O documento descreve como um professor universitário, Paulo Teixeira de Morais, apontou vários exemplos de situações de corrupção no poder local português, incluindo negócios imobiliários suspeitos e o compadrio partidário na contratação de funcionários municipais.
Corrupção no Poder Local - Paulo Morais com SerCascais
1. O CRIME • Quinta-feira, 26 de Setembro de 2013
/PORTUGAL
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V. PINHEIRO
Sem pormenorizar, Paulo
Teixeira de Morais deu um
exemplo: “Um conjunto de
terrenos foi comprado em
Valongo às quatro horas
da tarde por 4 milhões de
euros, e às quatro e meia,
meia hora depois, foi ven-
dido por 20 milhões”.
Docente do ensino Superi-
or, Vice-Presidente da as-
sociação cívica Transpa-
rência e Integridade, Paulo
Teixeira de Morais falava
sobre o papel dos inde-
pendentes na futura vida
autárquica, depois das
eleições de 29 de Setem-
bro, subordinada ao tema
“Os Velhos defeitos e os
novos desafios do poder
autárquico”, iniciativa do
SerCascais, Movimento
Independente.
O orador assegurou ainda,
que “há milhares de situa-
ções em que os promo-
tores imobiliários, normal-
mente financiadores das
campanhas eleitorais, con-
seguem estas operações
sem grandes problemas”.
Perante uma sala lite-
ralmente cheia do hotel
Cidadela, em Cascais,
Paulo Teixeira de Morais
fez outras revelações sur-
preendentes. “Sabem, por
acaso, que 70% da dívida
privada portuguesa tem
origem nos pelouros de ur-
banismo das câmaras mu-
nicipais, em conluio com
promotores imobiliários e
instituições de crédito”,
interrogou.
Depois de referir que os
municípios “não respeitam
as três essenciais missões
estratégicas” a nível do ur-
banismo, embora o façam
de forma “encapotada”,
Paulo Teixeira de Morais
afirmou, frontalmente, que
“em Portugal, invariavel-
mente os promotores imo-
biliários que têm capaci-
dade e influência politica,
compram terrenos em
reserva agrícola, em áreas
de reserva ecológica, em
áreas onde não é possível
construir e por um passo
de mágica, em dois ou
três anos conseguem um
qualquer documento e/ou
alteração ao Plano Direc-
tor Municipal (PDM), um
alvará de loteamento ou
uma licença, transforman-
do um terreno que valia 4
milhões de euros em 20
milhões de euros”.
“Meia hora milagrosa”
“Os preços estão certos
nos dois momentos, mas
a verdade é que na meia
hora milagrosa apareceu
um alvará a oficializar a
construção. Isto são ver-
“Tráfico de solos equivale
ao tráfico de droga”
dadeiros casos de corrup-
ção”, afirmou, categorica-
mente, não sem ironizar:
“Isaltino Morais e Duarte
Lima, alegadamente en-
volvidos num negócio do
género, com terrenos em
Caxias, Oeiras, devem
Paulo Teixeira de Morais deu uma conferência no hotel da Cidadela, em Cascais
D.R.
TRIBUNAIS:
Trabalhadores do fisco param 40 horas
O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos conseguiu,
através de uma providência cautelar interposta no Tribunal Ad-
ministrativo e Fiscal de Lisboa, adiar indefinidamente o alarga-
mento do horário de trabalho no Fisco para as 40 horas sema-
nais. O Ministério das Finanças tem 15 dias para responder.
O professor universitário Paulo Teixeira de Morais aponta os negócios do
urbanismo nas autarquias, como um dos maiores exemplos de corrupção no país.
questionar-se na cadeia:
Então, mas só nós dois
é que estamos aqui? E
outros?”
“Planear o terreno em de-
fesa do interesse colectivo
não é mais do que tráfico
de solo, em que quem tem
Audiência ouviu professor falar sobre situações de corrupção
D.R.
2. O CRIME • Quinta-feira, 26 de Setembro de 2013 /PORTUGAL .17
D.R.
capacidade de influência
politica compra solos bara-
tos e transforma-os em so-
los muitos caros”, afirmou
Paulo Teixeira de Morais.
Referindo-se aos Planos
Directores Municipais, que
considerou “uma confusão
deliberada, planos com-
plexos e legislação gigan-
tesca”, o Vice-Presiden-
te da associação cívica
Transparência e Integri-
dade revelou, por exemplo,
que o PDM em Munique
(Alemanha) tem uma pá-
gina e sete regras. “É fácil
de perceber. Em Portugal,
a confusão é tanta que
ninguém percebe”, mas é
feita propositadamente, só
para servir alguns.
Paulo Teixeira de Morais
defendeu que “os inde-
pendentes que, nestas
eleições autárquicas são
10% dos candidatos aos
308 municípios portugue-
ses, constituem um sinal
de refrescamento na nossa
democracia” e sublinhou
que “podem e devem ter um
papel fundamental, apesar
de ser uma tarefa árdua,
em alterar este estado de
coisas, que não é mais do
que autêntica corrupção,
nem sempre investigada e
punida, como a lei prevê”.
“ACABAR COM OS BOYS”
“Invariavelmente, o que tem acontecido,
de Norte a Sul do País, é que quem
é membro do partido tem direito ao
emprego, quem consegue arrebanhar
nas secções partidárias 100 votos tem,
direito a ser chefe de divisão, e quem
conseguir arrebanhar mil votos tem
direito provavelmente a chegar a admi-
nistrador de uma empresa municipal”,
acusou Paulo Teixeira de Morais.
“Os verdadeiros institutos de emprego
em Portugal, sobretudo nos maiores
municípios, são as sedes partidárias”,
enfatizou este especialista, segundo o
qual “é fácil fazer esta constatação”. E
exemplificou. “Se visitarem uma em-
presa municipal às dez da manhã, e
a sede do partido às dez da noite vão
ver que as pessoas que por lá circu-
lam são exactamente as mesmas”.
E acusou: “As empresas municipais
são sedes partidárias travestidas de
empresas, com uma vantagem: é que
pagam ordenados ao final do mês”.
Segundo Paulo Teixeira de Morais,
“criam-se empregos, que muitas vezes
nem são necessários, apenas para dar
lugar a pessoas que dão jeito ao par-
tido. Mesmo quando as funções são
necessárias e os empregos têm razão
de ser, o facto de colocar um incom-
petente do partido no lugar que devia
ser ocupado por um competente do
mercado, tem várias consequências
que são pagar um ordenado a um inútil
todos os meses, mas o mais grave é
que um inútil num lugar qualquer com
responsabilidades faz disparates que
têm grandes custos económicos”.
“O grande problema na maioria das
empresas municipais do País não é o
que se lhes paga, mas as asneiras que
permanentemente fazem. Quando as
pessoas fazem queixas do mau funcio-
namento das autarquias, e também
das empresas municipais, só por mila-
gre é que algum, que tem jeito para
organizar comícios, colar cartazes e
andar de megafone na rua, teria jeito
para gerir recursos humanos”, preci-
sou, não sem concluir que são aquelas
pessoas “que no dia em que tomam
posse, é para descansar até à próxima
campanha eleitoral”.
“Urge mudar práticas”
“Urge uma mudança de
práticas e da forma de
funcionamento do poder
local, que é o maior can-
cro da nossa democracia”,
acrescentou.
A palestra de Paulo Teixeira
de Morais foi mais longe e
abordou, também, o tema
cada vez mais polémico
dos recursos humanos
nas autarquias. “Da maior
à mais pequena câmara, a
estrutura de recursos hu-
manos é completamente
descompensada”, garantiu,
precisando que, sobretudo
“nos grandes municípios,
nos últimos 20 anos, quem
se inscreve nas juven-
tudes partidárias acaba
por ter um emprego”. “São
os chamados boys da de-
mocracia pós 25 de Abril”,
considerou.
“Nada disso tem a ver com
as suas competências, com
o seu currículo, com a pro-
eficiência das suas tarefas,
com a vontade de traba-
Na conferência de Cascais, o vice-presidente da Associação Transpa-
rência e Integridade descreveu o compadrio dos partidos nas autarquias
lhar, antes tem a ver com a
lógica partidária”, salientou
Paulo Teixeira de Morais,
que acrescentou: “Ainda
por cima a forma como as
pessoas são colocadas nas
câmaras ou nas empresas
municipais só tem a ver com
a sua actividade partidária,
ou seja, não são directores,
chefes ou trabalhadores de
recolha de resíduos, em
função da competência de
coisa nenhuma”.•
D.R.
“O problema nas empresas municipais são as asneiras que fazem”, disse