo edu- cando na idade adulta (Introdução, p. 12). [...] Já se chegou ao ponto de não haver nada mais natural para as melhores cabeças entre os mais jovens pedagogos – que se ocu- pam da filosofia e que sabem bem que ao dar formação não se pode rejeitar a capacidade de pensar – do que experimentar na edu- cação a aplicabilidade ou a flexibilidade de uma verdade bem insi- nuante para construir a priori os seus educandos, aperfeiçoá-los for- temente e ensiná-los de forma mística – e, se a paciência faltar, rele- gá-los como incapazes para preparação à iniciação. Os relegados vão assim parar a outras mãos – e quais? – mas então já terão perdi- do toda a sua frescura natural (Introdução, p. 13). Desde já confesso não conceber a educação sem ensino, assim como já referi previamente, pelo menos nesse escrito, que não con- cebo um ensino que não eduque em simultâneo (Introdução, p. 16). A educação através do ensino considera ensinamento tudo aquilo que se apresenta ao jovem como objeto de observação. Inclui-se aqui a própria disciplina a que ele é submetido (Introdução, p. 18). Para a educação através do ensino, exigi ciência e capacidade intelectual – uma ciência e uma capacidade intelectual tais, que se- jam capazes de considerar e de representar a realidade próxima como um fragmento do grande todo (Introdução, p. 19). HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2443
  • 44. 44 Nas circunstâncias em que aquela arte do ensino não tem lu- gar, torna-se extremamente importante investigar e, se possível, orientar as origens das principais impressões existentes. Aqueles que sabem reconhecer como o geral se reflete no particular serão capazes de inferir do plano geral o que aqui se pode fazer, na medida em que reconduzirem o homem à humanidade, o frag- mento ao todo e reduzirem o grande ao cada vez mais pequeno, de acordo com determinadas regras (Introdução, p. 26). Aquele que pondera apenas a qualidade das impressões e não a sua quantidade, desperdiça suas mais cuidadosas reflexões e as suas medidas mais engenhosas. É certo que na alma humana nada se perde, com a diferença de que na consciência está muito pouca coisa presente ao mesmo tempo. Só o que é suficientemente forte e com uma interligação múltipla é que se apresenta frequentemente à alma e o que mais se salienta é que conduz à ação. No longo percurso da juventude há tantos e tão variados momentos, cada um dos quais afetando por si fortemente a alma, que mesmo o mais forte pode ser subjugado, se com o tempo se não multiplicar ou for renovado em numerosas outras manifestações. Só é perigoso aquilo que desanima o íntimo do coração do educando contra a pessoa do educador, e isto, porque as personalidades se multiplicam com cada palavra e em cada pers- pectiva. Porém também isso pode de novo ser erradicado a tempo, claro está, que não sem grande e delicado cuidado. Outras impres- sões, por mais artificialmente motivadas que sejam, desequilibram desnecessariamente a alma, a qual recua repentinamente com a sen- sação de quem ri de um susto infundado. É precisamente isto que nos reconduz ao ponto de só se con- seguir dominar a educação, quando se for capaz de colocar na alma do jovem uma ampla ideologia, intimamente interligada nas suas diversas partes e capaz de sobrepor aos aspectos desfavorá- veis do meio ambiente, mas também de dissolver e de reunir em si o que for favorável ao meio ambiente (Introdução, pp. 25-26). HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2444
  • 45. 45 A alma está em movimento contínuo. Por vezes, este movi- mento é muito rápido. Outras vezes, quase não é perceptível. É possível que, por um determinado tempo, se modifiquem apenas um pouco as concepções simultaneamente presentes em grupos inteiros. O resto mantém-se, em consideração ao qual, a alma fica em descanso. O próprio modo do progresso está como que en- volvido em segredo (Livro Segundo, cap. 1, p. 65). [...] Aqueles que concordam comigo neste aspecto não de- vem, no entanto, pensar que podem reivindicar a educação de grandes caracteres pelo simples fato de darem plena liberdade às crianças sem qualquer controle e sem qualquer formação! A educa- ção é um todo de trabalho contínuo, que necessita de se percorrer pontualmente de um extremo a outro. É inútil evitar apenas alguns erros (Livro Primeiro, cap. 1, p. 34). A forma como o educador sente quando se manifestam estes ou outros modos de pensar no jovem, partilhar este modo de sentir, corresponde a uma primeira saída da rudeza e ao benefício mais direto da educação. Pressenti-lo, porém exige uma dolorosa mudança dos próprios sentimentos, que já não está de acordo com o homem maduro e que só é próprio e natural daquele que se encontra ainda num período de duro esforço no caminho da formação. Por isso, a educação é uma questão para homens no- vos, que estão nos anos em que é maior a impaciência em relação à crítica pessoal e em que é, na verdade, uma grande ajuda ter perante si, voltando-se os olhos para uma idade mais jovem, o manancial intacto das capacidades humanas, impondo-se como missão tornar realidade o possível e, juntamente com o jovem, educar-se a si próprio. Esta impaciência só pode desaparecer com o andar dos tempos, quer por terem acontecido suficientes coisas ou por se ter perdido a esperança e urgirem as ocupações. Com a impaciência desaparece a força e a tendência para educar (Livro Primeiro, cap. 1, p. 41). HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2445
  • 46. 46 [...] A infelicidade da educação reside precisamente no fato de estar de há muito extinta nos adultos aquela fraca luz que arde na tenra infância. Por isso eles não servem para atiçar em chama (Li- vro Segundo, cap. 4, p. 85). Numa palavra, a finalidade da educação reparte-se pelos objeti- vos do livre arbítrio (não do educador, mas do jovem, do futuro homem) e pelos objetivos da moral. Estas duas rubricas desde logo se impõem à mente da pessoa que se limite a recordar os mais conheci- dos pensamentos de ética (Livro Primeiro, cap. 2, p. 47). A arte de perturbar a paz de um espírito infantil – prendê-lo pela confiança e pelo amor, para depois a pressionar ou provocar a seu belo prazer e antecipar-lhe a inquietação dos anos que ainda estão para vir – corresponderia, pois, à pior e à mais odiosa de todas as artes, se não houvesse um fim a alcançar que pudesse justificar esses meios precisamente aos olhos da pessoa de quem se receia tal censura (Livro Primeiro, cap. 2, pp. 42-43). “Um dia me agradecerás!”, diz o educador ao rapaz lavado em lágrimas. Com efeito, só esta esperança pode desculpar s lágri- mas que lhe provocou. – Contudo, ele que tenha cuidado e que não use vezes demais nem com excessiva confiança meios tão for- tes! Nem todas as boas intenções são reconhecidas e fica numa má posição a pessoa que, com um deturpado zelo, atribui benefícios a situações em que o outro só sente maldade! – Daí o aviso: não educar demais – é preciso evitar o emprego desnecessário do poder, através do qual se dobra e redobra, se domina o ânimo e se per- turba a alegria. Perturbam-se igualmente as futuras recordações alegres da infância e a alegre gratidão, que é a única forma autênti- ca de gratidão (Livro Primeiro, cap. 2, p. 43). A procura de uma unidade científica induz muitas vezes o in- telectual a querer condensar ou deduzir artificialmente aquilo que, em função da sua natureza, faz parte de uma sequência múltipla. Chegou-se mesmo ao ponto de cometer o erro de fazer corres- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2446
  • 47. 47 ponder à unidade do conhecimento a unidade das coisas e a pos- tular esta relativamente àquela! Este gênero de erros não afetam a pedagogia, fazendo-se sentir tanto mais fortemente a necessidade de poder formular num só pensamento a totalidade de uma ocupa- ção tão múltipla nos seus aspectos e, no entanto, tão intimamente ligada em todas as suas partes, como é o caso de educação, da qual se depreende a unidade do plano e a força concentrada. – Se se consi- derar, portanto, o resultado que se tem de obter da investigação pedagógica para ser de completa utilidade, é-se levado a pressu- por e a exigir para a unidade, de cujo resultado não se pode pres- cindir, igualmente a unidade do princípio, a partir da qual decorre. Assim sendo, há três pontos a considerar: em primeiro lugar, se é que existe realmente um tal princípio, será que se conhece o méto- do de construir uma ciência baseada num único conceito? Em segundo lugar, se o princípio que porventura se apresenta, resulta efetivamente toda a ciência? Em terceiro lugar, se esta construção da ciência e a perspectiva que ela apresenta são as únicas, ou se afunal há outras, ainda que menos metódicas, mas contudo, natu- rais e que na se podem, por conseguinte, excluir completamente (Livro Primeiro, cap. 2, p. 44). [...] a perspectiva que põe o aspecto moral em primeiro lugar é, na minha opinião, a principal finalidade da educação, embora não a única e englobante. Acresce que, se porventura fosse conclu- ído, o estudo pormenorizado, começando naquele ensaio, teria de ser conduzido precisamente através de um sistema filosófico com- pleto. (Livro Primeiro, cap. 2, p. 45). Para a correta compreensão daquele ensaio será sobretudo importante notar como a formação moral se liga com as restantes partes da formação, ou seja, como ela pressupõe estas mesmas como condições, e só com elas, pode ser criada com segurança. Os leitores avisados certamente que reconhecerão com facilidade que o problema da formação moral não é uma parte que se possa HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2447
  • 48. 48 separar da educação integral, mas que se encontra numa relação necessária e extremamente complexa com os restantes problemas da educação [...] esta relação não abrange, no entanto, todos os as- pectos da educação, a ponto de só termos razão para cuidar des- tes aspectos, na medida em que se inserem neste contexto. Muito mais se impõem outras perspectivas, como a do valor imediato de uma formação geral que não temos o direito de sacrificar [...] (Livro Primeiro, cap. 2, p. 45). O objetivo da formação moral não pretende outra coisa se- não que as ideias de justiça e bem, em toda o seu rigor e pureza, se tornem os verdadeiros objetos da vontade, e que, de acordo com elas, se determine o conteúdo íntimo e real do caráter, bem como o cerne profundo da personalidade, relegando para último lugar qualquer outra arbitrariedade. Se bem, todavia, que possam não me compreender inteiramente quando refiro simplesmente as ideias de justiça e de bem, há que notar que, felizmente, a ética se desabituou de meias verdades, para se deixar por vezes condes- cender sob a forma de hedonismo. (Livro Primeiro, cap. 2, p. 50). Crítica à educação em Rousseau Rousseau queria, pelo menos, endurecer o seu educando. Ele de- finira para si mesmo um determinado ponto de vista, ao qual per- maneceu fiel. Ele segue a natureza. Mediante a educação deverá ga- rantir-se um desenvolvimento livre e alegre de todas as manifesta- ções da vida vegetativa humana, desde a primeira infância ao matri- mônio. A vida é o ofício que ele ensina. E, no entanto, vemos que ele aprova a máxima do nosso poeta: “A vida não é o bem supremo!”, pois sacrifica em pensamento toda a vida particular do educador, que se dedica a companheiro constante do jovem! Uma educação deste gênero é demasiado dispendiosa. A vida do acompanhante vale, sem dúvida, mais que a do jovem, quanto mais não seja pelo índice de mortalidade, uma vez que para o homem é maior a pos- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2448
  • 49. 49 sibilidade de sobrevivência do que para a criança. – Mas será simples- mente viver assim tão difícil para o homem? Julgávamos que a plan- ta humana se assemelhava à rosa: assim como a rainha das flores é a flor que menos preocupa o jardineiro, também o homem seria ca- paz de crescer em qualquer ambiente, de se alimentar de toda a espécie de alimentos, de aprender mais facilmente, de se servir de tudo e de tirar vantagem. Simplesmente o fato de educar um ho- mem natural entre homens civilizados representa para o educador o mesmo esforço que custaria ao educando continuar viver numa so- ciedade tão heterogênea (Introdução, p. 8). Crítica à educação em Locke Quem, porventura, melhor sabe como comportar-se em so- ciedade é o educando de Locke. Aqui o mais importante é o con- vencional. Depois de Locke já não será preciso escrever um livro sobre educação para os pais que destinam os seus filhos à socieda- de. O que quer que acrescentasse degeneraria, provavelmente, em artificialidade. Comprai por qualquer preço um homem grave, “de boas maneiras, que conheça as regras de cortesia e de conveniência com todas as variações resultantes da diferença das pessoas, dos tempos e dos lugares, capaz de orientar constantemente o seu edu- cando, na medida em que a idade deste o permita, no cumpri- mento destas coisas”. Aqui, é forçoso uma pessoa calar-se. Seria totalmente inútil argumentar contra a vontade de verdadeiros ho- mens de sociedade, de querer converter igualmente os seus filhos em homens de sociedade, uma vez que esta vontade se constitui em virtude das impressões da realidade, sendo confirmada e re- forçada através de novas impressões a cada novo momento. Bem podem pregadores, poetas e filósofos transpor para prosa e verso toda e qualquer consagração, leviandade ou formalidade, porque um simples olhar em redor desfaz qualquer efeito, acabando essas pessoas por parecerem atores ou sonhadores. – De resto, a edu- HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2449
  • 50. 50 cação para o mundo tem possibilidade de êxito, uma vez que o mundo está aliado aos homens da sociedade (Introdução, p. 8-9). Crítica à educação convencional A educação convencional procura prolongar os males atuais. Criar homens naturais significa, porventura, repetir de novo todos os erros já superados. Reduzir o horizonte do ensinamento e ad- vertência ao imediato é uma consequência natural da própria limi- tação, que não compreende nem é capaz de aproveitar o residual, utilizando para tal argumentos cômodos, como seja, aquilo que pedagogos meticulosos estragaram e o que se afigura demasiado difícil para as crianças. No entanto, o primeiro é suscetível de ser modificado, enquanto o segundo não é verdade (Introdução, p. 11). O espírito da mesquinhez, que tão facilmente invade a educa- ção, é-lhe altamente prejudicial. Existem duas espécies: a forma mais comum tem a ver com o que é insignificante. Apregoa méto- dos, quando não fez mais do que descobrir ninharias. A outra espécie é mais sutil e sedutora: percebe o que é importante, sem conseguir distinguir o efêmero do duradouro (Introdução, p. 25). Claro está que o ensino dos nossos dias está ligado ao estado atual (o que não quer dizer só dos nossos dias, mas também do passa- do) das ciências, das artes e da literatura. Tudo depende do máxi- mo aproveitamento do existente, um aproveitamento que se pode ainda melhorar sem fim. No entanto, durante a educação vai-se de encontro a milhares de desejos que ultrapassam a pedagogia, ou antes que tornam perceptível, que o interesse pedagógico não é nada de isolado e que resulta menos naqueles espíritos que só aceitam o en- sino e toleram o convívio das crianças, porque qualquer ocupação lhes era demasiado elevada e séria, querendo, no entanto, ser sem- pre os primeiros. O interesse pedagógico é apenas uma manifestação de todo o nosso interesse pelo mundo e pelos homens, e o ensino concentra HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2450
  • 51. 51 todos os objetos deste interesse – precisamente em direção ao ponto onde se refugiam, por fim, as nossas tímidas esperanças – no seio da juventude que é o seio do futuro. Fora disto, o ensino é certamente vazio e sem qualquer significado (Livro Segundo, cap. 4, p. 81). Governo, disciplina e educação Governo Poder-se-ia pôr em dúvida, se este capítulo faz ou não efetiva- mente parte da pedagogia ou se não se deveria incluí-lo nas seções da filosofia prática, que na realidade tratam do governo, uma vez que é seguramente diferente de base a preocupação pela formação intelectual daquela que se limita a querer manter a ordem. E se a primei- ra tem o nome de educação, se precisa de artistas especiais que são os educadores, se ao fim e ao cabo qualquer arte tem de ser separa- da de todas as ocupações secundárias heterogêneas para que se che- gue à perfeição mediante a força concentrada do gênio, não poderá desejar-se menos à boa causa em questão, bem como ao rigor dos conceitos, que se retire o governo das crianças àqueles a quem cabe penetrar com seu olhar e com sua ação no íntimo das almas. Porém, manter as crianças em ordem é uma fardo que os pais de bom grado afastam de si, mas que pode porventura parecer a alguns (que se vêm condenados a viver com crianças) como sendo ainda a parte mais agradável dos seus deveres, pois que permite de certo modo uma compreensão da pressão exterior através de um pequeno domínio (Livro Primeiro, cap. I, p. 29). Um governo que se satisfaça sem educar destrói a alma, e uma educação que não se ocupe da desordem das crianças, não conhece- ria as próprias crianças. De resto, não se pode dar uma única aula em que se possa abdicar de tomar as rédeas do governo, quer seja em mãos firmes ou brandas (Livro Primeiro, cap. 1, p. 30). A criança vem ao mundo desprovida de vontade e, por consequência, incapaz de qualquer relação moral. Os pais podem, HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2451
  • 52. 52 por conseguinte (em parte voluntariamente, em parte por exigência da sociedade) apropriar-se dela como se fosse de uma coisa. É certo que eles sabem perfeitamente que naquele ser, que, no momento e sem o questionar, tratam segundo o seu critério, se irá com o tempo manifestar uma vontade que precisa de ser conquistada, se quiserem evitar desentendimentos ilegítimos para ambas as partes. Há, po- rém, um longo caminho a percorrer até aí. Primeiro, não se desen- volve na criança uma autêntica vontade capaz de tomar decisões, mas tão somente um ímpeto selvagem que a arrasta para aqui e para ali que é de si um princípio de desordem:, contrariando as disposições dos adultos e, inclusivamente, capaz de pôr em perigo de vária ordem a pessoa futura da própria criança. Esta impetuosidade tem de ser subjugada, senão a desordem terá de ser atribuída como culpa aos que tratam da criança. A submissão processa-se através do poder e o poder tem de ser suficientemente forte e repetir-se as vezes que forem necessárias para ter completo êxito, antes que se manifestem na crian- ça os traços de uma vontade própria. Os princípios da filosofia prática assim o exigem (Livro Primeiro, cap. 1, p. 30-31). Contudo, permanecem na criança as sementes deste ímpeto cego, dos desejos rudes, que aumentam e até se fortalecem com os anos e, para que não orientem a vontade num sentido contrário ao da sociedade (a vontade que se ergue no meio deles), é necessário mantê-las constantemente sob uma pressão sempre tangível (Li- vro Primeiro, cap. 1, p. 31). O adulto e aquele que chegou à idade da razão assumem natu- ralmente com o tempo governarem-se a si próprios. Existem, porém, também pessoas que nunca atingem esse ponto. A estas é a sociedade que as mantém sob tutela, designando-as de loucas ou de dissipadoras. Existem também aqueles que formam em si uma vontade contrária à sociabilidade e a sociedade encontra-se com eles numa disputa inevitável, acabando finalmente por submeter- se ao que é justo em relação a elas. Esta disputa, porém, é um mal, HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2452
  • 53. 53 de um ponto de vista moral, para a própria sociedade, podendo ser contrariada através do governo das crianças, que é apenas uma medida entre as muitas necessárias. Percebe-se deste modo que é múltipla a finalidade do gover- no das crianças, por um lado, para impedir prejuízos para tercei- ros e para a própria criança, tanto de momento como de futuro e, por outro, para impedir a disputa como desentendimento em si e, finalmente, para evitar toda a espécie de choque, pelo que a socie- dade, sem que tenha para tal plena autoridade, se veria envolvida no conflito (Livro Primeiro, cap. 1, p. 31). Porém, tudo converge para o fato de que este pequeno gover- no não deve pretender alcançar uma finalidade na alma da criança, mas apenas para o fato de pretender estabelecer a ordem. No entanto, em breve salientaremos que, de modo algum, lhe pode ser indiferente a cultura da alma da criança. [...] A primeira medida de todo governo é a ameaça e todo governo encontra aqui duas dificuldades: em parte, existem natu- rezas fortes que desprezam qualquer ameaça, ousando tudo para poder tudo querer. Em parte existe uma maioria ainda maior que é fraca demais para memorizar a ameaça, sendo o medo superado pelo desejo. Não se pode excluir esta dupla incerteza do êxito. Os poucos casos em que o governo das crianças choca com o primeiro obstáculo não são realmente de lamentar, enquanto não for tarde demais, no sentido de aproveitar ocasiões tão propícias para a própria educação. Porém, a fraqueza e o esquecimento (trans- formam a simples ameaça em algo de tal modo inseguro, que se considerou a muito o controle como o meio que o governo das crianças menos poderia dispensar do que qualquer outra forma de disciplina (Livro Primeiro, cap. 1, p. 32). [...] Talvez seja suficiente lembrar em poucas palavras que o controlo rigoroso e constante é igualmente incômodo, tanto para o que observa como para o que é observado, costumando por HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2453
  • 54. 54 isso mesmo ser rodeado por ambos de toda a astúcia e posto de lado em qualquer ocasião propícia. Quanto mais se põe em práti- ca, tanto maior é a sua necessidade, sendo extremamente perigoso qualquer momento de omissão. Além disso, impede as crianças de tomarem consciência de si mesmas, de se porem à prova e de conhecerem mil coisas que jamais se podem incluir num sistema pedagógico e que só podem encontrar através de uma busca indi- vidual. Por fim, em virtude de todas essas razões, o caráter, que só age a partir da vontade própria, ficará fraco ou deformado, conforme a pessoa observada tiver encontrado mais ou menos recursos. Isto diz respeito a um controlo prolongado, diz menos respeito aos primeiros anos, bem como a períodos mais curtos de perigos especiais, que podem, de resto, fazer do controlo um dever extremamente exigente. Para estas circunstâncias que se devem considerar excepção, urge escolher os vigilantes mais conscienciosos e incansáveis e não verdadeiros educadores dos quais, neste caso, tanto mais se abusa- ria quanto menos se pudesse supor que estes casos pudessem re- presentar uma oportunidade de porem em prática a sua arte (Li- vro Primeiro, cap. 1, p. 33). Porém, se se quiser impor o controlo como regra, não se exija agilidade, espírito inventivo, ousadia ou comportamento confiante daqueles que crescem sob tal pressão. Deve esperar-se pessoas de quem é próprio terem sempre a mesma “temperatura”, que se aco- modam a uma monótona e indiferentes mudança de tarefas estabelecidas, que evitam tudo o que é elevado e raro e que preferem entregar-se a tudo o que cómodo e comum. – Aqueles que concor- dam comigo neste aspecto não devem, no entanto, pensar que po- dem reivindicar a educação de grandes caracteres pelo simples fato de darem plena liberdade às crianças sem qualquer controlo e sem qualquer formação! A educação é um todo de trabalho contínuo, que necessita de se percorrer pontualmente de um extremo a outro. É inútil evitar apenas alguns erros! (Livro Primeiro, cap. 1, p. 33-34). HERBART EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:2454