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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

RANGEL RAY GODOY

OS NOVOS PARADIGMAS DE SAÚDE E A ATENÇÃO FARMACÊUTICA. A
PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE DA COMUNICAÇÃO E DA RELAÇÃO
PROFISSIONAL-PACIENTE.

CURITIBA - 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

RANGEL RAY GODOY

OS NOVOS PARADIGMAS DE SAÚDE E A ATENÇÃO FARMACÊUTICA. A
PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE DA COMUNICAÇÃO E DA RELAÇÃO
PROFISSIONAL-PACIENTE.

Monografia apresentada à disciplina de
Monografia II como requisito parcial à
conclusão do Curso de Farmácia,
Setor de Ciências da Saúde,
Universidade Federal do Paraná
Orientador: Cassyano J. Correr

CURITIBA - 2009

2
Dedico este trabalho:
 A todos aqueles que, vivendo em condições miseráveis de
marginalização e exclusão, sustentam a lógica desumana do
sistema econômico.
 Aos povos da América Latina, que resistem bravamente aos
séculos de exploração de suas forças e de sua terra.
 Aos cientistas realmente comprometidos com a verdade, que
fazem da ciência um exercício de dignidade e nobreza.
 Aos profissionais de saúde que lutam por uma sociedade mais
saudável e humana.
 Ao caríssimo e inesquecível amigo Juliano Gomes Campanini,
com quem por horas discutia os projetos futuros de uma
juventude tão sonhadora para uma existência tão breve.
 A meu avô Cesar Godoy, para sempre exemplo de humildade,
hombridade, simplicidade e honestidade.

3
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Joarez Godoy de Lima e Vera Beatriz
Gallo, pelos anos de dedicação ininterrupta,
compreensão, incentivo e amor incondicional, sem os
quais a realização deste trabalho ou de quaisquer
outras realizações teria sido pouco provável ou muito
mais turbulenta e penosa.
Aos amigos e amigas dos tempos da minha tenra idade
em Palmital-PR, pelos anos de convivência e pela
amizade que se mantém inabalável.
Aos amados companheiros e companheiras das
gestões de 2007 à 2009 do CAF-UFPR, por
compartilharem comigo momentos tão intensos de
estudo, reflexão e enfrentamento em defesa de uma
UFPR pública e de qualidade e de uma sociedade mais
justa. Creio que sem vocês a graduação teria sido uma
experiência bastante insípida e trivial.
Aos companheiros e companheiras do Movimento
Estudantil nacional por terem me proporcionado
espaços de grande satisfação e aprendizado,
contribuindo determinantemente para formação dos
meus ideais, da minha consciência e do meu caráter.
Aos caríssimos amigos Ana Lívia de Arruda Iwano e
Reinaldo Koiti Tanita, pelo apoio, amizade e
companheirismo durante o curso de Farmácia,
especialmente nas horas mais tensas e complicadas
da graduação.
Aos professores e servidores técnicos da UFPR que se
dedicam à emancipação humana e a formar
profissionais competentes e críticos para atuar pelo
bem da sociedade e do meio ambiente.

4
Da conquista arbitraria anunciada pelo
“terra à vista” na descoberta do Brasil,
seguiu-se a colonização violenta, em que
a escravidão teve início com os índios,
passando pelos negros africanos e
desaguando no modelo sociopolítico
atual elitista, concentrador, não solidário,
fechado, corrupto, violento, injusto e
excludente, em que não faltam
assalariados, desempregados, famintos,
sem-terra, sem-teto, sem-tudo, semnada, e falta felicidade e sobra doença e
dor”
(Galvão, 1997, pp. 16-17)

A grande preocupação que deve nos
guiar ao escolher uma profissão deve ser
a de servir ao bem da humanidade (...)
Os maiores homens de que nos fala a
história são aqueles que, trabalhando
pelo bem geral, souberam enobrecer-se
a sí próprios(...já) que o homem mais
feliz é o que soube fazer felizes os
outros e a própria religião ensina que o
ideal a que todos aspiram é o de
sacrificar-se pela humanidade.
Karl Marx (1818-1883)

5
RESUMO

A humanidade sobrevive a partir de uma constante superação científica de paradigmas.
Existem momentos históricos em que o modelo de pensamento e a materialidade
colocados já não servem para o entendimento e desenvolvimento do mundo. O ser
humano é o único capaz de, através da práxis, refletir e transformar a realidade no sentido
da evolução, pois a não evolução humana, dentro do atual contexto, significa fatalmente a
sua destruição. A concepção de saúde também é um paradigma científico que se
transforma e que evolui. Um entendimento holístico da saúde, superando o cartesianismo
e o modelo biomecânico, leva em conta o ser humano como um todo e sua relação com o
meio ambiente. A preocupação com a qualidade na comunicação e a relação profissional
de saúde – paciente são reflexos de um novo modelo que vem se aperfeiçoando e
superando o paternalismo em saúde. No caso específico da profissão de farmácia, uma
análise sobre os principais desafios da profissão frente a uma nova demanda demonstra a
necessidade de se focar o bem estar do paciente. A atenção farmacêutica e o
desenvolvimento de uma relação profissional-paciente de qualidade são ferramentas
imprescindíveis para evolução da profissão de farmácia, uma evolução em acordo com a
superação científica de conceitos e paradigmas.
Palavras-chave: Paradigmas. Relação Profissional-Paciente. Comunicação. Atenção
Farmacêutica

6
ABSTRACT

The humanity survives through a constant overcoming of scientific paradigms. There are
historical moments in which the model of thought and materiality are not good at
understanding and development of the world. Human beings are uniquely capable of,
through practice, reflect and transform reality in the sense of evolution, because the non
human evolution, within the present context, means inevitably to their destruction. The
concept of health is also a scientific paradigm that is changing and evolving. A holistic
understanding of health, overcoming the Cartesian and biomechanical model, takes into
account the human being as a whole and its relationship with the environment. The
concern with the quality of communication and the health professional – patient
relationship are reflections of a new model that has been improving and overcoming
paternalism in health. In the specific case of the profession of pharmacy an analysis of the
key challenges facing the profession to a new demand, demonstrate the need to focus on
the welfare of the patient. The pharmaceutical care and the development of professionalpatient relationship quality are essential tools for development of the profession of
pharmacy, a development agreement with the overcoming of scientific concepts and
paradigms.
Keywords: Paradigms. Professional-Patient Relationship. Communication. Pharmaceutical
Care

7
SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO .........................................................................................

10

2

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E SUA
RELAÇÃO COM OS ESTUDOS EM SAÚDE...........................................

12

ANÁLISE CRÍTICA DO MODELO ATUAL DE SOCIEDADE E A
EXCLUSÃO SOCIAL COMO DETERMINANTE PATOLÓGICO NO
PROCESSO SAÚDE-DOENÇA...............................................................

17

3.1

O COMPROMISSO SOCIAL....................................................................

24

4

O PROFISSIONAL DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM O PACIENTE –
UMA ABORDAGEM PSICOLÓGICA ...................................................... 28

4.1

OS ASPECTOS DA RELAÇÃO ...............................................................

28

4.2

CATEGORIAS DA RELAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE ...................

30

4.3

O SIMBOLISMO.......................................................................................

31

4.3.1

Curar e cuidar ..........................................................................................

34

4.4

REAÇÕES PSICODINÂMICAS FRENTE AO STRESS E À DOENÇA ....

35

4.5

O PROFISSIONAL DE SAÚDE E O ARQUÉTIPO DO CURADOR .........

36

5

A COMUNICAÇÃO EM SAÚDE ..............................................................

39

5.1

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A COMUNICAÇÃO ......................

39

5.1.1

Principais teorias da comunicação ...........................................................

40

5.2

OS ELEMENTOS DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO
DE SAÚDE ............................................................................................... 42

5.2.1

A Comunicação terapêutica .....................................................................

6

O PROFISSIONAL FARMACÊUTICO E OS DESAFIOS DA PROFISSÃO
EM FAVOR DOS RESULTADOS EM SAÚDE ........................................ 46

6.1

PRM´s – PROBLEMAS RELACIONADOS AO MEDICAMENTO – UMA
PREOCUPAÇÃO DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO ......................

46

6.1.1

Acesso ao medicamento ..........................................................................

47

6.1.2

A Eficácia e Segurança ............................................................................

47

6.1.3

O uso irracional de medicamentos e automedicação ...............................

48

6.1.4

Complacência, concordância e aderência ...............................................

50

3

44

8
6.2

CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DO PACIENTE COM A
MEDICAÇÃO ...........................................................................................

55

6.1.1

Conceitos e abordagem terapêutica do profissional de saúde .................

55

6.2.2

O significado do medicamento para o paciente .......................................

59

7

REFLEXÕES SOBRE A ATENÇÃO FARMACÊUTICA - A RELAÇÃO
PROFISSIONAL-PACIENTE E A COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA .....

62

7.1

ASPECTOS OBJETIVOS – O FARMACÊUTICO E A FARMÁCIA ..........

62

7.1.1

O profissional da Atenção Farmacêutica .................................................

62

7.1.2

A farmácia comercial no Brasil .................................................................

63

7.2

RECURSOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO
FARMACÊUTICO-PACIENTE .................................................................

65

7.2.1

Acolhendo o paciente ...............................................................................

65

7.2.2

A empatia .................................................................................................

66

7.2.3

O processo de ouvir: escuta ativa ............................................................

67

7.2.4

O aconselhamento ao paciente................................................................

68

7.2.5

“Pacientes difíceis” – Entendendo os sentimentos de raiva .....................

70

7.2.6

Assertividade............................................................................................

71

7.2.7

Conflitos ...................................................................................................

72

7.2.8

A resistência à mudança ..........................................................................

74

7.2.9

Comunicação suporte ..............................................................................

75

7.2.10 Escolhendo uma resposta apropriada ......................................................

76

7.2.11 Comunicação persuasiva .........................................................................

78

7.2.12 A relação de proximidade ........................................................................

80

7.2.13 A comunicação não verbal .......................................................................

81

8

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................

86

REFERÊNCIAS........................................................................................

88

9
1 INTRODUÇÃO

A busca pela compreensão científica do mundo, da humanidade e da inter-relação
entre ambos nos coloca em uma dinâmica de constante evolução paradigmática. O
conceito de profissional de saúde precisa estar diretamente relacionado com o conceito
de saúde (o qual é científico e, portanto, jamais absoluto) seguindo uma dinâmica
epistemológica que acompanha o desenvolvimento humano.
De fato, a concepção de saúde não é mais a mesma, restritiva, reducionista e
fragmentada de anos atrás. O estado de saúde era entendido como a ausência de
doença. Hoje, os elementos que compõe a definição de saúde são muito mais amplos e
envolvem bem estar, relação de equilíbrio considerando indivíduo, ambiente e sociedade.
Paralelamente à evolução hermenêutica do conceito de saúde, o modelo de
atenção à saúde e a atuação do profissional dessa área precisam acompanhar esse
dinamismo, transformando-se e reinventando-se de acordo com as novas necessidades
impostas por uma nova concepção científico-filosófica. O profissional que ainda mantém
seu foco de ação na doença e não no doente está indiscutivelmente ultrapassado,
obsoleto dentro do atual contexto.
A profissão farmacêutica já evoluiu consideravelmente desde o surgimento dos
primeiros boticários, que se preocupavam principalmente com a produção do
medicamento a partir dos recursos naturais. A evolução científica nos campos da síntese
química e da bioquímica analítica ofereceu novas demandas para a profissão, as quais a
sociedade de consumo ajudou a moldar historicamente. Nos dias de hoje surgem novas
demandas que lançam desafios e a necessidade de reflexão sobre uma moderna,
complementar e transformadora postura profissional. A Atenção Farmacêutica constitui-se
na principal ferramenta, uma ciência farmacêutica, que surge no sentido de suprir
demandas sociais, atualizando a profissão para que ela possa cumprir seu objetivo
perante a sociedade. O foco deste salto de qualidade se expressa no indivíduo que
exerce a profissão, no qual toda a responsabilidade recai sobre os ombros. A aquisição
de novos conceitos, o entendimento conjuntural, a necessidade de adquirir conhecimento
de novas habilidades e relacionar com as que já possui são apenas alguns exemplos das
exigências que precisam ser cumpridas pelo profissional farmacêutico para se readequar
a sua profissão. A reflexão filosófica do seu papel na sociedade talvez seja o fator mais
imprescindível, pois, concordando com Benetton (2002):
10
“Dos três pontos que caracterizam um profissional: Desenvolvimento de habilidades,
conhecimento técnico específico e crítica à contextualização de seu ofício, este último é
o que acrescenta um ‘plus’, um quê, um algo a mais que o afasta da linha limite de um
técnico robotizado bem intencionado” (Benetton, 2002)

A superação do conceito ultrapassado de saúde, a consciência de problemas de
saúde pública, tais como os Problemas Relacionados ao Medicamento (PRMs), que são
influenciados por vários fatores, desde a relação inter-pessoal até o modelo econômico e
social, permitem ao farmacêutico a atuação no sentido de colaborar verdadeiramente com
o bem estar da sociedade e com a superação das contradições nela existentes.
Os novos paradigmas relacionados à saúde consideram o paciente como sujeito
ativo e participativo do processo de recuperação da saúde. Neste sentido, se faz urgente
a apropriação de conhecimentos que promovam o desenvolvimento de habilidades de
comunicação no profissional de farmácia. Essa preocupação tem por objetivo a melhoria
da relação farmacêutico-paciente que acontece, na maioria das vezes, no ambiente da
farmácia de dispensação. A valorização da qualidade desta relação acontece por se
entender que ela é uma alternativa para o enfrentamento de vários problemas que
prejudicam o processo de recuperação do paciente. Para que o profissional possa
estabelecer uma satisfatória relação com seu paciente no sentido terapêutico é
necessário que, além da competência técnica, o farmacêutico adquira um conhecimento
transdisciplinar indispensável para a sua atuação. A compreensão da ação farmacológica,
dos sentimentos do paciente, da influência social e política são elementos dessa
transdisciplinariedade que permite uma compreensão holística do paciente e do seu
problema e uma atuação condizente com o novo modelo de atenção à saúde.
Neste trabalho buscaremos, através de uma revisão de literatura, sistematizar
elementos para reflexão em busca de uma atuação profissional comprometida com a
Atenção Farmacêutica e, conseqüentemente com o cumprimento do papel do
farmacêutico no sentido de colaborar com o complexo processo de recuperação da saúde
e da transformação social em busca de uma sociedade mais saudável.

11
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E SUA RELAÇÃO
COM OS ESTUDOS EM SAÚDE

A metodologia científica é a exigência para aquisição e sistematização do
conhecimento humano acumulado durante a história. Os meandros da busca pelo saber
científico devem ser os primeiros a serem conhecidos como condição sine qua non para
que se alcance a verdade de maneira inequívoca. As regras do método se expressam
através da aplicação das ciências que buscam atingir a verdade.
Segundo L´Andriere existem basicamente três tipos de ciências: As formais, as
empírico-formais e as hermenêuticas.
As formais são a matemática e a lógica cujo paradigma é a coerência. Isso permite
a uma máquina fazer a mesma leitura sem erro.
As empírico-formais são aquelas construídas de acordo com o modelo da física,
buscando a compreensão da realidade. O modelo das ciências empíricas formais é a
física, que é empírica e formal porque a física é feita a partir da experiência.
As hermenêuticas ou humanas são as ciências da interpretação. Ocupam-se em
interpretar os sinais em geral e os símbolos em particular. O processo interpretativo busca
por em evidência um significado imediatamente aparente. Por estarem sujeitos à
interpretação, os fenômenos podem ser vistos de maneira distinta. Isso permite que
possa haver interpretações diferentes e conflitos entre elas. Nas ciências humanas, a
verdade é consenso, e o consenso é fruto do conflito. O instrumento operacional das
ciências humanas é a crítica, porque é aí que se busca a verdade que se expressa no
debate crítico de idéias.
As três ciências – formais, empírico-formais e hermenêuticas – não se anulam, e
sim se acrescentam e se modificam mutuamente. (Ferreira, 2003)
L´Adriere, entretanto, não considera em sua sistematização os estudos da
psicanálise freudiana, através da qual novos elementos são inseridos, como a proposta
da existência do inconsciente. Ela problematiza a questão hermenêutica ao afirmar que
pessoas podem agir determinadas por reações inconscientes que elas próprias
desconhecem e que remetem á época da primeira infância, fruto de diversos conflitos
gerados durante a construção do ego. O reconhecimento da dimensão inconsciente afeta
consideravelmente a análise no campo das ciências humanas e da saúde. Portanto, seria
importante neste ponto fazer uma distinção (não sendo uma separação) entre psicanálise
e hermenêutica. Para a hermenêutica, lidamos conscientemente o tempo todo com um
conjunto de valores de cujo significado não nos damos conta imediatamente, mas ao qual
12
poderíamos ascender por meio da reflexão sistematizada. Para a psicanálise freudiana,
entretanto, estaríamos fadados a desconhecer para sempre uma porção de nós mesmos.
(Campos, 2005)
Estes conceitos da psicanálise nos colocam que o inconsciente irrompe quando
menos se espera e reflete em atitudes claramente racionais. O mais interessante é a
reflexão que Freud nos oferece de que o ser humano jamais será absolutamente
controlado pela própria razão consciente, mas que sempre estará submetido a uma
entidade própria da qual não se pode conhecer ou perceber e que pode influenciar
definitivamente suas atitudes como indivíduo.
Descartes, (2009), no período mais expressivo do Iluminismo na Europa, publica
uma obra de indiscutível relevância. Em seu “Discurso do Método”, anuncia propostas de
superação do senso comum e da busca pela verdade através do seu método científico
racional, que consiste básica e resumidamente em quatro regras:
- “Não aceitar nada como verdadeiro sem que antes tenha passado pelo crivo da razão”;
- “Tudo o que aparece como complexo deve ser dividido em tantas partes simples quanto
possíveis, pois a razão, ao focar um problema perfeitamente delimitado, tem mais
condições de resolvê-lo do que se encarar algo composto de várias maneiras”;
- “Uma vez feito esse processo de simplificação, ele deve seguir um ordenamento, de
modo que a remontagem para o composto ou complexo possa ser feita sem desvios, que
prejudicariam a verdade almejada” e,
- “Como esse procedimento pode ser retomado e repetido por qualquer um, ele deve dar
lugar a tantas revisões quanto necessárias, de modo que as contribuições e objeções de
todos possam ser levadas em consideração, pois ela é a condição mesma de
estabelecimento da verdade”.
Indiscutivelmente esses preceitos representaram um avanço incrível na maneira de
pensar, no raciocínio científico de sua época. Desconstruiu-se, a partir desse
pensamento, o dogmatismo, o preconceito, e o fanatismo da idade média. Tamanha foi a
influencia de seus pensamentos e sua doutrina na sociedade ocidental, que ela perdura
até os dias de hoje e se reflete na estruturação do pensamento cotidiano. O raciocínio
humano, no geral, habituou-se a funcionar através da pratica de dividir e classificar o
conhecimento, o que pode ser considerado uma herança genuinamente cartesiana.
Entretanto, o processo do conhecer científico (como o próprio Descartes não se furta de
comentar) é dinâmico e a verdade científica nunca é estática ou imutável, mas sempre
provisória e digna de revisão e aperfeiçoamento. Sendo assim, a superação do próprio
método cartesiano é parte desse processo.
13
O modelo pedagógico, por exemplo, que encontramos hoje em escolas e
universidades não deixa de seguir o mesmo método cartesiano clássico: Dividir o
conhecimento complexo em disciplinas, classificá-lo e entende-lo em partes para que
depois se possa compreender o todo. Uma análise empírica da aplicação desse modelo
demonstra que há falhas consideráveis nessa maneira de sistematizar o saber, já que o
objetivo central, que é a transmissão do conhecimento não tem sido alcançado com
sucesso. A observação de que há dificuldade de fazer as aproximações e relações entre
os conhecimentos adquiridos nas disciplinas é uma delas. Frente a isso, novas
estratégias, como um processo baseado em interdisciplinaridade e transdisciplinaridade
são conceitos que se oferecem como a superação deste método cartesiano clássico, no
campo pedagógico e científico.
“A visão orgânica dominou a Europa até o século XV. A natureza era vivida em termos
de relações orgânicas com interação dos fenômenos naturais e espirituais. Com
Copérnico, Galileu, Newton e Descartes no século XVI essa visão foi substituída pela
percepção do mundo como se fosse uma máquina. A mecânica newtoniana foi utilizada
pelas ciências sociais no século XVIII com a proclamação da física social, que teve em
John Lock um de seus expoentes. O iluminismo influenciou a psicologia clássica,
principalmente o behaviorismo e a psicanálise. O padrão cartesiano não só moldou a
biologia e a medicina, mas também a psicologia” (Ferreira 2003).

Na área da saúde, Descartes considera o corpo humano de maneira semelhante a
uma máquina, um relógio que eventualmente necessita de reparos em suas engrenagens
para que possa continuar funcionando corretamente. Este modelo mecanicista influenciou
marcadamente o modelo médico de atenção à saúde, que perdura até hoje, e que
negligencia as demais variáveis extremamente relevantes para funcionamento correto do
organismo.
“Descartes tinha sugerido que o corpo devesse ser estudado pelo método da ciência
natural e a alma ou a mente, pelo método introspectivo. Para a procura do
conhecimento, Bacon desenvolveu um método indutivo, Descartes, o método racional
dedutivo. Newton combinou ambos ao afirmar que tanto as experiências sem
interpretação sistemática quanto a dedução a partir de princípios básicos sem evidência
experimental não conduziriam a uma teoria confiável”. (Ferreira, 2003)

Depois de se preocupar com questões metafísicas e acreditar ter provado
racionalmente a existência de deus, Descartes partiu para o conhecimento do mundo
físico, em particular do corpo humano. Após ter formulado uma sistematização científica
que acreditava demonstrar a imortalidade da alma que em sua essência inteligível é
distinta da existência sensível, descartes afirma que o corpo humano, semelhantemente
ao corpo dos animais, funciona de forma mecânica, como se fosse uma máquina.
14
Descartes separa, incondicionalmente, o estudo da alma e do corpo e desconsidera sua
inter-relação. (Descartes, 2009)
No campo das ciências humanas e da saúde, a exagerada fragmentação
cartesiana impossibilita o correto entendimento das complexas relações humanas com o
meio, com os outros e consigo próprio. Os fatores políticos, sociais, ambientais e
psicológicos são preponderantes para a manutenção do funcionamento do organismo e
se inter-relacionam dinamicamente.
Faz-se evidente, portanto a superação do método cartesiano mecanicista para
esse tipo de estudo na área das ciências da saúde. Um método que agrupe todas as
variáveis relacionadas à saúde em seu conceito amplo de equilíbrio e bem estar é
preferível para os novos paradigmas do conceito de saúde. O método clínico de estudo é
um exemplo de um novo referencial que se relaciona à uma nova concepção holística da
saúde
“O método clínico procura sobre passar os limites do modelo cartesiano tentando
entender o ser humano não a partir da divisão mente-corpo, e sim dentro de uma
abordagem holística. O método clínico aproveitou da prática médica o que constitui sua
unidade: A convicção de que só um estudo fundo de pessoas isoladas cuja
individualidade seja reconhecida e respeitada e que sejam consideradas em situação e
em evolução, possibilitará a compreensão dessas pessoas e talvez, através delas, do
humano” (Rechlin, 1971, p.106, citado por Ferreira, 2003)

Em se tratando de um assunto relacionado à atenção farmacêutica fica ainda mais
evidente a necessidade de entender o indivíduo de maneira não fragmentada,
compartilhando seus receios, medos e demais sentimentos, entendendo a sua condição
social relacionada ao ambiente em que vive. Basta, para exemplificar a veracidade
dessas proposições, analisar o conceito de atenção farmacêutica hermeneuticamente
construído no Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica.
“É um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da Assistência
Farmacêutica. Compreende atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades,
compromissos e co-responsabilidades na prevenção de doenças, promoção e
recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde. É a interação direta do
farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a obtenção de
resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida. Esta
interação também deve envolver as concepções dos seus sujeitos, respeitadas as suas
especificidades bio-psico-sociais, sob a ótica da integralidade das ações de saúde.”
(Ivama et. al., 2002)

A

proposta

de,

através

de

uma

revisão

bibliográfica,

aprofundar

epistemologicamente a discussão científica sobre o papel do farmacêutico como
profissional de saúde, como agente crítico e transformador da realidade social, é
15
decorrente da constatação de que esse tema é relativamente negligenciado nas cadeiras
da academia, que privilegiam a formação técnica enquanto que a discussão do
compromisso político e social do estudante de farmácia se apresenta praticamente
ausente.

16
3 ANÁLISE CRÍTICA DO MODELO ATUAL DE SOCIEDADE E A EXCLUSÃO SOCIAL
COMO DETERMINANTE PATOLÓGICO NO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

Considerando que a saúde é resultado de um equilíbrio dinâmico entre o indivíduo,
na sua concepção holística de corpo e alma, e o meio em que desenvolve suas atividades
vitais, parece imprescindível uma análise da estruturação ambiental levando em conta as
atividades sociais desenvolvidas pelos indivíduos no modelo de sociedade atual e como
elas influenciam o processo saúde-doença. (Capra, 1990)
A nova concepção de saúde considera que o organismo humano é um sistema vivo
cujos componentes estão interligados e interdependentes e que é parte integrante de
sistemas maiores, isto é, está em interação contínua com o seu meio ambiente físico e
social, afetando e sendo afetado por eles. Esse entendimento não nos permite
negligenciar os aspectos físicos, psíquicos, sociais e ecológicos quando se quer conhecer
aspectos patológicos tanto físicos quanto mentais do indivíduo. (Capra, 1990)
É necessário que o profissional de saúde compreenda o indivíduo, que encontre no
paciente mais do que uma desordem ou disfunção biológica, um órgão ou tecido lesado
ou um processo infeccioso, mas que ele descubra, por trás desses problemas, um ser
humano, com suas características sociais específicas, que muitas vezes expressa no
“soma” uma patologia, um problema que é de origem social e que, portanto, deve ser
considerado como raiz do mal que o aflige. Para isso é necessário um conhecimento
mínimo de como funciona a sociedade e sua influencia no processo de adoecimento.
Consideramos que a doença ocorre por algum motivo e é na verdade uma
mensagem sendo transmitida, uma resposta a algum tipo de agressão. A sabedoria está
não em sua eliminação pura e simples, mas na compreensão dessa mensagem. A
enfermidade tem relação com aspectos holísticos do indivíduo, enquanto a doença, com
suas partes. A cada dia que passa se torna mais evidente o caráter psicossomático de
todas as doenças que acometem os indivíduos, pois são fruto de uma relação contínua
entre mente e corpo, tanto em sua etiologia quanto no desenvolvimento da cura, e que
ambas são influenciadas pelos aspectos da construção do aparelho psíquico do indivíduo,
expresso, a partir dos recônditos do inconsciente, nos conflitos do ego. (Ferreira, 2003)
Retornamos então ao discurso filosófico de superação da concepção fragmentada
do indivíduo e percebemos a relação social como fator preponderante para a manutenção
da saúde. Isso nos remete a necessidade do comprometimento social do profissional
dessa área, já que este deve se responsabilizar pelo bem estar dos indivíduos e buscar
17
incessantemente uma realidade que traga consigo o vislumbrar de uma sociedade mais
saudável.
Segundo Capra (1990), as crises no modelo assistencial de saúde são frutos de
uma visão obsoleta do mundo, da persistência da concepção mecanicista da ciência
cartesiano-newtoniana e que já não pode ser entendida em função desses conceitos. Há
necessidade de uma perspectiva ecológica, de um mundo dinâmico, interligado e
globalizado onde os fenômenos biopsicossociais são interdependentes. É necessária uma
mudança radical em nossa maneira de pensar, na percepção da realidade e nos valores,
que dêem um salto de qualidade, de uma concepção mecanicista para uma percepção
holística da realidade.
Rousseau, em seu Contrato Social (2007), afirma: “O homem nasce livre e em toda
parte é posto a ferros” Essa afirmação nos permite partir para uma análise sobre a
liberdade dos indivíduos em nosso contexto atual de relações sociais.
O modelo de convivência social é regrado por valores morais que padronizam o
comportamento. A transgressão dessas regras culmina invariavelmente em alguma
espécie de coerção, social ou jurídica. A convivência é forçada quando as regras não são
internalizadas e compreendidas através do exercício da reflexão crítica. A imposição
dessas regras cria condições ideais para violência e a exclusão. Para Nicolescu (2006),
aprender a conviver:
“Significa, antes de mais nada, acatar as normas que regem as relações entre os
membros de uma coletividade. Mas tais normas devem ser verdadeiramente
compreendidas e intimamente aceitas pelas pessoas, e não apenas obedecidas como
uma lei imposta exteriormente. ‘Conviver’ não quer dizer simplesmente
 Tolerar o outro em suas diferenças de opinião, raça e crença;
 Curvar-se às exigências dos poderosos;
 Navegar entre os meandros de inúmeros conflitos;
 Separar definitivamente sua vida interior de sua vida exterior;
 Fingir dar atenção ao outro, sem contudo abrir mão da convicção quanto à absoluta
justeza de suas próprias posições.
Porque isso transformaria a convivência no seu contrário: uma luta de todos contra
todos.” (Nicolescu, 2006)

Nesse sentido, o estudo da moral é de extrema importância para o entendimento
do modelo de exclusão social, pois ela é socialmente construída e influenciada pelo
pensamento dominante que molda o comportamento humano de acordo com seus
interesses dentro de uma estrutura desigual. Entendemos, portanto, que vivemos um
padrão de comportamento imposto por uma ética burguesa que propõe nada mais do que
a manutenção do modelo social excludente a partir da construção de uma consciência
alienada em beneficio do interesse de poucos. Essa moral alienada é perpetuada através
18
das instituições existentes na sociedade, tais como escolas, igrejas, o próprio aparato de
comunicação de massa, e até mesmo pelo estado. (Iasi, 2007)
Essas instituições, em sua maioria não estimulam o desenvolvimento do
pensamento crítico, mas visam sim educar o indivíduo de acordo com as regras morais do
modelo social, sem antes analisá-las com rigor científico através de uma reflexão
filosófica transdisciplinar.
“Quanto mais conformista, não dissidente e submisso for o cidadão, mais recebe a
aprovação social e do Estado, uma vez que renuncia a si próprio em função de valores e
regras que lhes são alheias. Esse sujeito não pode mais pensar, não consegue mais se
distanciar da realidade que vive, perde sua função de agente de sua própria história.
Transformou-se em massa, massa de manobra dentro de um sistema de produção e
consumo. Renuncia ao que caracteriza a vida social, ou seja, a possibilidade de dissenso
e da contradição, que podem existir tanto no nível microssocial, no seio da família, como
no macrossocial, no convício com a sociedade. Para abafar a ânsia contraditória
humana, bem como sua criatividade e individualidade, criaram-se os rituais de massa
que buscam homogeneizar as diferenças, tais como no Brasil, o futebol e o carnaval”.
(Ferreira, 2003)

A busca do nivelamento social se dá por um processo de amortecimento das
capacidades individuais de pensamento onde se legitima que alguns poucos pensem por
todos. A reflexão crítica e produção intelectual são substituídas pela mera reprodução do
conhecimento em favor do interesse burguês. A universidade, que teoricamente é espaço
legítimo do debate de idéias e da reflexão crítica e filosófica se transformou em uma
verdadeira indústria de massa de trabalhadores os quais adquirem conhecimento técnico
suficiente para desenvolver uma função específica no processo de produção e serviços. A
universidade tornou-se instrumento do sistema capitalista; o indivíduo, a peça
fundamental moldada para que se encaixe em suas engrenagens fazendo girar a roda do
sistema excludente e desigual por natureza e perpetuando um modelo de exploração do
trabalhado alienado. (Ferreira, 2003)
Conclui-se, a partir dessa análise, que os padrões socialmente aceitos, assimilados
pela sociedade são reflexos de uma ideologia dominante que sutilmente aliena o
pensamento e a ação. Esses padrões são extremamente influenciados pelo modelo
econômico produtivista que legitima a desigualdade por ser ela mesma o combustível que
movimenta as engrenagens do sistema.
Uma análise científica do trabalho no sistema capitalista, desde o toylorismo até o
toyotismo que acompanhou o processo de globalização nos permite vislumbrar a
especialização científica do modelo de exploração do trabalhador, o qual mercadoriza-se
ao vender sua força de trabalho e aliena seu tempo e sua vida à disposição do mercado.
19
Aqueles que, por alguma razão, não conseguem se inserir no mercado de trabalho
são inevitavelmente marginalizados. Entretanto sabemos que o desemprego é uma
condição, e não um impedimento, dentro do sistema capitalista, pois dentro do processo
de produção em que o trabalho é seu instrumento principal e mola propulsora, a
existência da pobreza, assim como do desemprego, não é apenas decorrência de
problemas do processo. O desemprego justifica e permite que o próprio sistema
sobreviva. Para que o capital tenha total controle e poder sobre o trabalho, o desemprego
e a pobreza são peças fundamentais. A manutenção de uma massa de reserva faz parte
do jogo do capital e do lucro, uma vez que essa multidão permite a troca de funcionários
sempre que o detentor do capital achar necessário aumentar seus lucros. Uma “peça”
desgastada ou quebrada (aquela mesma que passou pelo controle de qualidade da
universidade) pode ser invariavelmente substituída e jogada no lixo da marginalização
social. Os salários também podem ser achatados em decorrência da constante pressão
dos desempregados em busca de emprego, o que estimula a concorrência entre a classe
trabalhadora e permite que os salários possam ser achatados frente ao temor do
desemprego e de suas conseqüências. Desta maneira, o capital sempre tem controle
sobre o trabalho e principalmente sobre o trabalhador. (Ferreira, 2003)
Entendendo que, nas condições atuais, não há como se construir uma realidade
distante do desemprego, podemos concluir que sempre haverão setores excluídos na
sociedade. O trabalho alienado, construído sobre a areia da falsa moral, torna a classe
trabalhadora (maioria absoluta na sociedade) submissa ao patrão. O individuo nem
percebe que cercearam sua liberdade, que mataram seu senso crítico, secaram a fonte
de sua criatividade e que lhe privaram da possibilidade de expressar sua condição
humana na plenitude de sua existência. Isso gera, com o passar do tempo, inevitáveis
processos de adoecimento em massa.
Aqueles que procuram o prazer no uso de drogas, fazem mal a si próprio. Mas o
estado, igualmente burguês, lhe retira o livre arbítrio sobre seu próprio corpo, porque
corpo debilitado não gera riquezas e sua doença pode esfacelar as finanças públicas.
O sistema de saúde, quando pensado na lógica produtivista do capital tem a função
de manter o trabalhador em condições mínimas para que possa desenvolver sua tarefa e
também a massa de reserva em condições de substituir algum trabalhador que, por
ventura venha a se rebelar contra as regras ou que simplesmente exauriu suas forças
durante um longo período buscando afastar a condição de excluído. O profissional de
saúde sem comprometimento político torna-se protagonista desta novela e cumpre sua
20
função técnica e mecânica no tratamento puramente paliativo de uma doença que aflige o
corpo social.
Não é difícil concluir que o capitalismo sobrevive principalmente a partir de sua
própria perversidade. As instituições padronizam a conduta humana e a obriga a seguir
caminhos considerados desejados pela sociedade, mas ao mesmo tempo não abre
espaço para que todos possam ter acesso.
Para entender a assimetria que o nosso modelo social excludente provoca,
pensemos, por exemplo, no ingresso à universidade. As vagas oferecidas para o curso de
farmácia da Universidade Federal do Paraná no vestibular 2008/2009 eram de 108. Havia
758 pessoas que tinham a intenção de ingressar neste curso. Não é difícil concluir que
matematicamente haverá, neste processo, mais perdedores do que vencedores. A nosso
modelo social não permite que se criem 758 vagas no vestibular, pois para o modelo
econômico, a concorrência é o motor do sistema. O aparato midiático estimula o indivíduo
a sonhar com a vaga na universidade, a vaga do emprego, com a presidência da
empresa, entretanto não oferece lugar para todos. A conseqüência disso é a existência de
uma legião de derrotados, uma multidão de doentes e depressivos e uma busca massiva
pelo sistema de saúde, pelo medicamento que a indústria farmacêutica oferece como
fonte da resolução dos problemas.
O profissional de saúde que não percebe a gênese da doença serve de
instrumento, é a marionete que faz a ponte para os lucros dessas corporações
responsáveis por criar as condições ideais para a doença eternamente recorrente,
condição necessária para a utilização crônica dos produtos farmacêuticos. Está fechado o
ciclo do processo saúde doença.
“Quando observado com um pouco mais de cautela, o modelo de normalidade aceito
está subordinado a interesses econômicos e jamais leva em conta realmente o bemestar do consumidor. As grandes cadeias de fast-food tentam levar o maior número de
pessoas ao consumo de hambúrgueres, uma vez que o que importa é o lucro, o que
obviamente leva os consumidores a ganhar peso e a se desviar do padrão de beleza
“exigido” socialmente. Mas não existe problema! O capitalismo apresenta ele mesmo a
solução através dos laboratórios farmacêuticos que buscam levar o maior número de
pessoas a consumir suas “drogas emagrecedoras, como se as pessoas fossem sanfonas
à disposição da ganância. Assim, o sistema, através da mídia, incute necessidades e
valores cuja única função é fazer com que seus produtos sejam consumidos.” (Ferreira,
2003)

As atitudes normalmente tomadas pelo indivíduo buscam o afastamento da
exclusão social, pois suas conseqüências são bastante conhecidas e temidas. O sistema
oferece como única estratégia de se alcançar o sucesso a acumulação de capital, que é
diretamente proporcional ao nível de felicidade do indivíduo. Acreditando nessa premissa,
21
valores como solidariedade e altruísmo são inevitavelmente deixados de lado pela luta
selvagem em busca da acumulação de riquezas. Entretanto, o profissionalismo é fruto
principalmente desses dois valores supracitados. O profissional de saúde que navega na
inércia social do modelo econômico e que não consegue perceber as contradições do
sistema perde a sua qualidade de profissional, responsável pelo bem estar dos indivíduos
e passa a ser um explorador que extrai sua riqueza da angustia e do sofrimento alheio,
pois não compreende a finalidade utópica de sua profissão. O profissional alienado
politicamente é mais um recurso de padronização social.
“No nível mental, quem se afasta do modelo se sente pressionado a buscar um
psicanalista, um psicólogo ou mesmo um psiquiatra. No contexto orgânico, certos
padrões de beleza e alimentação devem ser seguidos e quem se afasta é conduzido a
consultar um clínico geral ou um médico especialista, porque o que se exige é que todos
adquiram uma imagem de si próprios conforme os padrões vigentes, nos quais o
interesse do indivíduo nunca é respeitado. Forças poderosas relacionadas com o
consumo costumam estar na origem dessas iniciativas e foram estruturadas de forma
nem um pouco ingênua” (Xiberras, 1993, p.30, citado por Ferreira, 2003).

Claramente, somos enganados diariamente. A classe burguesa arquitetou uma
realidade baseada em mentiras que são divulgadas incessantemente através dos meios
de comunicação, principalmente da telecomunicação, pois esta é a grande fonte de
informação utilizada pela massa, principalmente por aqueles que possuem baixa
escolaridade.
Gráfico 01

O povo brasileiro, em sua grande maioria, não cultiva o hábito da leitura –
principalmente a parcela da população com pouca escolaridade -, tem pouco contato com
22
outros pontos de vista e por isso mesmo é facilmente manipulável. A consciência alienada
da população e o analfabetismo político fazem com que o individuo assimile
incondicionalmente as informações da mídia burguesa, sem que haja uma verdadeira
reflexão crítica ou que se tenha a oportunidade de aprofundamento teórico sobre
determinado assunto para que possa ser debatido no campo das idéias. A valorização do
trabalho alienado, da competição, do acumulo de capital e do imediatismo transformou o
mundo em um ambiente caótico, doentio, estagnado, perigoso e insustentável.
“Com dinheiro, poder e sucesso temos tudo o que é preciso. Os passos até lá é que são
variados. Uns preferem a competição, a inveja, o stress, o parasitismo especulativo e a
super exploração dos mais frágeis; outros preferem o roubo, o assalto, o seqüestro, o
tráfico de drogas, as negociatas e a corrupção. O cardápio é opulento. Fica ao gosto do
freguês”. (Freire, 1994, citado por Ferreira, 2003)

Em nível macro, o projeto de modernidade surgida no século XVIII como uma
ideologia do individualismo chamada de neoliberalismo, cujo fim é o mercado e como
conseqüência o consumo, trouxe consigo a continuação do modelo colonialista de
exploração no Brasil e nos demais países da América Latina, freando sua independência
e seu desenvolvimento, principalmente no âmbito social. A miséria dos países da América
Latina sempre foi a principal fonte do abaste de riquezas dos países desenvolvidos.
Quase toda a América Latina sofreu fortes repressões às suas forças democráticas para
que pudesse ser implantado um governo que favorecesse de forma descarada os
interesses do capital em detrimento da população. Uma parte das riquezas foi roubada
através de uma política internacional de preços aviltantes imposta pelo próprio capital
para a matéria prima extraída desses países, que depois retorna à esses mesmo países
em forma de produto de alta tecnologia e preços escorchantes.
(Galeano, 2007)

Desde os primórdios do aparecimento do Europeu na América que a riqueza deste
continente foi a principal causa da miséria de seu povo, pois os abutres capitalistas não
se contentam apenas com a exploração das riquezas naturais necessitam também, em
nome do lucro, explorar a vida humana através das mais refinadas técnicas de
escravidão. (Galeano, 2007)
Não nos parece urgente a necessidade da superação do atual modelo econômico?
Os recursos naturais são explorados indiscriminadamente; em benefício de cartéis
petrolíferos, novas tecnologias para produção sustentável de energia são freadas e
desestimuladas; as doenças que mais matam no mundo são evitáveis e decorrentes das
más condições de higiene e de trabalho, assim como da falta de condições básicas de
sobrevivência; negligencia-se a morte e o sofrimento da população pobre, a indústria
farmacêutica pouco se preocupa em pesquisar medicamentos contra a malária ou a
23
doença de chagas, pois essa linha de pesquisa não prevê a geração de lucro para seus
cofres abarrotados; a miséria, a mortalidade infantil, as guerras, as doenças só aumentam
com o passar dos anos; a hipocrisia da comunidade internacional alcança níveis
astronômicos quando diz se preocupar com os problemas sociais dos países mais pobres;
as pessoas se enxergam umas as outras como adversárias, fecham-se em seu núcleo
familiar para se proteger, vivem encapsuladas em pequenos espaços que criam para
expressar sua individualidade; o patriotismo envenena a relação entre os indivíduos e
basta uma fronteira territorial geográfica para que haja motivo para o ódio incondicional.
Ao mesmo tempo em que preocupa a grande massa de excluídos e a constatação de
que cresce a cada dia seu número, isso indica a saturação do atual modelo e a
necessidade de a humanidade encontrar um novo paradigma, provavelmente a partir de
uma ruptura epistemológica porque o momento em que vivemos não é da comunidade,
mas da sociedade anônima, impessoal, a ponto de, nas cidades, coabitarem seres ao
lado uns dos outros sem nunca encontrarem tempo para entrar em comunicação. Eles
ignoram-se. (Túneis, citado por Freund, 1993, citado por Ferreira, 2003)

A partir de toda esta análise e diante da inevitável conclusão de que o nosso
modelo atual de sociedade, naturalmente excludente, é o fator preponderante na gênese
da doença em grande parte os seus aspectos e entendendo o profissional de saúde como
aquele que deve focar suas atitudes em favor da vida e do bem estar, lutando contra a dor
e a morte, podemos, sem o menor receio, afirmarmos cientificamente que o profissional
de saúde tem o dever de lutar por um novo modelo de sociedade, mais evoluído e
saudável.
O profissional de saúde que objetivar realmente expressar seu profissionalismo em busca
da saúde da população na sua concepção holística traz consigo um previsível destino de
inevitável enfrentamento com as forças reacionárias impeditivas do desenvolvimento
humano. Para tanto, este necessita estar verdadeiramente comprometido com a
sociedade.

3.1 O COMPROMISSO SOCIAL

Discutir o compromisso social do indivíduo em sua condição de profissional requer
uma análise mais aprofundada dos termos e suas significações dentro do contexto geral
da complexidade de seu sentido ontológico.
O compromisso nasce de uma decisão lúcida de quem o assume e de um
entendimento profundo daquilo com o que se compromete. A análise ontológica de “quem
24
é capaz de se comprometer” nos aproxima da essência do ato do comprometimento.
Somente a capacidade de refletir sobre sua própria existência, sobre a relação (relação
de sua existência) com o ambiente e sua influência sobre ele permite ao ser a capacidade
de comprometer-se. Sem essa capacidade o indivíduo e sua existência não conseguem
transpor os limites impostos pelo próprio ambiente. A incapacidade de reflexão dá ao ser
a qualidade de objeto, incapaz de compreender a realidade, de perceber suas
contradições e, finalmente, incapaz de exercer uma ação transformadora. Este é um ser
ahistórico, que vive sob o julgo do tempo, num tempo que não é seu, um perpétuo
presente. Sua relação com o mundo consiste no contato superficial do qual não resultam
produtos significativos capazes de marcá-lo. Segundo Freire:
“Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de ‘distanciar-se dele’ para ficar
com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o transformá-lo e, transformando-o, saberse transformado pela sua própria criação; um ser que é e está sendo no tempo que é
seu, um ser histórico. Somente este é capaz, por tudo isto, de comprometer-se” (Freire,
1979)

A ação transformadora da realidade, associada à capacidade de reflexão,
elementos indissociáveis da práxis, faz do ser humano um ser da práxis, que se
desenvolve na sua relação com o mundo e a realidade.
Aquele que se compromete, portanto, é capaz de refletir criticamente sobre a
realidade, analisando qualitativamente seu contexto e agindo no sentido do avanço e da
superação das contradições. Como o ser não existe sem mundo, a realidade
transformada transforma também o ser transformador por produzir novos paradigmas no
qual ele se insere complementarmente.
Portanto uma reflexão sobre a realidade atual nos traz elementos bastante
interessantes. Esta realidade que criou um contexto impeditivo, o qual dificulta a reflexão
e a atuação autênticas do ser, é também criação da humanidade, decorrente da reflexão
e atuação frente a uma realidade anterior. Entretanto a realidade não se transforma por si
só, mas apenas com a reflexão e atuação do homem. Como então transformar uma
realidade que existe para não ser transformada? Parece-nos fácil acreditar agora
estarmos fadados à mediocridade, ao pensamento não autêntico e à reprodução perpétua
da realidade. Entretanto, entendemos o pensamento autêntico e o agir autêntico como
elementos da natureza do ser humano, um ser da práxis. A realidade atual oferece
obstáculos à expressão de sua essência. Se em algum momento histórico esses
obstáculos não são percebidos, certamente serão em outro, pois um homem
comprometido que é impedido de atuar e refletir sente-se vazio, frustrado e ferido.
25
O compromisso do homem com a transformação do mundo, o qual deve ser
humanizado, é com a humanização do homem. Portanto, o compromisso é próprio da
existência humana e só existe verdadeiramente no engajamento com a realidade. A ação
do comprometimento consiste em uma ação corajosa, consciente e valorosa, na qual o
indivíduo perde sua condição de neutralidade, tornando-se comprometido com a
humanização daqueles que em sua condição concreta se encontram “não humanizados”.
Aqueles que optam pela neutralidade revelam apenas o medo do comprometimento
verdadeiro, tornado-se assim adeptos do pseudo-comprometimento em que o
compromisso se dá com seus próprios interesses e com a “não humanização”. (Freire,
1979)
Comprometer-se com a “não humanização” é, inexoravelmente, tornar-se
igualmente desumanizado e tornar-se desumanizado tem como conseqüência o não
comprometimento. Cabe, portanto, caracterizar o comprometimento como um processo
essencialmente solidário que cataliticamente acelera o processo de humanização até
culminar no alcance da sociedade humanizada onde cada indivíduo estaria comprometido
com o próximo num gesto pleno de amor recíproco. (Freire, 1979)
No caso específico da análise do comprometimento social do profissional de saúde,
precisamos antes entender que ele é homem (homem em seu sentido humano
independente de gênero) e, portanto, espera-se que seja naturalmente comprometido.
Está inserido em um contexto histórico social cujas inter-relações foram significativas para
a construção do eu, do ego e do superego. Dentro da atual realidade impeditiva ele pode
se

apresentar

como

ser

comprometido,

pseudo-comprometido

e

impedido

do

comprometimento real. (Freire, 1979)
O profissional, além do comprometimento natural da sua condição humana,
também assume um outro comprometimento, que é resultado de uma dívida que assumiu
com a sociedade ao tornar-se profissional. Quanto mais sistematizado o seu
conhecimento, quanto mais se apropria dos recursos da natureza, da sabedoria popular,
do patrimônio cultural, que é de todos e a todos deve servir, mais aumenta sua
responsabilidade perante a sociedade. Sendo assim, a humildade precisa ser um valor
sempre presente no indivíduo compromissado que carrega um título profissional, para que
esse título não o faça sentir-se superior ou caridoso ao realizar sua ação comprometida,
pois, de fato, não faz outra coisa que não expressar sua natureza de homem e retribuir à
oportunidade de poder colaborar de maneira efetiva na transformação social.

(Freire,

1979)
26
A transformação se opera a partir da práxis em que a finalidade é o
comprometimento humanizado. O profissional só opera a transformação de maneira
adequada quando a análise da realidade é uma análise científica, que busca a verdade,
que por si só é transformadora. A necessidade de acúmulo de conhecimento para a
superação do senso comum por uma visão crítica da realidade é o principal fundamento
que expressa o compromisso profissional. O avanço científico permite refinar os
instrumentos de reflexão e ação sobre a realidade para que o processo de transformação
seja coerente com as necessidades do momento histórico. No campo da saúde, por
exemplo, a reflexão sobre a totalidade, sobre as variáveis dinâmicas que se interrelacionam no processo, são necessárias para uma atuação em busca da humanização.
O profissional que se apropria da técnica e foca seu desempenho em partes de um todo
sem se preocupar com o todo cai na armadilha da concepção fragmentada e estática da
realidade. Seu compromisso passa a ser com a tecnologia, com o academicismo puritano
em uma corrida tecnológica que reduz o homem a um simples objeto da técnica, um
autômato manipulável.
“Se meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua
humanização, de sua libertação, não posso, por isso mesmo prescindir da ciência, nem
da tecnologia, com as quais vou me instrumentando para melhor lutar por esta causa”.
(Freire, 1979)

A tecnologia e conhecimento científicos são, assim como o conhecimento empírico
da população, manifestações culturais sistematizadas e precisam servir ao benefício da
humanidade, são ferramentas para o homem comprometido com a humanização.
A reflexão crítica do indivíduo inserido em sua sociedade permite a ele
compreender seu momento histórico e superar a atuação profissional alienada no sentido
da melhoria real da condição de seu povo. A consciência alienada não permite ao
indivíduo o estímulo ao descobrimento, à coragem do enfrentamento, do correr risco
(considerando que a própria existência humana é um risco), pois a alienação mata a
criatividade, reduz o ser humano a um objeto inerte, reprodutor da realidade, distante de
sua essência e, conseqüentemente, incapaz de se comprometer.

27
4 O PROFISSIONAL DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM O PACIENTE – UMA
ABORDAGEM PSICOLÓGICA

4.1 ASPECTOS DA RELAÇÃO

A comunicação entre profissional e paciente se dá através de um circuito complexo
de percepção consciente e inconsciente na qual ambos dialogam entre si. Esse diálogo
acontece dentro do próprio indivíduo e entre os sujeitos. Isso significa que mais do que a
comunicação verbal e mais do que a comunicação não verbal, são relevantes também
para o processo de entendimento entre os indivíduos os fatores que não podem ser
compreendidos em nível de consciência, mas que influenciam determinantemente a
conduta pessoal e a percepção alheia.
O profissional de saúde se diferencia dos demais por enfrentar batalhas diárias
contra a morte e a invalidez. Esse profissional admite à si uma parcela muito grande,
quando não o todo, de responsabilidade pela vida e bem estar dos seus pacientes. Mais
que isso, sua imagem é uma representação simbólica socialmente construída daquele
que tem o poder de salvar vidas e corrigir os problemas de saúde. Essa carga que o
profissional carrega pode gerar diversas complicações psíquicas que são frutos da
frustração e da sensação de impotência que muitas vezes inevitavelmente ele encontra
em seu caminho. Assumindo uma imagem distorcida de si próprio, este profissional passa
a agir de maneira a buscar uma auto valorização exagerada como forma de recompensa
justa à amplitude da responsabilidade assumida. (Benetton, 2002)
A questão da Neurose Narcísea, levantada por BENETTON (2002), é de extrema
relevância na gênese dos problemas internos relacionados à categoria dos profissionais
de saúde. A chamada grandiosidade narcísea se conceitua como uma defesa psíquica
contra a depressão, que por sua vez é uma defesa contra a perda do que se chama de
Self, ou seja, a perda da própria identidade. A idealização mágica, auto-imagem
deformada para a grandiosidade e arrogância, a postura onipotente, couraça afetiva, o
humor negro e outros mais são conseqüências da vivência profunda e secreta do
abandono, da negligência e da impotência. O que se caracteriza como neurose narcísea
do profissional se reflete profundamente na sua relação com o paciente. Essa neurose
traz consigo expressão de sentimentos tais como, soberania, altivez e arrogância, e,
infelizmente, na maioria das vezes esse é o patamar em que se constrói a relação
profissional de saúde-paciente.
28
“Profissionais de saúde têm sede de poder, mas o poder diferente daquele de um
general ou um presidente, é um poder ainda mais radical. O poder sobre a saúde e a
vida da população, entretanto a coroa também é a cruz”. (Benetton, 2002)

A questão do sentimento de poder e superioridade do profissional perante o
paciente cria uma relação extremamente assimétrica entre as partes. Em contrapartida o
paciente projeta uma expectativa de onipotência no profissional e se isenta do processo
de cura. Quando isso acontece, perde-se a relação de cooperação para se alcançar o
objetivo final que deve ser o mesmo para ambos.
O paciente carrega uma força curadora dentro de si. Quando se apresenta em
estado de enfermidade essa força é inibida. Cabe ao profissional de saúde estimular essa
força inerente ao indivíduo. A onipotência negligencia esse poder curador. A humildade é
um valor desprezado pelos currículos médicos. (Benetton, 2002)
Segundo Benetton (2002), para que haja um bom relacionamento profissional sem
que haja danos nem a ele, nem ao paciente é necessária uma relação de eqüidistância.
Encarar o paciente de maneira humana, porém mantendo um espaço de manobra, ou
seja, nem muito íntimo, nem muito afastado, sem que haja julgamento moral, é uma
premissa para uma atuação eficiente e para que se alcance o desfecho esperado
derivado dessa relação. A eqüidistância é condição para que paciente e profissional
saiam incólumes da relação. O profissional está diariamente em contato com diferentes
indivíduos que o procuram devido a alguma dificuldade. Considerar o paciente de maneira
humana, tendo o cuidado para não adquirir envolvimento sentimental excessivo é um
recurso para que o profissional faça seu trabalho sem prejudicar a si próprio. Não cometer
julgamento moral, estar atento à ciladas no campo do poder e o entendimento do
simbolismo do processo de adoecimento e recuperação do paciente são aspectos que
auxiliam a higienização da vinculação profissional.
Durante um processo de comunicação entre duas pessoas, acontece o que se
chama na psicanálise de relação transferencial. Essa relação é baseada no deslocamento
de afeto de uma representação para a outra ou atualização de desejos inconscientes
sobre determinados objetos e a tendência de se transferir para um novo objeto os
impulsos

reprimidos

não

satisfeitos

do

passado.

Essa

relação

acontece

inconscientemente e é resultado da projeção dos conteúdos afetivos tanto do profissional
quanto do paciente.
“Quando o paciente projeta no profissional de saúde a força curativa é preciso que este
devolva a projeção inicial que o paciente lhe fez. Se o paciente permanecer com a sua
própria força de cura projetada para fora de si, sobre o profissional de saúde, terá seu

29
processo de reabilitação muito prejudicado. Do outro lado, o profissional reintrojeta suas
fraquezas e vulnerabilidades, sem esquecer delas”. (Benetton, 2002)

O profissional necessita superar a neurose narcísea e empoderar o paciente, coresponsabilizando-o pelo processo de cura e fazer o possível para passar a energia e a
colaboração necessária para que este consiga reacender sua chama curadora em busca
do re-equilíbrio e da recuperação da saúde. O paciente, quando se encontra passando
por um processo de debilidade causado pela sua doença, apresenta uma condição
fragilizada. Muitas vezes o que mais necessita é de um estímulo para recobrar forças
interiores que ajudam a superar esse período repleto, muitas vezes, de dor, sofrimento,
desesperança e sensação de impotência.
O cuidado é a primeira atitude que o paciente percebe como sendo reanimadora. O
simples fato de ser ouvido, compreendido ou medicado muitas vezes é suficiente para
introjetar esperanças que revigorem sua força curadora. Para que isso aconteça, primeiro
é necessário que o profissional enfrente e admita a tarefa de humanizar-se. Isso significa
romper com o sentimento de onipotência, sobre a saúde das pessoas, admitir suas
fraquezas, compreender suas limitações e qual o seu papel na promoção de saúde e até
onde vão suas responsabilidades. Saber dividir a responsabilidade pelos resultados do
tratamento com o próprio paciente é o primeiro passo para humanizar a relação. O
profissional que não souber humanizar suas relações poderá sofrer com intoxicações
psíquicas construídas durante a carreira e projetará no paciente suas frustrações e
impotências.

4.2 CATEGORIAS DA RELAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE

Ao se classificar as categorias da relação profissional-paciente se observa
principalmente como as partes se consideram, ou se enxergam no processo de
recuperação da saúde. Sendo assim, podemos classificá-las em pelo menos três: A
relação Objeto-Sujeito; Sujeito-Sujeito; e Objeto-objeto. (Benetton, 2002)
A relação objeto-sujeito, em que o profissional é o sujeito e o paciente o objeto
acontece de maneira que o profissional de saúde se coloca como único agente curador,
negligenciando a participação do paciente no processo, produzindo uma assimetria
abismal entre as parte. O narcisismo profissional o impede de compartilhar a
responsabilidade, ele precisa demonstrar que é o grande conhecedor do processo de cura
e o paciente precisa apenas obedecer. Neste tipo de relação o paciente é coagido a
30
seguir “rituais de cura” do tipo: “Tome estes medicamentos, 3 vezes ao dia, durante as
refeições, não tomar sol excessivo, repouso absoluto, retorne em 20 dias, etc. O
profissional claramente não se importa com a opinião e nem leva em conta as condições
sociais e psicológicas do indivíduo. Por exemplo, ele negligencia o fato de que talvez este
paciente não faça três refeições por dia, ou de que talvez, por conta do seu trabalho ele
necessite se expor ao sol e que o repouso absoluto durante certo período de tempo
poderia fazer com que ele perdesse o emprego, entre outras variáveis individuais. O
profissional considera o indivíduo numa visão claramente cartesiana e reducionista.
A relação profissional objeto e paciente sujeito acontece mais raramente e
geralmente é devido à um postura desmotivada e desinteressada do profissional de saúde
ou então pode estar relacionados à fatores burocráticos e impeditivos da instituição em
que desenvolve suas atividades ou do sistema de saúde, o que acaba prejudicando a
ação profissional. Esta relação se caracteriza principalmente pelo não comprometimento
do profissional com a saúde do paciente, perdendo dessa maneira toda a confiabilidade e
crédito. O que se estabelece então é uma relação superficial do tipo empregado-patrão
em que a prestação de serviço é mecânica e vazia.
A relação mais ideal é aquela em que ambos, profissional e paciente, são
considerados reciprocamente como sujeitos ativos e agentes no processo. A relação
sujeito-sujeito é aquela a qual o profissional divide sua responsabilidade com o paciente,
fazendo-o sentir-se dignificado e importante. O sentimento de cooperação e respeito
mútuo vigora neste tipo de relação. Os fatores que normalmente impedem o
desenvolvimento dela estão relacionados à soberba por parte do profissional e ao medo e
insegurança por parte do paciente.
Talvez a relação profissional-paciente mais prejudicial é aquela em que ambos são
objetos. Trata-se de uma relação em que a desconfiança mútua é o principal sentimento.
O profissional encara o paciente como a um enfrentamento, algo que o chateia e o
paciente sente-se fragilizado e excluído por sentir necessidade de ajuda e procura o
profissional como seu último recurso. Durante a relação à frieza e a formalidade são
excessivos e o tempo custa a passar, já que a relação é percebida como um período
desagradável o qual ambos são obrigados a vivenciar.

4.3 O SIMBOLISMO

31
A comunicação humana é repleta de vícios, silogismos, figuras de estilo e refletem
a questão cultural e a personalidade dos indivíduos. As personalidades são padrões
duradouros de percepções, relações de pensamento acerca do ambiente e de si mesmo.
A personalidade é exibida em uma enorme variedade de complexos sociais e pessoais,
que são resultantes de grupos de conteúdo psíquico que passam a atuar no inconsciente
influenciando a conduta de maneira autônoma (Benetton, 2002). O conceito de
simbolismo está relacionado com a concepção que as pessoas trazem imbutidas à
determinadas idéias ou objetos. Simbolismo significa lançar junto, considerar que algo
está junto à primeira captação.
Na questão específica da comunicação em saúde para o desenvolvimento da
relação profissional-paciente, é preciso ter em mente que o objeto de estudo é o ser
humano e todas as suas variações, contradições, emoções, interpretações, relações
sociais e complexidades. Não é possível estudar essa relação considerando o paciente
como uma máquina, sem o aprimoramento dos conceitos de multi e interdisciplinaridade,
principalmente da relação entre as ciências humanas e as ciências da saúde. A
compreensão do paciente exige simpatia, empatia e uma abordagem holística do
indivíduo, amparada no que a psicologia em saúde pode oferecer.
O processo de adoecer precisa ser compreendido simbolicamente. Mais do que
simplesmente sentir dor ou experimentar uma limitação, a doença se relaciona a todos os
aspectos psicológicos do indivíduo. Ao se sentir doente, os sentimentos de impotência,
angústia, medo, frustração entre outros podem vir acompanhados da doença. A
associação com a morte, o castigo divino, a culpa, a desgraça podem ser representações
simbólicas da doença, dependendo dos aspectos culturais do paciente. Não é apenas a
doença, mas um desencadear de vários fatores que vêm acompanhados, associados
simbolicamente a ela.
O próprio indivíduo, ao ser visto como profissional de saúde, é revestido por uma
gama de valores simbólicos associados pelo paciente. O profissional quase sempre está
relacionado com a saúde, o triunfo sobre a morte, a cura e a esperança. Esse simbolismo
é projetado no profissional, que deve ter cuidado para não assimilar esses conceitos de
maneira inadequada. Cabe a este interpretar os fenômenos expressos no indivíduo, que
podem ter origem mental, corporal, espiritual, social, etc. Geralmente encontram-se interrelacionados, entrelaçam-se simbolicamente, tanto na saúde, quanto na doença. É
preciso verificar o fato de que, no nosso contexto econômico, a saúde é algo que se
vende. Trata-se de um padrão necessário para aceitação social, que se transforma em
mercadoria. Portanto ser saudável é um pré-requisito para que se possa ser aceito
32
socialmente. Considerar que exclusão social é um fator decisivo no processo saúde
doença nos faz percorrer um círculo vicioso, que só será superado à partir de um novo
enfoque.
Como somos ensinados à classificar as coisas e os pensamentos, aprendemos a
estudar a doença e a saúde como dois opostos. A saúde é o que é bom, desejado,
esperado. A doença é o mau, a praga. Aquilo que se combate. Parece indiscutível.
Entretanto, a partir de uma visão transdisciplinar e dialética do estudo em saúde acaba-se
por se conceber o mundo, as coisas, e o ser humano de uma maneira um pouco
diferente.
“A sociedade Atual Criou uma concepção de realidade que afasta a idéia de que o
sofrimento é inerente ao ser humano. A tecnologia e a ciência criaram uma ilusão de que
o ser humano precisa estar perfeito. A menor disfunção precisa imediatamente ser
corrigida, não levando em conta que a vida é equilíbrio instável com o meio ambiente. É
o consumismo em saúde, imediatista e desesperado sobre as bases de um pensamento
ingênuo” (Benetton, 2002)

Partindo-se de uma visão transdisciplinar, a saúde e a doença são, na verdade,
complementares e indissociáveis para o equilíbrio entre o indivíduo e a natureza, ou seja,
não há saúde sem doença quando analisada sob a luz de uma concepção de dinamismo
e flexibilidade. Este raciocínio nos permite compreender que a doença é necessária. A
saúde plena, a inexistência de sintomas, tende a alienar o indivíduo de sua própria
corporaneidade. A doença tem a função de calibrar, desorganizar e reorganizar, a partir
de um processo dinâmico de experimentação e vivência. O paciente adoece por estar
praticando um benefício para seu equilíbrio psíquico. A psicanálise moderna sustenta a
hipótese de que, muitas vezes, o indivíduo busca a doença, ainda que inconscientemente,
como uma forma de resolução dos conflitos adquiridos na infância. Conceitos tais como
posição esquisoparanóide, complexo de édipo, culpa e vínculo têm sido úteis para auxiliar
nossa compreensão.
O Complexo de Édipo freudiano, modificado por Melanie Klein, aponta a influência
da posição esquisoparanóide, experimentada principalmente durante os primeiros três
meses de vida, na produção da ansiedade persecutória, resultante da percepção parcial
(“bom e mau”) e um mesmo objeto familiar (relacionado ao pai ou à mãe). Por meio dos
mecanismos de introjeção ele busca incorporar as sensações boas, o objeto bom e, do
mecanismo de projeção, livrar-se, do objeto “mau”, destruí-lo. Com o fortalecimento do
ego o indivíduo começa a desenvolver a percepção integrada dos objetos e, dependendo
do grau de frustração sofrido durante a etapa de posição esquisoparanóide maior será o
grau de destrutividade relacionado a eles (Objetos familiares – pai e mãe). As sensações
33
ambivalentes relacionadas esse objeto, que na verdade é o mesmo de amor e ódio
integrado à figura paterna ou materna, permanecerão em conflito durante o
desenvolvimento adulto. Esse conflito inconscientemente impulsiona o indivíduo a adquirir
a doença como forma de resolução de seus conflitos edípicos. Ferreira, (2003) em seu
estudo com paciente com AIDS utiliza este suporte teórico psicanalítico para explicar
parcialmente, o motivo da infecção ocorrida entre indivíduos que possuíam informação
sobre os métodos de contágio e prevenção e que mesmo assim se infectaram:
“A partir dos estudos da psicanálise, estamos inclinados a crer que a contaminação pelo
HIV não de deu por acaso, porém foi procurada como uma tentativa de resolução de
conflitos infantis relacionados com o complexo de Édipo. O indivíduo, agora adulto busca
aplacar sua culpa, resultante dos sentimentos persecutórios desenvolvidos na infância,
expondo-se à contaminação e ao sofrimento de ter AIDS.” (Ferreira, 2003)

Para muitos pode parecer uma heresia, um disparate afirmar que a doença trás
benefícios ou que é procurada pelo indivíduo, principalmente quando analisado à partir do
modelo biomédico reducionista. Entretanto, a doença tem seu papel indiscutível, que é o
de conscientizar o indivíduo de sua condição vulnerável e efêmera. Isso leva a um novo
patamar de entendimento de si próprio, necessário para que se alcance o “equilíbrio
saúde-doença” como resultado de um conflito dialético perpétuo. (Benetton, 2002)

4.3.1 Curar e cuidar
Etimologicamente as palavras curar e cuidar possuem significados semelhantes,
todavia no dias de hoje se dá uma importância muito maior à primeira, pois está
relacionada com a eficiência da superação da doença e o alcance da saúde.
A palavra cuidar tem relação simbólica com características femininas. O papel da
mulher na sociedade, construído historicamente, nos remete deste os tempos primitivos a
sua atividade de cuidado, atenção e carinho. A mulher, delicada e sensível, cuidava dos
bebês e fazia a comida. O homem, mais rústico e forte, caçava e pescava. Essa relação
de tarefas continua bastante presente, mesmo nos dias atuais, em que a mulher tem
conquistado muitos direitos frente ao preconceito e ao machismo. A herança histórica, no
entanto, influencia, ainda que inconscientemente, este simbolismo em relação ao gênero.
Há alguns anos atrás a profissão de enfermagem era necessariamente uma profissão
feminina, pois envolvia os aspectos de cuidado e carinho por parte deste profissional. A
medicina passou a se tornar a ciência da cura e foi massivamente ocupada por homens,
por seu caráter associado ao raciocínio prático,lógico e mecânico. Com os avanços da
ciência e da tecnologia e o triunfo do modelo capitalista, o cuidado foi negligenciado. A
34
prática em saúde que antes era regida por um princípio de acolhimento e conforto foi
substituído por um princípio de resolutividade e imediatismo.
“Assistir é muito mais do que curar, é cuidar, mesmo que não objetive a cura ou leve a
ela. Cuidar para Leininger (1988) é promover, manter, recuperar a saúde ou originar
melhores condições de vida através de meios que vão além das necessidades físicas,
emocionais e sociais dos indivíduos. Ou seja, existe uma predisposição em reproduzir a
visão de mundo compatível com o paradigma emergente e isto levou Capra (1990) a
afirmar que as ‘enfermeiras se colocam na vanguarda do movimento holístico da saúde’”
(Marcon; Elsen, 1999)

O cuidado é a essência da atividade em enfermagem, entretanto as demais
profissões de saúde necessitam desenvolver essa atividade dentro de seu campo de
trabalho ao estabelecer contato direto com o paciente. Na atenção farmacêutica, mais do
que aconselhar sobre como usar um medicamento, o farmacêutico precisa ter a
preocupação com o resultado da medicação em favor da qualidade de vida do paciente.
Isso faz com que a relação dê um salto de qualidade. O mesmo vale para médicos,
fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e demais profissões da área da saúde. A
execução de uma tarefa pertinente a sua qualificação profissional deve buscar um
objetivo final que seja comum: auxiliar a recuperação através do cuidado, que pode ter
como resultado também a cura ou o controle da patologia.

4.4 AS REAÇÕES PSICODINÂMICAS FRENTE AO STRESS E À DOENÇA

Segundo Benetton, (2002) são descritos, de maneira semelhante por vários autores
[Kubler-Ross (1981), Nichols (1985), Abrams e cols. (1986) e Assumpção (1987)] cinco
fases pelas quais os pacientes passam quando descobrem que estão doentes. Essas
fases são reações, mecanismos de defesa do psiquismo em busca da auto-preservação
psíquica. Elas geralmente obedecem uma ordem de acontecimento acompanhando a
evolução do processo de convivência com a nova realidade. Negação, ira, barganha,
depressão e aceitação, são normalmente as reações observadas durante esse processo
de adaptação psíquica.
A Negação é um mecanismo de defesa psíquico imediato em resposta a noticia da
doença, é a não aceitação da nova realidade, a fuga da verdade, que provoca dor e
sofrimento. A duração desse quadro é variável, dependendo muito da patologia e da
situação psicológica do indivíduo. Ao profissional cabe a tarefa de acompanhamento
desse paciente, procurando paulatinamente fazer com que se tome consciência da nova
35
realidade. A partir do momento em que não for mais possível negar a doença, a negação
dá lugar a Ira.
A ira é um sentimento secundário de defesa. O paciente na verdade se sente
injustiçado, acredita não ser merecedor da doença e, em alguns casos a percebe como
um castigo resultante de transgressão moral. A frustração devido aos limites impostos
pela nova realidade gera a sensação de raiva, que é a maneira que o paciente encontra
de tentar manter sua dignidade. É a reação de quem prenuncia o desprezo, a exclusão e
a morte.
A partir do momento em que não se pode mais negar, nem culpar alguém é que
surge o mecanismo de barganha. Ela significa que o paciente já está consciente de sua
própria condição e das limitações da nova realidade. Agora o paciente procura encontrar
soluções para superação das limitações ou para a adaptação a elas, pois já compreende
sua situação, principalmente quando se trata de doenças crônicas, como diabetes.
Em alguns tipos de enfermidade, a barganha pode dar lugar à depressão. A
depressão neste caso é entendida como uma espécie de rebaixamento do humor que é
resultado da presença da enfermidade primária, também chamada de depressão reativa à
doença propriamente dita. Há uma tendência a não colaboração, pois o paciente torna-se
triste e desesperançoso frente a sua sensação de impotência. Em caso de pacientes
portadores de doenças muito graves cujo desfecho inevitável é a morte prevista dentro de
um tempo estabelecido, outro tipo de depressão se apresenta no paciente, a chamada
depressão preparatória. Essa é a fase que antecede a aceitação do inexorável destino de
falecimento em breve.
A aceitação é a última fase desse processo. A aceitação não deve ser confundida
com resignação ou desistência. Em casos de doenças crônicas, a aceitação é condição
necessária para que o paciente consiga restituir o equilíbrio dinâmico, assimilando as
superações impostas pela doença e restituindo sua autonomia a partir de uma releitura de
valores que culmina em uma vida mais saudável e prazerosa. Em caso de doenças
terminais, a aceitação pode ser considerada um entendimento tranqüilo de sua condição,
e um período de reflexão filosófica sobre o inevitável encontro com a morte.

4.5 O PROFISSIONAL DE SAÚDE E O ARQUÉTIPO DO CURADOR

O processo de evolução histórica do conceito de profissional de saúde remete aos
tempos primitivos dos shamans, quando se acreditava que a doença estava relacionada
36
com o castigo divino ou com os espíritos maus. Era função dos shamans estabelecer
contato com o ser divino e aplacar sua ira, assim como afastar os espíritos maus de
dentro do paciente. O poder do shaman é único, pois somente ele tem as habilidades
para conversar com os deuses e curar o indivíduo. Outro momento histórico muito
relevante para a construção da imagem arquetípica do profissional de saúde é durante o
império grego em que as representações divinas do politeísmo aproximava muitíssimo
alguns Deuses à figura do profissional de saúde, como é o caso de Eros e de Baco. Com
o surgimento do cristianismo, uma nova visão dialética da saúde começa a surgir. Jesus
Cristo agora é grande curador ao realizar milagres de cura por onde passava. (Benetton,
2002)
O arquétipo do Curador assume uma representação que se aproxima do divino.
Essa representação coletiva cria expectativas sobre o profissional de saúde que podem
produzir a intoxicação da relação com o paciente. O profissional busca atender
expectativas que estão além de sua capacidade e acaba fazendo uso indevido da
representação simbólica que lhe é atribuída. Como não pode ser Deus, o profissional age
de maneira semelhante para atender a expectativa do paciente, fazendo uso dos “poderes
que lhe são atribuídos”, tais como onipotência e autoridade divina. Utilizar essa estratégia
serve apenas para eclipsar sua incapacidade de atender àquilo que o paciente espera do
profissional. O resultado é a intoxicação da relação, processo no qual ambas as partes
acabam se frustrando.

O profissional precisa ser honesto com o paciente, desmistificar

sua profissão e buscar em uma relação de confiança e colaboração os resultados em
saúde.
A relação-profissional paciente precisa ser entendida como uma relação entre dois
seres humanos. O profissional de saúde presta ajuda a si próprio ao ajudar o paciente. O
altruísmo em saúde serve também para melhorar sua própria condição, pois ao se
dispensar amor ao próximo, no fundo busca-se reparar o amor próprio. Compreendendo
essa dinâmica é possível inferir que o amor próprio e o amor ao próximo são na verdade
dependentes entre si. Em uma representação cristã, o profissional é o irmão e não o Pai.
O modelo médico de saúde, entretanto, criou um afastamento formal do sentimento de
amor em uma relação profissional, o que favorece a superficialidade dessa relação.
“Há uma resistência à admissão de quanto o amor, o interesse, a dedicação franca, a
aproximação afetiva, o toque caloroso e quantas outras intenções ou gestos desta
categoria possam ter peso ou importância no processo de reestruturação da saúde. Há
uma vergonha em amar, ou ainda a mesma resistência desses fatores pode adoecer ou
piorar o estado de saúde de uma pessoa.” (Benetton, 2002)

37
A dialética traz para a profissão de saúde a união entre o subjetivo e o objetivo. As
profissões de saúde podem ser consideradas agora ciências humanas, além de
biológicas. O profissional de saúde sem compreender a concepção humanística e
holística da saúde é mero utilizador de tecnologia.
A concepção arquetípica do profissional de saúde endeusado e onipotente perturba
a qualidade da relação profissional paciente. A comunicação honesta, sincera e horizontal
é condição necessária para o estabelecimento de uma relação positiva que atinja a sua
finalidade terapêutica.

38
5 A COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A COMUNICAÇÃO

É da natureza humana se comunicar, pois se trata de um ser sociável que possui
habilidades cognitivas bastante desenvolvidas, o que possibilita que essa comunicação
aconteça de tal peculiar maneira que influencie historicamente o desenvolvimento
humano. Logo, é uma ferramenta que se aprimorou com o seu desenvolvimento sendo
que foi concomitantemente uma das causas de sua própria evolução por seu papel
determinante na evolução humana. Nós pensamos, refletimos, agimos e posteriormente
refletimos sobre as ações realizadas. Existe algo nos seres humano que lhes permite
compartilhar com seus semelhantes a vivência do processo histórico por meio da
comunicação.
“A comunicação é vista como ‘performance, execução e desempenho relacional’ e surge
como processo de construção de modos de realidade social e não um mero intercâmbio
de mensagens, não sendo, portanto, um modelo linear. Essa visão está em consonância
com um vir a ser de forma interdisciplinar, criativo com a integração de saberes”.
(STEFANELLI; CARVALHO, 2005)

As teorias da comunicação estruturam o conhecimento sobre o assunto levando
em consideração o indivíduo e a sua relação social e cultural, que são como fatores
dinâmicos e interdependentes.
A construção do aparelho psíquico do modelo Freudiano se dá essencialmente
através da percepção sensorial e da comunicação intrapessoal, interpessoal, de grupo e
cultural. Essa comunicação é de extrema relevância na construção do superego, do Eu e
da mente como derivação dos processos sociais cognitivos e definições geradas por ele.
Quando uma criança sente alguma necessidade, algum desconforto, procura de alguma
maneira comunicar esse desconforto. Essa comunicação se faz por sons desconexos ou
por gestos relativos à sensação. Com o passar do tempo, a criança assimila os códigos
verbais que a levam à satisfação de suas necessidades mais eficientemente.
A comunicação se dá, portanto, considerando-se variáveis que a influenciam e que
são influenciadas por ela num processo dinâmico e interdependente. Uma característica
importante da comunicação humana é que ela não se limita ao presente, mas permite que
fatos que aconteceram no passado possam ser sistematizados, documentados e

39
passados aos outros, como forma de aprendizado para nortear decisões futuras.
(STEFANELLI; CARVALHO, 2005)

O ser humano é indissociável da comunicação. Mesmo o esforço no sentido de não
se comunicar expressa a comunicação desse esforço. Qualquer forma de comportamento
comunica uma mensagem. As variáveis que influenciam a comunicação são tantas e tão
dinâmicas que é possível afirmar que uma comunicação, a rigor, jamais se repete.
(STEFANELLI; CARVALHO, 2005)

Quando um indivíduo sente dificuldade em se comunicar, seja devido a uma
questão lingüística ou cultural, sentimentos relacionados à solidão, incapacidade e
abandono acompanham esse fato. Pacientes, já fragilizados pela doença, são ainda, na
maioria das vezes, desestimulados a se comunicarem no modelo assistencial biomédico
de saúde que coloca o profissional como único sujeito do processo. Este exemplo nos faz
refletir sobre a necessidade da melhoria das relações de comunicação como ferramenta
fundamental no processo terapêutico. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005)

5.1.1 Principais teorias da comunicação
O estudo da comunicação interpessoal leva em conta a necessidade de
aproximação, aceitação, afeição e controle na interação entre dois indivíduos, como eles
se percebem e se compreendem, os diferentes graus de rejeição e atração e suas
variáveis e a geração do conflito interpessoal resultante de concepções e interpretações
divergentes. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005)
É importante notar que a comunicação interpessoal é aquela que está mais
marcadamente presente na relação profissional-paciente.
A comunicação em grupos surge da necessidade em se manter o grupo enquanto
esta formação ainda é vantajosa no sentido de atender as expectativas individuais de
seus componentes. A dinâmica das relações em grupo se estabelece através de relações
interpessoais com o objetivo de proporcionar um nível ótimo de satisfação a todos os seus
membros. Essa satisfação deve estar relacionada com as expectativas de alcance de
determinados objetivos. Em uma interação de um grupo multiprofissional, por exemplo,
espera-se que os objetivos sejam muito semelhantes e a organização em grupo aconteça
por se entender que desta maneira estes objetivos serão alcançados mais fácil e
eficientemente. Surge daí a necessidade de desenvolvimento de técnicas de
comunicação interpessoal dos membros do grupo.
A comunicação no contexto de uma organização humana é um fator central para o
funcionamento dessa organização. A preocupação com a transmissão de mensagens,
40
seja hierárquica ou horizontalmente, é sempre um desafio durante a formulação de
estratégias administrativas. Em um hospital, por exemplo, a comunicação administrativa
está relacionada com a transmissão de mensagens que expressem idéias, fatos ou
ordens. Neste exemplo, existe ainda a comunicação com o paciente, que acontece
mediante os profissionais de saúde e que faz parte do processo de recuperação deste
paciente. Além desses dois tipos de comunicação, há também aquilo que se chama de
sistema de comunicação, que consiste na aplicação de recursos de comunicação gráfica,
audiovisual e de sinalização. Qualquer falha que ocorra no âmbito da comunicação nessa
organização repercutirá em prejuízo da qualidade da assistência prestada pela instituição
ao paciente.
Outra forma de comunicação que influencia nosso cotidiano é a chamada
comunicação de massa, em que a mensagem é aquela veiculada através da mídia, de
uma fonte para um grande número de receptores. Existe aqui a necessidade de se
compreender o conceito de massa, para que se possa compreender a natureza da
comunicação de massa. Segundo a corrente hipodérmica da comunicação, a massa seria
definida como um grupo de indivíduos que estão isolados de suas referências sociais, que
agem de maneira egoísta buscando a própria satisfação. “Uma vez perdido na massa, a
única referência que um indivíduo possui da realidade são as mensagens dos meios de
comunicação”.
Existem vários tipos de teorias da comunicação de massa. O modelo estrutural
infere que as mensagens transmitidas são interpretadas de maneiras diferentes, de
acordo com o público receptor. Essas interpretações dependem do conteúdo da
mensagem, a qual geralmente se acompanha carregada de um valor simbólico que é
socialmente construído. A mensagem pode ter vários efeitos no público alvo e depende
muito do seu real objetivo. Ela pode ser transmitida com o intuído de informar, de entreter
e de divulgar. Entretanto a comunicação de massa contemporânea pode trazer alguns
elementos nocivos de acordo com os interesses do emissor, quando se caracteriza pela
intenção de alienar o pensamento, estabelecer padrões de comportamento que
interessam a uma classe dominante, construir uma idéia equivocada para benefício de
uma minoria ou simplesmente para sustentação do atual sistema. Neste sentido outra
teoria de comunicação, chamada teoria crítica da comunicação se apresenta bastante
atual e coerente:
“Inaugurada pela Escola de Frankfurt, a Teoria Crítica parte do pressuposto das teorias
marxistas e investigam a produção midiática como típico produto da era capitalista.
Desvendam assim a natureza industrial das informações contidas em obras como filmes

41
e músicas: temas, símbolos e formatos são obtidos a partir de mecanismos de repetição
e produção em massa, que tornam a arte adequada para produção e consumo em larga
escala. Assim, a mídia padroniza a arte como faria a um produto industrial qualquer. É o
que foi denominado indústria cultural. Nesta, o aspecto artístico da obra é perdido. O
imaginário popular é reduzido a clichês. O indivíduo consome os produtos de mídia
passivamente. O esforço de refletir e pensar sobre a obra é dispensado: a obra
‘pensaria’ pelo indivíduo”. (Wolf, 1995)

A relevância dessa categoria de comunicação na construção do valor simbólico do
medicamento, por exemplo, trouxe várias conseqüências para a profissão farmacêutica e
a saúde pública. Mensagens que estimulam o uso irracional de medicamentos criaram
uma distorção da realidade com base na desinformação e na desonestidade, o que
favorece aos interesses de grandes corporações em detrimento do bem-estar social.
Segundo a reportagem de setembro de 2009 da revista Super Interessante, cerca
de 30 a 40% de todo o lucro das indústrias farmacêuticas é reinvestido em ações de
marketing. As punições em forma de multa aplicadas às indústrias por veicularem
propagandas ilegais representam apenas 0,06% do montante investido em marketing.
A padronização do comportamento humano de acordo com interesses dominantes
trás consigo a estagnação do desenvolvimento cultural, científico, social e pessoal.
Durante o desenvolvimento de uma atuação profissional, o processo de
comunicação muitas vezes acontece em todos os níveis, desde o intra e inter-pessoal até
o de comunicação organizacional e de massa. O conhecimento das terias da
comunicação é importante para que haja uma reflexão crítica e um aprofundamento
teórico do assunto, que podem auxiliar o profissional a compreender melhor a dinâmica e
a complexidade da comunicação em saúde.

5.2 - OS ELEMENTOS DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO DE
SAÚDE

Para que haja comunicação é necessário que alguém sinta a necessidade de
transmitir alguma mensagem. Esse alguém, o emissor da mensagem utiliza recursos de
linguagem, tais como a escrita, a fala, os gestos corporais e suas variações para se
expressar, influenciado por sua cultura, suas crenças e valores. O pleno sucesso da
transmissão da mensagem acontece quando o receptor a interpreta de acordo com aquilo
que o emissor buscava evidenciar. O sentido da mensagem (enviada pelo emissor e
interpretada pelo receptor) deve ser comum ou muito semelhante. A confirmação desse
objetivo se consegue através de uma resposta ou “feedback” do receptor. Essa resposta
42
precisa existir pelo fato de a comunicação ser um processo recíproco. A comunicação
pode ser considerada positiva quando produz um efeito no receptor, seja ele físico,
emocional ou cognitivo. Significa que a mensagem foi percebida e gerou uma resposta.
Em um processo de comunicação entre o profissional e o paciente pode acontecer de o
paciente não concordar com as sugestões ou conselhos a ele comunicados, entretanto,
isso pode significar que a comunicação teve sucesso, pois, ainda que não tenha sido
convincente, a mensagem foi entendida pelo receptor. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005)
As variáveis mais comuns envolvidas, e que interferem no processo de
comunicação estão relacionadas, principalmente com os atores da comunicação, o
linguajar e o ambiente.
A primeira mensagem que um profissional de saúde comunica ao paciente é o seu
humor e a essência de sua personalidade. A percepção consciente de si próprio deve
compreender o efeito produzido no paciente. A compreensão do paciente por parte do
profissional e o efeito que este produz naquele pode ser um passo importante para o
estabelecimento de uma relação sincera e de confiança. O entendimento do paciente e de
si próprio como seres humanos responsivos a estímulos emocionais, físicos, culturais e
sociais, a percepção da condição humana fragilizada do outro e as diferentes respostas
frente a essa realidade permitem que a atitude profissional seja pondera e benéfica.
A linguagem utilizada deve ser aquela que melhor se adéqüe ao contexto cultural
do paciente. Seria incoerente e até mesmo estúpido explicar ao paciente diabético, por
exemplo, que seu medicamento age inibindo a enzima Hidroxi-Metil-Glutaril Coenzima-A
Redutase. Essa atitude demonstraria apenas insegurança e intenção de verticalizar a
relação por parte do profissional. O objetivo da mensagem é que ela seja percebida,
decodificada e assimilada pelo paciente e não o contrário. A linguagem do cuidado em
busca da recuperação precisa ser a da colaboração, do compromisso e da atenção. Para
tanto a utilização de um vocabulário que permita clareza e compreensão mútua é
imprescindível.
A questão ambiental está relacionada com a comunicação não verbal e será
discutida mais adiante com maior cuidado. Trata-se, simplificadamente, das mensagens
que o paciente percebe do ambiente e de como ele as interpreta. O ambiente precisa ser
condizente com as atividades realizadas nele e deve oferecer um mínimo de conforto para
que o paciente se sinta a vontade e seguro. Temperatura, fluxo de pessoas,
luminosidade, limpeza, os objetos e sua disposição influenciam contundentemente a
mensagem verbal.
43
A atenção farmacêutica e os novos paradigmas de saúde
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A atenção farmacêutica e os novos paradigmas de saúde

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ RANGEL RAY GODOY OS NOVOS PARADIGMAS DE SAÚDE E A ATENÇÃO FARMACÊUTICA. A PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE DA COMUNICAÇÃO E DA RELAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE. CURITIBA - 2009
  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ RANGEL RAY GODOY OS NOVOS PARADIGMAS DE SAÚDE E A ATENÇÃO FARMACÊUTICA. A PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE DA COMUNICAÇÃO E DA RELAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE. Monografia apresentada à disciplina de Monografia II como requisito parcial à conclusão do Curso de Farmácia, Setor de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Paraná Orientador: Cassyano J. Correr CURITIBA - 2009 2
  • 3. Dedico este trabalho:  A todos aqueles que, vivendo em condições miseráveis de marginalização e exclusão, sustentam a lógica desumana do sistema econômico.  Aos povos da América Latina, que resistem bravamente aos séculos de exploração de suas forças e de sua terra.  Aos cientistas realmente comprometidos com a verdade, que fazem da ciência um exercício de dignidade e nobreza.  Aos profissionais de saúde que lutam por uma sociedade mais saudável e humana.  Ao caríssimo e inesquecível amigo Juliano Gomes Campanini, com quem por horas discutia os projetos futuros de uma juventude tão sonhadora para uma existência tão breve.  A meu avô Cesar Godoy, para sempre exemplo de humildade, hombridade, simplicidade e honestidade. 3
  • 4. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Joarez Godoy de Lima e Vera Beatriz Gallo, pelos anos de dedicação ininterrupta, compreensão, incentivo e amor incondicional, sem os quais a realização deste trabalho ou de quaisquer outras realizações teria sido pouco provável ou muito mais turbulenta e penosa. Aos amigos e amigas dos tempos da minha tenra idade em Palmital-PR, pelos anos de convivência e pela amizade que se mantém inabalável. Aos amados companheiros e companheiras das gestões de 2007 à 2009 do CAF-UFPR, por compartilharem comigo momentos tão intensos de estudo, reflexão e enfrentamento em defesa de uma UFPR pública e de qualidade e de uma sociedade mais justa. Creio que sem vocês a graduação teria sido uma experiência bastante insípida e trivial. Aos companheiros e companheiras do Movimento Estudantil nacional por terem me proporcionado espaços de grande satisfação e aprendizado, contribuindo determinantemente para formação dos meus ideais, da minha consciência e do meu caráter. Aos caríssimos amigos Ana Lívia de Arruda Iwano e Reinaldo Koiti Tanita, pelo apoio, amizade e companheirismo durante o curso de Farmácia, especialmente nas horas mais tensas e complicadas da graduação. Aos professores e servidores técnicos da UFPR que se dedicam à emancipação humana e a formar profissionais competentes e críticos para atuar pelo bem da sociedade e do meio ambiente. 4
  • 5. Da conquista arbitraria anunciada pelo “terra à vista” na descoberta do Brasil, seguiu-se a colonização violenta, em que a escravidão teve início com os índios, passando pelos negros africanos e desaguando no modelo sociopolítico atual elitista, concentrador, não solidário, fechado, corrupto, violento, injusto e excludente, em que não faltam assalariados, desempregados, famintos, sem-terra, sem-teto, sem-tudo, semnada, e falta felicidade e sobra doença e dor” (Galvão, 1997, pp. 16-17) A grande preocupação que deve nos guiar ao escolher uma profissão deve ser a de servir ao bem da humanidade (...) Os maiores homens de que nos fala a história são aqueles que, trabalhando pelo bem geral, souberam enobrecer-se a sí próprios(...já) que o homem mais feliz é o que soube fazer felizes os outros e a própria religião ensina que o ideal a que todos aspiram é o de sacrificar-se pela humanidade. Karl Marx (1818-1883) 5
  • 6. RESUMO A humanidade sobrevive a partir de uma constante superação científica de paradigmas. Existem momentos históricos em que o modelo de pensamento e a materialidade colocados já não servem para o entendimento e desenvolvimento do mundo. O ser humano é o único capaz de, através da práxis, refletir e transformar a realidade no sentido da evolução, pois a não evolução humana, dentro do atual contexto, significa fatalmente a sua destruição. A concepção de saúde também é um paradigma científico que se transforma e que evolui. Um entendimento holístico da saúde, superando o cartesianismo e o modelo biomecânico, leva em conta o ser humano como um todo e sua relação com o meio ambiente. A preocupação com a qualidade na comunicação e a relação profissional de saúde – paciente são reflexos de um novo modelo que vem se aperfeiçoando e superando o paternalismo em saúde. No caso específico da profissão de farmácia, uma análise sobre os principais desafios da profissão frente a uma nova demanda demonstra a necessidade de se focar o bem estar do paciente. A atenção farmacêutica e o desenvolvimento de uma relação profissional-paciente de qualidade são ferramentas imprescindíveis para evolução da profissão de farmácia, uma evolução em acordo com a superação científica de conceitos e paradigmas. Palavras-chave: Paradigmas. Relação Profissional-Paciente. Comunicação. Atenção Farmacêutica 6
  • 7. ABSTRACT The humanity survives through a constant overcoming of scientific paradigms. There are historical moments in which the model of thought and materiality are not good at understanding and development of the world. Human beings are uniquely capable of, through practice, reflect and transform reality in the sense of evolution, because the non human evolution, within the present context, means inevitably to their destruction. The concept of health is also a scientific paradigm that is changing and evolving. A holistic understanding of health, overcoming the Cartesian and biomechanical model, takes into account the human being as a whole and its relationship with the environment. The concern with the quality of communication and the health professional – patient relationship are reflections of a new model that has been improving and overcoming paternalism in health. In the specific case of the profession of pharmacy an analysis of the key challenges facing the profession to a new demand, demonstrate the need to focus on the welfare of the patient. The pharmaceutical care and the development of professionalpatient relationship quality are essential tools for development of the profession of pharmacy, a development agreement with the overcoming of scientific concepts and paradigms. Keywords: Paradigms. Professional-Patient Relationship. Communication. Pharmaceutical Care 7
  • 8. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 10 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E SUA RELAÇÃO COM OS ESTUDOS EM SAÚDE........................................... 12 ANÁLISE CRÍTICA DO MODELO ATUAL DE SOCIEDADE E A EXCLUSÃO SOCIAL COMO DETERMINANTE PATOLÓGICO NO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA............................................................... 17 3.1 O COMPROMISSO SOCIAL.................................................................... 24 4 O PROFISSIONAL DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM O PACIENTE – UMA ABORDAGEM PSICOLÓGICA ...................................................... 28 4.1 OS ASPECTOS DA RELAÇÃO ............................................................... 28 4.2 CATEGORIAS DA RELAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE ................... 30 4.3 O SIMBOLISMO....................................................................................... 31 4.3.1 Curar e cuidar .......................................................................................... 34 4.4 REAÇÕES PSICODINÂMICAS FRENTE AO STRESS E À DOENÇA .... 35 4.5 O PROFISSIONAL DE SAÚDE E O ARQUÉTIPO DO CURADOR ......... 36 5 A COMUNICAÇÃO EM SAÚDE .............................................................. 39 5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A COMUNICAÇÃO ...................... 39 5.1.1 Principais teorias da comunicação ........................................................... 40 5.2 OS ELEMENTOS DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO DE SAÚDE ............................................................................................... 42 5.2.1 A Comunicação terapêutica ..................................................................... 6 O PROFISSIONAL FARMACÊUTICO E OS DESAFIOS DA PROFISSÃO EM FAVOR DOS RESULTADOS EM SAÚDE ........................................ 46 6.1 PRM´s – PROBLEMAS RELACIONADOS AO MEDICAMENTO – UMA PREOCUPAÇÃO DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO ...................... 46 6.1.1 Acesso ao medicamento .......................................................................... 47 6.1.2 A Eficácia e Segurança ............................................................................ 47 6.1.3 O uso irracional de medicamentos e automedicação ............................... 48 6.1.4 Complacência, concordância e aderência ............................................... 50 3 44 8
  • 9. 6.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DO PACIENTE COM A MEDICAÇÃO ........................................................................................... 55 6.1.1 Conceitos e abordagem terapêutica do profissional de saúde ................. 55 6.2.2 O significado do medicamento para o paciente ....................................... 59 7 REFLEXÕES SOBRE A ATENÇÃO FARMACÊUTICA - A RELAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE E A COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA ..... 62 7.1 ASPECTOS OBJETIVOS – O FARMACÊUTICO E A FARMÁCIA .......... 62 7.1.1 O profissional da Atenção Farmacêutica ................................................. 62 7.1.2 A farmácia comercial no Brasil ................................................................. 63 7.2 RECURSOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO FARMACÊUTICO-PACIENTE ................................................................. 65 7.2.1 Acolhendo o paciente ............................................................................... 65 7.2.2 A empatia ................................................................................................. 66 7.2.3 O processo de ouvir: escuta ativa ............................................................ 67 7.2.4 O aconselhamento ao paciente................................................................ 68 7.2.5 “Pacientes difíceis” – Entendendo os sentimentos de raiva ..................... 70 7.2.6 Assertividade............................................................................................ 71 7.2.7 Conflitos ................................................................................................... 72 7.2.8 A resistência à mudança .......................................................................... 74 7.2.9 Comunicação suporte .............................................................................. 75 7.2.10 Escolhendo uma resposta apropriada ...................................................... 76 7.2.11 Comunicação persuasiva ......................................................................... 78 7.2.12 A relação de proximidade ........................................................................ 80 7.2.13 A comunicação não verbal ....................................................................... 81 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 86 REFERÊNCIAS........................................................................................ 88 9
  • 10. 1 INTRODUÇÃO A busca pela compreensão científica do mundo, da humanidade e da inter-relação entre ambos nos coloca em uma dinâmica de constante evolução paradigmática. O conceito de profissional de saúde precisa estar diretamente relacionado com o conceito de saúde (o qual é científico e, portanto, jamais absoluto) seguindo uma dinâmica epistemológica que acompanha o desenvolvimento humano. De fato, a concepção de saúde não é mais a mesma, restritiva, reducionista e fragmentada de anos atrás. O estado de saúde era entendido como a ausência de doença. Hoje, os elementos que compõe a definição de saúde são muito mais amplos e envolvem bem estar, relação de equilíbrio considerando indivíduo, ambiente e sociedade. Paralelamente à evolução hermenêutica do conceito de saúde, o modelo de atenção à saúde e a atuação do profissional dessa área precisam acompanhar esse dinamismo, transformando-se e reinventando-se de acordo com as novas necessidades impostas por uma nova concepção científico-filosófica. O profissional que ainda mantém seu foco de ação na doença e não no doente está indiscutivelmente ultrapassado, obsoleto dentro do atual contexto. A profissão farmacêutica já evoluiu consideravelmente desde o surgimento dos primeiros boticários, que se preocupavam principalmente com a produção do medicamento a partir dos recursos naturais. A evolução científica nos campos da síntese química e da bioquímica analítica ofereceu novas demandas para a profissão, as quais a sociedade de consumo ajudou a moldar historicamente. Nos dias de hoje surgem novas demandas que lançam desafios e a necessidade de reflexão sobre uma moderna, complementar e transformadora postura profissional. A Atenção Farmacêutica constitui-se na principal ferramenta, uma ciência farmacêutica, que surge no sentido de suprir demandas sociais, atualizando a profissão para que ela possa cumprir seu objetivo perante a sociedade. O foco deste salto de qualidade se expressa no indivíduo que exerce a profissão, no qual toda a responsabilidade recai sobre os ombros. A aquisição de novos conceitos, o entendimento conjuntural, a necessidade de adquirir conhecimento de novas habilidades e relacionar com as que já possui são apenas alguns exemplos das exigências que precisam ser cumpridas pelo profissional farmacêutico para se readequar a sua profissão. A reflexão filosófica do seu papel na sociedade talvez seja o fator mais imprescindível, pois, concordando com Benetton (2002): 10
  • 11. “Dos três pontos que caracterizam um profissional: Desenvolvimento de habilidades, conhecimento técnico específico e crítica à contextualização de seu ofício, este último é o que acrescenta um ‘plus’, um quê, um algo a mais que o afasta da linha limite de um técnico robotizado bem intencionado” (Benetton, 2002) A superação do conceito ultrapassado de saúde, a consciência de problemas de saúde pública, tais como os Problemas Relacionados ao Medicamento (PRMs), que são influenciados por vários fatores, desde a relação inter-pessoal até o modelo econômico e social, permitem ao farmacêutico a atuação no sentido de colaborar verdadeiramente com o bem estar da sociedade e com a superação das contradições nela existentes. Os novos paradigmas relacionados à saúde consideram o paciente como sujeito ativo e participativo do processo de recuperação da saúde. Neste sentido, se faz urgente a apropriação de conhecimentos que promovam o desenvolvimento de habilidades de comunicação no profissional de farmácia. Essa preocupação tem por objetivo a melhoria da relação farmacêutico-paciente que acontece, na maioria das vezes, no ambiente da farmácia de dispensação. A valorização da qualidade desta relação acontece por se entender que ela é uma alternativa para o enfrentamento de vários problemas que prejudicam o processo de recuperação do paciente. Para que o profissional possa estabelecer uma satisfatória relação com seu paciente no sentido terapêutico é necessário que, além da competência técnica, o farmacêutico adquira um conhecimento transdisciplinar indispensável para a sua atuação. A compreensão da ação farmacológica, dos sentimentos do paciente, da influência social e política são elementos dessa transdisciplinariedade que permite uma compreensão holística do paciente e do seu problema e uma atuação condizente com o novo modelo de atenção à saúde. Neste trabalho buscaremos, através de uma revisão de literatura, sistematizar elementos para reflexão em busca de uma atuação profissional comprometida com a Atenção Farmacêutica e, conseqüentemente com o cumprimento do papel do farmacêutico no sentido de colaborar com o complexo processo de recuperação da saúde e da transformação social em busca de uma sociedade mais saudável. 11
  • 12. 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E SUA RELAÇÃO COM OS ESTUDOS EM SAÚDE A metodologia científica é a exigência para aquisição e sistematização do conhecimento humano acumulado durante a história. Os meandros da busca pelo saber científico devem ser os primeiros a serem conhecidos como condição sine qua non para que se alcance a verdade de maneira inequívoca. As regras do método se expressam através da aplicação das ciências que buscam atingir a verdade. Segundo L´Andriere existem basicamente três tipos de ciências: As formais, as empírico-formais e as hermenêuticas. As formais são a matemática e a lógica cujo paradigma é a coerência. Isso permite a uma máquina fazer a mesma leitura sem erro. As empírico-formais são aquelas construídas de acordo com o modelo da física, buscando a compreensão da realidade. O modelo das ciências empíricas formais é a física, que é empírica e formal porque a física é feita a partir da experiência. As hermenêuticas ou humanas são as ciências da interpretação. Ocupam-se em interpretar os sinais em geral e os símbolos em particular. O processo interpretativo busca por em evidência um significado imediatamente aparente. Por estarem sujeitos à interpretação, os fenômenos podem ser vistos de maneira distinta. Isso permite que possa haver interpretações diferentes e conflitos entre elas. Nas ciências humanas, a verdade é consenso, e o consenso é fruto do conflito. O instrumento operacional das ciências humanas é a crítica, porque é aí que se busca a verdade que se expressa no debate crítico de idéias. As três ciências – formais, empírico-formais e hermenêuticas – não se anulam, e sim se acrescentam e se modificam mutuamente. (Ferreira, 2003) L´Adriere, entretanto, não considera em sua sistematização os estudos da psicanálise freudiana, através da qual novos elementos são inseridos, como a proposta da existência do inconsciente. Ela problematiza a questão hermenêutica ao afirmar que pessoas podem agir determinadas por reações inconscientes que elas próprias desconhecem e que remetem á época da primeira infância, fruto de diversos conflitos gerados durante a construção do ego. O reconhecimento da dimensão inconsciente afeta consideravelmente a análise no campo das ciências humanas e da saúde. Portanto, seria importante neste ponto fazer uma distinção (não sendo uma separação) entre psicanálise e hermenêutica. Para a hermenêutica, lidamos conscientemente o tempo todo com um conjunto de valores de cujo significado não nos damos conta imediatamente, mas ao qual 12
  • 13. poderíamos ascender por meio da reflexão sistematizada. Para a psicanálise freudiana, entretanto, estaríamos fadados a desconhecer para sempre uma porção de nós mesmos. (Campos, 2005) Estes conceitos da psicanálise nos colocam que o inconsciente irrompe quando menos se espera e reflete em atitudes claramente racionais. O mais interessante é a reflexão que Freud nos oferece de que o ser humano jamais será absolutamente controlado pela própria razão consciente, mas que sempre estará submetido a uma entidade própria da qual não se pode conhecer ou perceber e que pode influenciar definitivamente suas atitudes como indivíduo. Descartes, (2009), no período mais expressivo do Iluminismo na Europa, publica uma obra de indiscutível relevância. Em seu “Discurso do Método”, anuncia propostas de superação do senso comum e da busca pela verdade através do seu método científico racional, que consiste básica e resumidamente em quatro regras: - “Não aceitar nada como verdadeiro sem que antes tenha passado pelo crivo da razão”; - “Tudo o que aparece como complexo deve ser dividido em tantas partes simples quanto possíveis, pois a razão, ao focar um problema perfeitamente delimitado, tem mais condições de resolvê-lo do que se encarar algo composto de várias maneiras”; - “Uma vez feito esse processo de simplificação, ele deve seguir um ordenamento, de modo que a remontagem para o composto ou complexo possa ser feita sem desvios, que prejudicariam a verdade almejada” e, - “Como esse procedimento pode ser retomado e repetido por qualquer um, ele deve dar lugar a tantas revisões quanto necessárias, de modo que as contribuições e objeções de todos possam ser levadas em consideração, pois ela é a condição mesma de estabelecimento da verdade”. Indiscutivelmente esses preceitos representaram um avanço incrível na maneira de pensar, no raciocínio científico de sua época. Desconstruiu-se, a partir desse pensamento, o dogmatismo, o preconceito, e o fanatismo da idade média. Tamanha foi a influencia de seus pensamentos e sua doutrina na sociedade ocidental, que ela perdura até os dias de hoje e se reflete na estruturação do pensamento cotidiano. O raciocínio humano, no geral, habituou-se a funcionar através da pratica de dividir e classificar o conhecimento, o que pode ser considerado uma herança genuinamente cartesiana. Entretanto, o processo do conhecer científico (como o próprio Descartes não se furta de comentar) é dinâmico e a verdade científica nunca é estática ou imutável, mas sempre provisória e digna de revisão e aperfeiçoamento. Sendo assim, a superação do próprio método cartesiano é parte desse processo. 13
  • 14. O modelo pedagógico, por exemplo, que encontramos hoje em escolas e universidades não deixa de seguir o mesmo método cartesiano clássico: Dividir o conhecimento complexo em disciplinas, classificá-lo e entende-lo em partes para que depois se possa compreender o todo. Uma análise empírica da aplicação desse modelo demonstra que há falhas consideráveis nessa maneira de sistematizar o saber, já que o objetivo central, que é a transmissão do conhecimento não tem sido alcançado com sucesso. A observação de que há dificuldade de fazer as aproximações e relações entre os conhecimentos adquiridos nas disciplinas é uma delas. Frente a isso, novas estratégias, como um processo baseado em interdisciplinaridade e transdisciplinaridade são conceitos que se oferecem como a superação deste método cartesiano clássico, no campo pedagógico e científico. “A visão orgânica dominou a Europa até o século XV. A natureza era vivida em termos de relações orgânicas com interação dos fenômenos naturais e espirituais. Com Copérnico, Galileu, Newton e Descartes no século XVI essa visão foi substituída pela percepção do mundo como se fosse uma máquina. A mecânica newtoniana foi utilizada pelas ciências sociais no século XVIII com a proclamação da física social, que teve em John Lock um de seus expoentes. O iluminismo influenciou a psicologia clássica, principalmente o behaviorismo e a psicanálise. O padrão cartesiano não só moldou a biologia e a medicina, mas também a psicologia” (Ferreira 2003). Na área da saúde, Descartes considera o corpo humano de maneira semelhante a uma máquina, um relógio que eventualmente necessita de reparos em suas engrenagens para que possa continuar funcionando corretamente. Este modelo mecanicista influenciou marcadamente o modelo médico de atenção à saúde, que perdura até hoje, e que negligencia as demais variáveis extremamente relevantes para funcionamento correto do organismo. “Descartes tinha sugerido que o corpo devesse ser estudado pelo método da ciência natural e a alma ou a mente, pelo método introspectivo. Para a procura do conhecimento, Bacon desenvolveu um método indutivo, Descartes, o método racional dedutivo. Newton combinou ambos ao afirmar que tanto as experiências sem interpretação sistemática quanto a dedução a partir de princípios básicos sem evidência experimental não conduziriam a uma teoria confiável”. (Ferreira, 2003) Depois de se preocupar com questões metafísicas e acreditar ter provado racionalmente a existência de deus, Descartes partiu para o conhecimento do mundo físico, em particular do corpo humano. Após ter formulado uma sistematização científica que acreditava demonstrar a imortalidade da alma que em sua essência inteligível é distinta da existência sensível, descartes afirma que o corpo humano, semelhantemente ao corpo dos animais, funciona de forma mecânica, como se fosse uma máquina. 14
  • 15. Descartes separa, incondicionalmente, o estudo da alma e do corpo e desconsidera sua inter-relação. (Descartes, 2009) No campo das ciências humanas e da saúde, a exagerada fragmentação cartesiana impossibilita o correto entendimento das complexas relações humanas com o meio, com os outros e consigo próprio. Os fatores políticos, sociais, ambientais e psicológicos são preponderantes para a manutenção do funcionamento do organismo e se inter-relacionam dinamicamente. Faz-se evidente, portanto a superação do método cartesiano mecanicista para esse tipo de estudo na área das ciências da saúde. Um método que agrupe todas as variáveis relacionadas à saúde em seu conceito amplo de equilíbrio e bem estar é preferível para os novos paradigmas do conceito de saúde. O método clínico de estudo é um exemplo de um novo referencial que se relaciona à uma nova concepção holística da saúde “O método clínico procura sobre passar os limites do modelo cartesiano tentando entender o ser humano não a partir da divisão mente-corpo, e sim dentro de uma abordagem holística. O método clínico aproveitou da prática médica o que constitui sua unidade: A convicção de que só um estudo fundo de pessoas isoladas cuja individualidade seja reconhecida e respeitada e que sejam consideradas em situação e em evolução, possibilitará a compreensão dessas pessoas e talvez, através delas, do humano” (Rechlin, 1971, p.106, citado por Ferreira, 2003) Em se tratando de um assunto relacionado à atenção farmacêutica fica ainda mais evidente a necessidade de entender o indivíduo de maneira não fragmentada, compartilhando seus receios, medos e demais sentimentos, entendendo a sua condição social relacionada ao ambiente em que vive. Basta, para exemplificar a veracidade dessas proposições, analisar o conceito de atenção farmacêutica hermeneuticamente construído no Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica. “É um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da Assistência Farmacêutica. Compreende atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde. É a interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida. Esta interação também deve envolver as concepções dos seus sujeitos, respeitadas as suas especificidades bio-psico-sociais, sob a ótica da integralidade das ações de saúde.” (Ivama et. al., 2002) A proposta de, através de uma revisão bibliográfica, aprofundar epistemologicamente a discussão científica sobre o papel do farmacêutico como profissional de saúde, como agente crítico e transformador da realidade social, é 15
  • 16. decorrente da constatação de que esse tema é relativamente negligenciado nas cadeiras da academia, que privilegiam a formação técnica enquanto que a discussão do compromisso político e social do estudante de farmácia se apresenta praticamente ausente. 16
  • 17. 3 ANÁLISE CRÍTICA DO MODELO ATUAL DE SOCIEDADE E A EXCLUSÃO SOCIAL COMO DETERMINANTE PATOLÓGICO NO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA Considerando que a saúde é resultado de um equilíbrio dinâmico entre o indivíduo, na sua concepção holística de corpo e alma, e o meio em que desenvolve suas atividades vitais, parece imprescindível uma análise da estruturação ambiental levando em conta as atividades sociais desenvolvidas pelos indivíduos no modelo de sociedade atual e como elas influenciam o processo saúde-doença. (Capra, 1990) A nova concepção de saúde considera que o organismo humano é um sistema vivo cujos componentes estão interligados e interdependentes e que é parte integrante de sistemas maiores, isto é, está em interação contínua com o seu meio ambiente físico e social, afetando e sendo afetado por eles. Esse entendimento não nos permite negligenciar os aspectos físicos, psíquicos, sociais e ecológicos quando se quer conhecer aspectos patológicos tanto físicos quanto mentais do indivíduo. (Capra, 1990) É necessário que o profissional de saúde compreenda o indivíduo, que encontre no paciente mais do que uma desordem ou disfunção biológica, um órgão ou tecido lesado ou um processo infeccioso, mas que ele descubra, por trás desses problemas, um ser humano, com suas características sociais específicas, que muitas vezes expressa no “soma” uma patologia, um problema que é de origem social e que, portanto, deve ser considerado como raiz do mal que o aflige. Para isso é necessário um conhecimento mínimo de como funciona a sociedade e sua influencia no processo de adoecimento. Consideramos que a doença ocorre por algum motivo e é na verdade uma mensagem sendo transmitida, uma resposta a algum tipo de agressão. A sabedoria está não em sua eliminação pura e simples, mas na compreensão dessa mensagem. A enfermidade tem relação com aspectos holísticos do indivíduo, enquanto a doença, com suas partes. A cada dia que passa se torna mais evidente o caráter psicossomático de todas as doenças que acometem os indivíduos, pois são fruto de uma relação contínua entre mente e corpo, tanto em sua etiologia quanto no desenvolvimento da cura, e que ambas são influenciadas pelos aspectos da construção do aparelho psíquico do indivíduo, expresso, a partir dos recônditos do inconsciente, nos conflitos do ego. (Ferreira, 2003) Retornamos então ao discurso filosófico de superação da concepção fragmentada do indivíduo e percebemos a relação social como fator preponderante para a manutenção da saúde. Isso nos remete a necessidade do comprometimento social do profissional dessa área, já que este deve se responsabilizar pelo bem estar dos indivíduos e buscar 17
  • 18. incessantemente uma realidade que traga consigo o vislumbrar de uma sociedade mais saudável. Segundo Capra (1990), as crises no modelo assistencial de saúde são frutos de uma visão obsoleta do mundo, da persistência da concepção mecanicista da ciência cartesiano-newtoniana e que já não pode ser entendida em função desses conceitos. Há necessidade de uma perspectiva ecológica, de um mundo dinâmico, interligado e globalizado onde os fenômenos biopsicossociais são interdependentes. É necessária uma mudança radical em nossa maneira de pensar, na percepção da realidade e nos valores, que dêem um salto de qualidade, de uma concepção mecanicista para uma percepção holística da realidade. Rousseau, em seu Contrato Social (2007), afirma: “O homem nasce livre e em toda parte é posto a ferros” Essa afirmação nos permite partir para uma análise sobre a liberdade dos indivíduos em nosso contexto atual de relações sociais. O modelo de convivência social é regrado por valores morais que padronizam o comportamento. A transgressão dessas regras culmina invariavelmente em alguma espécie de coerção, social ou jurídica. A convivência é forçada quando as regras não são internalizadas e compreendidas através do exercício da reflexão crítica. A imposição dessas regras cria condições ideais para violência e a exclusão. Para Nicolescu (2006), aprender a conviver: “Significa, antes de mais nada, acatar as normas que regem as relações entre os membros de uma coletividade. Mas tais normas devem ser verdadeiramente compreendidas e intimamente aceitas pelas pessoas, e não apenas obedecidas como uma lei imposta exteriormente. ‘Conviver’ não quer dizer simplesmente  Tolerar o outro em suas diferenças de opinião, raça e crença;  Curvar-se às exigências dos poderosos;  Navegar entre os meandros de inúmeros conflitos;  Separar definitivamente sua vida interior de sua vida exterior;  Fingir dar atenção ao outro, sem contudo abrir mão da convicção quanto à absoluta justeza de suas próprias posições. Porque isso transformaria a convivência no seu contrário: uma luta de todos contra todos.” (Nicolescu, 2006) Nesse sentido, o estudo da moral é de extrema importância para o entendimento do modelo de exclusão social, pois ela é socialmente construída e influenciada pelo pensamento dominante que molda o comportamento humano de acordo com seus interesses dentro de uma estrutura desigual. Entendemos, portanto, que vivemos um padrão de comportamento imposto por uma ética burguesa que propõe nada mais do que a manutenção do modelo social excludente a partir da construção de uma consciência alienada em beneficio do interesse de poucos. Essa moral alienada é perpetuada através 18
  • 19. das instituições existentes na sociedade, tais como escolas, igrejas, o próprio aparato de comunicação de massa, e até mesmo pelo estado. (Iasi, 2007) Essas instituições, em sua maioria não estimulam o desenvolvimento do pensamento crítico, mas visam sim educar o indivíduo de acordo com as regras morais do modelo social, sem antes analisá-las com rigor científico através de uma reflexão filosófica transdisciplinar. “Quanto mais conformista, não dissidente e submisso for o cidadão, mais recebe a aprovação social e do Estado, uma vez que renuncia a si próprio em função de valores e regras que lhes são alheias. Esse sujeito não pode mais pensar, não consegue mais se distanciar da realidade que vive, perde sua função de agente de sua própria história. Transformou-se em massa, massa de manobra dentro de um sistema de produção e consumo. Renuncia ao que caracteriza a vida social, ou seja, a possibilidade de dissenso e da contradição, que podem existir tanto no nível microssocial, no seio da família, como no macrossocial, no convício com a sociedade. Para abafar a ânsia contraditória humana, bem como sua criatividade e individualidade, criaram-se os rituais de massa que buscam homogeneizar as diferenças, tais como no Brasil, o futebol e o carnaval”. (Ferreira, 2003) A busca do nivelamento social se dá por um processo de amortecimento das capacidades individuais de pensamento onde se legitima que alguns poucos pensem por todos. A reflexão crítica e produção intelectual são substituídas pela mera reprodução do conhecimento em favor do interesse burguês. A universidade, que teoricamente é espaço legítimo do debate de idéias e da reflexão crítica e filosófica se transformou em uma verdadeira indústria de massa de trabalhadores os quais adquirem conhecimento técnico suficiente para desenvolver uma função específica no processo de produção e serviços. A universidade tornou-se instrumento do sistema capitalista; o indivíduo, a peça fundamental moldada para que se encaixe em suas engrenagens fazendo girar a roda do sistema excludente e desigual por natureza e perpetuando um modelo de exploração do trabalhado alienado. (Ferreira, 2003) Conclui-se, a partir dessa análise, que os padrões socialmente aceitos, assimilados pela sociedade são reflexos de uma ideologia dominante que sutilmente aliena o pensamento e a ação. Esses padrões são extremamente influenciados pelo modelo econômico produtivista que legitima a desigualdade por ser ela mesma o combustível que movimenta as engrenagens do sistema. Uma análise científica do trabalho no sistema capitalista, desde o toylorismo até o toyotismo que acompanhou o processo de globalização nos permite vislumbrar a especialização científica do modelo de exploração do trabalhador, o qual mercadoriza-se ao vender sua força de trabalho e aliena seu tempo e sua vida à disposição do mercado. 19
  • 20. Aqueles que, por alguma razão, não conseguem se inserir no mercado de trabalho são inevitavelmente marginalizados. Entretanto sabemos que o desemprego é uma condição, e não um impedimento, dentro do sistema capitalista, pois dentro do processo de produção em que o trabalho é seu instrumento principal e mola propulsora, a existência da pobreza, assim como do desemprego, não é apenas decorrência de problemas do processo. O desemprego justifica e permite que o próprio sistema sobreviva. Para que o capital tenha total controle e poder sobre o trabalho, o desemprego e a pobreza são peças fundamentais. A manutenção de uma massa de reserva faz parte do jogo do capital e do lucro, uma vez que essa multidão permite a troca de funcionários sempre que o detentor do capital achar necessário aumentar seus lucros. Uma “peça” desgastada ou quebrada (aquela mesma que passou pelo controle de qualidade da universidade) pode ser invariavelmente substituída e jogada no lixo da marginalização social. Os salários também podem ser achatados em decorrência da constante pressão dos desempregados em busca de emprego, o que estimula a concorrência entre a classe trabalhadora e permite que os salários possam ser achatados frente ao temor do desemprego e de suas conseqüências. Desta maneira, o capital sempre tem controle sobre o trabalho e principalmente sobre o trabalhador. (Ferreira, 2003) Entendendo que, nas condições atuais, não há como se construir uma realidade distante do desemprego, podemos concluir que sempre haverão setores excluídos na sociedade. O trabalho alienado, construído sobre a areia da falsa moral, torna a classe trabalhadora (maioria absoluta na sociedade) submissa ao patrão. O individuo nem percebe que cercearam sua liberdade, que mataram seu senso crítico, secaram a fonte de sua criatividade e que lhe privaram da possibilidade de expressar sua condição humana na plenitude de sua existência. Isso gera, com o passar do tempo, inevitáveis processos de adoecimento em massa. Aqueles que procuram o prazer no uso de drogas, fazem mal a si próprio. Mas o estado, igualmente burguês, lhe retira o livre arbítrio sobre seu próprio corpo, porque corpo debilitado não gera riquezas e sua doença pode esfacelar as finanças públicas. O sistema de saúde, quando pensado na lógica produtivista do capital tem a função de manter o trabalhador em condições mínimas para que possa desenvolver sua tarefa e também a massa de reserva em condições de substituir algum trabalhador que, por ventura venha a se rebelar contra as regras ou que simplesmente exauriu suas forças durante um longo período buscando afastar a condição de excluído. O profissional de saúde sem comprometimento político torna-se protagonista desta novela e cumpre sua 20
  • 21. função técnica e mecânica no tratamento puramente paliativo de uma doença que aflige o corpo social. Não é difícil concluir que o capitalismo sobrevive principalmente a partir de sua própria perversidade. As instituições padronizam a conduta humana e a obriga a seguir caminhos considerados desejados pela sociedade, mas ao mesmo tempo não abre espaço para que todos possam ter acesso. Para entender a assimetria que o nosso modelo social excludente provoca, pensemos, por exemplo, no ingresso à universidade. As vagas oferecidas para o curso de farmácia da Universidade Federal do Paraná no vestibular 2008/2009 eram de 108. Havia 758 pessoas que tinham a intenção de ingressar neste curso. Não é difícil concluir que matematicamente haverá, neste processo, mais perdedores do que vencedores. A nosso modelo social não permite que se criem 758 vagas no vestibular, pois para o modelo econômico, a concorrência é o motor do sistema. O aparato midiático estimula o indivíduo a sonhar com a vaga na universidade, a vaga do emprego, com a presidência da empresa, entretanto não oferece lugar para todos. A conseqüência disso é a existência de uma legião de derrotados, uma multidão de doentes e depressivos e uma busca massiva pelo sistema de saúde, pelo medicamento que a indústria farmacêutica oferece como fonte da resolução dos problemas. O profissional de saúde que não percebe a gênese da doença serve de instrumento, é a marionete que faz a ponte para os lucros dessas corporações responsáveis por criar as condições ideais para a doença eternamente recorrente, condição necessária para a utilização crônica dos produtos farmacêuticos. Está fechado o ciclo do processo saúde doença. “Quando observado com um pouco mais de cautela, o modelo de normalidade aceito está subordinado a interesses econômicos e jamais leva em conta realmente o bemestar do consumidor. As grandes cadeias de fast-food tentam levar o maior número de pessoas ao consumo de hambúrgueres, uma vez que o que importa é o lucro, o que obviamente leva os consumidores a ganhar peso e a se desviar do padrão de beleza “exigido” socialmente. Mas não existe problema! O capitalismo apresenta ele mesmo a solução através dos laboratórios farmacêuticos que buscam levar o maior número de pessoas a consumir suas “drogas emagrecedoras, como se as pessoas fossem sanfonas à disposição da ganância. Assim, o sistema, através da mídia, incute necessidades e valores cuja única função é fazer com que seus produtos sejam consumidos.” (Ferreira, 2003) As atitudes normalmente tomadas pelo indivíduo buscam o afastamento da exclusão social, pois suas conseqüências são bastante conhecidas e temidas. O sistema oferece como única estratégia de se alcançar o sucesso a acumulação de capital, que é diretamente proporcional ao nível de felicidade do indivíduo. Acreditando nessa premissa, 21
  • 22. valores como solidariedade e altruísmo são inevitavelmente deixados de lado pela luta selvagem em busca da acumulação de riquezas. Entretanto, o profissionalismo é fruto principalmente desses dois valores supracitados. O profissional de saúde que navega na inércia social do modelo econômico e que não consegue perceber as contradições do sistema perde a sua qualidade de profissional, responsável pelo bem estar dos indivíduos e passa a ser um explorador que extrai sua riqueza da angustia e do sofrimento alheio, pois não compreende a finalidade utópica de sua profissão. O profissional alienado politicamente é mais um recurso de padronização social. “No nível mental, quem se afasta do modelo se sente pressionado a buscar um psicanalista, um psicólogo ou mesmo um psiquiatra. No contexto orgânico, certos padrões de beleza e alimentação devem ser seguidos e quem se afasta é conduzido a consultar um clínico geral ou um médico especialista, porque o que se exige é que todos adquiram uma imagem de si próprios conforme os padrões vigentes, nos quais o interesse do indivíduo nunca é respeitado. Forças poderosas relacionadas com o consumo costumam estar na origem dessas iniciativas e foram estruturadas de forma nem um pouco ingênua” (Xiberras, 1993, p.30, citado por Ferreira, 2003). Claramente, somos enganados diariamente. A classe burguesa arquitetou uma realidade baseada em mentiras que são divulgadas incessantemente através dos meios de comunicação, principalmente da telecomunicação, pois esta é a grande fonte de informação utilizada pela massa, principalmente por aqueles que possuem baixa escolaridade. Gráfico 01 O povo brasileiro, em sua grande maioria, não cultiva o hábito da leitura – principalmente a parcela da população com pouca escolaridade -, tem pouco contato com 22
  • 23. outros pontos de vista e por isso mesmo é facilmente manipulável. A consciência alienada da população e o analfabetismo político fazem com que o individuo assimile incondicionalmente as informações da mídia burguesa, sem que haja uma verdadeira reflexão crítica ou que se tenha a oportunidade de aprofundamento teórico sobre determinado assunto para que possa ser debatido no campo das idéias. A valorização do trabalho alienado, da competição, do acumulo de capital e do imediatismo transformou o mundo em um ambiente caótico, doentio, estagnado, perigoso e insustentável. “Com dinheiro, poder e sucesso temos tudo o que é preciso. Os passos até lá é que são variados. Uns preferem a competição, a inveja, o stress, o parasitismo especulativo e a super exploração dos mais frágeis; outros preferem o roubo, o assalto, o seqüestro, o tráfico de drogas, as negociatas e a corrupção. O cardápio é opulento. Fica ao gosto do freguês”. (Freire, 1994, citado por Ferreira, 2003) Em nível macro, o projeto de modernidade surgida no século XVIII como uma ideologia do individualismo chamada de neoliberalismo, cujo fim é o mercado e como conseqüência o consumo, trouxe consigo a continuação do modelo colonialista de exploração no Brasil e nos demais países da América Latina, freando sua independência e seu desenvolvimento, principalmente no âmbito social. A miséria dos países da América Latina sempre foi a principal fonte do abaste de riquezas dos países desenvolvidos. Quase toda a América Latina sofreu fortes repressões às suas forças democráticas para que pudesse ser implantado um governo que favorecesse de forma descarada os interesses do capital em detrimento da população. Uma parte das riquezas foi roubada através de uma política internacional de preços aviltantes imposta pelo próprio capital para a matéria prima extraída desses países, que depois retorna à esses mesmo países em forma de produto de alta tecnologia e preços escorchantes. (Galeano, 2007) Desde os primórdios do aparecimento do Europeu na América que a riqueza deste continente foi a principal causa da miséria de seu povo, pois os abutres capitalistas não se contentam apenas com a exploração das riquezas naturais necessitam também, em nome do lucro, explorar a vida humana através das mais refinadas técnicas de escravidão. (Galeano, 2007) Não nos parece urgente a necessidade da superação do atual modelo econômico? Os recursos naturais são explorados indiscriminadamente; em benefício de cartéis petrolíferos, novas tecnologias para produção sustentável de energia são freadas e desestimuladas; as doenças que mais matam no mundo são evitáveis e decorrentes das más condições de higiene e de trabalho, assim como da falta de condições básicas de sobrevivência; negligencia-se a morte e o sofrimento da população pobre, a indústria farmacêutica pouco se preocupa em pesquisar medicamentos contra a malária ou a 23
  • 24. doença de chagas, pois essa linha de pesquisa não prevê a geração de lucro para seus cofres abarrotados; a miséria, a mortalidade infantil, as guerras, as doenças só aumentam com o passar dos anos; a hipocrisia da comunidade internacional alcança níveis astronômicos quando diz se preocupar com os problemas sociais dos países mais pobres; as pessoas se enxergam umas as outras como adversárias, fecham-se em seu núcleo familiar para se proteger, vivem encapsuladas em pequenos espaços que criam para expressar sua individualidade; o patriotismo envenena a relação entre os indivíduos e basta uma fronteira territorial geográfica para que haja motivo para o ódio incondicional. Ao mesmo tempo em que preocupa a grande massa de excluídos e a constatação de que cresce a cada dia seu número, isso indica a saturação do atual modelo e a necessidade de a humanidade encontrar um novo paradigma, provavelmente a partir de uma ruptura epistemológica porque o momento em que vivemos não é da comunidade, mas da sociedade anônima, impessoal, a ponto de, nas cidades, coabitarem seres ao lado uns dos outros sem nunca encontrarem tempo para entrar em comunicação. Eles ignoram-se. (Túneis, citado por Freund, 1993, citado por Ferreira, 2003) A partir de toda esta análise e diante da inevitável conclusão de que o nosso modelo atual de sociedade, naturalmente excludente, é o fator preponderante na gênese da doença em grande parte os seus aspectos e entendendo o profissional de saúde como aquele que deve focar suas atitudes em favor da vida e do bem estar, lutando contra a dor e a morte, podemos, sem o menor receio, afirmarmos cientificamente que o profissional de saúde tem o dever de lutar por um novo modelo de sociedade, mais evoluído e saudável. O profissional de saúde que objetivar realmente expressar seu profissionalismo em busca da saúde da população na sua concepção holística traz consigo um previsível destino de inevitável enfrentamento com as forças reacionárias impeditivas do desenvolvimento humano. Para tanto, este necessita estar verdadeiramente comprometido com a sociedade. 3.1 O COMPROMISSO SOCIAL Discutir o compromisso social do indivíduo em sua condição de profissional requer uma análise mais aprofundada dos termos e suas significações dentro do contexto geral da complexidade de seu sentido ontológico. O compromisso nasce de uma decisão lúcida de quem o assume e de um entendimento profundo daquilo com o que se compromete. A análise ontológica de “quem 24
  • 25. é capaz de se comprometer” nos aproxima da essência do ato do comprometimento. Somente a capacidade de refletir sobre sua própria existência, sobre a relação (relação de sua existência) com o ambiente e sua influência sobre ele permite ao ser a capacidade de comprometer-se. Sem essa capacidade o indivíduo e sua existência não conseguem transpor os limites impostos pelo próprio ambiente. A incapacidade de reflexão dá ao ser a qualidade de objeto, incapaz de compreender a realidade, de perceber suas contradições e, finalmente, incapaz de exercer uma ação transformadora. Este é um ser ahistórico, que vive sob o julgo do tempo, num tempo que não é seu, um perpétuo presente. Sua relação com o mundo consiste no contato superficial do qual não resultam produtos significativos capazes de marcá-lo. Segundo Freire: “Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de ‘distanciar-se dele’ para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o transformá-lo e, transformando-o, saberse transformado pela sua própria criação; um ser que é e está sendo no tempo que é seu, um ser histórico. Somente este é capaz, por tudo isto, de comprometer-se” (Freire, 1979) A ação transformadora da realidade, associada à capacidade de reflexão, elementos indissociáveis da práxis, faz do ser humano um ser da práxis, que se desenvolve na sua relação com o mundo e a realidade. Aquele que se compromete, portanto, é capaz de refletir criticamente sobre a realidade, analisando qualitativamente seu contexto e agindo no sentido do avanço e da superação das contradições. Como o ser não existe sem mundo, a realidade transformada transforma também o ser transformador por produzir novos paradigmas no qual ele se insere complementarmente. Portanto uma reflexão sobre a realidade atual nos traz elementos bastante interessantes. Esta realidade que criou um contexto impeditivo, o qual dificulta a reflexão e a atuação autênticas do ser, é também criação da humanidade, decorrente da reflexão e atuação frente a uma realidade anterior. Entretanto a realidade não se transforma por si só, mas apenas com a reflexão e atuação do homem. Como então transformar uma realidade que existe para não ser transformada? Parece-nos fácil acreditar agora estarmos fadados à mediocridade, ao pensamento não autêntico e à reprodução perpétua da realidade. Entretanto, entendemos o pensamento autêntico e o agir autêntico como elementos da natureza do ser humano, um ser da práxis. A realidade atual oferece obstáculos à expressão de sua essência. Se em algum momento histórico esses obstáculos não são percebidos, certamente serão em outro, pois um homem comprometido que é impedido de atuar e refletir sente-se vazio, frustrado e ferido. 25
  • 26. O compromisso do homem com a transformação do mundo, o qual deve ser humanizado, é com a humanização do homem. Portanto, o compromisso é próprio da existência humana e só existe verdadeiramente no engajamento com a realidade. A ação do comprometimento consiste em uma ação corajosa, consciente e valorosa, na qual o indivíduo perde sua condição de neutralidade, tornando-se comprometido com a humanização daqueles que em sua condição concreta se encontram “não humanizados”. Aqueles que optam pela neutralidade revelam apenas o medo do comprometimento verdadeiro, tornado-se assim adeptos do pseudo-comprometimento em que o compromisso se dá com seus próprios interesses e com a “não humanização”. (Freire, 1979) Comprometer-se com a “não humanização” é, inexoravelmente, tornar-se igualmente desumanizado e tornar-se desumanizado tem como conseqüência o não comprometimento. Cabe, portanto, caracterizar o comprometimento como um processo essencialmente solidário que cataliticamente acelera o processo de humanização até culminar no alcance da sociedade humanizada onde cada indivíduo estaria comprometido com o próximo num gesto pleno de amor recíproco. (Freire, 1979) No caso específico da análise do comprometimento social do profissional de saúde, precisamos antes entender que ele é homem (homem em seu sentido humano independente de gênero) e, portanto, espera-se que seja naturalmente comprometido. Está inserido em um contexto histórico social cujas inter-relações foram significativas para a construção do eu, do ego e do superego. Dentro da atual realidade impeditiva ele pode se apresentar como ser comprometido, pseudo-comprometido e impedido do comprometimento real. (Freire, 1979) O profissional, além do comprometimento natural da sua condição humana, também assume um outro comprometimento, que é resultado de uma dívida que assumiu com a sociedade ao tornar-se profissional. Quanto mais sistematizado o seu conhecimento, quanto mais se apropria dos recursos da natureza, da sabedoria popular, do patrimônio cultural, que é de todos e a todos deve servir, mais aumenta sua responsabilidade perante a sociedade. Sendo assim, a humildade precisa ser um valor sempre presente no indivíduo compromissado que carrega um título profissional, para que esse título não o faça sentir-se superior ou caridoso ao realizar sua ação comprometida, pois, de fato, não faz outra coisa que não expressar sua natureza de homem e retribuir à oportunidade de poder colaborar de maneira efetiva na transformação social. (Freire, 1979) 26
  • 27. A transformação se opera a partir da práxis em que a finalidade é o comprometimento humanizado. O profissional só opera a transformação de maneira adequada quando a análise da realidade é uma análise científica, que busca a verdade, que por si só é transformadora. A necessidade de acúmulo de conhecimento para a superação do senso comum por uma visão crítica da realidade é o principal fundamento que expressa o compromisso profissional. O avanço científico permite refinar os instrumentos de reflexão e ação sobre a realidade para que o processo de transformação seja coerente com as necessidades do momento histórico. No campo da saúde, por exemplo, a reflexão sobre a totalidade, sobre as variáveis dinâmicas que se interrelacionam no processo, são necessárias para uma atuação em busca da humanização. O profissional que se apropria da técnica e foca seu desempenho em partes de um todo sem se preocupar com o todo cai na armadilha da concepção fragmentada e estática da realidade. Seu compromisso passa a ser com a tecnologia, com o academicismo puritano em uma corrida tecnológica que reduz o homem a um simples objeto da técnica, um autômato manipulável. “Se meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua humanização, de sua libertação, não posso, por isso mesmo prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais vou me instrumentando para melhor lutar por esta causa”. (Freire, 1979) A tecnologia e conhecimento científicos são, assim como o conhecimento empírico da população, manifestações culturais sistematizadas e precisam servir ao benefício da humanidade, são ferramentas para o homem comprometido com a humanização. A reflexão crítica do indivíduo inserido em sua sociedade permite a ele compreender seu momento histórico e superar a atuação profissional alienada no sentido da melhoria real da condição de seu povo. A consciência alienada não permite ao indivíduo o estímulo ao descobrimento, à coragem do enfrentamento, do correr risco (considerando que a própria existência humana é um risco), pois a alienação mata a criatividade, reduz o ser humano a um objeto inerte, reprodutor da realidade, distante de sua essência e, conseqüentemente, incapaz de se comprometer. 27
  • 28. 4 O PROFISSIONAL DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM O PACIENTE – UMA ABORDAGEM PSICOLÓGICA 4.1 ASPECTOS DA RELAÇÃO A comunicação entre profissional e paciente se dá através de um circuito complexo de percepção consciente e inconsciente na qual ambos dialogam entre si. Esse diálogo acontece dentro do próprio indivíduo e entre os sujeitos. Isso significa que mais do que a comunicação verbal e mais do que a comunicação não verbal, são relevantes também para o processo de entendimento entre os indivíduos os fatores que não podem ser compreendidos em nível de consciência, mas que influenciam determinantemente a conduta pessoal e a percepção alheia. O profissional de saúde se diferencia dos demais por enfrentar batalhas diárias contra a morte e a invalidez. Esse profissional admite à si uma parcela muito grande, quando não o todo, de responsabilidade pela vida e bem estar dos seus pacientes. Mais que isso, sua imagem é uma representação simbólica socialmente construída daquele que tem o poder de salvar vidas e corrigir os problemas de saúde. Essa carga que o profissional carrega pode gerar diversas complicações psíquicas que são frutos da frustração e da sensação de impotência que muitas vezes inevitavelmente ele encontra em seu caminho. Assumindo uma imagem distorcida de si próprio, este profissional passa a agir de maneira a buscar uma auto valorização exagerada como forma de recompensa justa à amplitude da responsabilidade assumida. (Benetton, 2002) A questão da Neurose Narcísea, levantada por BENETTON (2002), é de extrema relevância na gênese dos problemas internos relacionados à categoria dos profissionais de saúde. A chamada grandiosidade narcísea se conceitua como uma defesa psíquica contra a depressão, que por sua vez é uma defesa contra a perda do que se chama de Self, ou seja, a perda da própria identidade. A idealização mágica, auto-imagem deformada para a grandiosidade e arrogância, a postura onipotente, couraça afetiva, o humor negro e outros mais são conseqüências da vivência profunda e secreta do abandono, da negligência e da impotência. O que se caracteriza como neurose narcísea do profissional se reflete profundamente na sua relação com o paciente. Essa neurose traz consigo expressão de sentimentos tais como, soberania, altivez e arrogância, e, infelizmente, na maioria das vezes esse é o patamar em que se constrói a relação profissional de saúde-paciente. 28
  • 29. “Profissionais de saúde têm sede de poder, mas o poder diferente daquele de um general ou um presidente, é um poder ainda mais radical. O poder sobre a saúde e a vida da população, entretanto a coroa também é a cruz”. (Benetton, 2002) A questão do sentimento de poder e superioridade do profissional perante o paciente cria uma relação extremamente assimétrica entre as partes. Em contrapartida o paciente projeta uma expectativa de onipotência no profissional e se isenta do processo de cura. Quando isso acontece, perde-se a relação de cooperação para se alcançar o objetivo final que deve ser o mesmo para ambos. O paciente carrega uma força curadora dentro de si. Quando se apresenta em estado de enfermidade essa força é inibida. Cabe ao profissional de saúde estimular essa força inerente ao indivíduo. A onipotência negligencia esse poder curador. A humildade é um valor desprezado pelos currículos médicos. (Benetton, 2002) Segundo Benetton (2002), para que haja um bom relacionamento profissional sem que haja danos nem a ele, nem ao paciente é necessária uma relação de eqüidistância. Encarar o paciente de maneira humana, porém mantendo um espaço de manobra, ou seja, nem muito íntimo, nem muito afastado, sem que haja julgamento moral, é uma premissa para uma atuação eficiente e para que se alcance o desfecho esperado derivado dessa relação. A eqüidistância é condição para que paciente e profissional saiam incólumes da relação. O profissional está diariamente em contato com diferentes indivíduos que o procuram devido a alguma dificuldade. Considerar o paciente de maneira humana, tendo o cuidado para não adquirir envolvimento sentimental excessivo é um recurso para que o profissional faça seu trabalho sem prejudicar a si próprio. Não cometer julgamento moral, estar atento à ciladas no campo do poder e o entendimento do simbolismo do processo de adoecimento e recuperação do paciente são aspectos que auxiliam a higienização da vinculação profissional. Durante um processo de comunicação entre duas pessoas, acontece o que se chama na psicanálise de relação transferencial. Essa relação é baseada no deslocamento de afeto de uma representação para a outra ou atualização de desejos inconscientes sobre determinados objetos e a tendência de se transferir para um novo objeto os impulsos reprimidos não satisfeitos do passado. Essa relação acontece inconscientemente e é resultado da projeção dos conteúdos afetivos tanto do profissional quanto do paciente. “Quando o paciente projeta no profissional de saúde a força curativa é preciso que este devolva a projeção inicial que o paciente lhe fez. Se o paciente permanecer com a sua própria força de cura projetada para fora de si, sobre o profissional de saúde, terá seu 29
  • 30. processo de reabilitação muito prejudicado. Do outro lado, o profissional reintrojeta suas fraquezas e vulnerabilidades, sem esquecer delas”. (Benetton, 2002) O profissional necessita superar a neurose narcísea e empoderar o paciente, coresponsabilizando-o pelo processo de cura e fazer o possível para passar a energia e a colaboração necessária para que este consiga reacender sua chama curadora em busca do re-equilíbrio e da recuperação da saúde. O paciente, quando se encontra passando por um processo de debilidade causado pela sua doença, apresenta uma condição fragilizada. Muitas vezes o que mais necessita é de um estímulo para recobrar forças interiores que ajudam a superar esse período repleto, muitas vezes, de dor, sofrimento, desesperança e sensação de impotência. O cuidado é a primeira atitude que o paciente percebe como sendo reanimadora. O simples fato de ser ouvido, compreendido ou medicado muitas vezes é suficiente para introjetar esperanças que revigorem sua força curadora. Para que isso aconteça, primeiro é necessário que o profissional enfrente e admita a tarefa de humanizar-se. Isso significa romper com o sentimento de onipotência, sobre a saúde das pessoas, admitir suas fraquezas, compreender suas limitações e qual o seu papel na promoção de saúde e até onde vão suas responsabilidades. Saber dividir a responsabilidade pelos resultados do tratamento com o próprio paciente é o primeiro passo para humanizar a relação. O profissional que não souber humanizar suas relações poderá sofrer com intoxicações psíquicas construídas durante a carreira e projetará no paciente suas frustrações e impotências. 4.2 CATEGORIAS DA RELAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE Ao se classificar as categorias da relação profissional-paciente se observa principalmente como as partes se consideram, ou se enxergam no processo de recuperação da saúde. Sendo assim, podemos classificá-las em pelo menos três: A relação Objeto-Sujeito; Sujeito-Sujeito; e Objeto-objeto. (Benetton, 2002) A relação objeto-sujeito, em que o profissional é o sujeito e o paciente o objeto acontece de maneira que o profissional de saúde se coloca como único agente curador, negligenciando a participação do paciente no processo, produzindo uma assimetria abismal entre as parte. O narcisismo profissional o impede de compartilhar a responsabilidade, ele precisa demonstrar que é o grande conhecedor do processo de cura e o paciente precisa apenas obedecer. Neste tipo de relação o paciente é coagido a 30
  • 31. seguir “rituais de cura” do tipo: “Tome estes medicamentos, 3 vezes ao dia, durante as refeições, não tomar sol excessivo, repouso absoluto, retorne em 20 dias, etc. O profissional claramente não se importa com a opinião e nem leva em conta as condições sociais e psicológicas do indivíduo. Por exemplo, ele negligencia o fato de que talvez este paciente não faça três refeições por dia, ou de que talvez, por conta do seu trabalho ele necessite se expor ao sol e que o repouso absoluto durante certo período de tempo poderia fazer com que ele perdesse o emprego, entre outras variáveis individuais. O profissional considera o indivíduo numa visão claramente cartesiana e reducionista. A relação profissional objeto e paciente sujeito acontece mais raramente e geralmente é devido à um postura desmotivada e desinteressada do profissional de saúde ou então pode estar relacionados à fatores burocráticos e impeditivos da instituição em que desenvolve suas atividades ou do sistema de saúde, o que acaba prejudicando a ação profissional. Esta relação se caracteriza principalmente pelo não comprometimento do profissional com a saúde do paciente, perdendo dessa maneira toda a confiabilidade e crédito. O que se estabelece então é uma relação superficial do tipo empregado-patrão em que a prestação de serviço é mecânica e vazia. A relação mais ideal é aquela em que ambos, profissional e paciente, são considerados reciprocamente como sujeitos ativos e agentes no processo. A relação sujeito-sujeito é aquela a qual o profissional divide sua responsabilidade com o paciente, fazendo-o sentir-se dignificado e importante. O sentimento de cooperação e respeito mútuo vigora neste tipo de relação. Os fatores que normalmente impedem o desenvolvimento dela estão relacionados à soberba por parte do profissional e ao medo e insegurança por parte do paciente. Talvez a relação profissional-paciente mais prejudicial é aquela em que ambos são objetos. Trata-se de uma relação em que a desconfiança mútua é o principal sentimento. O profissional encara o paciente como a um enfrentamento, algo que o chateia e o paciente sente-se fragilizado e excluído por sentir necessidade de ajuda e procura o profissional como seu último recurso. Durante a relação à frieza e a formalidade são excessivos e o tempo custa a passar, já que a relação é percebida como um período desagradável o qual ambos são obrigados a vivenciar. 4.3 O SIMBOLISMO 31
  • 32. A comunicação humana é repleta de vícios, silogismos, figuras de estilo e refletem a questão cultural e a personalidade dos indivíduos. As personalidades são padrões duradouros de percepções, relações de pensamento acerca do ambiente e de si mesmo. A personalidade é exibida em uma enorme variedade de complexos sociais e pessoais, que são resultantes de grupos de conteúdo psíquico que passam a atuar no inconsciente influenciando a conduta de maneira autônoma (Benetton, 2002). O conceito de simbolismo está relacionado com a concepção que as pessoas trazem imbutidas à determinadas idéias ou objetos. Simbolismo significa lançar junto, considerar que algo está junto à primeira captação. Na questão específica da comunicação em saúde para o desenvolvimento da relação profissional-paciente, é preciso ter em mente que o objeto de estudo é o ser humano e todas as suas variações, contradições, emoções, interpretações, relações sociais e complexidades. Não é possível estudar essa relação considerando o paciente como uma máquina, sem o aprimoramento dos conceitos de multi e interdisciplinaridade, principalmente da relação entre as ciências humanas e as ciências da saúde. A compreensão do paciente exige simpatia, empatia e uma abordagem holística do indivíduo, amparada no que a psicologia em saúde pode oferecer. O processo de adoecer precisa ser compreendido simbolicamente. Mais do que simplesmente sentir dor ou experimentar uma limitação, a doença se relaciona a todos os aspectos psicológicos do indivíduo. Ao se sentir doente, os sentimentos de impotência, angústia, medo, frustração entre outros podem vir acompanhados da doença. A associação com a morte, o castigo divino, a culpa, a desgraça podem ser representações simbólicas da doença, dependendo dos aspectos culturais do paciente. Não é apenas a doença, mas um desencadear de vários fatores que vêm acompanhados, associados simbolicamente a ela. O próprio indivíduo, ao ser visto como profissional de saúde, é revestido por uma gama de valores simbólicos associados pelo paciente. O profissional quase sempre está relacionado com a saúde, o triunfo sobre a morte, a cura e a esperança. Esse simbolismo é projetado no profissional, que deve ter cuidado para não assimilar esses conceitos de maneira inadequada. Cabe a este interpretar os fenômenos expressos no indivíduo, que podem ter origem mental, corporal, espiritual, social, etc. Geralmente encontram-se interrelacionados, entrelaçam-se simbolicamente, tanto na saúde, quanto na doença. É preciso verificar o fato de que, no nosso contexto econômico, a saúde é algo que se vende. Trata-se de um padrão necessário para aceitação social, que se transforma em mercadoria. Portanto ser saudável é um pré-requisito para que se possa ser aceito 32
  • 33. socialmente. Considerar que exclusão social é um fator decisivo no processo saúde doença nos faz percorrer um círculo vicioso, que só será superado à partir de um novo enfoque. Como somos ensinados à classificar as coisas e os pensamentos, aprendemos a estudar a doença e a saúde como dois opostos. A saúde é o que é bom, desejado, esperado. A doença é o mau, a praga. Aquilo que se combate. Parece indiscutível. Entretanto, a partir de uma visão transdisciplinar e dialética do estudo em saúde acaba-se por se conceber o mundo, as coisas, e o ser humano de uma maneira um pouco diferente. “A sociedade Atual Criou uma concepção de realidade que afasta a idéia de que o sofrimento é inerente ao ser humano. A tecnologia e a ciência criaram uma ilusão de que o ser humano precisa estar perfeito. A menor disfunção precisa imediatamente ser corrigida, não levando em conta que a vida é equilíbrio instável com o meio ambiente. É o consumismo em saúde, imediatista e desesperado sobre as bases de um pensamento ingênuo” (Benetton, 2002) Partindo-se de uma visão transdisciplinar, a saúde e a doença são, na verdade, complementares e indissociáveis para o equilíbrio entre o indivíduo e a natureza, ou seja, não há saúde sem doença quando analisada sob a luz de uma concepção de dinamismo e flexibilidade. Este raciocínio nos permite compreender que a doença é necessária. A saúde plena, a inexistência de sintomas, tende a alienar o indivíduo de sua própria corporaneidade. A doença tem a função de calibrar, desorganizar e reorganizar, a partir de um processo dinâmico de experimentação e vivência. O paciente adoece por estar praticando um benefício para seu equilíbrio psíquico. A psicanálise moderna sustenta a hipótese de que, muitas vezes, o indivíduo busca a doença, ainda que inconscientemente, como uma forma de resolução dos conflitos adquiridos na infância. Conceitos tais como posição esquisoparanóide, complexo de édipo, culpa e vínculo têm sido úteis para auxiliar nossa compreensão. O Complexo de Édipo freudiano, modificado por Melanie Klein, aponta a influência da posição esquisoparanóide, experimentada principalmente durante os primeiros três meses de vida, na produção da ansiedade persecutória, resultante da percepção parcial (“bom e mau”) e um mesmo objeto familiar (relacionado ao pai ou à mãe). Por meio dos mecanismos de introjeção ele busca incorporar as sensações boas, o objeto bom e, do mecanismo de projeção, livrar-se, do objeto “mau”, destruí-lo. Com o fortalecimento do ego o indivíduo começa a desenvolver a percepção integrada dos objetos e, dependendo do grau de frustração sofrido durante a etapa de posição esquisoparanóide maior será o grau de destrutividade relacionado a eles (Objetos familiares – pai e mãe). As sensações 33
  • 34. ambivalentes relacionadas esse objeto, que na verdade é o mesmo de amor e ódio integrado à figura paterna ou materna, permanecerão em conflito durante o desenvolvimento adulto. Esse conflito inconscientemente impulsiona o indivíduo a adquirir a doença como forma de resolução de seus conflitos edípicos. Ferreira, (2003) em seu estudo com paciente com AIDS utiliza este suporte teórico psicanalítico para explicar parcialmente, o motivo da infecção ocorrida entre indivíduos que possuíam informação sobre os métodos de contágio e prevenção e que mesmo assim se infectaram: “A partir dos estudos da psicanálise, estamos inclinados a crer que a contaminação pelo HIV não de deu por acaso, porém foi procurada como uma tentativa de resolução de conflitos infantis relacionados com o complexo de Édipo. O indivíduo, agora adulto busca aplacar sua culpa, resultante dos sentimentos persecutórios desenvolvidos na infância, expondo-se à contaminação e ao sofrimento de ter AIDS.” (Ferreira, 2003) Para muitos pode parecer uma heresia, um disparate afirmar que a doença trás benefícios ou que é procurada pelo indivíduo, principalmente quando analisado à partir do modelo biomédico reducionista. Entretanto, a doença tem seu papel indiscutível, que é o de conscientizar o indivíduo de sua condição vulnerável e efêmera. Isso leva a um novo patamar de entendimento de si próprio, necessário para que se alcance o “equilíbrio saúde-doença” como resultado de um conflito dialético perpétuo. (Benetton, 2002) 4.3.1 Curar e cuidar Etimologicamente as palavras curar e cuidar possuem significados semelhantes, todavia no dias de hoje se dá uma importância muito maior à primeira, pois está relacionada com a eficiência da superação da doença e o alcance da saúde. A palavra cuidar tem relação simbólica com características femininas. O papel da mulher na sociedade, construído historicamente, nos remete deste os tempos primitivos a sua atividade de cuidado, atenção e carinho. A mulher, delicada e sensível, cuidava dos bebês e fazia a comida. O homem, mais rústico e forte, caçava e pescava. Essa relação de tarefas continua bastante presente, mesmo nos dias atuais, em que a mulher tem conquistado muitos direitos frente ao preconceito e ao machismo. A herança histórica, no entanto, influencia, ainda que inconscientemente, este simbolismo em relação ao gênero. Há alguns anos atrás a profissão de enfermagem era necessariamente uma profissão feminina, pois envolvia os aspectos de cuidado e carinho por parte deste profissional. A medicina passou a se tornar a ciência da cura e foi massivamente ocupada por homens, por seu caráter associado ao raciocínio prático,lógico e mecânico. Com os avanços da ciência e da tecnologia e o triunfo do modelo capitalista, o cuidado foi negligenciado. A 34
  • 35. prática em saúde que antes era regida por um princípio de acolhimento e conforto foi substituído por um princípio de resolutividade e imediatismo. “Assistir é muito mais do que curar, é cuidar, mesmo que não objetive a cura ou leve a ela. Cuidar para Leininger (1988) é promover, manter, recuperar a saúde ou originar melhores condições de vida através de meios que vão além das necessidades físicas, emocionais e sociais dos indivíduos. Ou seja, existe uma predisposição em reproduzir a visão de mundo compatível com o paradigma emergente e isto levou Capra (1990) a afirmar que as ‘enfermeiras se colocam na vanguarda do movimento holístico da saúde’” (Marcon; Elsen, 1999) O cuidado é a essência da atividade em enfermagem, entretanto as demais profissões de saúde necessitam desenvolver essa atividade dentro de seu campo de trabalho ao estabelecer contato direto com o paciente. Na atenção farmacêutica, mais do que aconselhar sobre como usar um medicamento, o farmacêutico precisa ter a preocupação com o resultado da medicação em favor da qualidade de vida do paciente. Isso faz com que a relação dê um salto de qualidade. O mesmo vale para médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e demais profissões da área da saúde. A execução de uma tarefa pertinente a sua qualificação profissional deve buscar um objetivo final que seja comum: auxiliar a recuperação através do cuidado, que pode ter como resultado também a cura ou o controle da patologia. 4.4 AS REAÇÕES PSICODINÂMICAS FRENTE AO STRESS E À DOENÇA Segundo Benetton, (2002) são descritos, de maneira semelhante por vários autores [Kubler-Ross (1981), Nichols (1985), Abrams e cols. (1986) e Assumpção (1987)] cinco fases pelas quais os pacientes passam quando descobrem que estão doentes. Essas fases são reações, mecanismos de defesa do psiquismo em busca da auto-preservação psíquica. Elas geralmente obedecem uma ordem de acontecimento acompanhando a evolução do processo de convivência com a nova realidade. Negação, ira, barganha, depressão e aceitação, são normalmente as reações observadas durante esse processo de adaptação psíquica. A Negação é um mecanismo de defesa psíquico imediato em resposta a noticia da doença, é a não aceitação da nova realidade, a fuga da verdade, que provoca dor e sofrimento. A duração desse quadro é variável, dependendo muito da patologia e da situação psicológica do indivíduo. Ao profissional cabe a tarefa de acompanhamento desse paciente, procurando paulatinamente fazer com que se tome consciência da nova 35
  • 36. realidade. A partir do momento em que não for mais possível negar a doença, a negação dá lugar a Ira. A ira é um sentimento secundário de defesa. O paciente na verdade se sente injustiçado, acredita não ser merecedor da doença e, em alguns casos a percebe como um castigo resultante de transgressão moral. A frustração devido aos limites impostos pela nova realidade gera a sensação de raiva, que é a maneira que o paciente encontra de tentar manter sua dignidade. É a reação de quem prenuncia o desprezo, a exclusão e a morte. A partir do momento em que não se pode mais negar, nem culpar alguém é que surge o mecanismo de barganha. Ela significa que o paciente já está consciente de sua própria condição e das limitações da nova realidade. Agora o paciente procura encontrar soluções para superação das limitações ou para a adaptação a elas, pois já compreende sua situação, principalmente quando se trata de doenças crônicas, como diabetes. Em alguns tipos de enfermidade, a barganha pode dar lugar à depressão. A depressão neste caso é entendida como uma espécie de rebaixamento do humor que é resultado da presença da enfermidade primária, também chamada de depressão reativa à doença propriamente dita. Há uma tendência a não colaboração, pois o paciente torna-se triste e desesperançoso frente a sua sensação de impotência. Em caso de pacientes portadores de doenças muito graves cujo desfecho inevitável é a morte prevista dentro de um tempo estabelecido, outro tipo de depressão se apresenta no paciente, a chamada depressão preparatória. Essa é a fase que antecede a aceitação do inexorável destino de falecimento em breve. A aceitação é a última fase desse processo. A aceitação não deve ser confundida com resignação ou desistência. Em casos de doenças crônicas, a aceitação é condição necessária para que o paciente consiga restituir o equilíbrio dinâmico, assimilando as superações impostas pela doença e restituindo sua autonomia a partir de uma releitura de valores que culmina em uma vida mais saudável e prazerosa. Em caso de doenças terminais, a aceitação pode ser considerada um entendimento tranqüilo de sua condição, e um período de reflexão filosófica sobre o inevitável encontro com a morte. 4.5 O PROFISSIONAL DE SAÚDE E O ARQUÉTIPO DO CURADOR O processo de evolução histórica do conceito de profissional de saúde remete aos tempos primitivos dos shamans, quando se acreditava que a doença estava relacionada 36
  • 37. com o castigo divino ou com os espíritos maus. Era função dos shamans estabelecer contato com o ser divino e aplacar sua ira, assim como afastar os espíritos maus de dentro do paciente. O poder do shaman é único, pois somente ele tem as habilidades para conversar com os deuses e curar o indivíduo. Outro momento histórico muito relevante para a construção da imagem arquetípica do profissional de saúde é durante o império grego em que as representações divinas do politeísmo aproximava muitíssimo alguns Deuses à figura do profissional de saúde, como é o caso de Eros e de Baco. Com o surgimento do cristianismo, uma nova visão dialética da saúde começa a surgir. Jesus Cristo agora é grande curador ao realizar milagres de cura por onde passava. (Benetton, 2002) O arquétipo do Curador assume uma representação que se aproxima do divino. Essa representação coletiva cria expectativas sobre o profissional de saúde que podem produzir a intoxicação da relação com o paciente. O profissional busca atender expectativas que estão além de sua capacidade e acaba fazendo uso indevido da representação simbólica que lhe é atribuída. Como não pode ser Deus, o profissional age de maneira semelhante para atender a expectativa do paciente, fazendo uso dos “poderes que lhe são atribuídos”, tais como onipotência e autoridade divina. Utilizar essa estratégia serve apenas para eclipsar sua incapacidade de atender àquilo que o paciente espera do profissional. O resultado é a intoxicação da relação, processo no qual ambas as partes acabam se frustrando. O profissional precisa ser honesto com o paciente, desmistificar sua profissão e buscar em uma relação de confiança e colaboração os resultados em saúde. A relação-profissional paciente precisa ser entendida como uma relação entre dois seres humanos. O profissional de saúde presta ajuda a si próprio ao ajudar o paciente. O altruísmo em saúde serve também para melhorar sua própria condição, pois ao se dispensar amor ao próximo, no fundo busca-se reparar o amor próprio. Compreendendo essa dinâmica é possível inferir que o amor próprio e o amor ao próximo são na verdade dependentes entre si. Em uma representação cristã, o profissional é o irmão e não o Pai. O modelo médico de saúde, entretanto, criou um afastamento formal do sentimento de amor em uma relação profissional, o que favorece a superficialidade dessa relação. “Há uma resistência à admissão de quanto o amor, o interesse, a dedicação franca, a aproximação afetiva, o toque caloroso e quantas outras intenções ou gestos desta categoria possam ter peso ou importância no processo de reestruturação da saúde. Há uma vergonha em amar, ou ainda a mesma resistência desses fatores pode adoecer ou piorar o estado de saúde de uma pessoa.” (Benetton, 2002) 37
  • 38. A dialética traz para a profissão de saúde a união entre o subjetivo e o objetivo. As profissões de saúde podem ser consideradas agora ciências humanas, além de biológicas. O profissional de saúde sem compreender a concepção humanística e holística da saúde é mero utilizador de tecnologia. A concepção arquetípica do profissional de saúde endeusado e onipotente perturba a qualidade da relação profissional paciente. A comunicação honesta, sincera e horizontal é condição necessária para o estabelecimento de uma relação positiva que atinja a sua finalidade terapêutica. 38
  • 39. 5 A COMUNICAÇÃO EM SAÚDE 5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A COMUNICAÇÃO É da natureza humana se comunicar, pois se trata de um ser sociável que possui habilidades cognitivas bastante desenvolvidas, o que possibilita que essa comunicação aconteça de tal peculiar maneira que influencie historicamente o desenvolvimento humano. Logo, é uma ferramenta que se aprimorou com o seu desenvolvimento sendo que foi concomitantemente uma das causas de sua própria evolução por seu papel determinante na evolução humana. Nós pensamos, refletimos, agimos e posteriormente refletimos sobre as ações realizadas. Existe algo nos seres humano que lhes permite compartilhar com seus semelhantes a vivência do processo histórico por meio da comunicação. “A comunicação é vista como ‘performance, execução e desempenho relacional’ e surge como processo de construção de modos de realidade social e não um mero intercâmbio de mensagens, não sendo, portanto, um modelo linear. Essa visão está em consonância com um vir a ser de forma interdisciplinar, criativo com a integração de saberes”. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005) As teorias da comunicação estruturam o conhecimento sobre o assunto levando em consideração o indivíduo e a sua relação social e cultural, que são como fatores dinâmicos e interdependentes. A construção do aparelho psíquico do modelo Freudiano se dá essencialmente através da percepção sensorial e da comunicação intrapessoal, interpessoal, de grupo e cultural. Essa comunicação é de extrema relevância na construção do superego, do Eu e da mente como derivação dos processos sociais cognitivos e definições geradas por ele. Quando uma criança sente alguma necessidade, algum desconforto, procura de alguma maneira comunicar esse desconforto. Essa comunicação se faz por sons desconexos ou por gestos relativos à sensação. Com o passar do tempo, a criança assimila os códigos verbais que a levam à satisfação de suas necessidades mais eficientemente. A comunicação se dá, portanto, considerando-se variáveis que a influenciam e que são influenciadas por ela num processo dinâmico e interdependente. Uma característica importante da comunicação humana é que ela não se limita ao presente, mas permite que fatos que aconteceram no passado possam ser sistematizados, documentados e 39
  • 40. passados aos outros, como forma de aprendizado para nortear decisões futuras. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005) O ser humano é indissociável da comunicação. Mesmo o esforço no sentido de não se comunicar expressa a comunicação desse esforço. Qualquer forma de comportamento comunica uma mensagem. As variáveis que influenciam a comunicação são tantas e tão dinâmicas que é possível afirmar que uma comunicação, a rigor, jamais se repete. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005) Quando um indivíduo sente dificuldade em se comunicar, seja devido a uma questão lingüística ou cultural, sentimentos relacionados à solidão, incapacidade e abandono acompanham esse fato. Pacientes, já fragilizados pela doença, são ainda, na maioria das vezes, desestimulados a se comunicarem no modelo assistencial biomédico de saúde que coloca o profissional como único sujeito do processo. Este exemplo nos faz refletir sobre a necessidade da melhoria das relações de comunicação como ferramenta fundamental no processo terapêutico. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005) 5.1.1 Principais teorias da comunicação O estudo da comunicação interpessoal leva em conta a necessidade de aproximação, aceitação, afeição e controle na interação entre dois indivíduos, como eles se percebem e se compreendem, os diferentes graus de rejeição e atração e suas variáveis e a geração do conflito interpessoal resultante de concepções e interpretações divergentes. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005) É importante notar que a comunicação interpessoal é aquela que está mais marcadamente presente na relação profissional-paciente. A comunicação em grupos surge da necessidade em se manter o grupo enquanto esta formação ainda é vantajosa no sentido de atender as expectativas individuais de seus componentes. A dinâmica das relações em grupo se estabelece através de relações interpessoais com o objetivo de proporcionar um nível ótimo de satisfação a todos os seus membros. Essa satisfação deve estar relacionada com as expectativas de alcance de determinados objetivos. Em uma interação de um grupo multiprofissional, por exemplo, espera-se que os objetivos sejam muito semelhantes e a organização em grupo aconteça por se entender que desta maneira estes objetivos serão alcançados mais fácil e eficientemente. Surge daí a necessidade de desenvolvimento de técnicas de comunicação interpessoal dos membros do grupo. A comunicação no contexto de uma organização humana é um fator central para o funcionamento dessa organização. A preocupação com a transmissão de mensagens, 40
  • 41. seja hierárquica ou horizontalmente, é sempre um desafio durante a formulação de estratégias administrativas. Em um hospital, por exemplo, a comunicação administrativa está relacionada com a transmissão de mensagens que expressem idéias, fatos ou ordens. Neste exemplo, existe ainda a comunicação com o paciente, que acontece mediante os profissionais de saúde e que faz parte do processo de recuperação deste paciente. Além desses dois tipos de comunicação, há também aquilo que se chama de sistema de comunicação, que consiste na aplicação de recursos de comunicação gráfica, audiovisual e de sinalização. Qualquer falha que ocorra no âmbito da comunicação nessa organização repercutirá em prejuízo da qualidade da assistência prestada pela instituição ao paciente. Outra forma de comunicação que influencia nosso cotidiano é a chamada comunicação de massa, em que a mensagem é aquela veiculada através da mídia, de uma fonte para um grande número de receptores. Existe aqui a necessidade de se compreender o conceito de massa, para que se possa compreender a natureza da comunicação de massa. Segundo a corrente hipodérmica da comunicação, a massa seria definida como um grupo de indivíduos que estão isolados de suas referências sociais, que agem de maneira egoísta buscando a própria satisfação. “Uma vez perdido na massa, a única referência que um indivíduo possui da realidade são as mensagens dos meios de comunicação”. Existem vários tipos de teorias da comunicação de massa. O modelo estrutural infere que as mensagens transmitidas são interpretadas de maneiras diferentes, de acordo com o público receptor. Essas interpretações dependem do conteúdo da mensagem, a qual geralmente se acompanha carregada de um valor simbólico que é socialmente construído. A mensagem pode ter vários efeitos no público alvo e depende muito do seu real objetivo. Ela pode ser transmitida com o intuído de informar, de entreter e de divulgar. Entretanto a comunicação de massa contemporânea pode trazer alguns elementos nocivos de acordo com os interesses do emissor, quando se caracteriza pela intenção de alienar o pensamento, estabelecer padrões de comportamento que interessam a uma classe dominante, construir uma idéia equivocada para benefício de uma minoria ou simplesmente para sustentação do atual sistema. Neste sentido outra teoria de comunicação, chamada teoria crítica da comunicação se apresenta bastante atual e coerente: “Inaugurada pela Escola de Frankfurt, a Teoria Crítica parte do pressuposto das teorias marxistas e investigam a produção midiática como típico produto da era capitalista. Desvendam assim a natureza industrial das informações contidas em obras como filmes 41
  • 42. e músicas: temas, símbolos e formatos são obtidos a partir de mecanismos de repetição e produção em massa, que tornam a arte adequada para produção e consumo em larga escala. Assim, a mídia padroniza a arte como faria a um produto industrial qualquer. É o que foi denominado indústria cultural. Nesta, o aspecto artístico da obra é perdido. O imaginário popular é reduzido a clichês. O indivíduo consome os produtos de mídia passivamente. O esforço de refletir e pensar sobre a obra é dispensado: a obra ‘pensaria’ pelo indivíduo”. (Wolf, 1995) A relevância dessa categoria de comunicação na construção do valor simbólico do medicamento, por exemplo, trouxe várias conseqüências para a profissão farmacêutica e a saúde pública. Mensagens que estimulam o uso irracional de medicamentos criaram uma distorção da realidade com base na desinformação e na desonestidade, o que favorece aos interesses de grandes corporações em detrimento do bem-estar social. Segundo a reportagem de setembro de 2009 da revista Super Interessante, cerca de 30 a 40% de todo o lucro das indústrias farmacêuticas é reinvestido em ações de marketing. As punições em forma de multa aplicadas às indústrias por veicularem propagandas ilegais representam apenas 0,06% do montante investido em marketing. A padronização do comportamento humano de acordo com interesses dominantes trás consigo a estagnação do desenvolvimento cultural, científico, social e pessoal. Durante o desenvolvimento de uma atuação profissional, o processo de comunicação muitas vezes acontece em todos os níveis, desde o intra e inter-pessoal até o de comunicação organizacional e de massa. O conhecimento das terias da comunicação é importante para que haja uma reflexão crítica e um aprofundamento teórico do assunto, que podem auxiliar o profissional a compreender melhor a dinâmica e a complexidade da comunicação em saúde. 5.2 - OS ELEMENTOS DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO DE SAÚDE Para que haja comunicação é necessário que alguém sinta a necessidade de transmitir alguma mensagem. Esse alguém, o emissor da mensagem utiliza recursos de linguagem, tais como a escrita, a fala, os gestos corporais e suas variações para se expressar, influenciado por sua cultura, suas crenças e valores. O pleno sucesso da transmissão da mensagem acontece quando o receptor a interpreta de acordo com aquilo que o emissor buscava evidenciar. O sentido da mensagem (enviada pelo emissor e interpretada pelo receptor) deve ser comum ou muito semelhante. A confirmação desse objetivo se consegue através de uma resposta ou “feedback” do receptor. Essa resposta 42
  • 43. precisa existir pelo fato de a comunicação ser um processo recíproco. A comunicação pode ser considerada positiva quando produz um efeito no receptor, seja ele físico, emocional ou cognitivo. Significa que a mensagem foi percebida e gerou uma resposta. Em um processo de comunicação entre o profissional e o paciente pode acontecer de o paciente não concordar com as sugestões ou conselhos a ele comunicados, entretanto, isso pode significar que a comunicação teve sucesso, pois, ainda que não tenha sido convincente, a mensagem foi entendida pelo receptor. (STEFANELLI; CARVALHO, 2005) As variáveis mais comuns envolvidas, e que interferem no processo de comunicação estão relacionadas, principalmente com os atores da comunicação, o linguajar e o ambiente. A primeira mensagem que um profissional de saúde comunica ao paciente é o seu humor e a essência de sua personalidade. A percepção consciente de si próprio deve compreender o efeito produzido no paciente. A compreensão do paciente por parte do profissional e o efeito que este produz naquele pode ser um passo importante para o estabelecimento de uma relação sincera e de confiança. O entendimento do paciente e de si próprio como seres humanos responsivos a estímulos emocionais, físicos, culturais e sociais, a percepção da condição humana fragilizada do outro e as diferentes respostas frente a essa realidade permitem que a atitude profissional seja pondera e benéfica. A linguagem utilizada deve ser aquela que melhor se adéqüe ao contexto cultural do paciente. Seria incoerente e até mesmo estúpido explicar ao paciente diabético, por exemplo, que seu medicamento age inibindo a enzima Hidroxi-Metil-Glutaril Coenzima-A Redutase. Essa atitude demonstraria apenas insegurança e intenção de verticalizar a relação por parte do profissional. O objetivo da mensagem é que ela seja percebida, decodificada e assimilada pelo paciente e não o contrário. A linguagem do cuidado em busca da recuperação precisa ser a da colaboração, do compromisso e da atenção. Para tanto a utilização de um vocabulário que permita clareza e compreensão mútua é imprescindível. A questão ambiental está relacionada com a comunicação não verbal e será discutida mais adiante com maior cuidado. Trata-se, simplificadamente, das mensagens que o paciente percebe do ambiente e de como ele as interpreta. O ambiente precisa ser condizente com as atividades realizadas nele e deve oferecer um mínimo de conforto para que o paciente se sinta a vontade e seguro. Temperatura, fluxo de pessoas, luminosidade, limpeza, os objetos e sua disposição influenciam contundentemente a mensagem verbal. 43